No
mundo do futebol existe uma associação chamada “Torcida Organizada”. Cada
torcida organizada, mesmo as de um mesmo clube, tem seus próprios códigos de
conduta, tem suas regras, tem suas cores e seus símbolos. Membros desta torcida
conseguem se identificar mesmo num ambiente com dezenas e até dezenas de
milhares de pessoas. Gestos, jeitos, cores, roupas, tudo serve como fator
identificador. E eles fazem tudo o que podem para manter esta identidade
preservada no meio do ambiente geralmente muito hostil em que se encontram. Em
alguns casos chegam mesmo a matar, sendo cada vez mais comum o confronto de
torcidas organizadas – e, infelizmente, já acontecem conflitos entre torcidas
organizadas de um mesmo time.
A
Igreja não é uma torcida organizada – embora, lamentavelmente, os conflitos
internos sejam até mais comuns do que entre as facções de torcedores
organizados de um mesmo clube. Mas, mesmo sem ser uma torcida organizada, a
Igreja tem identidade, a Igreja deve ter uma identidade e não pode perder essa
sua identidade sob força de ser incapacitada para o desempenho de sua missão primordial:
testemunhar a salvação em Cristo Jesus enquanto vai pelo mundo (Mc 16:15 - E disse-lhes: Ide por todo o
mundo e pregai o evangelho a toda criatura).
Como
a Igreja pode fazer para manter a sua identidade neste mundo, mantendo-se como
sal e luz, como agência do reino de Deus na terra em meio a tantas
transformações que a sociedade vem sofrendo? Como a Igreja pode responder aos
desafios contemporâneos e não deixar de ser o corpo que Jesus Cristo morreu
para formar (Jo 11.52 - ...e não
somente pela nação, mas também para reunir em um só corpo os filhos de Deus,
que andam dispersos)?
O
que é a Igreja? O que compõe a Igreja? Ela é apenas a reunião dos regenerados,
daqueles que foram comprados pelo precioso sangue de Jesus Cristo (I Pe 1.19 - ...mas pelo precioso
sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo), foram
regenerados pela Palavra (I Pe 1.23 - ...pois
fostes regenerados não de semente corruptível, mas de incorruptível, mediante a
palavra de Deus, a qual vive e é permanente) e batizados pelo Espírito ou é
algo mais do que isto?
Algumas
Igrejas possuem uma espécie de carteira de identidade que identifica aqueles
que dela fazem parte – e alguns de seus membros se orgulham de exibi-la. Sempre
tive uma grande alegria e tenho como um grande privilégio o fato de poder
identificar-me como membro e ministro da Igreja Presbiteriana. Pastores possuem
uma carteirinha específica que os identificam como tais. Mas é uma carteirinha
que faz a identidade da verdadeira Igreja de Cristo?
Como
a Igreja deve expressar sua verdadeira identidade e manter-se como testemunha
da verdade de acordo com a bíblia. De que maneira a Igreja deve manter o seu
caráter como verdadeira Igreja de Cristo?
41 Então, os que lhe
aceitaram a palavra foram batizados, havendo um acréscimo naquele dia de quase
três mil pessoas.
42 E perseveravam na
doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações.
43 Em cada alma havia temor;
e muitos prodígios e sinais eram feitos por intermédio dos apóstolos.
44 Todos os que creram
estavam juntos e tinham tudo em comum.
45 Vendiam as suas
propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém
tinha necessidade.
46 Diariamente perseveravam
unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com
alegria e singeleza de coração, 47
louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso,
acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos.
At 2.42-47
Vamos,
então, conhecer esta Igreja que vive segundo o padrão neotestamentário porque
ela
CONHECE
SUA HISTÓRIA
41 Então, os que lhe
aceitaram a palavra foram batizados, havendo um acréscimo naquele dia de quase
três mil pessoas.
42 E perseveravam na
doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações.
43 Em cada alma havia temor;
e muitos prodígios e sinais eram feitos por intermédio dos apóstolos.
Para
conhecermos a identidade da Igreja de Cristo precisamos conhecer a sua
história, sua instituição, a maneira como ela foi estabelecida – olhar para a
Igreja hoje não nos permite conhecer aquilo que a Igreja deve ser por causa das
muitas formas de (des) organizações eclesiásticas atuais. Precisamos conhecer a
Igreja sem as muitas inovações ao longo da história (inovações cada vez mais comuns
e aberrantes nos dias de hoje) e por isso é salutar voltar ao princípio, isto
é, ao que a Igreja era antes de se tornar o que ela é agora. Isto não quer
dizer que a Igreja esteja errada in totum, mas que ela já sofreu mais
influências do mundo do que, às vezes, desejamos admitir.
Como
era a Igreja nos dias de sua instituição? Como a Igreja nasceu? O nascimento da
Igreja cristã (porque Igreja de Deus já havia) se deu no dia de Pentecoste, 50
dias após a páscoa, evento descrito no capítulo 1 do livro de Atos. Ela é vista
por Paulo como o novo israel, os ramos da oliveira brava que substituem os
ramos originais e infrutíferos (Rm 11:24
- Pois, se foste cortado da que, por natureza, era oliveira brava e, contra a
natureza, enxertado em boa oliveira, quanto mais não serão enxertados na sua
própria oliveira aqueles que são ramos naturais!). Não há novos propósitos em
Deus, Deus teu um único e eterno propósito, mas à partir deste dia há o
desenrolar de um novo capítulo na história da salvação. E esta Igreja foi criada
para cumprir alguns propósitos, mostrando isto logo em suas primeiras
manifestações.
A
PRIORIDADE DA IGREJA ERA A EXPANSÃO DO REINO
Assim
que recebeu a capacitação do Espírito, conforme prometido por Jesus (At 1.8 - ...mas recebereis poder, ao
descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em
Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra) a Igreja
imediatamente se entregou à evangelização, ao anúncio da obra redentora de
Jesus Cristo. Não foi necessário criar nenhuma conferência para implantação da
Igreja entre os judeus, nenhuma agência missionaria para os samaritanos ou
nenhum plano de expansão entre os gentios.
Eles
simplesmente foram Igreja, foram a comunidade dos que foram chamados do império
das trevas para o reino do Filho do amor de Deus, eles simplesmente saíram de
entre as paredes onde se escondiam por medo dos judeus (Jo 20.19 - Ao cair da tarde daquele dia, o primeiro da semana,
trancadas as portas da casa onde estavam os discípulos com medo dos judeus,
veio Jesus, pôs-se no meio e disse-lhes: Paz seja convosco) e proclamaram as
virtudes (I Pe 2.9 - Vós, porém,
sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva
de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas
para a sua maravilhosa luz).
Não
foram apenas os apóstolos – todos os que estavam naquele cenáculo sentiram-se
impulsionados à proclamação do evangelho salvador de Jesus. O resultado não
poderia ser outro: os convertidos iam juntando-se à Igreja (At 2:47 - ...louvando a Deus e contando
com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a
dia, os que iam sendo salvos) que prosseguiu mesmo diante de acirrada
perseguição (vide At 8.1-40)
Ao
invés de olharmos com saudade, admiração ou até mesmo uma certa inveja daquela
Igreja neotestamentária, devemos é, individualmente, ser como aquela Igreja,
ser aquela Igreja neotestamentária. Sem dúvida que isto daria fim a muito do
marasmo, acidez crítica, estagnação ou esforços e autofagocitose que
encontramos na Igreja cristã contemporânea. Este é o primeiro desafio – saber
quem a Igreja deve ser para ser a Igreja que a Igreja deve ser.
A
PRIORIDADE DA IGREJA ERA ENSINAR OS CONVERTIDOS A SEREM CRENTES
A
prioridade da Igreja cristã era o discipulado – e o que é o discipulado? É
ensinar os convertidos a serem crentes, a viverem como crentes e, se
necessário, a morrerem como crentes. O relato de Lucas mostra que a Igreja logo
demonstrou esta característica quando se aplicava à doutrina dos apóstolos (e
ainda dizem que doutrina é coisa de homes, que estudar doutrina é coisa do
sabe-se-lá-quê, acusações geralmente presentes na boca de quem não quer
conhecer a Palavra de Deus a fundo e está interessado somente em opiniões ou
sonhos de homens). O discipulado era de todos, por todos, e para todos.
Ainda
que a doutrina fosse proferida pelos apóstolos, todos perseveravam nela, todos
perseveravam na comunhão (inclusive do que aprendiam – Gl 6.6 - Mas aquele que está sendo instruído na palavra faça
participante de todas as coisas boas aquele que o instrui). Discipulado também
envolve comunhão, e não apenas doutrina.
Doutrina
sem comunhão é como ensino sem aplicação, e a Igreja verdadeiramente praticava
aquilo que aprendia e passava adiante através do ensino. E isto tirava um peso
de sobre os ombros dos apóstolos que podiam se dedicar à oração e ao ensino da
Palavra (At 6.4 - ...e, quanto a
nós, nos consagraremos à oração e ao ministério da palavra) enquanto a Igreja
fazia as demais coisas.
Não
é incomum alguém chegar na Igreja, ouvir a mensagem, entender a doutrina: Deus
é criador, o homem é pecador, o pecado afasta o homem de Deus, Deus resgata o
pecador através de Jesus Cristo, o pecador crê em Jesus como seu único e
suficiente salvador e é renovado mediante o Espírito Santo e é integrado a um
novo povo, a Igreja. Mas, você, novo na Igreja, pode estar se fazendo a
seguinte pergunta: e agora? Eu creio, e agora? Que faremos, irmãos? É este o
papel da Igreja, ensinar os novos a viverem como crentes, aplicarem o que
aprenderam às demandas do dia-a-dia. E isto é feito com exemplo, com
testemunho, como nos ensina o apóstolo Paulo (Fp 4:9 - O que também aprendestes, e recebestes, e ouvistes, e
vistes em mim, isso praticai; e o Deus da paz será convosco).
A
PRIORIDADE DA IGREJA ERA VIVER COMO CRENTES
Pode
parecer estranho enumerar três prioridades, sem, entretanto, mencionar qual a
primeira, a segunda ou a terceira. É porque estas coisas eram intrínsecas e
essenciais, não podiam ser separadas. A Igreja que evangelizava perseverava na
doutrina para saber o que evangelizar. A Igreja que perseverava na doutrina
evangelizava e integrava os novos convertidos – e nesta Igreja, através dos
apóstolos (embora toda a Igreja tivesse recebido o Espírito Santo), muitos
sinais aconteciam.
Talvez
a palavra chave para entender porque os crentes daquela Igreja viviam como
crentes seja “temor”, isto é, medo de ser irreverente, medo de agir
ofensivamente diante do Deus santo que amou a Igreja, mesmo ela sendo pecadora,
mesmo enquanto eles ainda eram fracos e ímpios, provando seu amor ao dar Jesus
Cristo em seu resgate.
A
prioridade da Igreja era viver como crente, e, se isso ocasionasse perseguição,
seriam perseguidos como crentes e como crentes sofreriam, alegremente (I Pe 4.14-16 - Se, pelo nome de Cristo,
sois injuriados, bem-aventurados sois, porque sobre vós repousa o Espírito da
glória e de Deus. 15 Não
sofra, porém, nenhum de vós como assassino, ou ladrão, ou malfeitor, ou como
quem se intromete em negócios de outrem; 16
mas, se sofrer como cristão, não se envergonhe disso; antes, glorifique a Deus
com esse nome). Curiosamente o único que desejou o Espírito para poder ter
sinais à sua disposição foi duramente condenado (At 8:20 - Pedro, porém, lhe respondeu: O teu dinheiro seja contigo
para perdição, pois julgaste adquirir, por meio dele, o dom de Deus).
Ao
invés de viver em busca de sinais e maravilhas, a Igreja deveria encher-se do
temor de Deus, fruto do Espírito, e, se necessário, pagar o preço de seguir a Cristo,
não o de ser salvo: renúncia, abnegação, humilhação, entrega em total
obediência – isto é a melhor tradução de ‘temer a Deus’ que eu consigo lhe
apresentar nesta ocasião e só assim você vai ser capaz de ser igreja
verdadeira.
CONCLUSÃO
É
possível que tenhamos cristãos, verdadeiros, literalmente “perdidos na casa do
pai”, sem conhecer sua história, seu propósito como Igreja e precisando de um
despertamento para sair da letargia, da apatia espiritual e um dos caminhos
para a solução deste problema é conhecer a sua história, ter como modelo uma
Igreja saudável, ativa, plena de vigor espiritual, cheia do Espírito Santo,
pregando ousadamente a Palavra, vitalmente comprometida com a expansão do reino
através do discipulado, da oração, da comunhão, do louvor e de uma vida que
evidenciava que tinham temor de Deus em seus corações.
Nós
não somos outra Igreja – nem somos chamados para sermos outro tipo de crentes.
Somos a mesma Igreja, o mesmo povo formado por Cristo quando deu a si mesmo (Tt 2:14 - ...o qual a si mesmo se deu
por nós, a fim de remir-nos de toda iniqüidade e purificar, para si mesmo, um
povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras) vivendo épocas diferentes, com
demandas diferentes mas com o mesmo evangelho para seguir, a mesma mensagem
para pregar, o mesmo Jesus como Senhor e salvador, o mesmo Espírito a nos unir
e o mesmo Deus como Senhor.
Mesmo
que tenhamos algumas demandas diferentes, ainda temos a mesma identidade, o
mesmo chamado, a mesma missão, e devemos cumprir com eficiência o mandado do
Senhor de sermos suas testemunhas. Da mesma maneira que o coração dos homens
não mudou, todos continuam sendo pecadores que só podem ser restaurados pela
aceitação das boas novas do evangelho.
É
possível que uma coisa tenha mudado: os discípulos de Jesus talvez não sejam
mais os mesmos – temos fáceis tem gerado discípulos sem o mesmo comprometimento
que talvez não ousassem declarar-se discípulos de Jesus nos primeiros séculos,
perdendo a identidade e o poder de testemunhar.
Nosso
modelo é Cristo – e o melhor modelo de uma Igreja na qual a vida de Cristo era
experimentada com pujança era a descrita neste texto. O propósito desta
mensagem é exortar você a ser Igreja – ser Igreja como aqueles irmãos foram
Igreja, tendo como prioridade a expansão do reino de Deus, ensinar os novos
convertidos a serem crentes e viverem como crentes.