sábado, 31 de dezembro de 2016

GRATIDÃO NO SALMO 103

“Um ano mais de vida, guardou-vos o Senhor,
E deu-vos fiel guarida, no seu divino amor,
De coração dai graças, ao vosso eterno pai
Pois mais um ano passa, a Deus mil graças dai”.

Esta não tem sido a tônica nas conversas mais comuns neste fim de ano. Jornais de economia e política colocam o ano de 2016 como o ano a ser esquecido, o ano perdido. Muda a maneira de dizer, muda a idade e muda o tamanho da conta bancária, geralmente mais enxuta, com menos números, às vezes mais colorida... parecida com a camisa do Bahia... azul, vermelha, azul, vermelha... mas ainda é melhor que ficar como a camisa do Internacional – totalmente no vermelho.
Não tem sido muito comum ouvir pessoas dizendo que este ano foi um ano bom. Mas, afinal, este foi ou não foi um ano bom. Bem, depende da perspectiva. Depende de como olhamos para os fatos e feitos, para o quanto valorizamos o que temos e, muitas vezes, de quanto valorizamos o que não temos, não conseguimos, não alcançamos. Às vezes a sensação de que nada foi bem não é nem pelo que perdemos, mas pelo que não conseguimos ter. Enfim, tudo depende daquilo em que colocamos as nossas expectativas de realização, de satisfação. Utilizando uma linguagem mais teológica, depende de quem é o ídolo do coração do homem.
Quanto mais devotado ele for a um ídolo, quanto maior o amor que lhe dedicar, quanto mais esperar dele a sua realização maior a sensação de fracasso quando sofrer algum tipo de decepção. Em todas as áreas da vida. Talvez você diga: “mas como, eu sou cristão, sou evangélico, não tenho ídolos”. Talvez não tenha uma imagem de gesso num canto ou pendurada em uma correntinha, ou uma figura pintada na parede ou pregada em seu carro – e tanto mais profundo é o ídolo, mais difícil de perceber sua realidade e influência porque ele se torna “natural”, parte da vida.
Deixe-me exemplificar. O grande ídolo da vida de alguém pode ser o cônjuge, noivo ou namorado (ou noiva e namorada) por quem é capaz de pequenos e grandes sacrifícios – mas, inconscientemente sempre com a expectativa de que seu sacrifício seja visto, reconhecido e recompensado. Se não vem – isto estraga todos os demais aspectos da vida.
Mas outro ídolo também pode ocupar o lugar do coração do homem. Por exemplo, sua família. Se algo não dá certo, se a família não funciona como acha que é certo, se os filhos não são como “os dos outros” então, o que certamente acontece, os filhos se vão, faculdade, casamentos, chega a síndrome do ninho vazio e vem a sensação de fracasso, de inadequação, de que sempre está faltando algo, mesmo que não haja nenhuma necessidade essencial insatisfeita.
Mais um ídolo: o trabalho. Funcionário esforçado, exemplar, frequente e participativo. Seu ídolo é a carreira, espera reconhecimento dos colegas, do patrão, quem sabe na forma de promoção ou no mínimo com um quadro de “funcionário do ano” na confraternização da firma. Mas de repente o que chega é a aposentadoria, ou, pior, o desemprego. Seu ídolo se foi, e toda a vida é vista com grande desprazer.
Ninguém faz uma imagem ao São Marido, São Trabalho ou Santa Família. Ainda não vi ninguém fazer promessa á Santa Carteira de Trabalho para ter um aumento – ainda não vi, mas, do jeito que andam as coisas, não duvido absolutamente nada de que alguém já tenha feito ou venha a fazer.
Mas, se o trono do seu coração é ocupado pelo Senhor, ou seja, se você já teve a experiência de tomar o Senhor como seu Senhor, entregando-se em suas mãos em absoluta confiança de que ele fará não apenas o melhor que ele puder, mas simplesmente tudo o que lhe for necessário (Sl 37.5), então, você terá a experiência de estar plenamente satisfeito, de não sentir desejos ardentes por mais nada (Sl 23.1) independente de qual seja a sua situação (Fp 4.11) em uma determinada circunstância (Hc 3.17-18) e ainda terá motivos para dar graças por saber que esta é a vontade de seu Deus, de seu Senhor, para sua vida (I Ts 5.18).
É sobre esta experiência que eu gostaria de viver em plenitude que o salmista fala no salmo 103. Vamos ler os versos 1 a 5 para entender que sentimento, que experiência é esta da qual ele fala:
1 Bendize, ó minha alma, ao SENHOR, e tudo o que há em mim bendiga ao seu santo nome.
2 Bendize, ó minha alma, ao SENHOR, e não te esqueças de nem um só de seus benefícios.
3 Ele é quem perdoa todas as tuas iniqüidades; quem sara todas as tuas enfermidades; 4 quem da cova redime a tua vida e te coroa de graça e misericórdia; 5 quem farta de bens a tua velhice, de sorte que a tua mocidade se renova como a da águia.
O louvor de Davi, que foi tirado de detrás da malhada de ovelhas para ser rei em Israel (I Cr 17:7) se concentrou nos atos gloriosos de Deus. Em algum momento ele poderia queixar-se da vida ou de coisas que lhe aconteceram na vida, como ser motivo de desprezo dos seus próprios irmãos, ou ser perseguido pelo próprio sogro simplesmente porque dava o melhor de si mesmo a Deus e Deus o abençoava lhe dando vitórias gloriosas. Mas não, Davi se concentra em dar louvores a Deus, como fez Jó quando instado por sua esposa para amaldiçoar a Deus (Jó 2:10).
Davi louva a Deus, elogia a sua bondade e seu cuidado misericordioso. De Deus recebemos todas as coisas – sem merecer nenhuma delas. Mesmo a pior vida ainda é vida, e nem mesmo nós merecemos. Mesmo o mais infortunado dos homens ainda pode contar bênçãos passadas, bênçãos do presente e confortar-se na expectativa de bênçãos futuras. Se você algum dia não se sentir motivado para louvar a Deus, para agradecer por alguma coisa, se você pensar em dizer que sua vida não vale a pena ser vivida, então, leia as doces e gratas palavras de Davi: “1 Bendize, ó minha alma, ao SENHOR, e tudo o que há em mim bendiga ao seu santo nome”.
O que podemos aprender com Davi e, olhando para o “famigerado 2016”, nos guiarmos nos anos que Deus ainda nos dará? Antes de prosseguir, porém, é necessário que você perceba um pequeno detalhe: o salmista não se prende ao passado, nem espera o futuro para louvar: ele o faz no tempo presente porque entende que a bênção e o cuidado de Deus correm paralelas às nossas lutas diárias – mesmo quando caminhar no vale da sombra da morte faz doer os pés e arder os olhos.
Quero compartilhar com você duas verdades que aprendi ao ler estes versos maravilhosos da Palavra de Deus:

AÇÕES DE GRAÇAS é FRUTO DO CONHECIMENTO DE QUEM DEUS É

Davi diz uma coisa mais que óbvia: a sua alma deveria bendizer ao Senhor. É óbvio, mas precisa ser explicado. Quando o Senhor criou o homem, fê-lo em barro e depois soprou-lhe o fôlego da vida e ele passou a ser alma vivente (Gn 2.7). Fora a discussão se o homem é composto de corpo e alma ou alguma outra coisa, o fato é que o homem é alma vivente e somente sendo alma vivente ele pode louvar a Deus (Is 38.18).
Quando Davi diz que sua alma deve louvar ao Senhor ele está dizendo que vai louvá-lo com a integridade do seu ser, e enquanto tiver vida. Só pode louvar a Deus quem está vivo. Mortos não louvam. Mortos não adoram. Mortos não podem dar testemunho da bondade e da fidelidade de Deus porque, morrendo o homem, cessam as suas cogitações e interesse nas coisas desta vida. Se você tiver dúvida sobre quem deve louvar ao Senhor e sua proposição é que sua alma, seu ser, que ele deve louvar ao Senhor com integridade, com todo o seu ser, enquanto vivo for (Sl 150.6).
Com o que devemos louvar ao Senhor? Com o que devemos servir ao Senhor? O que você tem que serve para servir ao Senhor? Seus bens? Suas propriedades? Seus diplomas? Seu conhecimento científico? Sua rede de relacionamentos (e não estou falando do facebook). A resposta dos catecúmenos é: com meus dons, talentos, bens e presença. Isto quer dizer que devemos servir ao Senhor com todo o nosso ser. Nada menos que isso é aceitável, nenhum homem de ânimo dobre é aceitável diante do Senhor (Tg 1.7-8).
Mas esta adoração não é nem aleatória como era o culto dos atenienses (At 17:27) nem natural e espontânea, pelo contrário, a tendência natural do homem é subverter a verdade e em seu lugar colocar uma mentira que ele próprio é capaz de fabricar segundo a imagem que ele faz de si mesmo como criação caída (Rm 1.25), em alguns momentos criando um deus no qual reflete uma visão de si com qualidades elevadas ou, o que também não é incomum, se coloca como insignificante, inferior aos animais (adorando seres irracionais ou animais) o que revela mais uma vez a mentira no lugar da verdade de Deus (Sl 8.5).
O salmista faz questão de mencionar o nome de Deus, SENHOR (hwhy) e lembrar que o seu Deus não é um Deus como os deuses dos povos, mas o Deus cujo nome é santo (Ez 43.7) e para o qual os anjos cantam louvores (Is 6.3), que são constantes nos salmos sempre lembrando que quem louva ao Senhor deve conhece-lo e jamais esquecer que ele é santo (Sl 30.4; 33.21). 

QUEM CONHECE A DEUS SABE PORQUE AGRADECER

O primeiro verso do Sl 103 diz quem, com o que e a quem o louvor deve ser dirigido. Cada homem, cada ser humano, cada ser que respira deve louvar a Deus com todo o seu ser. Os versos 2 a 5 continuam a tratar do mesmo assunto ensinando que louvor é gratidão, é reconhecimento e lembrança do que Deus tem feito – e sua ação poderosa é motivo de esperança para o crente (Lm 3.21) mesmo nas situações mais adversas, como, por exemplo, a dos jovens amigos de Daniel na corte babilônica (Dn 3.17-18).
Davi avança, desenvolve o seu pensamento, descobre mais uma camada do seu pensamento e passa a considerar não mais o ser de Deus, mas seus atos de misericórdia para com seu povo e conclama a si mesmo para não ser ingrato, não se esquecer, isto é, não deixar de considerar os seus feitos grandiosos. Não é possível perceber os atributos de Deus e glorifica-lo sem considerar o que ele faz, porque o que ele faz revela quem ele é (I Jo 4.16).
Se ingratidão é não considerar mais o que Deus faz de bom, então só pode dar graças quem não se esquece de ter sido beneficiado. Bendizer ao Senhor é lembrar que Ele é a fonte de todas as nossas bênçãos. O salmista bendiz ao Senhor com todo o seu ser (SI 146.2). Davi faz uma lista de tipos de benefícios que o Senhor lhe concedeu – e que certamente você já experimentou em ao menos uma vez na sua vida. Se você não quer dar graças a Deus agora ou você é ingrato ou é um esquecido.
Em primeiro lugar Davi diz que o Senhor perdoa todas as tuas iniquidades. Se você não tem casa, não tem carro, não tem família, não tem emprego nem tem saúde... se você tem uma casa que não é do seu jeito, seu carro é velho, sua família é problemática, seu emprego é desgastante e sua saúde não é das melhores... se você tem uma excelente casa, seu carro é o melhor, sua família é uma agradável fonte de alegria, seu emprego é maravilhoso e sua saúde é de ferro... não importa, nada disso é mais importante do que o que Davi afirma aqui: o Senhor perdoa todas as suas iniquidades. Lembremos que o salário do pecado é a morte (Rm 3.23) e a prática do pecado é garantia de eternidade no inferno (I Co 6.9-10). Se você acha que não tem razão para dar graças a Deus, então, lembre-se desta razão, e se ela não for suficiente, você é realmente ingrato demais: Deus te livrou da sentença que paira sobre os praticantes do pecado (condenação ao inferno) e da morte (Rm 8:2).
Em segundo lugar Davi diz que Deus sara todas as tuas enfermidades. Eu creio que ele está se referindo especificamente às enfermidades do ser humano em sua integralidade, isto é, enfermidades morais, psíquicas e físicas e suas manifestações somáticas, no corpo. Embora Deus não tenha a obrigação de curar nenhuma de suas enfermidades, todavia, toda cura provém dele, toda boa dádiva e todo dom perfeito vem dele, vem do alto, para nós. Deus não diz que não haverá enfermidades, mas que é ele quem cura cada uma delas (Dt 32:39). Sou incapaz de afirmar a razão de cada enfermidade que ataca uma pessoa, especialmente o crente. Jamais cairia na tolice de ser como os amigos de Jó. Mas uma coisa é certa – se você está vivo, se você ainda não foi fulminado pela mais inescapável de todas as doenças (a morte) então você tem motivos para agradecer a Deus.
Em terceiro lugar, Davi diz que Deus é aquele que traz redenção ao moribundo, aliás, mais que moribundo, pois sem Deus o estado do homem é de morto (Ef 2.1) e Deus lhe dá vida – uma nova vida, que faz sentido e já é, aqui, um antegozo da bênção da vida eterna que também já foi outorgada, isto é, dada mediante lei irrevogável do supremo legislador. E porque ele faz isso? Não é por nada que possamos fazer, primeiro, porque mortos não podem fazer nada, e, em segundo lugar, para evitar a tentação do arrogante coração humano de achar que tem direito a exigir alguma coisa de Deus. Não caia na tentação de dizer: “Deus eu vou fazer isso, mas quero aquilo”... e, tendo feito, começar a cobrar dizendo: “Deus eu fiz isso, agora faça sua parte”. Deixe-me dizer-lhe que a parte de Deus é ser Senhor, soberano, livre, e se ele nos dá alguma coisa, a redenção inclusive, é porque Ele se compadece em seu coração da nossa miséria e graciosamente nos dá não apenas o que estão diante de nossos olhos, mas, também, seu filho amado (Rm 8:32), nosso Redentor.
Por fim, Davi fala da suficiência que vem de Deus. Ele afirma que Deus é quem farta de bens a velhice e renova a mocidade como a da águia. Na cultura oriental a águia era tida como o animal que, quanto mais velho, mais experiente e forte ele se tornava pela agilidade de seu voo e pela constante renovação de suas plumas, tornando-se, assim, um símbolo de juventude perene (Is 40.31). Um provérbio desejava que a pessoa envelhecesse como a águia, isto é, se tornando mais e mais forte. As Escrituras afirmam que Deus é a fonte de toda suficiência (Tg 1.17), e, embora pareça que a juventude é quem é forte para alcançar as coisas (e a isso a bíblia chama de jactância, arrogância), na verdade é Deus quem dá, tanto ao que trabalha vigorosamente (Tg 4.15-16), como àquele que já não tem mais nenhum vigor (Is 40.29-30).

SE VOCÊ ESTÁ COM DIFICULDADES EM AGRADECER

Este salmo de Davi expressa de maneira magistral o que deve ocupar o coração da Igreja do Senhor Jesus, de cada cristão verdadeiro. O cristão não precisa de bem estar para dar graças a Deus. O cristão dá graças a Deus porque ele conhece o seu Senhor, conhece o seu Deus, conhece o nome santo do Senhor.
Como cristão ele sabe que seu Senhor já lhe proporcionou bênçãos extraordinárias e inalcançáveis pelo braço do homem. O homem não consegue alcançar a sua própria salvação, não consegue promover a sua própria remissão e não consegue, de maneira alguma, o perdão de seus pecados. Quantos ricos e poderosos, ou pobres e miseráveis, tanto faz, vivem vidas loucas, e acabam morrendo em seus abusos simplesmente porque estão buscando, de alguma maneira, esquecer-se lá no mais íntimo de seu ser que são rebeldes sem causa contra o Deus boníssimo e santo? Seu grande problema? Indisposição para agradecer a Deus as pequenas e grandes coisas.
Vamos fazer agora um pequeno exercício mental. Imagine que você tem em suas mãos um papel e uma caneta. Neste papel estão gravados os nomes de algumas pessoas. Os casados imaginem o nome de seu cônjuge, filhos e filhas. Os não casados, imaginem os nomes dos irmãos e pais. Imagine que aí também tem uma lista dos bens que possui. Casa. Carro. Moto. Bicicleta. Celular. Gado. Imagine que aí, nesta lista, também tem coisas que você faz. Estudos. Trabalho. Tarefas domésticas. Imagine que à frente desta lista tem um espaço para você colocar algo que te aborrece nestas coisas.
Agora deixe-me te contar uma história pessoal, acontecida no dia 13 de novembro de 1987. Meu avô comprou uma bicicleta usada, uma Monark, e me deu de presente de aniversário. Eu saí todo feliz e naquele mesmo dia aprendi a andar de bicicleta. Mas ela tinha um problema: os freios estavam desregulados. E, depois de andar a tarde inteira eu, feliz mas cuidadoso, fui falar com meu avô que precisava regular o freio. Não sei por que ele, muito bravo, pegou a bicicleta e eu nunca mais a vi.
Voltemos à listinha imaginária. E se Deus fosse como meu avô foi naquela ocasião? Se cada vez que você murmurasse contra algo que você tem ele tirasse? Está pronto para ficar sem seu cônjuge? Ou sem seus pais? Ou sem seus filhos? Sem seu emprego? Sem seus estudos? Sem sua casa? Sem suas propriedades?
Quero concluir propondo a você um outro modelo de gratidão. Um homem que tinha casa. Tinha propriedades. Tinha esposa. Tinha filhos. E sua riqueza não lhe impedia de devotar-se a Deus com ações de graças. Este homem perdeu tudo. Perdeu propriedades. Perdeu filhos. Perdeu, de alguma maneira, o companheirismo da esposa. Perdeu a saúde. E, ainda assim, continuou a devotar-se a Deus com ações de graças. Seu nome é Jó. Para concluir, cito aqui as benditas palavras do apóstolo dos gentios, Paulo, que deixou tudo o que considerava importante por amor de Cristo (Fp 3.4-11) que diz para todos nós que, em tudo, devemos dar graças:
Em tudo, dai graças, porque esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus para convosco.

I Ts 5:18

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