sexta-feira, 3 de maio de 2019

A IGREJA SOB HOLOFOTES II

Anteriormente afirmamos uma verdade tão simples, mas tão simples, que não deveria haver necessidade de ser reafirmada entre crentes. A Igreja “é crentes”. A Igreja é composta por todos os que creram, creem e crerão no Senhor Jesus como seu Salvador.
Não há como ser Igreja de Cristo sem crer em Cristo. É possível ser membro de uma denominação ortodoxa, fiel, e ainda assim ser apenas uma pessoa dentro de uma denominação ortodoxa e fiel.
Desta primeira característica, ser crente, decorre uma segunda: a Igreja é composta por pessoas que vivem em comunhão. Permita-me tentar definir comunhão de uma maneira muito simples: você experimenta a comunhão quando começa a pensar no bem de todos os seus irmãos e não apenas em si mesmo ou num partido ao qual tenha aderido (Fp 2.3). Quero que, ao ler este texto, a Igreja entenda que viver em comunhão é diferente de viver em comunidade.
Até os mais ímpios conseguem estabelecer alguma forma acordo para vida em comunidade com objetivos e resultados ruins (Sl 1), mas só os crentes vivem em comunhão porque esta é fruto da unidade do Espírito no vínculo da paz (Ef 4.3) que lhes foi anunciada em Cristo.
Comunhão é algo muito diferente. Comunhão é ter o mesmo Cristo como Senhor e salvador. E a submissão ao serviço de Cristo se expressa de diversas formas, mas creio que a que o Senhor mais enfatiza é a obediência aos seus mandamentos, especialmente o amor que deve ser, sempre, sem fingimento. Só existe comunhão onde existem sentimentos verdadeiros, sentimentos que o apóstolo Paulo chama de entranhados afetos e misericórdias (Fp 2.1).
Talvez não precisasse, mas eu preciso destraduzir (perdão pelo neologismo) e depois retraduzir esta expressão para nossa língua.
Na língua grega a primeira (splagxna) palavra origina-se do nome do baço e aparece aqui com o sentido de entranhas, órgãos internos (intestino, fígado, coração). Os hebreus consideravam que as entranhas eram a origem dos sentimentos extremos, apaixonados, tanto bons quanto ruins.
Para evitar mal-entendidos Paulo afirma que os sentimentos extremos e apaixonados que devem ser cultivados pelos cristãos não são sentimentos carnais, mas também temperados pela misericórdia (oiktirmoi).
E é isso o que faz a diferença entre comunhão e comunidade. Numa comunidade de ladrões, por exemplo, numa quadrilha ou partido político imperam interesses que nem sempre podem ser afirmados publicamente. Para o público, discursos, aparência, sorrisos, beijos lançados ao vento e em crianças. Mas o que vai no coração, o que se decide em reuniões de bastidores não pode ser gravado, não pode ser publicado. É escuso. E, mesmo que pudesse ser gravado, o que vai no coração nestas mesmas reuniões também não seria muito publicável ainda que somente entre eles.
O problema é que o coração é enganoso, corrupto, terra descontrolada. É extremamente hábil para revestir intenções e práticas pecaminosas com pensamentos piedosos, como fez o oficial nazista que, depois de passar um dia inteiro exterminando judeus jantou com a família, fez uma oração foi dormir de consciência (cauterizada e) tranquila, considerando-se um bom cristão.
Um afeto entranhado e misericordioso é um afeto verdadeiro, que vem do interior, do coração, não se tratando apenas de palavras (1Jo 3.18). Afirmo que qualquer pessoa pode colocar um belo sorriso no rosto, chamar alguém de amado ou querida, e ainda assim não se tratar de um afeto entranhado e misericordioso. Um sorriso pode ser fabricado, mas é difícil produzir voluntariamente um borborigmo estomacal.
EIS A IGREJA SOB HOLOFOTES: ela sabe o que é viver em comunhão por causa do seu entranhado e misericordioso afeto.

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