sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

I Tm 1 12 17 - A PALAVRA DE DEUS GLORIFICA SEU AUTOR

Há muitos anos, quando ainda era seminarista, fui convidado para passar algumas semana em uma Igreja no interior da Bahia como parte de um projeto chamado “Seminaristas no Campo” – que ainda existe, mas com outro nome e foi ampliado passando a contar como estágio do seminário. Na época, um caso de assassinato havia tomado conta do noticiário: a morte de Daniela Perez, emboscada e assassinada com 18 golpes de punhal por Guilherme de Pádua e Paula Thomaz, à época grávida de 4 meses. Noticiava-se que Guilherme e Daniela, que faziam um par romântico (Yasmin e Bira) na novela Corpo e Alma, da Rede Globo. O corpo da atriz foi encontrado no dia seguinte ao assassinato, 29 de dezembro, no mesmo dia que Fernando Collor de Melo anunciava sua renúncia da presidência da república.
Na mesma época, na cidade onde eu estava passando aqueles dias, aconteceu um outro caso rumoroso: um jovem casal se desentendeu gravemente, houve agressões mútuas e a mulher resolveu voltar para a casa dos pais. O jovem, no fim do dia, resolveu ir atrás da mulher, conversou com o pai dela na porta da casa mas não houve nenhum tipo de acordo. À noite entrou pelos fundos da casa, munido de um machado assassinou o pai e a mulher. Como os fatos ocorreram algum tempo antes de minha chegada, eu não tinha conhecimento do acontecido.
O estudo bíblico daquela semana, na Escola da Bíblia, tratava da magnitude do perdão de Deus, baseado na carta de Paulo aos romanos, especialmente 5.20-21: “Sobreveio a lei para que avultasse a ofensa; mas onde abundou o pecado, superabundou a graça, a fim de que, como o pecado reinou pela morte, assim também reinasse a graça pela justiça para a vida eterna, mediante Jesus Cristo, nosso Senhor”. E quando mencionei, como exemplo, e uma pergunta, se os crentes ali presentes acreditavam na possibilidade de perdão a Guilherme de Pádua e Paula Thomaz, especialmente com as alegações de Guilherme de que ele havia se convertido, que estava arrependido (mas tentou mentir, omitir, dissimular, contou diversas versões para o crime) e que era um novo homem. Deus o perdoou? Deus o perdoaria?
Logo uma pessoa, membro da Igreja há muitos anos, contou a segunda história e disse acreditar que era impossível que Deus perdoasse uma pessoa tão ruim, tão fria e má como aquele homem que matou o sogro e a sua mulher. Segundo ele, era impossível que Deus perdoasse alguém assim.
Aquela discussão trouxe à baila uma pergunta interessante: até que ponto Deus perdoa pecadores, e qual o objetivo disso? De imediato, é preciso entender que o que nós achamos sobre Deus não é relevante – o que é relevante é o que Deus revela de si mesmo (Sl 103:8) e de nós (Dn 9:18).
Vejamos o que Deus nos diz em sua palavra através do apóstolo Paulo em sua carta ao seu filho espiritual e discípulo ministerial Timóteo:
12 Sou grato para com aquele que me fortaleceu, Cristo Jesus, nosso Senhor, que me considerou fiel, designando-me para o ministério, 13 a mim, que, noutro tempo, era blasfemo, e perseguidor, e insolente. Mas obtive misericórdia, pois o fiz na ignorância, na incredulidade. 14 Transbordou, porém, a graça de nosso Senhor com a fé e o amor que há em Cristo Jesus. 15 Fiel é a palavra e digna de toda aceitação: que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal. 16 Mas, por esta mesma razão, me foi concedida misericórdia, para que, em mim, o principal, evidenciasse Jesus Cristo a sua completa longanimidade, e servisse eu de modelo a quantos hão de crer nele para a vida eterna. 17 Assim, ao Rei eterno, imortal, invisível, Deus único, honra e glória pelos séculos dos séculos. Amém!
I Tm 1.12-17
12 Sou grato para com aquele que me fortaleceu, Cristo Jesus, nosso Senhor, que me considerou fiel, designando-me para o ministério, 13 a mim, que, noutro tempo, era blasfemo, e perseguidor, e insolente. Mas obtive misericórdia, pois o fiz na ignorância, na incredulidade.

Uma leitura apressada pode levar alguém a pensar que o personagem central da passagem que temos diante de nós é o apóstolo Paulo: forte, fiel, ministro, modelo para os crentes. E, de fato, Paulo é um personagem muito importante a ponto de afirmar que os que o conheceram poderiam tê-lo como modelo, imitando-o naquilo que ele espelhava Cristo (I Co 11:1) porque já não era ele quem vivia, mas Cristo vivia nele (Gl 2:20). Paulo diz que os crentes de corinto deviam imitá-lo porque viram ele viver como genuíno ministro cristão – e os coríntios faziam parte de uma Igreja que desafiava a sua autoridade apostólica, como também desafiavam a de Pedro e discordavam dos ensinos de Apolo.
Mas como Paulo chegou a ser este modelo? Ele mesmo diz: pela ação de Deus. Pela exclusiva ação de Deus. Conhecemos sua história – que ele relembra aqui em linhas muito gerais. Ele era blasfemo, isto é, alguém que fala mal, de maneira injuriosa, caluniadora, que procura provocar no ouvinte a crença na má fama daquele ou daquilo de quem se fala. E Paulo falava mal da Igreja de Cristo. Paulo falava mal dos cristãos. Paulo falava mal de Cristo. Mas ele não apenas falava, ele ia adiante, era também perseguidor e também insolente, uma pessoa cheia de orgulho pelas suas conquistas, que por causa de Cristo ele viria a considerar inúteis (Fp 3.4-7).
O insolente usa de linguagem insultante sobre os outros cometendo contra eles atos vergonhosos e errados e é por isso que Cristo vai a ele com uma dura acusação: Paulo perseguia a Cristo (At 26:14). Isso mostra o tamanho da insolência de Paulo – o pecador perseguindo o próprio Deus.
Paulo poderia ser descrito como um fanfarrão – mesmo que o que ele dissesse a seu respeito não fosse, necessariamente, falso. Mas ele achava-se, em seu interior, muito superior a todos os cristãos e a muitos judeus, e isso acabava por se manifestar externamente na perseguição aos cristãos, com maneiras arrogantes e deleitando-se em praticar atos cruéis contra eles. Embora não se refira diretamente a si mesmo, antes do pecado Paulo também compartilhava daquilo que ele denuncia em sua carta aos romanos (Rm 1.29-31): uma humanidade prepotente em palavras, orgulhosa e dominadora em pensamentos e insolente e injuriosa em atos.
O âmago deste texto não é a insolência e perfídia de Paulo antes da conversão – é justamente a ação de Deus para que ele fosse convertido. Acertadamente Paulo chama a atenção para Deus – é de Deus que ele está falando. É a Deus que ele é grato porque Deus o fortaleceu. Gratidão é mais do que um sentimento. Paulo usa uma expressão que implica em ter sua mente totalmente controlada ou possuída por apegada àquele que lhe dá alegria, prazer, satisfação – a bondade misericordiosa de Deus, exercendo uma influência toa poderosa sobre sua alma que o fez voltar-se para Cristo, em quem é guardado, fortalecido e nutrido de maneira que possa expressar isso em sua vida – em resumo, Paulo diz que essa gratidão é uma condição espiritual de alguém governado pelo poder de Deus.
AS AÇÕES DO HOMEM, BOAS OU MÁS, NÃO SÃO O CENTRO DA PALAVRA FIEL
12 Sou grato para com aquele que me fortaleceu, Cristo Jesus, nosso Senhor, que me considerou fiel, designando-me para o ministério, 13 a mim, que, noutro tempo, era blasfemo, e perseguidor, e insolente. Mas obtive misericórdia, pois o fiz na ignorância, na incredulidade.
Quando Paulo se apresentou à Igreja houve temor, afinal, ele era aquele que arrastava os cristãos para as prisões. Era o perseguidor, o flagelo que assolava os “do caminho” nos primeiros dias com autorização das autoridades. Muitos temeram que fosse uma armadilha.
Os judeus conheciam bem Paulo, e, quando ele fala de si mesmo ele não está mentindo. Sua religiosidade era exemplar, senão não conseguiria autorização do sinédrio para representá-los fora de Jerusalém (Fp 3.4-7). Conheciam tão bem a seriedade de Paulo que, quando ele se converteu, queriam silenciá-lo rapidamente (At 23:12-13).
Damos tanta importância à procedência religiosa, ao pedigree que nos esquecemos que isto não passa de obras das mãos de homens, e não há motivo algum de nos gloriarmos nelas (Ef 2:9), pelo contrário, na maioria das vezes isto é motivo de orgulhoso pecado.
Por outro lado também damos grande importância aos pecados do passado como se isso fosse impedimento para servir a Deus no presente, esquecendo-nos das palavras do Senhor que nos fez novas criaturas (II Co 5:17). De maneira figurada, Paulo afirma que nem a religiosidade infrutífera nem a pecaminosidade antes da conversão são impedimentos para o serviço dedicado ao Senhor daqueles que nasceram de novo (Gl 6:15).
Embora se refira à sua ignorância, não religiosa, mas do real caráter de Deus, como também aconteceu com Nicodemos (Jo 3:3) ela não lhe serviu de desculpa. Por ignorância Paulo está se referindo às opiniões erradas que possuía e emitia por não entender as coisas do reino de Deus. Ele também se refere à sua incredulidade a respeito do Messias, sua falta de fé, sua rejeição de Cristo também não serviu de desculpa para seus erros – a única razão pela qual ele podia dar graças a Deus é a misericórdia que lhe foi dada da parte de Deus que lhe deu ajuda em sua miserabilidade e tentativas frustrantes de encontrar justificação pelas obras da carne.

12 Sou grato para com aquele que me fortaleceu, Cristo Jesus, nosso Senhor, que me considerou fiel, designando-me para o ministério, 13 a mim, que, noutro tempo, era blasfemo, e perseguidor, e insolente. Mas obtive misericórdia, pois o fiz na ignorância, na incredulidade.
A chave para entendermos a mensagem desta passagem é: Deus foi misericordioso com Paulo, não apenas salvando-o por sua graça mas escolhendo-o, de entre outros vasos de barro e dignos da destruição para usá-lo para sua glória. E a Paulo só cabia responder com gratidão. Você quer realmente entender o porque Deus nos deu tudo o que temos registrado? Porque Paulo escreveu tantas cartas? Porque tantos detalhes a respeito da vida de Jesus, dos apóstolos e do que isto tudo representa?
A resposta é: mudar a vida de pecadores, blasfemos, perseguidores, arrogantes, insolentes, ignorantes e incrédulos. O propósito de Deus é mudar o destino daqueles que estavam condenados à uma eternidade de tormentos – e que não apenas mereciam como tudo faziam para acrescentar flagelos a esta condenação.
O centro da mensagem é o que Deus fez e faz. Paulo é grato a Deus pelo que Deus fez em sua vida. É este o assunto destes versos – e do que vem em sequência.
Em primeiro lugar Paulo demonstra gratidão a Deus – não foi o acaso, nem um acidente na estrada, mas o que aconteceu no tempo próprio, certo e determinado por Deus que o levou da ignorância para a luz, do império das trevas para o reino do filho do amor de Deus. Não foi um convencimento epistemológico, nem uma crise emocional, mas um encontro com Deus, o Deus que veio ao seu encontro e lhe mudou a história. Se Paulo julgava-se forte, imbuído de autoridade pelo sinédrio, foi somente ao ser encontrado com Cristo que, cego, passou a enxergar, humilhado e sem pátria, passou a ser o embaixador do reino dos céus (II Co 5:20). Paulo aprendeu que, sem Cristo, o mais forte dentre os homens é insignificante, mas, com Cristo e revestido pelo poder de Cristo, mesmo a fraqueza se torna em grande poder (II Co 12:9).
Em segundo lugar, Paulo considera a dignidade do ministério, ministério que não merecera e do qual, de per si, não era digno, mas que lhe fora dado por Deus, diferente e superior do que ele buscara com tantos esforços dentro do judaísmo (Gl 1:14). O apóstolo foi conduzido, concebido, preparado e equipado para agir com fidelidade, integralmente comprometido com a fé e obediente na execução dos comandos do seu Senhor (I Co 9:16).
Em terceiro lugar Paulo é grato pela enorme transformação que houve eu seu ser por causa da misericordiosa graça de Deus em Cristo Jesus. Primeiro, Deus o capacitou. Depois, Deus lhe deu um sentido para a vida e, em terceiro e extremamente importante, Deus lhe deu uma visão clara do que significa ser cristão: alguém que é grato pela manifestação da misericórdia de Deus, que chama o que não o conhece para conhecê-lo (II Pe 2:12) porque seu coração é tomado de misericórdia e compaixão (Hb 5:2) e que faz o incrédulo ver o que antes não conseguia enxergar (II Co 4:4) até que sua cegueira seja removida – e é possível que estes incrédulos, cegos e ignorantes estejam perto ou até mesmo dentro das Igrejas (Jo 20:27).
Se perguntássemos ao apóstolo Paulo o que ele gostaria que, sabendo destas coisas, os cristãos fizessem? Provavelmente a resposta é vivam, vivam o evangelho como se fosse o próprio Cristo vivendo-o. Vivam por modo digno do evangelho de Cristo. Paulo diz isso quatro vezes em suas cartas – e isto mostra que ele (e o autor maior das cartas) tinha real interesse que vivêssemos por modo digno deste evangelho gracioso que transforma mesmo o maior pecador num filho amado.
Paulo exorta os Efésios, aos quais Timóteo estava pastoreando, a andar de modo digno da sua vocação evangélica (Ef 4:1). Ele diz aos filipenses a viverem, acima de tudo, isto é, prioritariamente, por modo digno do evangelho de Cristo (Fp 1.27). Aos crentes em Colossos Paulo diz que os cristãos devem viver de modo digno do Senhor para seu inteiro agrado (Cl 1.10). Por fim, aos Tessalonicenses Paulo exorta e admoesta para que vivam por modo digno de Deus que os chamou para o seu reino e glória (I Ts 2.12). Para que não pensemos que isso é ideia fixa de Paulo, João também menciona o mesmo assunto (III Jo 1:6) porque essa é uma ideia do próprio Deus.
Quer perguntar de novo? Ok, tudo bem! O que isto tem a ver comigo, crente do sec. XXI em Xinguara? Meu irmão, minha irmã, você ainda não entendeu o que significa viver o evangelho em seu dia-a-dia? Significa não colar na prova... significa não ficar com o troco a mais que o caixa lhe deu... significa não furar a fila, seja no banco ou no almoço... significa falar coisas edificantes ao invés de usar palavras duras ou maldosas para ferir o coração ou a reputação de alguém... significa escolher no Senhor aquela pessoa que vai lhe acompanhar pelo resto da vida... significa não sonegar impostos... significa não tomar uma cervejinha com os amigos... significa não usar o que deveria ser templo do Espírito Santo para fins luxuriosos... significa não usar a língua que pode ser instrumento de bênção para amaldiçoar a criação de Deus... significa ser um jovem ou adolescente que não traz vergonha ao evangelho (lembrem-se de dois dos presos mais ilustres do Brasil, ambos cariocas, dos últimos meses – Eduardo Cunha e Anthony Garotinho)... acho que você já entendeu...
Paulo relata que tinha um problema antes da manifestação da graça de Deus – sua blasfêmia, insolência e maldade era fruto da falta do conhecimento adequado, isto é, mesmo tendo conhecimento das Escrituras ele não cria naquele de quem as Escrituras falavam (Jo 5:39).
Paulo tinha experiência religiosa, mas teve que perguntar, quando Jesus lhe apareceu, quem ele era (At 9:5) porque ele não conhecia verdadeiramente a Jesus. Tomé convivera com o Senhor e com a Igreja, mas teve que ouvir de Jesus para não ser incrédulo, mas se tornar um crente (Jo 20:27).
É isso, talvez você tenha vindo esta noite com outros propósitos, mas o propósito de Deus é dizer-lhe: seja crente. Você pode sair daqui decidido a não ser crente, mas você ouviu o que Deus queria que você ouvisse: seja crente. E o que acontecerá com você se você não se tornar um crente em Jesus Cristo – o que significa ser membro de uma Igreja, sim, mas não apenas isso? Se você não se tornar um crente a Palavra de Deus diz que sobre o incrédulo permanece a ira de Deus (Jo 3:36). Não há a promessa de lançar ira sobre quem se mantém incrédulo – mas a constatação de que ela permanece sobre quem não crê no Filho de Deus.
Mas, e se crer? A promessa de Deus é que, quem crê no Filho, tem a vida eterna (Jo 5:24) e vai, conhecendo cada vez mais a Deus e sua Palavra, viver por modo digno do evangelho, como os demais crentes.
Agora vamos pra casa. Voltemos para o nosso dia-a-dia. A semana vai começar, e teremos oportunidades para viver, como incrédulos (Ef 2:12) ou por modo digno do evangelho.


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