Anteriormente afirmamos uma verdade tão simples, mas tão
simples, que não deveria haver necessidade de ser reafirmada entre crentes. A
Igreja “é crentes”. A Igreja é composta por todos os que creram, creem e crerão
no Senhor Jesus como seu Salvador.
Não há como ser Igreja de
Cristo sem crer em Cristo. É possível ser membro de uma denominação ortodoxa,
fiel, e ainda assim ser apenas uma pessoa dentro de uma denominação ortodoxa e
fiel.
Desta primeira
característica, ser crente, decorre uma segunda: a Igreja é composta por
pessoas que vivem em comunhão. Permita-me tentar definir comunhão de uma
maneira muito simples: você experimenta a comunhão quando começa a pensar no
bem de todos os seus irmãos e não apenas em si mesmo ou num partido ao qual
tenha aderido (Fp 2.3). Quero que, ao ler este texto, a Igreja entenda que
viver em comunhão é diferente de viver em comunidade.
Até os mais ímpios conseguem estabelecer alguma forma acordo
para vida em comunidade com objetivos e resultados ruins (Sl 1), mas só os
crentes vivem em comunhão porque esta é fruto da unidade do Espírito no vínculo
da paz (Ef 4.3) que lhes foi anunciada em Cristo.
Comunhão é algo muito
diferente. Comunhão é ter o mesmo Cristo como Senhor e salvador. E a submissão
ao serviço de Cristo se expressa de diversas formas, mas creio que a que o
Senhor mais enfatiza é a obediência aos seus mandamentos, especialmente o amor
que deve ser, sempre, sem fingimento. Só existe comunhão onde existem
sentimentos verdadeiros, sentimentos que o apóstolo Paulo chama de entranhados
afetos e misericórdias (Fp 2.1).
Talvez não precisasse, mas eu
preciso destraduzir (perdão pelo neologismo) e depois retraduzir esta expressão
para nossa língua.
Na língua grega a primeira (splagxna)
palavra origina-se do nome do baço e aparece aqui com o sentido de entranhas,
órgãos internos (intestino, fígado, coração). Os hebreus consideravam que as
entranhas eram a origem dos sentimentos extremos, apaixonados, tanto bons
quanto ruins.
Para evitar mal-entendidos Paulo afirma que
os sentimentos extremos e apaixonados que devem ser cultivados pelos cristãos
não são sentimentos carnais, mas também temperados pela misericórdia (oiktirmoi).
E é isso o que faz a diferença entre comunhão
e comunidade. Numa comunidade de ladrões, por exemplo, numa quadrilha ou
partido político imperam interesses que nem sempre podem ser afirmados
publicamente. Para o público, discursos, aparência, sorrisos, beijos lançados
ao vento e em crianças. Mas o que vai no coração, o que se decide em reuniões
de bastidores não pode ser gravado, não pode ser publicado. É escuso. E, mesmo
que pudesse ser gravado, o que vai no coração nestas mesmas reuniões também não
seria muito publicável ainda que somente entre eles.
O problema é que o coração é enganoso,
corrupto, terra descontrolada. É extremamente hábil para revestir intenções e
práticas pecaminosas com pensamentos piedosos, como fez o oficial nazista que,
depois de passar um dia inteiro exterminando judeus jantou com a família, fez
uma oração foi dormir de consciência (cauterizada e) tranquila, considerando-se um bom
cristão.
Um afeto entranhado e misericordioso é um
afeto verdadeiro, que vem do interior, do coração, não se tratando apenas de
palavras (1Jo 3.18). Afirmo que qualquer pessoa pode colocar um
belo sorriso no rosto, chamar alguém de amado ou querida, e ainda assim não se
tratar de um afeto entranhado e misericordioso. Um sorriso pode ser fabricado,
mas é difícil produzir voluntariamente um borborigmo estomacal.
EIS A IGREJA SOB HOLOFOTES: ela
sabe o que é viver em comunhão por causa do seu entranhado e misericordioso
afeto.
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