Mc 1.1-8
1 Princípio do evangelho de Jesus Cristo, Filho de
Deus.
Quando Marcos escreveu o
evangelho que traz o seu nome já havia outros relatos a respeito de todo o ministério
de Jesus – entretanto, foi ele o primeiro a escrever um relato sistemático dos
feitos do Senhor Jesus, contando com a memória de Pedro, testemunha ocular, e
dele mesmo, presente em pelo menos um momento.
Seu propósito não é escrever
um evangelho, simplesmente, mas anunciar do começo ao fim as boas novas, o
evangelho, a boa notícia que ao mesmo tempo é a respeito de Jesus, isto é, é
sobre Jesus, mas, também, pertence a Jesus, sendo ele próprio a boa nova.
Naqueles dias havia entre os judeus o que se convencionou chamar de
"esperança messiânica", a expectativa de que o Messias, o enviado de
Deus para inaugurar um reino eterno e justo logo chegaria. Esta esperança era
encontrada na figura de um grande líder religioso à semelhança de Moisés, ou,
ainda, na de um grande líder militar, como Davi. De certo é que os judeus
esperavam um Messias que fosse grande aos seus olhos, e grande aso olhos do
mundo – obviamente esquecendo-se das profecias a respeito dele, especialmente
as de Isaías. Esta esperança de glória terrena explica o motivo pelo qual Jesus
foi tão prontamente rejeitado pelas lideranças judaicas – ele, embora sendo o
prometido, não era o que eles esperavam que fosse.
Marcos, escrevendo após a
ressurreição de Jesus, lembra que o que ele efetivamente é: o Messias, o
prometido, e mesmo rejeitado ele não deixou de ser o filho de Deus, o Deus que
se fez carne trazendo boas novas de salvação, evangelizando a paz entre Deus e
os homens. Mas ele fez isso pela humildade, pelo ensino e não pela guerra. Ele
sempre deixou claro que seu reino não é deste mundo, mesmo sendo questionado
diversas vezes quanto a este assunto.
A ORIGEM DIVINA E
ETERNA DO EVANGELHO
2 Conforme está escrito na profecia de Isaías: Eis aí
envio diante da tua face o meu mensageiro, o qual preparará o teu caminho;
O evangelho não veio como uma
novidade. Ele não é uma boa nova no sentido de que é uma novidade boa, mas
inédita. Ele é uma boa nova no sentido de que é o anúncio de uma notícia há
muito esperada. A nova é que o prometido chegou, que aquele que fora anunciado
no Éden (Gn 3:15), lembrado por
Moisés (Dt 18:15) e descrito com
riqueza impressionante de detalhes por Isaías, justamente lembrado aqui como a
representação da palavra profética que fora previamente anunciada e registrada
para que não houvesse dúvidas da sua origem – não é uma boa nova criada e
controlada por homens, mas veio de Deus.
O evangelho, a boa nova de
Jesus é exatamente o que havia sido anunciado anteriormente, mas, ao mesmo
tempo, confirma o que foi registrado profeticamente no Antigo Testamento. Foram
homens que registraram, mas foram homens que foram especialmente escolhidos
para falarem da parte de Deus (II Pe
1:21). E é a fala de Deus que é lembrada pelo evangelista Isaías, chamado
de "o profeta evangélico" por ser o que mais ricamente descreveu o
ministério de Jesus, desde a sua concepção até a sua glorificação.
Marcos diz que o evangelho é
a manifestação da encarnação do filho de Deus, algo que deve ser olhado,
contemplado, recebido por todos, ao mesmo tempo que os não enviados devem ser
rejeitados. Somente o enviado pelo próprio Deus deve ser recebido. Os
voluntários de si mesmo (Jr 27.15)
devem ser rejeitados, devem ser notados e considerados inúteis. Diante da face
dos homens foi posto aquele que deveria ser criteriosamente observado, julgado
segundo a Palavra de Deus e atendido em sua convocação. Ele era o mensageiro do
Senhor, e não de si mesmo. Não era um ser espiritual, mas um mensageiro
devidamente habilitado para cumprir cabalmente seu ministério, tornar pronto,
equipado e devidamente preparado o caminho para o Messias – caminho que não era
outro do que os súditos andarem dignamente diante do Senhor seu Deus.
3 voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do
Senhor, endireitai as suas veredas;
O mensageiro é devidamente
chamado de voz, pois era isto o que o profeta era, um porta-voz, através dele
deveria ser entregue o discurso – mais que uma pessoa que clama, o que
importava era a mensagem a ser ouvida. E isto o mensageiro estava fazendo,
clamando, falando em alta voz no deserto, em regiões inóspitas e inapropriadas
para cultivo, mas era, também, um deserto de espiritualidade, um rebanho que
não tinha um guia que deveria ouvir a sua mensagem. O clamor de João era uma
ordem divina para que os súditos do rei se preparassem, ficassem prontos porque
eles agora já sabiam que o rei estava chegando, como era comum nos tempos
antigos um rei mandar um arauto para que o povo preparasse as estradas e suas
casas para, eventualmente receberem o rei, o caminho real, o caminho que é do
Senhor, deveria ser endireitado, seus próprios caminhos deveriam ser
corrigidos, os caminhos tortuosos deveriam ser tornados em veredas retas
imediatamente, isto é, caminhos usados, conhecidos e já gastos, confiáveis.
4 apareceu João Batista no deserto, pregando batismo
de arrependimento para remissão de pecados.
É no deserto, onde ninguém
cultivava nada, ou num rebanho totalmente corrompido e extraviado, de corações
incultos, que aparece João, aquele que não era para ser. Filho de um casal
idoso e estéril, nascido de maneira miraculosa, de repente surge a figura de
João, o batizador, que convocava o povo para participar de uma lavagem ritual
comum em sua época. João convocava, com autoridade de um emissário real, o povo
a sair de suas casas, de suas cidades, e se dirigirem ao deserto e ali, de
maneira formal e pública, confessarem que eram pecadores, que não estavam
agindo de conformidade com a lei de Deus. João pregava com ênfase, proclamando
formalmente com autoridade que deve ser ouvida e obedecida, que o povo deveria
se apresentar para o batismo demonstrando seu arrependimento para que
obtivessem perdão ou indulto de seus pecados – eles deveriam admitirem que
eram, de fato, violadores das leis divinas (At 19.18), em pensamentos e atos, desviados do caminho de retidão e
honra.
5 Saíam a ter com ele toda a província da Judéia e
todos os habitantes de Jerusalém; e, confessando os seus pecados, eram
batizados por ele no rio Jordão.
Como na profecia de Ezequiel,
o vale ermo se enche de vida, e saíram a ele multidões de toda a Judéia,
atendendo a mensagem exortatória de João, expondo-se publicamente a serem
vistos e reconhecidos, e certamente seus conhecidos iriam, no mínimo, inquirir
internamente qual o pecado que eles haviam cometido. Isso pouco importava –
quem estava, de fato arrependido, foi até João no rio Jordão: gente de toda a
região, não exatamente todas as pessoas, mas pessoas que representavam todos os
lugares da Judéia e todos os (tipos de) habitantes de Jerusalém. Todos com uma
só atitude: todos saíam de suas casas, de seu conforto, de seu estilo de vida
que escondia suas práticas e foram ao deserto confessando seus pecados, isto é,
homologando, concordando com a proclamação de João de que eram pecadores, sua
atitude era a de confissão de seus próprios pecados e não a atitude condenatória
a apontar os pecados de outras pessoas e, assim, todos eram batizados sob a
autoridade (Mt 21:25 - Donde era o
batismo de João, do céu ou dos homens? E discorriam entre si: Se dissermos: do
céu, ele nos dirá: Então, por que não acreditastes nele?) que ele possuía . E
todos foram a ele
A RELEVÂNCIA DO
MENSAGEIRO
6 As vestes de João eram feitas de pêlos de camelo;
ele trazia um cinto de couro e se alimentava de gafanhotos e mel silvestre.
A importância da mensagem não
pode ser, em hipótese alguma, ofuscada pelo mensageiro. Por isso João aparece
vestido de uma maneira simples, ele se vestia com uma túnica feita feitas de
pelos de camelo - não de uma pele de camelo, mas de pelos (que podem chegar a
40cm e tecidos normalmente em vestes comuns), como na maioria das vezes somos
tentados a imaginar por causa das representações que se fazem, ele trazia em
torno de 'si' um cinto feito de couro próprio para roupas fluídas e comia gafanhotos
, provavelmente a locusta, muito consumida na região do oriente médio em
períodos de escassez, seca ou torrada com sal, e em alguns casos até ao
natural, animais que os israelitas estavam autorizados a comer [Lv 11.22] e mel selvagem , não
cultivado.
O CONTEÚDO DO
EVANGELHO
7 E pregava, dizendo: Após mim vem aquele que é mais
poderoso do que eu, do qual não sou digno de, curvando-me, desatar-lhe as
correias das sandálias.
João, embora sendo
considerado o mais importante nascido de mulher (Mt 11:11) ainda assim não se considerava importante (Jo 3:30). João não veio para ser visto,
mas para ser ouvido porque ele só seria importante na medida em que proclamasse
com fidelidade a mensagem que lhe fora confiada: o rei estava às portas, o
Messias tão esperado finalmente estava chegando. E João entregava sua mensagem ,
anunciando-a como um arauto, provido de autoridade superior, uma autoridade que
não poderia ser questionada ou desobedecida na medida em que ele fosse fiel ao
conteúdo recebido, dizendo a todos, com palavras de exortação: Após , isto é, depois
em relação ao tempo, e não em lugar ou honra, mim vem e se fará conhecer
publicamente de maneira que sua influência e poder sejam vistos inequivocamente
aquele de quem eu não [ou] sou eu suficientemente digno ou habilitado para,
prostrando-me , desamarrar as correias das suas sandálias – uma função
reservada ao escravo menos habilidoso, ou, dito de outra maneira, ao escravo
mais inútil de uma casa. E João, o mais importante dentre os nascidos de
mulher, considerava-se a si mesmo importante apenas no desempenho de sua
missão, e mais nada, a ponto de, na primeira oportunidade, orientar seus
discípulos a seguirem a Jesus (Jo
1.34-37).
A PROMESSA DO
EVANGELHO
8 Eu vos tenho batizado com água; ele, porém, vos
batizará com o Espírito Santo.
Mas qual era a mensagem que
João devia entregar mesmo? Antes dele outros profetas também chamaram o povo ao
arrependimento. Profetas como Oséias chegaram a viver uma vida conjugal
extremamente sofrida pra ilustrar o que Israel e sua infidelidade faziam com
Deus. Elias falava em meio a mais generalizada apostasia, Jeremias experimentou
o cerco e o exílio. Isaías proclamava arrependimento a um povo de coração duro
e que se endurecia cada vez mais com a sua mensagem. O que, afinal, João tem de
diferente? João batizava da mesma maneira que alguns grupos religiosos do seu
tempo batizavam, como os essênios (intelectuais pseudocristãos chegam a
acreditar que João era um essênio dissidente ou um admirador). João não se
relacionava com os poderosos do seu tempo, à semelhança dos zelotes. O que João
tem de diferente: ele trazia a certeza de que a promessa há muito aguardada (Jl 2:28-29) estava para se cumprir – o
Messias estava às portas e ele batizava simplesmente com água aqueles que
demonstravam arrependimento (Mt 3:2)
enquanto condenava os que simplesmente seguiam a multidão no movimento mais
popular do momento (Mt 3.7-9). Mas a
peculiaridade de João é que ele anuncia que a promessa está às portas, está
para se cumprir. Foi para isso que ele veio, para anunciar que era chegado o
tempo do arrependimento para os crentes e do julgamento para os impenitentes, e
que o verdadeiro batismo, do Espírito Santo, seria finalmente ministrado pelo
filho de Deus.
Quero convidar você para
olhar para este relato de Marcos sob a ótica de três personagens que se
destacam. Todos os três estão ativamente envolvidos para que esta história
aconteça.
DEUS, O AUTOR DA
MISSÃO
O primeiro e mais importante
personagem desta história é Deus. Ele é o originador de tudo o que é relatado.
É ele quem tomou a iniciativa de prometer um precursor e o Messias. Foi ele
que, antes do Messias, escolheu um homem velho e uma mulher estéril para
dar-lhes um filho extemporâneo chamado João. E é ele quem envia adiante do
Messias e diante de todo o povo o seu mensageiro.
Também é ele quem determina o
conteúdo da mensagem – os caminhos estão tortuosos, as estradas estão
intrafegáveis, as vidas e corações estão estéreis e sem cultivo. E a mensagem
para todos os homens, religiosos ou não, fariseus ou publicanos, zelotes ou
essênios, cultos ou iletrados, ricos ou pobres é uma só: endireitem os seus
caminhos, consertem suas vidas, façam melhores escolhas, ou, melhor, façam a
escolha certa, que não confiem em sua pretensa sabedoria mas que andem no
caminho do Senhor (Pv 3.5-7).
JOÃO, O BATIZADOR,
ENVIADO POR DEUS
O segundo personagem é João,
o batizador. Após 400 anos sem que se levantasse profeta em Israel surge alguém
que é reconhecido pelo povo como profeta, e temido pelos maus religiosos (Mc 11.30). 400 anos de silêncio e mais
uma vez o espírito que impulsionara Elias impulsiona novamente outro profeta (Ml 4:5) conforme o próprio Jesus atesta
(Mt 11:14). João tinha uma missão e
a cumpriu. Foi fiel, este era seu propósito e isto lhe bastava. Após cumpri-lo,
após mostrar que o Messias havia chegado, entende que é o momento de sair de
cena. Foi fiel, e isto lhe bastava. A mensagem sobre o Messias ainda precisa
ser anunciada com fidelidade – e ainda está sendo pregada com fidelidade. O Messias
já veio. O cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo já é conhecido.
OS OUVINTES E SUA
RESPOSTA
O terceiro personagem não tem
nome. Ou tem o seu nome. Além daquele que envia, e do que é enviado com uma
mensagem clara de arrependimento, confissão de pecado e vida reta, existe também
aquele que recebe a mensagem. As multidões da Judéia e de Jerusalém eram o público
de João – e você é o alvo do evangelho hoje. É para você que Deus envia a
mensagem – é para você que o mensageiro apresentou a mensagem. E é de você que é
exigida uma resposta. Naqueles dias houve os que foram a João arrependidos,
confessando seus pecados. Também houve os que se apresentaram sem
arrependimento, conheceram a mensagem mas não a atenderam.
Mas o que importa para nós neste
momento não é o que fizeram, mas o que você fará. Que atitude tomará! Não adianta
esperar outro João Batista, ou outro Elias… os judeus esperavam Elias e não viram
quando o mensageiro chegou porque não queriam ouvir a mensagem que ele tinha
para eles – seus caminhos precisavam ser consertados, sua vida deveria ser
digna de receber o Senhor.
Era e é hora de ouvir a
mensagem, atender ao chamado. E fazer a coisa certa. E você? O que fará?