A IGREJA E O PROBLEMA DA
INTEGRAÇÃO DE NOVOS MEMBROS
A internet é pródiga em
debates infrutíferos e, às vezes, tão ferinos que ao invés de promover a
comunhão entre os crentes leva a uma disputa ferina sobre quem Abordar sobre a
convivência cristã e a importância de servirmos de suporte para os fracos e os
novos na fé. Calvinistas e arminianos, congregacionais e episcopais,
presbiterianos e batistas, presbiterianos e presbiterianos, crentes e crentes (?!!!) que parecem passar mais tempo num
octógono, ou num coliseu do que numa Igreja.
Não sei como a maioria é no
dia-a-dia de sua fé, não sei como se comportam na Igreja, se são tão
comprometidos com a vida da Igreja, comprometidos com o “ser Igreja” como são
ferozes na defesa de pontos doutrinários, geralmente pontos doutrinários
específicos. Gostaria de ver o comportamento nas reuniões de oração, nos cultos
doutrinários, a freqüência na Escola da Bíblia...
Gostaria de saber se são tão
interessados em fazer discípulos quanto parecem em conseguir seguidores,
curtidas e comentários em suas postagens. Como se comportam quando chega a hora
de receber um visitante – será que é com a mesma alegria com que se recebe um
pedido de adição de amizade?
Esqueçamos as redes sociais –
este problema não é tão novo assim. No Novo Testamento encontramos o problema
dos relacionamentos na Igreja de Roma que precisou da intervenção do apóstolo
Paulo para evitar uma verdadeira guerra de crentes em que uns se consideravam
“fortes” e apelidavam os que não comungavam de suas ideias de “fracos”. Paulo
também tem que intervir para amenizar os problemas na Igreja de Corinto que
contava não com dois, mas com pelo menos quatro partidos espirituais: Clube de Debates Paulinos, Sociedade Acusadora Apolônia, Centro Divisionista Petrino e Primeiro Comando Cristão.
O próprio Paulo encontrou
dificuldade para ser recebido na Igreja quando se converteu. Primeiro Ananias,
depois os crentes em Damasco – todos desconfiaram do novo convertido (At 9.21).
É sobre esta dificuldade
encontrada pelo apóstolo Paulo que vamos meditar nesta ocasião. O texto é
longo, e a história bastante conhecida, então, vamos estudá-lo e analisar as dificuldades encontradas pelo novo
convertido em sua busca por integração nas Igrejas, uma dificuldade que ele
não sabe existir e que a propaganda da Igreja às vezes engana quando chama as
pessoas para fazerem parte da família da fé, experimentarem o amor e a comunhão
entre os cristãos.
O CONVERTIDO PODE SE SENTIR SOZINHO E DESORIENTADO (At 9.1-9)
A Igreja primitiva era uma
Igreja com uma grande atividade evangelizadora. Ela anunciava ousadamente a
Cristo. Ela estava indo por Jerusalém, pela Judéia, Samaria e já estava
atingindo os gentios de uma maneira ainda incipiente. Aquela Igreja entendia
que a evangelização é de suma importância e não deve ser negligenciada. Mas e
depois? O que faziam com os novos convertidos? Ela os integrava, havia
comunhão, mas em um determinado momento houve dificuldade para a integração de
um novo convertido. Hoje não é diferente, os novos convertidos enfrentam uma
série de dificuldades para se integrarem e permanecerem em sua caminhada
cristã, desde a conversão, passando pelo batismo e membresia na Igreja local.
A conversão é um evento
absolutamente individual e isola o novo convertido em um mundo completamente
desconhecido para ele. Não é mais deste mundo, não vê mais as coisas como via
anteriormente, todavia, ainda não consegue ver o novo mundo do qual vai passar
a fazer parte. É como um filhotinho de cachorro, por exemplo, que já não está
mais no ventre materno, já está no mundo mas não enxerga nada, não tem
percepção das cores, das luzes, das coisas boas e tampouco dos perigos que o
cercam. Paulo viu o que ninguém mais via – e Paulo deixou de ver o que todo
mundo via. Não quero alegorizar o texto, mas, sem sombra de dúvidas, Paulo
morria para o velho mundo e se tornava cidadão de um novo reino. Ele mesmo vai
falar sobre isso quando diz que tudo passou a ser considerado como empecilho (Hb 12:1) e perda porque considerava ser encontrado em Cristo como a coisa mais
importante de sua nova vida (Fp 3:8).
Mas seus companheiros,
aqueles que iniciaram aquela jornada com ele continuavam no velho mundo, cegos
às coisas divinas, embora pudessem ver tudo o que os cercava. Seus companheiros
sequer compreendiam as suas novas necessidades, e não podiam ajudá-lo a ponto
de Paulo ficar sem comer e sem beber por três dias, atônito. Paulo sequer sabia
qual era a sua real necessidade, ainda não havia aprendido sobre o genuíno
leite espiritual (I
Pe 2:2) que sacia e dá
crescimento.
O CONVERTIDO PODE TER QUE ENFRENTAR DESCONFIANÇA (At 9.10-18)
Não
deveria ser assim, mas é possível que a Igreja olhe com alguma desconfiança
para aqueles que se aproximam e dizem que foram convertidos, que querem se
integrar à Igreja. Às vezes numerosas barreiras são colocadas para testar o novo convertido – e estas
barreiras podem, também, dar a impressão de que ele não é bem-vindo, e, não se
integrando ali, vai procurar outro lugar onde seja melhor recebido.
A
Igreja, representada aqui por Ananias, teve dificuldade para entender o
propósito de Deus de integrar o novo convertido à comunhão dos santos. Mesmo
Deus mandando (desobediência não é
coisa nova) Ananias ainda tenta argumentar com Deus, duvidando que Paulo
realmente houvesse sido convertido. Ananias, sem querer, se apresenta como um
obstáculo à integração de Paulo. É bem possível que na Igreja haja muitos que
agem da mesma maneira, com receios diferentes mas temerosos de que o novo
convertido, ou os novos convertidos, venham, de alguma maneira, ameaçar a paz,
o status
quo da Igreja, construído ao longo de anos, onde cada um sabe o seu
lugar e o seu papel, afinal, eles, os novos, os diferentes, estão vindo do
mundo (e quem não vem do mundo?).
Talvez
a Igreja leve em conta não apenas os receios pessoais, mas também a “fama” do
novo convertido, do visitante, do perdido ou do amigo que se aproxima da Igreja
em busca do que não consegue encontrar no mundo. Ananias lembra que “de muitos
tem ouvido” sobre o temível fariseu que, de maneira inédita pois os fariseus
não se davam com os sacerdotes saduceus, tinha autorização dos sacerdotes para
prender, arrastar e até matar cristãos. É incrível que Deus tenha que insistir
para que seus servos lhe obedeçam. A Igreja precisa de seminários, conferências,
simpósios simplesmente para ouvir o que já foi dito: evangelize, discipule).
Todo
mundo que chega na Igreja tem algo a lembrar, que gostaria de esquecer, ou que
gostaria que todo mundo esquecesse, de sua vida “sem Deus no mundo” (Ef 2.12). Não é a Igreja que deve
fazer o papel de lhe lembrar a prática das obras infrutíferas das trevas (Tt
3:3) –
o diabo já faz isso sem precisar da ajuda da Igreja (Ap
12:10).
O CONVERTIDO PODE TER DIFICULDADE PARA ENCONTRAR SEU LUGAR (At 9.19-26)
A vida do novo convertido
geralmente passa por algumas transformações imediatas. A primeira coisa que
acontece é a de inadequação ao seu velho ambiente. Até mesmo em família esta
sensação se faz presente. Mesmo sendo a família, nosso sangue, pessoas com quem
convivemos a vida toda e com as quais estamos acostumados algumas de suas
atitudes, palavras e gostos começam a soar e a parecer diferentes. Sem perceber
começa a cumprir na sua vida as palavras de Jesus (Gl 1.4).
Saulo era um judeu que nasceu
em Társis, um porto fenício, localizado na Espanha e de costumes romanos. Teve
formação educacional clássica e ao mesmo tempo profunda instrução religiosa.
Foi para Jerusalém provavelmente para viver mais intensamente a sua fé pela
proximidade do templo e, com grande zelo e sem o verdadeiro conhecimento, como
ele mesmo atesta (Rm 10:2)
se colocou como inimigo da nova doutrina que se espalhava como fogo em capim
seco (Fp 3:6).
Agora Paulo se via em
Damasco, para onde tinha ido com um propósito – propósito frustrado e errado,
como ele agora sabia. Não podia voltar ainda para Jerusalém, era visto com
alguma desconfiança pela igreja, seus amigos não viram o que ele havia visto.
Só lhe restava olhar para o autor e consumador da sua fé (Hb
12:2) e anunciar o que ele agora
sabia ser verdade: Jesus era, de fato, o Filho de Deus, e este testemunho deve
ser prestado em todo o tempo (I Tm 2.5-7) – e não só contava com a desconfiança da Igreja como
também com a inimizade dos seus antigos parceiros de perseguição a Cristo e sua
Igreja (At 26:14-15).
Literalmente, Paulo se encontrava entre a cruz e a espada. E acabaria ficando
com os dois.
O CONVERTIDO PODE NÃO SABER QUE PRECISA DE UM MENTOR (At 9.26-30)
Por fim, Paulo finalmente “é
dirigido” para Jerusalém. Não sabemos se ele considerava oportuno ir para lá
(afinal, lá estavam os chefes da perseguição à Igreja) ou necessário (pois ali
se encontravam os apóstolos, que ainda não haviam sido dispersos). Paulo tentou
em Damasco, encontrou dificuldades. Foi para Jerusalém, e ali também enfrentou
algumas dificuldades para se integrar na Igreja. É curioso que seu testemunho
era crido mais poderosamente entre os incrédulos do que dentro da própria
Igreja. Faltava algo que ele não considerava, que ele não sabia ser necessário
e que nenhum novo convertido sabe: ele precisava de um facilitador, de um guia, de um discipulador que cumprisse o mandato
de Jesus de fazer discípulos. Evidentemente quanto a conhecimento das
Escrituras Paulo não precisava de mestre, mas precisava conhecer sobre Jesus e
sobre sua Igreja. Sobre Jesus o próprio Senhor providenciou (Gl 1:11).
Um homem cheio do Espírito,
profundamente dedicado ao Senhor assumiu para si o trabalho e o risco de ser o
discipulador de Paulo: Barnabé, natural de Chipre. Já falei que gosto da
expressão “mas”, em grego “ala”, que pode ser entendida por “para que as coisas sejam mudadas e tenham um
resultado diferente daquele a que se destinavam”. Mas... mas Barnabé percebeu a necessidade de Paulo, e resolveu
tomá-lo consigo, fez-se seu mentor e levou-o aos apóstolos (Gl 2:9) e correr o risco de ser morto junto com Paulo ao
andar com ele por toda a Jerusalém.
Cumprida a etapa de ser
reconhecido como discípulo, não havia mais necessidade de correr riscos em
Jerusalém, por isso Paulo vai para Cesaréia, cidade mais romana que judaica, e,
em seguida, para sua cidade natal, Társis, de onde desaparecerá por um periodo
da história da Igreja para “receber seu evangelho diretamente do Senhor Jesus”
e ressurgir mais de uma década depois tendo sido comissionado como apóstolo
pelo próprio Senhor (Gl 1:1)
e enviado aos gentios (Gl 1:17).
Nisto tudo o papel de
Barnabé, integrando Paulo à Igreja, foi fundamental, e ao longo de suas muitas
cartas Paulo vai insistir num ponto: há uma só Igreja, uma só fé, um só
batismo, um só Espírito – é inadmissível que, num mesmo prédio, às vezes, se
reúna mais de uma Igreja, como acontecia em Corinto e podia estar começando a
acontecer em Éfeso (Ef 4.4-6).
CONCLUSÃO (At 9.31)
Como vemos, a integração de
um novo convertido, de um amigo ou visitante ao convívio da Igreja nem sempre é
tranquilo. Não é fácil se sentir em casa em uma casa estranha. Buscamos
evangelistas e às vezes nos esquecemos que também precisamos de pessoas que
apoiem os novos crentes em sua nem sempre fácil integração na Igreja. Muitos
encontram alguma forma de hostilidade, preconceito e até indiferença. Muitos
encontram “grupos fechados” que foram se consolidando por anos de convivência e
se sentem “peixe fora do aquário” na Igreja. Precisamos de mais Barnabés na
Igreja.
Vamos lembrar rapidamente a
trajetória de Paulo em seu processo de integração na sua nova família. Primeiro
Paulo ficou sozinho e desorientado logo após seu encontro com Jesus no caminho
de Damasco; depois teve que enfrentar desconfiança quanto a sua conversão nos
seus dias mais difíceis; em seguida teve dificuldade para encontrar seu lugar,
já que não pertencia mais ao mundo e a Igreja ainda não estava confortável com
sua presença e finalmente precisou de um mentor e guia que o acompanhasse e o
integrasse à Igreja.
Precisamos na Igreja de
pessoas que, como Barnabé, se disponham a dar o apoio aos novos convertidos, a
receberem os visitantes e fazerem-nos se sentirem à vontade em nosso meio desde
o primeiro momento, na Igreja, mas também depois, através de telefonemas,
e-mails, visitas, literatura e discipulado ensinando o que significa de fato
ser crente.
Este trabalho de integração
só estará concluído quando o novo membro estiver pronto para se tornar um
integrador, um instrumento para evangelização, recepção, discipulado e envio,
dando prosseguimento à grande tarefa inacabada: ir por todo o mundo, fazendo
discípulos de todas as nações, ensinando-as a guardar todas as coisas que o
Senhor Jesus ordenou.
Possivelmente já estejamos
tão integrados à vida da Igreja que não percebemos onde as falhas estão
acontecendo, se elas estão acontecendo, ou onde nós estamos falhando, se é que
estamos falhando nesta área. A característica da Igreja descrita por Lucas era
de uma Igreja evangelizadora, discipuladora que vivia de tal forma a comunhão
que impressionava o mundo ao seu redor – e atraía pessoas que queriam saber o porquê
daquelas coisas, e dia a dia o Senhor ia acrescentando os que iam sendo salvos.
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