UMA PERGUNTA – E ALGUMAS RESPOSTAS.
Adão tinha umbigo?
Esta pergunta me foi proposta por um amigo, propondo dois partidos, os "umbigolistas" e os "unbigolistas" (diferença sutil, de apenas uma letra) – achei interessante a pergunta, não pela necessidade de respondê-la, mas porque remete a algo que é importante na vida da Igreja. Já houve debates ferrenhos, ao longo da história, como: de que forma Maria era mãe de Jesus, ou qual a essência de Jesus (homoousion – da mesma essência ou homoiousion = semelhante) e ainda a procedência do Espírito Santo (se apenas do Pai ou se do Pai e do Filho). Igrejas foram divididas, muitos foram mortos, houve muito sofrimento e choro, mas eram questões essenciais, de profunda relevância para a vida da Igreja.
Estes três problemas foram resolvidos da seguinte forma:
MATERNIDADE: Nestório (381-? D.C.) foi bispo de Constantinopla, a capital do império, de 428 a 431, cargo ao qual foi elevado por ordem do imperador Teodósio II. Filho de pais persas, foi educado na escola de Antioquia. Para combater aqueles que enfatizavam a divindade de Jesus ao ponto de negar sua humanidade, ele questionou a própria divindade de Jesus enquanto menino, e, assim, negou a Maria o título de theotokos, mãe de Deus. Ensinava que o filho de Maria era um homem que se transformara em órgão, instrumento da divindade. Essa divindade não sofrera na cruz, apenas a humanidade. Poderia se dizer, então, que Maria era christotokos, mãe de Cristo. Jesus era um ser humano que fora assumido pela divindade, e não um ser divino descido do céu para se transformar num homem em termos dos mitos pagãos da transmutação. Diz-nos ele: "Tinha Deus uma mãe? Então nós podíamos perdoar o paganismo por dar mães às suas divindades. Então seria Paulo um mentiroso quando testemunhava a respeito de Cristo, que ele era "sem pai, sem mãe, sem descendência"? não: Maria não era a mãe de Deus, pois "aquele que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é Espírito" [B.J. KIDD, A History of the Church to AD 461, VOL III, Oxford, The Clarendon Press, 1922, p. 203-204.]. Embora o pensamento de Nestório fosse basicamente o mesmo defendido pela escola de Antioquia como um todo, sua doutrina acabou sendo condenada pelos Concílios de Éfeso (430 d.C.) e Calcedônia (451 d.C.) e ele foi exilado para o Egito.
A NATUREZA DE JESUS: Ainda conseqüência dos debates travados em torno do Nestorianismo, o arianismo representou um esforço de se encontrar um meio-termo entre os dois extremos, mas não deixa de ser um caso da corrente que negava a divindade de Jesus. Ário nasceu em 256 d.C. na Líbia e foi educado teologicamente em Antioquia, na Síria. Sua formação intelectual, portanto, era fortemente influenciada pelos valores e conceitos orientais, aonde a filosofia grega ainda era cultuada (especialmente o platonismo). Talvez por isso seja possível encontrar nas obras de Ário um certo platonismo, que considerava a figura divina como de uma transcendência absoluta, completamente isolada do cosmos e sem relacionamento direto e imediato com o mundo criado.
De Antioquia ele mudou-se para Alexandria, no Egito, onde foi ordenado presbítero (tinha funções pastorais, não apenas administrativas) pelo então bispo local chamado Achillas no ano de 311 d.C. em 312 d.C. Achillas morreu e foi substituído no bispado de Alexandria por Alexandre. Em 318 d.C. Alexandre promoveu um encontro informal entre seus presbíteros, no qual surgiu uma discussão a respeito da trindade. Ário acusou o bispo de sabelianismo. Escandalizado, Alexandre convocou um sínodo com os líderes religiosos sob a sua influência e condenou a atitude de Ário, o qual, sentindo-se injustiçado, começou a buscar o apoio de outros bispos e sacerdotes influentes da época. Além disso, Ário levou suas idéias diretamente ao povo, pregando-as em seus sermões e escrevendo letras que eram musicadas e cantadas por grupos de fiéis (é o primeiro registro do uso dos corinhos como meio de doutrinação do povo comum). Dentre as muitas cartas e declarações por ele redigidas na época, há uma em que ele resume seu ponto de vista a respeito da questão cristológica: "Nossa fé, e de nossos antepassados, que também aprendemos de vós, abençoado papa, é esta: "nós reconhecemos um Deus, sozinho não gerado, sozinho eterno, sozinho sem principio, sozinho verdade, sozinho tendo imortalidade, sozinho sabedoria, sozinho bom, sozinho soberano; Juiz, Governador e Providência para todos, inalterável e imutável, justo e bom, Deus da Lei e dos Profetas e do Novo Testamento; o qual gerou um Filho Unigênito antes dos tempos eternos, mediante o qual ele fez tanto o tempo quanto o universo; e O gerou, não em aparência, mas em verdade; e que Ele O fez subsistir à sua própria vontade, inalterável e imutável; criatura perfeita de Deus, mas não como uma das outras criaturas; emanação, mas não como uma das coisas criadas; não como Valêncio (Valenciano) pronunciou que a geração do Pai era um problema; nem como Maniqueu (Mani ou Manu) ensinou que a geração era uma porção do próprio pai, e um em essência; nem como Sabélio, dividindo a Monad, fala do Filho-e-Pai; não como Hierarcas, de um ser a tocha do outro, ou como a lâmpada dividida em duas; nem que Ele existia antes, foi depois gerado ou recriado no Filho, como vós mesmos, abençoado papa, em meio à Igreja tem freqüentemente condenado; mas como nós dizemos, pela vontade de Deus, criado antes dos tempos eternos, recebendo a vida do Pai, o qual deu-lhe subsistência para sua glória junto com Ele. Pois o Pai, ao fazer-lhe herdeiro de todas as coisas, não se privou de nada daquilo que é intrinsecamente seu, pois Ele é a fonte de todas as coisas. Assim existem três substâncias. E Deus, sendo a causa de todas as coisas, é sem princípio e completamente uno, mas o filho sendo gerado pelo pai, e sendo criado e achado antes das eras, não existia antes de sua geração, e foi feito subsistir pelo Pai. Pois ele não é eterno ou co-eterno ou igualmente sem principio com o Pai, nem Ele tem o seu ser junto com o do Pai, como alguns falam de parentesco, introduzindo dois princípios não gerados, mas Deus é antes de todas as coisas pois é o Monad e o Princípio de tudo. Desta forma, Ele também existe antes do Filho, tal como aprendemos da pregação da Igreja".
Como se vê, Ário possuía boa instrução e partiu das idéias platônicas de que haveria uma entidade criadora de tudo o que existe, entidade essa que seria única e uma, e concluiu que Deus só poderia ser um e uno. Como não poderia haver dois deuses, raciocinou ele, Jesus, o Filho, seria uma criação do Pai, e não co-eterno com ele; houve um tempo em que Jesus não existiria. A rigor, Jesus não seria o próprio Deus, mas uma emanação sua. Também não seria totalmente humano, porque seria uma emanação direta da divindade. Jesus seria algo como uma ponte entre Deus e os homens. Maria teria dado à luz algo como um meio-deus, alguém como os heróis do mundo antigo [Lembre-se que a mitologia grega tinha uma galeria de semideuses (Hércules, Prometeu), derivados de Zeus, incapazes da plenitude divina, embora dotados de alguns dons especiais. Jesus seria, assim, algo como um destes semideuses].
A campanha de Ário produziu resultados rapidamente. Muitos bispos e sacerdotes que, como ele, estudaram em Antioquia, tomaram a defesa de seu companheiro de escola. O bispo de Alexandria e um diácono local, de nome Atanásio, ficaram escandalizados com a pregação de Ário e seus seguidores. Raciocinavam eles: Se Cristo não fora totalmente humano, como então poderia ele sofrer e morrer na cruz? Se ele não era Deus, como poderia ele prometer a salvação e dar perdão? Além disso, se o Pai era eterno e imutável, como poderia ser Ele eternamente Pai se o filho também não fosse eternamente filho? Afinal de contas, Deus só era Pai porque era pai do Filho. Assim, o Filho não teria tido começo e o pai estaria com o Filho eternamente. A essência do cristianismo, para Atanásio, estava na afirmação da presença de Deus no mundo, entre homens e mulheres. O Deus cristão havia se feito carne para salvar os homens e mulheres de carne e osso, dando-lhes a vida eterna. E, se Cristo não era eterno, como poderia ele nos dar a eternidade? Se Cristo fosse menos do que totalmente Deus e totalmente homem, seu sacrifício seria vão ou, no mínimo, insuficiente. Alexandre também se articulou politicamente e foi buscar o apoio do imperador Constantino I. Este, a princípio, mandou uma carta para os dois pedindo que se reconciliassem e que deixassem de lado uma discussão que ele considerava "vazia", demonstrando pouco conhecimento ou interesse no assunto. Eusébio de Cesárea transcreve uma carta que Constantino mandou para Alexandre e Ário:
"Constantino Vencedor, poderoso, Augusto, a Alexandre e Ário:
Conheço a origem da vossa incompatibilidade. Tu, Alexandre, perguntaste a teus padres o que cada um pensava sobre um certo texto da lei (Pv 8.22) ou, de preferência, sobre um detalhe insignificante (grifo meu). Tu, Ário, emitiste imprudentemente uma reflexão que não deveria ser concebida, ou, caso fosse, não deveria ser comunicada. A partir daí, instalou-se uma divisão entre vós, a comunhão foi recusada, o povo santo se dividiu e a unidade foi rompida. Pois bem! Que cada um de vós perdoe o outro e siga os conselhos de vosso servo. De que se trata, portanto? Em princípio não se devem formular essas questões para evitar a obrigação de respondê-las. Tais pesquisas não são prescritas por nenhuma lei, sendo sugeridas pela ociosidade, mãe das vãs querelas. Elas podem servir de exercício ao espírito, mas devem ficar guardadas em nós mesmos e não podem ser propostas levianamente nas reuniões públicas nem confiadas inconsideradamente aos ouvidos do povo. Com efeito, quantas pessoas existem que sejam capazes de compreender um assunto tão difícil, ou de explicá-lo convenientemente? Vós não tendes nenhuma incompatibilidade referente aos preceitos da lei e não introduzistes nenhum novo dogma relativo ao culto de Deus. Ambos estais no mesmo sentimento e é fácil para vós entrar na mesma comunhão. Não é justo nem honesto que, disputando com obstinação acerca de uma questão insignificante, abuseis da autoridade que tendes sobre o povo, para comprometê-lo em vossas querelas...[ Apud COMBY, Op.Cit., p. 91.]"
O portador desta carta foi o bispo Hósio, que era o conselheiro particular do imperador, mas ele não conseguiu harmonizar as duas correntes. Fica claro o total desconhecimento de Constantino a respeito da seriedade da questão que se levanta, dando margem a indagar-se: teria ele realmente se convertido, apesar de batizado em seu leito de morte por Eusébio? No mesmo ano, então, Constantino convocou o Concílio de Nicéia, que veio a aprovar o chamado credo Niceno, que declarou que o Pai e o Filho são da mesma substância [homoousion - palavra grega que vem de homos, o mesmo ou a mesma, e ousia, essência. Foi traduzida na versão latina do credo de Nicéia como consubstancial. Ambas as partículas eram de significado ambíguo e só vieram a ter seus sentidos condensados entre os filósofos e teólogos após toda a discussão ariana resumida aqui], assumindo, desta forma, uma postura anti-ariana. Ário se recusou a assinar o documento final e foi exilado na Ilíria. Dois anos mais tarde, em 327 d.C., Ário escreve uma carta ao imperador Constantino na qual tentava apresentar-se como um seguidor da ortodoxia cristã (durante os períodos de exílio Ário e seus seguidores se engajaram em ativo trabalho missionário, permitindo o surgimento de reinos "arianos" na Espanha, África, norte da Itália, e entre as tribos dos Vândalos, Alanos e Lombardos, dentre outros). Nesta carta, Ário emprega a expressão homoiousion para dizer que ele reconhecia que o Filho era de uma substância semelhante à do Pai, enquanto o credo Niceno afirmara que o Pai e o filho era homoousion, da mesma substância. A partir daí, a tolerância de Constantino começa a acabar, pois para ele toda a discussão girava em torno de uma única letra, no caso, um i.
No ano seguinte, em 328 d.C., morre Alexandre, bispo de Alexandria, e Constantino, influenciado por familiares seus que eram simpatizantes do arianismo, convoca Ário de volta. Somente em 335 Ário é restaurado à comunhão da Igreja, por uma decisão do sínodo de Tiro, sendo que este Concílio excomunga o maior opositor de Ário, Atanásio, que havia sucedido Alexandre no bispado de Alexandria. Ário morre logo depois, em 336 d.C., em circunstâncias não explicadas, na véspera de ser restaurado ao presbiterato.
Apesar da morte dos dois principais contendores – Alexandre e Ário – as disputas entre as duas correntes persistem. Em 341 são realizados dois concílios em Antioquia em que os bispos locais reafirmam as teses arianas. Outros sínodos e Concílios seguem a mesma linha nos anos de 343 d.C. (Sárdica), 344 (Antioquia) e 345 (Milão). Depois, o pêndulo se inclina para o outro lado. Em 346 d.C. Atanásio, ferrenho opositor do arianismo, é restaurado no bispado de Alexandria e o Concílio de Milão (347 d.C.) combate o arianismo. Mais uma vez o pêndulo volta a mudar de lado em 353 d.C. (Arles) e em 355 d.C. (Milão), onde são realizados novos Concílios que voltam a defender as teses arianas, sendo que em 355 d.C. Atanásio é novamente deposto. As lutas entre as duas correntes continuaram e entre os anos de 357 a 380 d.C. chega-se a um impasse: são realizados diversos concílios que não conseguem decidir por nenhuma das duas correntes. Até que em 381 d.C., quando Atanásio já havia morrido no exílio, realiza-se o segundo Concílio ecumênico em Constantinopla, que reafirma o credo de Nicéia, acrescenta-lhe um parágrafo sobre o Espírito Santo e, à partir de então, a controvérsia vai gradualmente diminuindo – praticamente desaparecendo por vários séculos (As idéias arianas nunca desapareceram por completo. Ainda hoje elas são encontradas entre os Testemunhas de Jeová. Pensadores como Milton e Isaac Newton (nenhum deles teólogo) também defenderam-nas. Barry, WILLIAM, Arianism).
A posição fundamental da Igreja cristã a respeito de toda essa polêmica foi construída pouco a pouco. No final, não foi nem Alexandria nem Antioquia que prevaleceram: a posição da Igreja ficou sendo uma combinação de ambas. Veja: "Deus, o Pai, se situa além da capacidade de conhecimento intelectual humano, sendo inalcançável. Possui seu logos, sua própria forma de se manifestar; o logos manifesta Deus para o mundo criado, única forma deste conhecer Deus. Este logos, que é o princípio universal de todas as coisas particulares, não é criado do nada, antes, irradia-se da própria natureza de Deus, assim como o esplendor se irradia da luz (Em Mt 11.27 e Jo 10.36 o próprio Jesus usa o título de Filho de Deus como referente a si mesmo). Desse raciocínio resulta um principio aparentemente paradoxal do credo de Nicéia, que veio a ser formulado pela confissão de fé de Westminster sinteticamente ao dizer que o Filho, isto é, o logos "é eternamente gerado do Pai" (CFW, cap. II, 3). Com efeito, se o logos é a manifestação de Deus e Deus é eterno, conseqüentemente o logos também é eterno; por outro lado, se o logos emana ou procede de Deus, então ele também é gerado pelo pai. Daí dizer-se que o Filho é eternamente gerado pelo Pai".
Tertuliano criou a fórmula fundamental para expressar a triunidade e a cristologia, que é aceita até hoje: "Preservamos o mistério da economia divina que dispôs a unidade em trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, três não em essência, mas em grau, não em substância, mas em forma". Na trindade há uma só essência, só uma substância divina, razão pela qual pode-se afirmar que Deus é um só. Pai, Filho e Espírito Santo são graus, pessoas ou formas diferentes da mesma realidade substancial: o Deus que criou e sustenta sua criação. Tertuliano usou uma expressão, persona, para traduzir o termo grego prosopon, que era a máscara usada pelos atores do teatro (Lembre-se que as máscaras são coberturas colocadas sobre os rostos no teatro e em rituais religiosos, com o fim de disfarçar quem as usa. Os dramas da Grécia antiga se assemelhavam muito aos rituais religiosos. As máscaras vestidas pelos atores eram grandes, com expressões estereotipadas e exageradas (quase iguais às novelas mexicanas). A boca dessas máscaras era larga e continha uma espécie de megafone para ajudar a projetar a voz do ator para grandes audiências. Essas máscaras eram de dois tipos: trágica e cômica, com muitas variações para cada tipo. As máscaras continuaram sendo usadas no teatro mesmo na idade média quando se fazia necessário representar dragões, monstros e outros personagens alegóricos).
Mas, e a encarnação? Teria Deus se transformado em homem? Ou seria Jesus apenas um homem inspirado por Deus? A Igreja respondeu a esta pergunta através do próprio neoplatonismo, imperante no pensamento dos primeiros teólogos: Deus, o princípio do universo, é imutável; conseqüentemente, quando o "logos se fez carne" ele continuou sendo verdadeiro e pleno Deus. Mas se ele se fez carne, ele também foi verdadeiro e pleno homem. Assim, em Jesus Cristo havia duas naturezas – humana e divina, ambas plenas e sem interferência recíproca. Ele tem vontade divino-humana, em permanente harmonia. Na encarnação Jesus torna-se o intermediário entre Deus e o homem, justamente porque é a união de ambos, o Deus-homem.
A PROCEDÊNCIA DO ESPÍRITO SANTO: Entre o término do concilio de Nicéia (325 d.C.) e o Concílio de Constantinopla (381 d.C.) surgiu um novo problema, que era a identidade do Espírito Santo. Havia várias facções: uma, liderada por Basílio de Ancira, ficou junto com Atanásio e desenvolveu o pensamento que acabou sendo aprovado no Concílio de Constantinopla como complemento ao credo de Nicéia; outra, liderada por Macedônio, que era bispo de Constantinopla, defendia que, uma vez que o Novo Testamento não falava nada da participação do Espírito Santo na criação, negava que o Espírito fosse da mesma natureza ou essência (ousia) que o Pai e o Filho, ou seja, negava o caráter divino do Espírito.
Basílio Magno e Gregório de Nissa respondiam a esta última corrente argumentando, em favor da divindade do Espírito Santo, com os seguintes princípios: 1) todos os atributos conferidos nos textos bíblicos ao Espírito Santo também são empregados em relação ao Pai e ao Filho; 2) o Espírito seria inseparável do Pai e do Filho, pois se assim não fosse, eles não seriam Espírito; 3) o Espírito seria co-criador com o Pai e o Filho. Esta última posição prevaleceu, e o Concílio de Constantinopla aprovou uma alteração ao texto de Nicéia, suprimindo-lhe algumas palavras e acrescentando-lhe outras, de modo que a redação final ficou sendo a seguinte: "...E no Espírito Santo, o Senhor e vivificador, o que procede do Pai [e do Filho], o que juntamente com o Pai e o Filho é adorado e glorificado, o que falou através dos profetas". Esta expressão "e do filho" (filioque) foi adicionada adicionadas pela Igreja ocidental ao credo aprovado em Nicéia e Constantinopla por volta do ano 800 d.C., ou seja, cerca de 500 anos após a aprovação da redação original. Elas acabaram sendo um dos pilares da dissensão de 1054 d.C., com a saída dos ortodoxos gregos para fundar uma denominação própria. Como se pode ver, a principal diferença entre as duas versões é que a forma original não inclui o Espírito Santo, e inclui ainda um pronunciamento anatematizando qualquer um que não acredite na plena divindade de Cristo. O acréscimo feito em Constantinopla é claramente dirigido contra aqueles que negavam a divindade do Espírito Santo. O importante a ser destacado é que o credo Niceno, com a sua redação final determinada pelo Concílio de Constantinopla, é o símbolo de fé de maior aceitação entre as Igrejas cristãs em todo o mundo, desde a sua aprovação até o dia de hoje. Ele é uma espécie de termo comum entre católicos, ortodoxos, anglicanos, luteranos, presbiterianos, batistas e outros. Algumas comunidades recitam-no todos os domingos, outras apenas quando da celebração da ceia, outras, enfim, quase nunca, mas estão de pleno acordo com seus ensinamentos.
Também houve questões que dividiram comunidades inteiras, especialmente nos séculos XIV e XVIII (períodos chamados de escolásticos), quando os grandes teólogos discutiam questões como o sexo dos anjos (expressão que virou sinônimo de discussão inútil) ou se as asas dos mesmos possuíam penas ou membranas – por favor, não me peçam para dar respostas a estas questões inúteis. Também se questionava, durante o período de maior fervor da teoria evolucionista quem teria sido a esposa de Caim – resposta simples, mas para os incrédulos e crédulos uma pequena armadilha. Não para os crentes, que crêem, à luz da Escritura que Eva é a mãe de todos os viventes, logo, também da esposa de Caim, sua irmã, portanto.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: O ponto fundamental que quero destacar com estas lembranças das disputas teológicas e filosóficas na história da Igreja não é a existência de debates – se a questão é fundamental, deve ser debatida, estudada até que se chegue a uma conclusão satisfatória e bíblica. Mas também é preciso mencionar que existem perguntas cujas respostas não são essenciais à fé cristã: quero destacar a existência de partidos dentro das Igrejas cristãs motivados por ideologias completamente estranhas ao espírito cristão e à orientação bíblica. Questões secundárias vão tomando conta dos debates quando o essencial deveria ser a busca pela condução de incrédulos a fé e a edificação dos crentes, mediante o ensino da Palavra de Deus sem as preferências pessoais ou denominacionais (a grande maioria invenções de homens, como roupas, dias, etc.). Que diferença faz o tipo de asas que os anjos têm? Ou se possuem sexo ou são assexuados? Ou se Adão tinha umbigo ou não? O que faz diferença é a preservação da unidade da Igreja nas questões essenciais, no vínculo da paz criado pelo Espírito Santo – não pelos interesses políticos, denominacionais, financeiros ou outros inconfessáveis.
E, a propósito, para não decepcionar meu amigo: o "umbigo" é uma cicatriz fruto da necessidade de cortar o canal de alimentação do feto: como Adão nunca foi um feto, não poderia tê-la. Se tiverem alguma razão para Adão ter umbigo, podem usar a área de comentários à vontade.
Adão tinha umbigo?
Esta pergunta me foi proposta por um amigo, propondo dois partidos, os "umbigolistas" e os "unbigolistas" (diferença sutil, de apenas uma letra) – achei interessante a pergunta, não pela necessidade de respondê-la, mas porque remete a algo que é importante na vida da Igreja. Já houve debates ferrenhos, ao longo da história, como: de que forma Maria era mãe de Jesus, ou qual a essência de Jesus (homoousion – da mesma essência ou homoiousion = semelhante) e ainda a procedência do Espírito Santo (se apenas do Pai ou se do Pai e do Filho). Igrejas foram divididas, muitos foram mortos, houve muito sofrimento e choro, mas eram questões essenciais, de profunda relevância para a vida da Igreja.
Estes três problemas foram resolvidos da seguinte forma:
MATERNIDADE: Nestório (381-? D.C.) foi bispo de Constantinopla, a capital do império, de 428 a 431, cargo ao qual foi elevado por ordem do imperador Teodósio II. Filho de pais persas, foi educado na escola de Antioquia. Para combater aqueles que enfatizavam a divindade de Jesus ao ponto de negar sua humanidade, ele questionou a própria divindade de Jesus enquanto menino, e, assim, negou a Maria o título de theotokos, mãe de Deus. Ensinava que o filho de Maria era um homem que se transformara em órgão, instrumento da divindade. Essa divindade não sofrera na cruz, apenas a humanidade. Poderia se dizer, então, que Maria era christotokos, mãe de Cristo. Jesus era um ser humano que fora assumido pela divindade, e não um ser divino descido do céu para se transformar num homem em termos dos mitos pagãos da transmutação. Diz-nos ele: "Tinha Deus uma mãe? Então nós podíamos perdoar o paganismo por dar mães às suas divindades. Então seria Paulo um mentiroso quando testemunhava a respeito de Cristo, que ele era "sem pai, sem mãe, sem descendência"? não: Maria não era a mãe de Deus, pois "aquele que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é Espírito" [B.J. KIDD, A History of the Church to AD 461, VOL III, Oxford, The Clarendon Press, 1922, p. 203-204.]. Embora o pensamento de Nestório fosse basicamente o mesmo defendido pela escola de Antioquia como um todo, sua doutrina acabou sendo condenada pelos Concílios de Éfeso (430 d.C.) e Calcedônia (451 d.C.) e ele foi exilado para o Egito.
A NATUREZA DE JESUS: Ainda conseqüência dos debates travados em torno do Nestorianismo, o arianismo representou um esforço de se encontrar um meio-termo entre os dois extremos, mas não deixa de ser um caso da corrente que negava a divindade de Jesus. Ário nasceu em 256 d.C. na Líbia e foi educado teologicamente em Antioquia, na Síria. Sua formação intelectual, portanto, era fortemente influenciada pelos valores e conceitos orientais, aonde a filosofia grega ainda era cultuada (especialmente o platonismo). Talvez por isso seja possível encontrar nas obras de Ário um certo platonismo, que considerava a figura divina como de uma transcendência absoluta, completamente isolada do cosmos e sem relacionamento direto e imediato com o mundo criado.
De Antioquia ele mudou-se para Alexandria, no Egito, onde foi ordenado presbítero (tinha funções pastorais, não apenas administrativas) pelo então bispo local chamado Achillas no ano de 311 d.C. em 312 d.C. Achillas morreu e foi substituído no bispado de Alexandria por Alexandre. Em 318 d.C. Alexandre promoveu um encontro informal entre seus presbíteros, no qual surgiu uma discussão a respeito da trindade. Ário acusou o bispo de sabelianismo. Escandalizado, Alexandre convocou um sínodo com os líderes religiosos sob a sua influência e condenou a atitude de Ário, o qual, sentindo-se injustiçado, começou a buscar o apoio de outros bispos e sacerdotes influentes da época. Além disso, Ário levou suas idéias diretamente ao povo, pregando-as em seus sermões e escrevendo letras que eram musicadas e cantadas por grupos de fiéis (é o primeiro registro do uso dos corinhos como meio de doutrinação do povo comum). Dentre as muitas cartas e declarações por ele redigidas na época, há uma em que ele resume seu ponto de vista a respeito da questão cristológica: "Nossa fé, e de nossos antepassados, que também aprendemos de vós, abençoado papa, é esta: "nós reconhecemos um Deus, sozinho não gerado, sozinho eterno, sozinho sem principio, sozinho verdade, sozinho tendo imortalidade, sozinho sabedoria, sozinho bom, sozinho soberano; Juiz, Governador e Providência para todos, inalterável e imutável, justo e bom, Deus da Lei e dos Profetas e do Novo Testamento; o qual gerou um Filho Unigênito antes dos tempos eternos, mediante o qual ele fez tanto o tempo quanto o universo; e O gerou, não em aparência, mas em verdade; e que Ele O fez subsistir à sua própria vontade, inalterável e imutável; criatura perfeita de Deus, mas não como uma das outras criaturas; emanação, mas não como uma das coisas criadas; não como Valêncio (Valenciano) pronunciou que a geração do Pai era um problema; nem como Maniqueu (Mani ou Manu) ensinou que a geração era uma porção do próprio pai, e um em essência; nem como Sabélio, dividindo a Monad, fala do Filho-e-Pai; não como Hierarcas, de um ser a tocha do outro, ou como a lâmpada dividida em duas; nem que Ele existia antes, foi depois gerado ou recriado no Filho, como vós mesmos, abençoado papa, em meio à Igreja tem freqüentemente condenado; mas como nós dizemos, pela vontade de Deus, criado antes dos tempos eternos, recebendo a vida do Pai, o qual deu-lhe subsistência para sua glória junto com Ele. Pois o Pai, ao fazer-lhe herdeiro de todas as coisas, não se privou de nada daquilo que é intrinsecamente seu, pois Ele é a fonte de todas as coisas. Assim existem três substâncias. E Deus, sendo a causa de todas as coisas, é sem princípio e completamente uno, mas o filho sendo gerado pelo pai, e sendo criado e achado antes das eras, não existia antes de sua geração, e foi feito subsistir pelo Pai. Pois ele não é eterno ou co-eterno ou igualmente sem principio com o Pai, nem Ele tem o seu ser junto com o do Pai, como alguns falam de parentesco, introduzindo dois princípios não gerados, mas Deus é antes de todas as coisas pois é o Monad e o Princípio de tudo. Desta forma, Ele também existe antes do Filho, tal como aprendemos da pregação da Igreja".
Como se vê, Ário possuía boa instrução e partiu das idéias platônicas de que haveria uma entidade criadora de tudo o que existe, entidade essa que seria única e uma, e concluiu que Deus só poderia ser um e uno. Como não poderia haver dois deuses, raciocinou ele, Jesus, o Filho, seria uma criação do Pai, e não co-eterno com ele; houve um tempo em que Jesus não existiria. A rigor, Jesus não seria o próprio Deus, mas uma emanação sua. Também não seria totalmente humano, porque seria uma emanação direta da divindade. Jesus seria algo como uma ponte entre Deus e os homens. Maria teria dado à luz algo como um meio-deus, alguém como os heróis do mundo antigo [Lembre-se que a mitologia grega tinha uma galeria de semideuses (Hércules, Prometeu), derivados de Zeus, incapazes da plenitude divina, embora dotados de alguns dons especiais. Jesus seria, assim, algo como um destes semideuses].
A campanha de Ário produziu resultados rapidamente. Muitos bispos e sacerdotes que, como ele, estudaram em Antioquia, tomaram a defesa de seu companheiro de escola. O bispo de Alexandria e um diácono local, de nome Atanásio, ficaram escandalizados com a pregação de Ário e seus seguidores. Raciocinavam eles: Se Cristo não fora totalmente humano, como então poderia ele sofrer e morrer na cruz? Se ele não era Deus, como poderia ele prometer a salvação e dar perdão? Além disso, se o Pai era eterno e imutável, como poderia ser Ele eternamente Pai se o filho também não fosse eternamente filho? Afinal de contas, Deus só era Pai porque era pai do Filho. Assim, o Filho não teria tido começo e o pai estaria com o Filho eternamente. A essência do cristianismo, para Atanásio, estava na afirmação da presença de Deus no mundo, entre homens e mulheres. O Deus cristão havia se feito carne para salvar os homens e mulheres de carne e osso, dando-lhes a vida eterna. E, se Cristo não era eterno, como poderia ele nos dar a eternidade? Se Cristo fosse menos do que totalmente Deus e totalmente homem, seu sacrifício seria vão ou, no mínimo, insuficiente. Alexandre também se articulou politicamente e foi buscar o apoio do imperador Constantino I. Este, a princípio, mandou uma carta para os dois pedindo que se reconciliassem e que deixassem de lado uma discussão que ele considerava "vazia", demonstrando pouco conhecimento ou interesse no assunto. Eusébio de Cesárea transcreve uma carta que Constantino mandou para Alexandre e Ário:
"Constantino Vencedor, poderoso, Augusto, a Alexandre e Ário:
Conheço a origem da vossa incompatibilidade. Tu, Alexandre, perguntaste a teus padres o que cada um pensava sobre um certo texto da lei (Pv 8.22) ou, de preferência, sobre um detalhe insignificante (grifo meu). Tu, Ário, emitiste imprudentemente uma reflexão que não deveria ser concebida, ou, caso fosse, não deveria ser comunicada. A partir daí, instalou-se uma divisão entre vós, a comunhão foi recusada, o povo santo se dividiu e a unidade foi rompida. Pois bem! Que cada um de vós perdoe o outro e siga os conselhos de vosso servo. De que se trata, portanto? Em princípio não se devem formular essas questões para evitar a obrigação de respondê-las. Tais pesquisas não são prescritas por nenhuma lei, sendo sugeridas pela ociosidade, mãe das vãs querelas. Elas podem servir de exercício ao espírito, mas devem ficar guardadas em nós mesmos e não podem ser propostas levianamente nas reuniões públicas nem confiadas inconsideradamente aos ouvidos do povo. Com efeito, quantas pessoas existem que sejam capazes de compreender um assunto tão difícil, ou de explicá-lo convenientemente? Vós não tendes nenhuma incompatibilidade referente aos preceitos da lei e não introduzistes nenhum novo dogma relativo ao culto de Deus. Ambos estais no mesmo sentimento e é fácil para vós entrar na mesma comunhão. Não é justo nem honesto que, disputando com obstinação acerca de uma questão insignificante, abuseis da autoridade que tendes sobre o povo, para comprometê-lo em vossas querelas...[ Apud COMBY, Op.Cit., p. 91.]"
O portador desta carta foi o bispo Hósio, que era o conselheiro particular do imperador, mas ele não conseguiu harmonizar as duas correntes. Fica claro o total desconhecimento de Constantino a respeito da seriedade da questão que se levanta, dando margem a indagar-se: teria ele realmente se convertido, apesar de batizado em seu leito de morte por Eusébio? No mesmo ano, então, Constantino convocou o Concílio de Nicéia, que veio a aprovar o chamado credo Niceno, que declarou que o Pai e o Filho são da mesma substância [homoousion - palavra grega que vem de homos, o mesmo ou a mesma, e ousia, essência. Foi traduzida na versão latina do credo de Nicéia como consubstancial. Ambas as partículas eram de significado ambíguo e só vieram a ter seus sentidos condensados entre os filósofos e teólogos após toda a discussão ariana resumida aqui], assumindo, desta forma, uma postura anti-ariana. Ário se recusou a assinar o documento final e foi exilado na Ilíria. Dois anos mais tarde, em 327 d.C., Ário escreve uma carta ao imperador Constantino na qual tentava apresentar-se como um seguidor da ortodoxia cristã (durante os períodos de exílio Ário e seus seguidores se engajaram em ativo trabalho missionário, permitindo o surgimento de reinos "arianos" na Espanha, África, norte da Itália, e entre as tribos dos Vândalos, Alanos e Lombardos, dentre outros). Nesta carta, Ário emprega a expressão homoiousion para dizer que ele reconhecia que o Filho era de uma substância semelhante à do Pai, enquanto o credo Niceno afirmara que o Pai e o filho era homoousion, da mesma substância. A partir daí, a tolerância de Constantino começa a acabar, pois para ele toda a discussão girava em torno de uma única letra, no caso, um i.
No ano seguinte, em 328 d.C., morre Alexandre, bispo de Alexandria, e Constantino, influenciado por familiares seus que eram simpatizantes do arianismo, convoca Ário de volta. Somente em 335 Ário é restaurado à comunhão da Igreja, por uma decisão do sínodo de Tiro, sendo que este Concílio excomunga o maior opositor de Ário, Atanásio, que havia sucedido Alexandre no bispado de Alexandria. Ário morre logo depois, em 336 d.C., em circunstâncias não explicadas, na véspera de ser restaurado ao presbiterato.
Apesar da morte dos dois principais contendores – Alexandre e Ário – as disputas entre as duas correntes persistem. Em 341 são realizados dois concílios em Antioquia em que os bispos locais reafirmam as teses arianas. Outros sínodos e Concílios seguem a mesma linha nos anos de 343 d.C. (Sárdica), 344 (Antioquia) e 345 (Milão). Depois, o pêndulo se inclina para o outro lado. Em 346 d.C. Atanásio, ferrenho opositor do arianismo, é restaurado no bispado de Alexandria e o Concílio de Milão (347 d.C.) combate o arianismo. Mais uma vez o pêndulo volta a mudar de lado em 353 d.C. (Arles) e em 355 d.C. (Milão), onde são realizados novos Concílios que voltam a defender as teses arianas, sendo que em 355 d.C. Atanásio é novamente deposto. As lutas entre as duas correntes continuaram e entre os anos de 357 a 380 d.C. chega-se a um impasse: são realizados diversos concílios que não conseguem decidir por nenhuma das duas correntes. Até que em 381 d.C., quando Atanásio já havia morrido no exílio, realiza-se o segundo Concílio ecumênico em Constantinopla, que reafirma o credo de Nicéia, acrescenta-lhe um parágrafo sobre o Espírito Santo e, à partir de então, a controvérsia vai gradualmente diminuindo – praticamente desaparecendo por vários séculos (As idéias arianas nunca desapareceram por completo. Ainda hoje elas são encontradas entre os Testemunhas de Jeová. Pensadores como Milton e Isaac Newton (nenhum deles teólogo) também defenderam-nas. Barry, WILLIAM, Arianism).
A posição fundamental da Igreja cristã a respeito de toda essa polêmica foi construída pouco a pouco. No final, não foi nem Alexandria nem Antioquia que prevaleceram: a posição da Igreja ficou sendo uma combinação de ambas. Veja: "Deus, o Pai, se situa além da capacidade de conhecimento intelectual humano, sendo inalcançável. Possui seu logos, sua própria forma de se manifestar; o logos manifesta Deus para o mundo criado, única forma deste conhecer Deus. Este logos, que é o princípio universal de todas as coisas particulares, não é criado do nada, antes, irradia-se da própria natureza de Deus, assim como o esplendor se irradia da luz (Em Mt 11.27 e Jo 10.36 o próprio Jesus usa o título de Filho de Deus como referente a si mesmo). Desse raciocínio resulta um principio aparentemente paradoxal do credo de Nicéia, que veio a ser formulado pela confissão de fé de Westminster sinteticamente ao dizer que o Filho, isto é, o logos "é eternamente gerado do Pai" (CFW, cap. II, 3). Com efeito, se o logos é a manifestação de Deus e Deus é eterno, conseqüentemente o logos também é eterno; por outro lado, se o logos emana ou procede de Deus, então ele também é gerado pelo pai. Daí dizer-se que o Filho é eternamente gerado pelo Pai".
Tertuliano criou a fórmula fundamental para expressar a triunidade e a cristologia, que é aceita até hoje: "Preservamos o mistério da economia divina que dispôs a unidade em trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, três não em essência, mas em grau, não em substância, mas em forma". Na trindade há uma só essência, só uma substância divina, razão pela qual pode-se afirmar que Deus é um só. Pai, Filho e Espírito Santo são graus, pessoas ou formas diferentes da mesma realidade substancial: o Deus que criou e sustenta sua criação. Tertuliano usou uma expressão, persona, para traduzir o termo grego prosopon, que era a máscara usada pelos atores do teatro (Lembre-se que as máscaras são coberturas colocadas sobre os rostos no teatro e em rituais religiosos, com o fim de disfarçar quem as usa. Os dramas da Grécia antiga se assemelhavam muito aos rituais religiosos. As máscaras vestidas pelos atores eram grandes, com expressões estereotipadas e exageradas (quase iguais às novelas mexicanas). A boca dessas máscaras era larga e continha uma espécie de megafone para ajudar a projetar a voz do ator para grandes audiências. Essas máscaras eram de dois tipos: trágica e cômica, com muitas variações para cada tipo. As máscaras continuaram sendo usadas no teatro mesmo na idade média quando se fazia necessário representar dragões, monstros e outros personagens alegóricos).
Mas, e a encarnação? Teria Deus se transformado em homem? Ou seria Jesus apenas um homem inspirado por Deus? A Igreja respondeu a esta pergunta através do próprio neoplatonismo, imperante no pensamento dos primeiros teólogos: Deus, o princípio do universo, é imutável; conseqüentemente, quando o "logos se fez carne" ele continuou sendo verdadeiro e pleno Deus. Mas se ele se fez carne, ele também foi verdadeiro e pleno homem. Assim, em Jesus Cristo havia duas naturezas – humana e divina, ambas plenas e sem interferência recíproca. Ele tem vontade divino-humana, em permanente harmonia. Na encarnação Jesus torna-se o intermediário entre Deus e o homem, justamente porque é a união de ambos, o Deus-homem.
A PROCEDÊNCIA DO ESPÍRITO SANTO: Entre o término do concilio de Nicéia (325 d.C.) e o Concílio de Constantinopla (381 d.C.) surgiu um novo problema, que era a identidade do Espírito Santo. Havia várias facções: uma, liderada por Basílio de Ancira, ficou junto com Atanásio e desenvolveu o pensamento que acabou sendo aprovado no Concílio de Constantinopla como complemento ao credo de Nicéia; outra, liderada por Macedônio, que era bispo de Constantinopla, defendia que, uma vez que o Novo Testamento não falava nada da participação do Espírito Santo na criação, negava que o Espírito fosse da mesma natureza ou essência (ousia) que o Pai e o Filho, ou seja, negava o caráter divino do Espírito.
Basílio Magno e Gregório de Nissa respondiam a esta última corrente argumentando, em favor da divindade do Espírito Santo, com os seguintes princípios: 1) todos os atributos conferidos nos textos bíblicos ao Espírito Santo também são empregados em relação ao Pai e ao Filho; 2) o Espírito seria inseparável do Pai e do Filho, pois se assim não fosse, eles não seriam Espírito; 3) o Espírito seria co-criador com o Pai e o Filho. Esta última posição prevaleceu, e o Concílio de Constantinopla aprovou uma alteração ao texto de Nicéia, suprimindo-lhe algumas palavras e acrescentando-lhe outras, de modo que a redação final ficou sendo a seguinte: "...E no Espírito Santo, o Senhor e vivificador, o que procede do Pai [e do Filho], o que juntamente com o Pai e o Filho é adorado e glorificado, o que falou através dos profetas". Esta expressão "e do filho" (filioque) foi adicionada adicionadas pela Igreja ocidental ao credo aprovado em Nicéia e Constantinopla por volta do ano 800 d.C., ou seja, cerca de 500 anos após a aprovação da redação original. Elas acabaram sendo um dos pilares da dissensão de 1054 d.C., com a saída dos ortodoxos gregos para fundar uma denominação própria. Como se pode ver, a principal diferença entre as duas versões é que a forma original não inclui o Espírito Santo, e inclui ainda um pronunciamento anatematizando qualquer um que não acredite na plena divindade de Cristo. O acréscimo feito em Constantinopla é claramente dirigido contra aqueles que negavam a divindade do Espírito Santo. O importante a ser destacado é que o credo Niceno, com a sua redação final determinada pelo Concílio de Constantinopla, é o símbolo de fé de maior aceitação entre as Igrejas cristãs em todo o mundo, desde a sua aprovação até o dia de hoje. Ele é uma espécie de termo comum entre católicos, ortodoxos, anglicanos, luteranos, presbiterianos, batistas e outros. Algumas comunidades recitam-no todos os domingos, outras apenas quando da celebração da ceia, outras, enfim, quase nunca, mas estão de pleno acordo com seus ensinamentos.
Também houve questões que dividiram comunidades inteiras, especialmente nos séculos XIV e XVIII (períodos chamados de escolásticos), quando os grandes teólogos discutiam questões como o sexo dos anjos (expressão que virou sinônimo de discussão inútil) ou se as asas dos mesmos possuíam penas ou membranas – por favor, não me peçam para dar respostas a estas questões inúteis. Também se questionava, durante o período de maior fervor da teoria evolucionista quem teria sido a esposa de Caim – resposta simples, mas para os incrédulos e crédulos uma pequena armadilha. Não para os crentes, que crêem, à luz da Escritura que Eva é a mãe de todos os viventes, logo, também da esposa de Caim, sua irmã, portanto.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: O ponto fundamental que quero destacar com estas lembranças das disputas teológicas e filosóficas na história da Igreja não é a existência de debates – se a questão é fundamental, deve ser debatida, estudada até que se chegue a uma conclusão satisfatória e bíblica. Mas também é preciso mencionar que existem perguntas cujas respostas não são essenciais à fé cristã: quero destacar a existência de partidos dentro das Igrejas cristãs motivados por ideologias completamente estranhas ao espírito cristão e à orientação bíblica. Questões secundárias vão tomando conta dos debates quando o essencial deveria ser a busca pela condução de incrédulos a fé e a edificação dos crentes, mediante o ensino da Palavra de Deus sem as preferências pessoais ou denominacionais (a grande maioria invenções de homens, como roupas, dias, etc.). Que diferença faz o tipo de asas que os anjos têm? Ou se possuem sexo ou são assexuados? Ou se Adão tinha umbigo ou não? O que faz diferença é a preservação da unidade da Igreja nas questões essenciais, no vínculo da paz criado pelo Espírito Santo – não pelos interesses políticos, denominacionais, financeiros ou outros inconfessáveis.
E, a propósito, para não decepcionar meu amigo: o "umbigo" é uma cicatriz fruto da necessidade de cortar o canal de alimentação do feto: como Adão nunca foi um feto, não poderia tê-la. Se tiverem alguma razão para Adão ter umbigo, podem usar a área de comentários à vontade.
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