domingo, 29 de janeiro de 2017

I. A IGREJA MANTÉM SUA IDENTIDADE E DESEMPENHA SUA MISSÃO QUANDO TEM AUTOCONHECIMENTO

No mundo do futebol existe uma associação chamada “Torcida Organizada”. Cada torcida organizada, mesmo as de um mesmo clube, tem seus próprios códigos de conduta, tem suas regras, tem suas cores e seus símbolos. Membros desta torcida conseguem se identificar mesmo num ambiente com dezenas e até dezenas de milhares de pessoas. Gestos, jeitos, cores, roupas, tudo serve como fator identificador. E eles fazem tudo o que podem para manter esta identidade preservada no meio do ambiente geralmente muito hostil em que se encontram. Em alguns casos chegam mesmo a matar, sendo cada vez mais comum o confronto de torcidas organizadas – e, infelizmente, já acontecem conflitos entre torcidas organizadas de um mesmo time.
A Igreja não é uma torcida organizada – embora, lamentavelmente, os conflitos internos sejam até mais comuns do que entre as facções de torcedores organizados de um mesmo clube. Mas, mesmo sem ser uma torcida organizada, a Igreja tem identidade, a Igreja deve ter uma identidade e não pode perder essa sua identidade sob força de ser incapacitada para o desempenho de sua missão primordial: testemunhar a salvação em Cristo Jesus enquanto vai pelo mundo (Mc 16:15 - E disse-lhes: Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura).
Como a Igreja pode fazer para manter a sua identidade neste mundo, mantendo-se como sal e luz, como agência do reino de Deus na terra em meio a tantas transformações que a sociedade vem sofrendo? Como a Igreja pode responder aos desafios contemporâneos e não deixar de ser o corpo que Jesus Cristo morreu para formar (Jo 11.52 - ...e não somente pela nação, mas também para reunir em um só corpo os filhos de Deus, que andam dispersos)?
O que é a Igreja? O que compõe a Igreja? Ela é apenas a reunião dos regenerados, daqueles que foram comprados pelo precioso sangue de Jesus Cristo (I Pe 1.19 - ...mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo), foram regenerados pela Palavra (I Pe 1.23 - ...pois fostes regenerados não de semente corruptível, mas de incorruptível, mediante a palavra de Deus, a qual vive e é permanente) e batizados pelo Espírito ou é algo mais do que isto?
Algumas Igrejas possuem uma espécie de carteira de identidade que identifica aqueles que dela fazem parte – e alguns de seus membros se orgulham de exibi-la. Sempre tive uma grande alegria e tenho como um grande privilégio o fato de poder identificar-me como membro e ministro da Igreja Presbiteriana. Pastores possuem uma carteirinha específica que os identificam como tais. Mas é uma carteirinha que faz a identidade da verdadeira Igreja de Cristo?
Como a Igreja deve expressar sua verdadeira identidade e manter-se como testemunha da verdade de acordo com a bíblia. De que maneira a Igreja deve manter o seu caráter como verdadeira Igreja de Cristo?
41 Então, os que lhe aceitaram a palavra foram batizados, havendo um acréscimo naquele dia de quase três mil pessoas.
42 E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações.
43 Em cada alma havia temor; e muitos prodígios e sinais eram feitos por intermédio dos apóstolos.
44 Todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum.
45 Vendiam as suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade.
46 Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração, 47 louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos.
At 2.42-47
Vamos, então, conhecer esta Igreja que vive segundo o padrão neotestamentário porque ela

CONHECE SUA HISTÓRIA

41 Então, os que lhe aceitaram a palavra foram batizados, havendo um acréscimo naquele dia de quase três mil pessoas.
42 E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações.
43 Em cada alma havia temor; e muitos prodígios e sinais eram feitos por intermédio dos apóstolos.
Para conhecermos a identidade da Igreja de Cristo precisamos conhecer a sua história, sua instituição, a maneira como ela foi estabelecida – olhar para a Igreja hoje não nos permite conhecer aquilo que a Igreja deve ser por causa das muitas formas de (des) organizações eclesiásticas atuais. Precisamos conhecer a Igreja sem as muitas inovações ao longo da história (inovações cada vez mais comuns e aberrantes nos dias de hoje) e por isso é salutar voltar ao princípio, isto é, ao que a Igreja era antes de se tornar o que ela é agora. Isto não quer dizer que a Igreja esteja errada in totum, mas que ela já sofreu mais influências do mundo do que, às vezes, desejamos admitir.
Como era a Igreja nos dias de sua instituição? Como a Igreja nasceu? O nascimento da Igreja cristã (porque Igreja de Deus já havia) se deu no dia de Pentecoste, 50 dias após a páscoa, evento descrito no capítulo 1 do livro de Atos. Ela é vista por Paulo como o novo israel, os ramos da oliveira brava que substituem os ramos originais e infrutíferos (Rm 11:24 - Pois, se foste cortado da que, por natureza, era oliveira brava e, contra a natureza, enxertado em boa oliveira, quanto mais não serão enxertados na sua própria oliveira aqueles que são ramos naturais!). Não há novos propósitos em Deus, Deus teu um único e eterno propósito, mas à partir deste dia há o desenrolar de um novo capítulo na história da salvação. E esta Igreja foi criada para cumprir alguns propósitos, mostrando isto logo em suas primeiras manifestações.

A PRIORIDADE DA IGREJA ERA A EXPANSÃO DO REINO

Assim que recebeu a capacitação do Espírito, conforme prometido por Jesus (At 1.8 - ...mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra) a Igreja imediatamente se entregou à evangelização, ao anúncio da obra redentora de Jesus Cristo. Não foi necessário criar nenhuma conferência para implantação da Igreja entre os judeus, nenhuma agência missionaria para os samaritanos ou nenhum plano de expansão entre os gentios.
Eles simplesmente foram Igreja, foram a comunidade dos que foram chamados do império das trevas para o reino do Filho do amor de Deus, eles simplesmente saíram de entre as paredes onde se escondiam por medo dos judeus (Jo 20.19 - Ao cair da tarde daquele dia, o primeiro da semana, trancadas as portas da casa onde estavam os discípulos com medo dos judeus, veio Jesus, pôs-se no meio e disse-lhes: Paz seja convosco) e proclamaram as virtudes (I Pe 2.9 - Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz).
Não foram apenas os apóstolos – todos os que estavam naquele cenáculo sentiram-se impulsionados à proclamação do evangelho salvador de Jesus. O resultado não poderia ser outro: os convertidos iam juntando-se à Igreja (At 2:47 - ...louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos) que prosseguiu mesmo diante de acirrada perseguição (vide At 8.1-40)
Ao invés de olharmos com saudade, admiração ou até mesmo uma certa inveja daquela Igreja neotestamentária, devemos é, individualmente, ser como aquela Igreja, ser aquela Igreja neotestamentária. Sem dúvida que isto daria fim a muito do marasmo, acidez crítica, estagnação ou esforços e autofagocitose que encontramos na Igreja cristã contemporânea. Este é o primeiro desafio – saber quem a Igreja deve ser para ser a Igreja que a Igreja deve ser.

A PRIORIDADE DA IGREJA ERA ENSINAR OS CONVERTIDOS A SEREM CRENTES

A prioridade da Igreja cristã era o discipulado – e o que é o discipulado? É ensinar os convertidos a serem crentes, a viverem como crentes e, se necessário, a morrerem como crentes. O relato de Lucas mostra que a Igreja logo demonstrou esta característica quando se aplicava à doutrina dos apóstolos (e ainda dizem que doutrina é coisa de homes, que estudar doutrina é coisa do sabe-se-lá-quê, acusações geralmente presentes na boca de quem não quer conhecer a Palavra de Deus a fundo e está interessado somente em opiniões ou sonhos de homens). O discipulado era de todos, por todos, e para todos.
Ainda que a doutrina fosse proferida pelos apóstolos, todos perseveravam nela, todos perseveravam na comunhão (inclusive do que aprendiam – Gl 6.6 - Mas aquele que está sendo instruído na palavra faça participante de todas as coisas boas aquele que o instrui). Discipulado também envolve comunhão, e não apenas doutrina.
Doutrina sem comunhão é como ensino sem aplicação, e a Igreja verdadeiramente praticava aquilo que aprendia e passava adiante através do ensino. E isto tirava um peso de sobre os ombros dos apóstolos que podiam se dedicar à oração e ao ensino da Palavra (At 6.4 - ...e, quanto a nós, nos consagraremos à oração e ao ministério da palavra) enquanto a Igreja fazia as demais coisas.
Não é incomum alguém chegar na Igreja, ouvir a mensagem, entender a doutrina: Deus é criador, o homem é pecador, o pecado afasta o homem de Deus, Deus resgata o pecador através de Jesus Cristo, o pecador crê em Jesus como seu único e suficiente salvador e é renovado mediante o Espírito Santo e é integrado a um novo povo, a Igreja. Mas, você, novo na Igreja, pode estar se fazendo a seguinte pergunta: e agora? Eu creio, e agora? Que faremos, irmãos? É este o papel da Igreja, ensinar os novos a viverem como crentes, aplicarem o que aprenderam às demandas do dia-a-dia. E isto é feito com exemplo, com testemunho, como nos ensina o apóstolo Paulo (Fp 4:9 - O que também aprendestes, e recebestes, e ouvistes, e vistes em mim, isso praticai; e o Deus da paz será convosco).

A PRIORIDADE DA IGREJA ERA VIVER COMO CRENTES

Pode parecer estranho enumerar três prioridades, sem, entretanto, mencionar qual a primeira, a segunda ou a terceira. É porque estas coisas eram intrínsecas e essenciais, não podiam ser separadas. A Igreja que evangelizava perseverava na doutrina para saber o que evangelizar. A Igreja que perseverava na doutrina evangelizava e integrava os novos convertidos – e nesta Igreja, através dos apóstolos (embora toda a Igreja tivesse recebido o Espírito Santo), muitos sinais aconteciam.
Talvez a palavra chave para entender porque os crentes daquela Igreja viviam como crentes seja “temor”, isto é, medo de ser irreverente, medo de agir ofensivamente diante do Deus santo que amou a Igreja, mesmo ela sendo pecadora, mesmo enquanto eles ainda eram fracos e ímpios, provando seu amor ao dar Jesus Cristo em seu resgate.
A prioridade da Igreja era viver como crente, e, se isso ocasionasse perseguição, seriam perseguidos como crentes e como crentes sofreriam, alegremente (I Pe 4.14-16 - Se, pelo nome de Cristo, sois injuriados, bem-aventurados sois, porque sobre vós repousa o Espírito da glória e de Deus. 15 Não sofra, porém, nenhum de vós como assassino, ou ladrão, ou malfeitor, ou como quem se intromete em negócios de outrem; 16 mas, se sofrer como cristão, não se envergonhe disso; antes, glorifique a Deus com esse nome). Curiosamente o único que desejou o Espírito para poder ter sinais à sua disposição foi duramente condenado (At 8:20 - Pedro, porém, lhe respondeu: O teu dinheiro seja contigo para perdição, pois julgaste adquirir, por meio dele, o dom de Deus).
Ao invés de viver em busca de sinais e maravilhas, a Igreja deveria encher-se do temor de Deus, fruto do Espírito, e, se necessário, pagar o preço de seguir a Cristo, não o de ser salvo: renúncia, abnegação, humilhação, entrega em total obediência – isto é a melhor tradução de ‘temer a Deus’ que eu consigo lhe apresentar nesta ocasião e só assim você vai ser capaz de ser igreja verdadeira.

CONCLUSÃO

É possível que tenhamos cristãos, verdadeiros, literalmente “perdidos na casa do pai”, sem conhecer sua história, seu propósito como Igreja e precisando de um despertamento para sair da letargia, da apatia espiritual e um dos caminhos para a solução deste problema é conhecer a sua história, ter como modelo uma Igreja saudável, ativa, plena de vigor espiritual, cheia do Espírito Santo, pregando ousadamente a Palavra, vitalmente comprometida com a expansão do reino através do discipulado, da oração, da comunhão, do louvor e de uma vida que evidenciava que tinham temor de Deus em seus corações.
Nós não somos outra Igreja – nem somos chamados para sermos outro tipo de crentes. Somos a mesma Igreja, o mesmo povo formado por Cristo quando deu a si mesmo (Tt 2:14 - ...o qual a si mesmo se deu por nós, a fim de remir-nos de toda iniqüidade e purificar, para si mesmo, um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras) vivendo épocas diferentes, com demandas diferentes mas com o mesmo evangelho para seguir, a mesma mensagem para pregar, o mesmo Jesus como Senhor e salvador, o mesmo Espírito a nos unir e o mesmo Deus como Senhor.
Mesmo que tenhamos algumas demandas diferentes, ainda temos a mesma identidade, o mesmo chamado, a mesma missão, e devemos cumprir com eficiência o mandado do Senhor de sermos suas testemunhas. Da mesma maneira que o coração dos homens não mudou, todos continuam sendo pecadores que só podem ser restaurados pela aceitação das boas novas do evangelho.
É possível que uma coisa tenha mudado: os discípulos de Jesus talvez não sejam mais os mesmos – temos fáceis tem gerado discípulos sem o mesmo comprometimento que talvez não ousassem declarar-se discípulos de Jesus nos primeiros séculos, perdendo a identidade e o poder de testemunhar.

Nosso modelo é Cristo – e o melhor modelo de uma Igreja na qual a vida de Cristo era experimentada com pujança era a descrita neste texto. O propósito desta mensagem é exortar você a ser Igreja – ser Igreja como aqueles irmãos foram Igreja, tendo como prioridade a expansão do reino de Deus, ensinar os novos convertidos a serem crentes e viverem como crentes.

sábado, 28 de janeiro de 2017

A IGREJA E O PROBLEMA DA INTEGRAÇÃO DE NOVOS MEMBROS. PAULO, UM ESTUDO DE CASO

A IGREJA E O PROBLEMA DA INTEGRAÇÃO DE NOVOS MEMBROS

A internet é pródiga em debates infrutíferos e, às vezes, tão ferinos que ao invés de promover a comunhão entre os crentes leva a uma disputa ferina sobre quem Abordar sobre a convivência cristã e a importância de servirmos de suporte para os fracos e os novos na fé. Calvinistas e arminianos, congregacionais e episcopais, presbiterianos e batistas, presbiterianos e presbiterianos, crentes e crentes (?!!!) que parecem passar mais tempo num octógono, ou num coliseu do que numa Igreja.
Não sei como a maioria é no dia-a-dia de sua fé, não sei como se comportam na Igreja, se são tão comprometidos com a vida da Igreja, comprometidos com o “ser Igreja” como são ferozes na defesa de pontos doutrinários, geralmente pontos doutrinários específicos. Gostaria de ver o comportamento nas reuniões de oração, nos cultos doutrinários, a freqüência na Escola da Bíblia...
Gostaria de saber se são tão interessados em fazer discípulos quanto parecem em conseguir seguidores, curtidas e comentários em suas postagens. Como se comportam quando chega a hora de receber um visitante – será que é com a mesma alegria com que se recebe um pedido de adição de amizade?
Esqueçamos as redes sociais – este problema não é tão novo assim. No Novo Testamento encontramos o problema dos relacionamentos na Igreja de Roma que precisou da intervenção do apóstolo Paulo para evitar uma verdadeira guerra de crentes em que uns se consideravam “fortes” e apelidavam os que não comungavam de suas ideias de “fracos”. Paulo também tem que intervir para amenizar os problemas na Igreja de Corinto que contava não com dois, mas com pelo menos quatro partidos espirituais: Clube de Debates Paulinos, Sociedade Acusadora Apolônia, Centro Divisionista Petrino e Primeiro Comando Cristão.
O próprio Paulo encontrou dificuldade para ser recebido na Igreja quando se converteu. Primeiro Ananias, depois os crentes em Damasco – todos desconfiaram do novo convertido (At 9.21).
É sobre esta dificuldade encontrada pelo apóstolo Paulo que vamos meditar nesta ocasião. O texto é longo, e a história bastante conhecida, então, vamos estudá-lo e analisar as dificuldades encontradas pelo novo convertido em sua busca por integração nas Igrejas, uma dificuldade que ele não sabe existir e que a propaganda da Igreja às vezes engana quando chama as pessoas para fazerem parte da família da fé, experimentarem o amor e a comunhão entre os cristãos.

O CONVERTIDO PODE SE SENTIR SOZINHO E DESORIENTADO (At 9.1-9)

A Igreja primitiva era uma Igreja com uma grande atividade evangelizadora. Ela anunciava ousadamente a Cristo. Ela estava indo por Jerusalém, pela Judéia, Samaria e já estava atingindo os gentios de uma maneira ainda incipiente. Aquela Igreja entendia que a evangelização é de suma importância e não deve ser negligenciada. Mas e depois? O que faziam com os novos convertidos? Ela os integrava, havia comunhão, mas em um determinado momento houve dificuldade para a integração de um novo convertido. Hoje não é diferente, os novos convertidos enfrentam uma série de dificuldades para se integrarem e permanecerem em sua caminhada cristã, desde a conversão, passando pelo batismo e membresia na Igreja local.
A conversão é um evento absolutamente individual e isola o novo convertido em um mundo completamente desconhecido para ele. Não é mais deste mundo, não vê mais as coisas como via anteriormente, todavia, ainda não consegue ver o novo mundo do qual vai passar a fazer parte. É como um filhotinho de cachorro, por exemplo, que já não está mais no ventre materno, já está no mundo mas não enxerga nada, não tem percepção das cores, das luzes, das coisas boas e tampouco dos perigos que o cercam. Paulo viu o que ninguém mais via – e Paulo deixou de ver o que todo mundo via. Não quero alegorizar o texto, mas, sem sombra de dúvidas, Paulo morria para o velho mundo e se tornava cidadão de um novo reino. Ele mesmo vai falar sobre isso quando diz que tudo passou a ser considerado como empecilho (Hb 12:1) e perda porque considerava ser encontrado em Cristo como a coisa mais importante de sua nova vida (Fp 3:8).
Mas seus companheiros, aqueles que iniciaram aquela jornada com ele continuavam no velho mundo, cegos às coisas divinas, embora pudessem ver tudo o que os cercava. Seus companheiros sequer compreendiam as suas novas necessidades, e não podiam ajudá-lo a ponto de Paulo ficar sem comer e sem beber por três dias, atônito. Paulo sequer sabia qual era a sua real necessidade, ainda não havia aprendido sobre o genuíno leite espiritual (I Pe 2:2) que sacia e dá crescimento.

O CONVERTIDO PODE TER QUE ENFRENTAR DESCONFIANÇA (At 9.10-18)

Não deveria ser assim, mas é possível que a Igreja olhe com alguma desconfiança para aqueles que se aproximam e dizem que foram convertidos, que querem se integrar à Igreja. Às vezes numerosas barreiras são colocadas para testar o novo convertido – e estas barreiras podem, também, dar a impressão de que ele não é bem-vindo, e, não se integrando ali, vai procurar outro lugar onde seja melhor recebido.
A Igreja, representada aqui por Ananias, teve dificuldade para entender o propósito de Deus de integrar o novo convertido à comunhão dos santos. Mesmo Deus mandando (desobediência não é coisa nova) Ananias ainda tenta argumentar com Deus, duvidando que Paulo realmente houvesse sido convertido. Ananias, sem querer, se apresenta como um obstáculo à integração de Paulo. É bem possível que na Igreja haja muitos que agem da mesma maneira, com receios diferentes mas temerosos de que o novo convertido, ou os novos convertidos, venham, de alguma maneira, ameaçar a paz, o status quo da Igreja, construído ao longo de anos, onde cada um sabe o seu lugar e o seu papel, afinal, eles, os novos, os diferentes, estão vindo do mundo (e quem não vem do mundo?).
Talvez a Igreja leve em conta não apenas os receios pessoais, mas também a “fama” do novo convertido, do visitante, do perdido ou do amigo que se aproxima da Igreja em busca do que não consegue encontrar no mundo. Ananias lembra que “de muitos tem ouvido” sobre o temível fariseu que, de maneira inédita pois os fariseus não se davam com os sacerdotes saduceus, tinha autorização dos sacerdotes para prender, arrastar e até matar cristãos. É incrível que Deus tenha que insistir para que seus servos lhe obedeçam. A Igreja precisa de seminários, conferências, simpósios simplesmente para ouvir o que já foi dito: evangelize, discipule).
Todo mundo que chega na Igreja tem algo a lembrar, que gostaria de esquecer, ou que gostaria que todo mundo esquecesse, de sua vida “sem Deus no mundo” (Ef 2.12). Não é a Igreja que deve fazer o papel de lhe lembrar a prática das obras infrutíferas das trevas (Tt 3:3) – o diabo já faz isso sem precisar da ajuda da Igreja (Ap 12:10).

O CONVERTIDO PODE TER DIFICULDADE PARA ENCONTRAR SEU LUGAR (At 9.19-26)

A vida do novo convertido geralmente passa por algumas transformações imediatas. A primeira coisa que acontece é a de inadequação ao seu velho ambiente. Até mesmo em família esta sensação se faz presente. Mesmo sendo a família, nosso sangue, pessoas com quem convivemos a vida toda e com as quais estamos acostumados algumas de suas atitudes, palavras e gostos começam a soar e a parecer diferentes. Sem perceber começa a cumprir na sua vida as palavras de Jesus (Gl 1.4).
Saulo era um judeu que nasceu em Társis, um porto fenício, localizado na Espanha e de costumes romanos. Teve formação educacional clássica e ao mesmo tempo profunda instrução religiosa. Foi para Jerusalém provavelmente para viver mais intensamente a sua fé pela proximidade do templo e, com grande zelo e sem o verdadeiro conhecimento, como ele mesmo atesta (Rm 10:2) se colocou como inimigo da nova doutrina que se espalhava como fogo em capim seco (Fp 3:6).
Agora Paulo se via em Damasco, para onde tinha ido com um propósito – propósito frustrado e errado, como ele agora sabia. Não podia voltar ainda para Jerusalém, era visto com alguma desconfiança pela igreja, seus amigos não viram o que ele havia visto. Só lhe restava olhar para o autor e consumador da sua fé (Hb 12:2) e anunciar o que ele agora sabia ser verdade: Jesus era, de fato, o Filho de Deus, e este testemunho deve ser prestado em todo o tempo (I Tm 2.5-7) – e não só contava com a desconfiança da Igreja como também com a inimizade dos seus antigos parceiros de perseguição a Cristo e sua Igreja (At 26:14-15). Literalmente, Paulo se encontrava entre a cruz e a espada. E acabaria ficando com os dois.

O CONVERTIDO PODE NÃO SABER QUE PRECISA DE UM MENTOR (At 9.26-30)

Por fim, Paulo finalmente “é dirigido” para Jerusalém. Não sabemos se ele considerava oportuno ir para lá (afinal, lá estavam os chefes da perseguição à Igreja) ou necessário (pois ali se encontravam os apóstolos, que ainda não haviam sido dispersos). Paulo tentou em Damasco, encontrou dificuldades. Foi para Jerusalém, e ali também enfrentou algumas dificuldades para se integrar na Igreja. É curioso que seu testemunho era crido mais poderosamente entre os incrédulos do que dentro da própria Igreja. Faltava algo que ele não considerava, que ele não sabia ser necessário e que nenhum novo convertido sabe: ele precisava de um facilitador, de um guia, de um discipulador que cumprisse o mandato de Jesus de fazer discípulos. Evidentemente quanto a conhecimento das Escrituras Paulo não precisava de mestre, mas precisava conhecer sobre Jesus e sobre sua Igreja. Sobre Jesus o próprio Senhor providenciou (Gl 1:11).
Um homem cheio do Espírito, profundamente dedicado ao Senhor assumiu para si o trabalho e o risco de ser o discipulador de Paulo: Barnabé, natural de Chipre. Já falei que gosto da expressão “mas”, em grego “ala”, que pode ser entendida por “para que as coisas sejam mudadas e tenham um resultado diferente daquele a que se destinavam”. Mas... mas Barnabé percebeu a necessidade de Paulo, e resolveu tomá-lo consigo, fez-se seu mentor e levou-o aos apóstolos (Gl 2:9) e correr o risco de ser morto junto com Paulo ao andar com ele por toda a Jerusalém.
Cumprida a etapa de ser reconhecido como discípulo, não havia mais necessidade de correr riscos em Jerusalém, por isso Paulo vai para Cesaréia, cidade mais romana que judaica, e, em seguida, para sua cidade natal, Társis, de onde desaparecerá por um periodo da história da Igreja para “receber seu evangelho diretamente do Senhor Jesus” e ressurgir mais de uma década depois tendo sido comissionado como apóstolo pelo próprio Senhor (Gl 1:1) e enviado aos gentios (Gl 1:17).
Nisto tudo o papel de Barnabé, integrando Paulo à Igreja, foi fundamental, e ao longo de suas muitas cartas Paulo vai insistir num ponto: há uma só Igreja, uma só fé, um só batismo, um só Espírito – é inadmissível que, num mesmo prédio, às vezes, se reúna mais de uma Igreja, como acontecia em Corinto e podia estar começando a acontecer em Éfeso (Ef 4.4-6).

CONCLUSÃO (At 9.31)

Como vemos, a integração de um novo convertido, de um amigo ou visitante ao convívio da Igreja nem sempre é tranquilo. Não é fácil se sentir em casa em uma casa estranha. Buscamos evangelistas e às vezes nos esquecemos que também precisamos de pessoas que apoiem os novos crentes em sua nem sempre fácil integração na Igreja. Muitos encontram alguma forma de hostilidade, preconceito e até indiferença. Muitos encontram “grupos fechados” que foram se consolidando por anos de convivência e se sentem “peixe fora do aquário” na Igreja. Precisamos de mais Barnabés na Igreja.
Vamos lembrar rapidamente a trajetória de Paulo em seu processo de integração na sua nova família. Primeiro Paulo ficou sozinho e desorientado logo após seu encontro com Jesus no caminho de Damasco; depois teve que enfrentar desconfiança quanto a sua conversão nos seus dias mais difíceis; em seguida teve dificuldade para encontrar seu lugar, já que não pertencia mais ao mundo e a Igreja ainda não estava confortável com sua presença e finalmente precisou de um mentor e guia que o acompanhasse e o integrasse à Igreja.
Precisamos na Igreja de pessoas que, como Barnabé, se disponham a dar o apoio aos novos convertidos, a receberem os visitantes e fazerem-nos se sentirem à vontade em nosso meio desde o primeiro momento, na Igreja, mas também depois, através de telefonemas, e-mails, visitas, literatura e discipulado ensinando o que significa de fato ser crente.
Este trabalho de integração só estará concluído quando o novo membro estiver pronto para se tornar um integrador, um instrumento para evangelização, recepção, discipulado e envio, dando prosseguimento à grande tarefa inacabada: ir por todo o mundo, fazendo discípulos de todas as nações, ensinando-as a guardar todas as coisas que o Senhor Jesus ordenou.

Possivelmente já estejamos tão integrados à vida da Igreja que não percebemos onde as falhas estão acontecendo, se elas estão acontecendo, ou onde nós estamos falhando, se é que estamos falhando nesta área. A característica da Igreja descrita por Lucas era de uma Igreja evangelizadora, discipuladora que vivia de tal forma a comunhão que impressionava o mundo ao seu redor – e atraía pessoas que queriam saber o porquê daquelas coisas, e dia a dia o Senhor ia acrescentando os que iam sendo salvos.

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