… ou: Dum excusare credis, accusas.
Há uma fábula muito antiga sobre um escorpião e uma rãzinha. Como é sabido, o primeiro nada nada [não resisti à cacofonia]. Já o segundo, exímio nadador. Houve um período em que choveu muito, e as águas começaram a subir. E os animais encontravam cada vez menos espaço para se locomover, até que todos estavam ilhados, sem ter para onde ir. Cada um à sua maneira foram tentando se salvar, até que, num último barranco, se encontravam os dois últimos. Desesperado, o escorpião voltou-se para o colega e disse-lhe: Sei que és bom nadador, pode salvar-te e a mim. Não pereçamos. Ajude-me.
O segundo, desconfiado, respondeu-lhe: Não me atrevo a chegar para perto de ti. Conheço tua índole, sei que és traiçoeiro e venenoso. Vais picar-me assim que tiver uma oportunidade. Vou salvar-me, adeus.
Desesperado, tanto insistiu o escorpião que o colega, que evidentemente não se encontrava nos mesmos apuros, muito pelo contrário, amolecido pelas constantes súplicas de ajuda e finalmente confiando no traiçoeiro escorpião, resolveu aceder e dar-lhe uma carona, permitindo que o escorpião suba-lhe às costas. Vão ambos, águas adentro, num esforço hercúleo do primeiro pela sobrevivência de ambos, quando, antes mesmo de atingirem lugar seguro, o nadador sente uma, duas, três picadas terrivelmente doridas em suas costas e, percebendo que o fim se aproximava por causa de um ataque traiçoeiro do escorpião, exclama: – És louco, que é isto que fizeste. Não sabes que intentando matar-me, matas a ti também. Ao que o escorpião, sem remorso algum, diz: Lamento, mas apenas agi de acordo com a minha natureza. E assim, morreram tanto o mau quanto aquele que nele confiou.
Sei que os puristas dirão: a fábula não é com uma rã, mas com uma tartaruga, ou com um peixe, etc… Outros dirão que o escorpião queria apenas mudar de endereço [e um caudaloso rio o impedia], já que não conseguia mudar sua má índole e ali, onde estava, todos já o conheciam. São várias as versões. Escolhi a minha. A fábula é muito antiga e tem sido recontada de muitas maneiras. O que é fato é que, como está na natureza humana ser solidário, também está, naqueles de mau caráter, ser traiçoeiro.
É muito difícil, nos dias atuais, onde a filosofia do politicamente correto substitui a do correto e honesto, do verdadeiro, justo e bom, adotar atitude diferente da adotada pela vítima do escorpião. Não sou politicamente correto. Nem quero sê-lo. E é mais do que coerente que, conhecedor da natureza do escorpião, ou da víbora, cada um tome a devida precaução. Certo “filósofa” [desculpe a ironia] da mídia brasileira, já falecida, disse certa vez em uma entrevista à apresentadora Hebe Camargo [num de seus raros acertos] que uma cobra, por mais bela que seja, não lhe serve de colar. É da sua natureza aninhar-se em lugares quentes e, mais cedo ou mais tarde, picar a mão que lhe acalenta. Não às cobras!!! [em sentido metafórico, bem entendido, antes que apareça algum advogadozinho a querer processar-me por incitação à extinção dos pobres peçonhentos]…
Assim, em dias de politicamente correto, prefiro ser estranho no ninho e dizer: não quero escorpião no meu bolso, nem cobra no meu pescoço. Por mim, o escorpião morre no barranco – ou que aprenda a nadar. Mas sei que é pedir muito, é pedir ao inepto que haja de modo contrário à sua natureza.
Ah, a tradução da frase latina é: “quando pensas que estás a desculpar-se, acusas a ti mesmo”.
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