quarta-feira, 8 de maio de 2019

A IGREJA SOB HOLOFOTES [III]

E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações (At 2.42).
Consideramos a Igreja como a comunidade dos que creem em Jesus Cristo como seu Senhor e Salvador de acordo com as Escrituras. Se esta característica for desprezada, nada mais sobra. A Igreja deixa de ser o corpo de Cristo para ser uma instituição humana como outra qualquer. Partindo do princípio de que a comunidade dos que creem é o corpo de Cristo, então devemos notar que a Igreja é uma comunidade, um corpo que vive em comunhão, que busca o próprio bem estar. Membros da verdadeira Igreja não intentam o mal uns contra os outros porque senão devem ser considerados como um câncer desobediente (Jo 14.15) inserido no corpo que nunca experimentou o amor de Cristo (1Jo 4.8).
O que me chama a atenção na Igreja é a perseverança na prática do que é bom. Não há proveito algum, e algumas vezes há até males, em continuar insistentemente fazendo o que bem entende. Isto nem deve sequer ser considerado como perseverança, mas como ímpia teimosia. Um dos grandes problemas de Israel é que aquela nação se caracterizava por ser um povo de dura cerviz, isto é, um povo que, não muito diferente da Igreja contemporânea, persevera em seus próprios e maus caminhos.
Apesar de entendermos a palavra doutrina como indicativo de algo árido, acadêmico, não era neste sentido que Lucas dava à palavra didaxh (de onde vem a palavra portuguesa didática). O didakê era o ensino por meio de palavras que se expressava em ações. Era incompreensível para a Igreja primitiva que alguém pudesse dizer que havia aprendido de Cristo mas este aprendizado não se expressasse em ações concretas. Tiago, um dos autores do Novo Testamento, nos diz que a mera aceitação de informações teológicas sem a prática das mesmas é mera bravata, é, na prática, uma mentira. Para Tiago um incrédulo é menos danoso para a comunidade cristã do que um professo que não pratica sua fé (Tg 2.18).
A Igreja perseverava em aprender e praticar o que era ensinado pelos apóstolos, e fazia isto não apenas no templo, como, também, de casa em casa e certamente no seu dia-a-dia a ponto de não haver nenhum necessitado entre eles. Iam por toda parte anunciando o Evangelho do reino. Os diáconos e demais membros da Igreja não esperavam que os apóstolos anunciassem a Jesus Cristo como o Senhor e salvador.
Não temo afirmar que o grande problema da Igreja moderna não é desconhecimento da verdade, mas a ignorância da verdade de Deus. Deixe-me explicar: os membros da Igreja ouvem, semana após semana, sermões, mensagens e estudos, leem textos e recebem mais mensagens através dos meios de comunicação. Mas não interioriza, não faz como o salmista, guardando no coração a Palavra de Deus para não pecar contra o Senhor (Sl 119.11). A prática da Igreja é mais de plateia do que de perseverança. Vê, ouve, assiste, mas, lamentavelmente, quando colocada sob os holofotes, logo se percebe que há mais discurso que prática. Mas ainda há tempo para a Igreja - e, por favor, não pense em reunião ou instituição, porque Igreja é você.

sexta-feira, 3 de maio de 2019

A IGREJA SOB HOLOFOTES II

Anteriormente afirmamos uma verdade tão simples, mas tão simples, que não deveria haver necessidade de ser reafirmada entre crentes. A Igreja “é crentes”. A Igreja é composta por todos os que creram, creem e crerão no Senhor Jesus como seu Salvador.
Não há como ser Igreja de Cristo sem crer em Cristo. É possível ser membro de uma denominação ortodoxa, fiel, e ainda assim ser apenas uma pessoa dentro de uma denominação ortodoxa e fiel.
Desta primeira característica, ser crente, decorre uma segunda: a Igreja é composta por pessoas que vivem em comunhão. Permita-me tentar definir comunhão de uma maneira muito simples: você experimenta a comunhão quando começa a pensar no bem de todos os seus irmãos e não apenas em si mesmo ou num partido ao qual tenha aderido (Fp 2.3). Quero que, ao ler este texto, a Igreja entenda que viver em comunhão é diferente de viver em comunidade.
Até os mais ímpios conseguem estabelecer alguma forma acordo para vida em comunidade com objetivos e resultados ruins (Sl 1), mas só os crentes vivem em comunhão porque esta é fruto da unidade do Espírito no vínculo da paz (Ef 4.3) que lhes foi anunciada em Cristo.
Comunhão é algo muito diferente. Comunhão é ter o mesmo Cristo como Senhor e salvador. E a submissão ao serviço de Cristo se expressa de diversas formas, mas creio que a que o Senhor mais enfatiza é a obediência aos seus mandamentos, especialmente o amor que deve ser, sempre, sem fingimento. Só existe comunhão onde existem sentimentos verdadeiros, sentimentos que o apóstolo Paulo chama de entranhados afetos e misericórdias (Fp 2.1).
Talvez não precisasse, mas eu preciso destraduzir (perdão pelo neologismo) e depois retraduzir esta expressão para nossa língua.
Na língua grega a primeira (splagxna) palavra origina-se do nome do baço e aparece aqui com o sentido de entranhas, órgãos internos (intestino, fígado, coração). Os hebreus consideravam que as entranhas eram a origem dos sentimentos extremos, apaixonados, tanto bons quanto ruins.
Para evitar mal-entendidos Paulo afirma que os sentimentos extremos e apaixonados que devem ser cultivados pelos cristãos não são sentimentos carnais, mas também temperados pela misericórdia (oiktirmoi).
E é isso o que faz a diferença entre comunhão e comunidade. Numa comunidade de ladrões, por exemplo, numa quadrilha ou partido político imperam interesses que nem sempre podem ser afirmados publicamente. Para o público, discursos, aparência, sorrisos, beijos lançados ao vento e em crianças. Mas o que vai no coração, o que se decide em reuniões de bastidores não pode ser gravado, não pode ser publicado. É escuso. E, mesmo que pudesse ser gravado, o que vai no coração nestas mesmas reuniões também não seria muito publicável ainda que somente entre eles.
O problema é que o coração é enganoso, corrupto, terra descontrolada. É extremamente hábil para revestir intenções e práticas pecaminosas com pensamentos piedosos, como fez o oficial nazista que, depois de passar um dia inteiro exterminando judeus jantou com a família, fez uma oração foi dormir de consciência (cauterizada e) tranquila, considerando-se um bom cristão.
Um afeto entranhado e misericordioso é um afeto verdadeiro, que vem do interior, do coração, não se tratando apenas de palavras (1Jo 3.18). Afirmo que qualquer pessoa pode colocar um belo sorriso no rosto, chamar alguém de amado ou querida, e ainda assim não se tratar de um afeto entranhado e misericordioso. Um sorriso pode ser fabricado, mas é difícil produzir voluntariamente um borborigmo estomacal.
EIS A IGREJA SOB HOLOFOTES: ela sabe o que é viver em comunhão por causa do seu entranhado e misericordioso afeto.

UM ENCONTRO MARCADO

Desde o momento em que nossos primeiros pais, Adão e Eva, cometeram o primeiro pecado e foram arguidos pelo Senhor, e consequentemente condenados por sua desobediência, um encontro foi marcado. Um encontro no qual o descendente da mulher seria ferido e padeceria para que, finalmente, a morte fosse vencida e a maldição retirada de sobre a criação.
Muitos séculos depois desta promessa, o encontro marcado e tantas vezes lembrado, como, por exemplo, pelo profeta Isaias (53) foi finalmente lembrado como iminente. Um encontro que era absolutamente inescapável, mas, ao mesmo tempo, terrivelmente sofrível. O encontro do Senhor da vida com a morte, o encontro do Filho de Deus com a ira de Deus. Um encontro que deveria, a priori, ser meu e seu, para prestar contas a Deus, justo juiz.
A bíblia registra algumas palavras de Jesus que são muito interessantes e que, muitas vezes, passam despercebidas de leitores cada vez mais apressados. Quando celebrou a última legítima páscoa nos moldes hebraicos Ele afirmou que ansiou por aquele momento, por aquela páscoa em especial, com seus discípulos. Observe que Jesus já andava com eles há três anos, mas aquela era uma páscoa diferente das demais.
Devemos nos perguntar: porque? Porque ele ansiara por aquela páscoa em especial? O que havia de diferente nela? A resposta é que naquela noite ele cumpriria tudo o que a páscoa significava. Os milhares de cordeiros que foram mortos durante toda a história de Israel finalmente teriam o seu antítipo, teriam seu cumprimento em Jesus, o cordeiro de Deus, morto antes da fundação do mundo.
Para Jesus este encontro significava o cumprimento da promessa de Deus de enviar a semente da mulher que esmagaria a cabeça da serpente. Era, sem sombra de dúvida, o propósito de sua vinda, como ele mesmo afirmou ao dizer que veio para dar a sua vida em resgate por muitos.
Para o Pai significava, por um lado, demonstrar cabalmente sua ira contra o pecado a ponto de não poupar nem mesmo seu próprio filho. Você pode estranhar esta afirmação, mas a morte de Jesus na cruz é a mais completa demonstração da ira de Deus. Naquela cruz Cristo levou sobre si a condenação que era absolutamente merecida por nós todos, a ponto de, num brado de dor insuperável, clamar num brado de abandono: “meu Deus porque me desamparaste”.
Por outro lado naquele palco cruento há a maior demonstração de amor jamais vista. Ali o Filho dá a vida pelos que o Pai lhe deu, sofre a condenação que lhes pertencia, realiza o mais penoso dos trabalhos e, apesar de tudo, o faz com alegria por que vislumbrava o fruto deste trabalho: o amor do Pai, e não a sua ira, sendo derramado sobre milhares de pecadores, todos iguais a mim e a ti.
Disto tudo nós sabemos. Mas, o que significa aquele lugar de calvário para ti? Ali o Pai marcou um encontro com o Filho, mas também com pecadores. Ali a dívida destes pecadores, e não seu corpo, foi encravado na cruz. Mas, lamentavelmente tem muito pecador fazendo pouco caso da cruz, investindo mais em coelho e chocolate que na obra do Senhor, preferindo outros tipos de encontros, com o sofá, com os amigos e mas rejeitando buscar em primeiro lugar o reino de Deus e sua justiça. Ah! Cuidado para, preferindo as demais coisas, podes ficar fora do reino.

A IGREJA SOB HOLOFOTES I

Definir significa expressar exaustivamente a natureza de alguma coisa. Na verdade, dar uma definição absoluta é algo que só Deus é capaz de fazer, por isso nosso propósito neste texto não é definir, é descrever. Vamos tentar descrever o que pensamos que conhecemos: a Igreja, porque precisamos saber o que é a Igreja para ser Igreja, mais do que representar como se num palco estivéssemos.
Homens de grande cultura, provavelmente os dois mais cultos dentre os escritores do Novo Testamento, Paulo e Lucas trabalham em duas frentes para nos ajudar a compreender o que é a Igreja. O primeiro trabalha com comparações, descreve a Igreja à partir de outras coisas presentes e que podiam ser observadas pelos seus leitores. O segundo, como historiador que se propõe a ser, trabalha com a descrição de ações de uma comunidade concreta, mostrando seus acertos e seus erros.
Vamos tentar compreender, inicialmente, como Lucas, o discípulo de Paulo, médico gentio, retrata a Igreja para nós, lembrando, porém, que aquela não é uma Igreja perdida no passado e sua descrição foi para nossa edificação e consolação (Rm 15:4 - Pois tudo quanto, outrora, foi escrito para o nosso ensino foi escrito, a fim de que, pela paciência e pela consolação das Escrituras, tenhamos esperança).
O primeiro relato que Lucas traz da Igreja está registrado em At 2.44. Num único e sintético verso ele traz uma característica da Igreja que nenhum cristão ousaria contraditar: a Igreja é a comunidade dos que creram. Mas ele traz também duas características que muitos cristãos não se interessam por praticar: estavam juntos e tinham tudo em comum.
IGREJA É CRENTES
Não há erro gramatical na frase acima, ela foi propositalmente escrita para enfatizar a verdadeira natureza da Igreja. Lucas descreve a Igreja como um grupo de pessoas que criam, verdadeiramente, no Senhor Jesus Cristo, comprometendo-se com ele não apenas ideologicamente, culturalmente ou filosoficamente. Era um compromisso de servidão (Jo 14.21) e recompensa (Mt 25.34).
Um servo (doulos) não possuía a liberdade de escolher que ordem de seu Senhor deveria obedecer. Um servo servia - obedecia, independente de qual fosse a ordem, como aconteceu com os apóstolos quando foram proibidos de pregar pela mais alta coorte judaica disseram que se sentiam obrigados a obedecer ao seu Senhor (At 5.29) mesmo correndo perigos.
Brigamos em concílios para organizar igrejas (associações religiosas), brigamos na justiça por patrimônio que chamamos de templos (são apenas prédios) mas não devemos esquecer que a Igreja é o número de crentes que creem em Jesus, que se comprometeram com ele, que receberam-no como seu Senhor e salvador, e que anelam por permanecer obedecendo-lhe e assim e experimentarem a manifestação do amor do Pai nos laços do Espírito.
Alguém pode pertencer a uma denominação religiosa com o nome de Igreja em letras garrafais escritas na parede e mesmo assim não ser Igreja de Cristo. Curiosamente Lucas descreve a Igreja com uma característica que não pode ser medida pelos olhos dos homens: só Deus sabe quem é realmente sua Igreja, embora possamos conhecer-lhe os frutos (Mt 7.20).

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