quinta-feira, 1 de outubro de 2015

DISCIPULADO SEM CRUZ?

Cristianismo sem cruz é cristianismo sem morte, cristianismo sem morte é cristianismo sem novo nascimento, cristianismo sem novo nascimento é cristianismo sem vida e, obviamente, não é cristianismo.
27 Então, Jesus e os seus discípulos partiram para as aldeias de Cesaréia de Filipe; e, no caminho, perguntou-lhes: Quem dizem os homens que sou eu? 28 E responderam: João Batista; outros: Elias; mas outros: Algum dos profetas. 29 Então, lhes perguntou: Mas vós, quem dizeis que eu sou? Respondendo, Pedro lhe disse: Tu és o Cristo. 30 Advertiu-os Jesus de que a ninguém dissessem tal coisa a seu respeito.
31 Então, começou ele a ensinar-lhes que era necessário que o Filho do Homem sofresse muitas coisas, fosse rejeitado pelos anciãos, pelos principais sacerdotes e pelos escribas, fosse morto e que, depois de três dias, ressuscitasse. 32 E isto ele expunha claramente. Mas Pedro, chamando-o à parte, começou a reprová-lo. 33 Jesus, porém, voltou-se e, fitando os seus discípulos, repreendeu a Pedro e disse: Arreda, Satanás! Porque não cogitas das coisas de Deus, e sim das dos homens.
34 Então, convocando a multidão e juntamente os seus discípulos, disse-lhes: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me. 35 Quem quiser, pois, salvar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a vida por causa de mim e do evangelho salvá-la-á. 36 Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? 37 Que daria um homem em troca de sua alma? 38 Porque qualquer que, nesta geração adúltera e pecadora, se envergonhar de mim e das minhas palavras, também o Filho do Homem se envergonhará dele, quando vier na glória de seu Pai com os santos anjos.
Mc 8.27-28

INTRODUÇÃO

Cristianismo sem cruz é cristianismo sem morte, cristianismo sem morte é cristianismo sem novo nascimento, cristianismo sem novo nascimento é cristianismo sem vida e, obviamente, pode ser qualquer coisa, menos verdadeiro cristianismo.

O Brasil experimenta um verdadeiro fervor religioso, ser cristão (especialmente evangélico, e, mais especial ainda, de uma das Igrejas emergentes) entrou na moda e rende muitos benefícios. Políticos, atletas e especialmente artistas aderem ao chamado “segmento evangélico” na busca por salvar sua decadente carreira. Muitos ganham alguma sobrevida e geralmente um bom dinheiro, e alguns são tão bem-sucedidos que logo passam a considerar o eclético mas exigente meio evangélico pequeno demais, e logo retornam para o secularizado, amplo e rentável ambiente não cristão, ou, no mínimo, cristão não evangélico, dizendo-se cristãos mas não seguindo o evangelho, ou seguindo a seu próprio modo.
Este mal não é um fenômeno novo, pois pode ser verificado na adoração formal do Antigo Testamento (Ml 1:10 - Tomara houvesse entre vós quem feche as portas, para que não acendêsseis, debalde, o fogo do meu altar. Eu não tenho prazer em vós, diz o SENHOR dos Exércitos, nem aceitarei da vossa mão a oferta), nos homens que iam a João Batista sem arrependimento (Mt_3:7 - Vendo ele, porém, que muitos fariseus e saduceus vinham ao batismo, disse-lhes: Raça de víboras, quem vos induziu a fugir da ira vindoura?) e nas hipócritas orações dos fariseus em praça pública (Mt 6:5 - E, quando orardes, não sereis como os hipócritas; porque gostam de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças, para serem vistos dos homens. Em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa).
O problema é que discipulado verdadeiro não é modinha, não traz benefícios temporais mas sim uma cruz. Discipulado não traz conforto nem conformidade com o mundo (não vos conformeis) mas renúncia aos prazeres e a aparência em nome de uma transformação radical e de essência (não nascer de novo).
Discipulado é um desafio fascinante sem promessa de glória terrena (Mt 24:9 - Então, sereis atribulados, e vos matarão. Sereis odiados de todas as nações, por causa do meu nome) com a exigência de um alto preço a ser pago – a renúncia de si mesmo.
O chamado de Jesus é claro e desafiador: se alguém quer ser seu discípulo deve negar a si mesmo, tomar a sua cruz e andar pelo caminho dele, com ele e nele.

OS TERMOS DA CONVOCAÇÃO

34 Então, convocando a multidão e juntamente os seus discípulos, disse-lhes: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me.

A convocação feita pelo Senhor Jesus aos que desejavam segui-lo consta de pelo menos três condições: a substituição da vontade própria pela vontade do Senhor, a substituição do desejo de glória pela disposição para o opróbrio e a troca do caminho pessoal pelo caminho do Senhor. Estas são condições inescapáveis que devem ser observadas por todos os que se dispuserem a chamar Jesus de Senhor sem querer correr o risco de ouvir dele, no último dia, que este chamado foi em vão porque foram rebeldes aos seus mandamentos (Lc 6:46 - Por que me chamais Senhor, Senhor, e não fazeis o que vos mando?).
Discipulado implica em uma completa transformação da vontade, uma substituição do egocentrismo natural do homem, da sua própria vontade, até mesmo de sua identidade, ambiente familiar, projetos de vida, estabilidade profissional e, então, ouvir e se se submeter ao chamado de Jesus.
Há uma aparente contradição nas palavras de Jesus: se alguém quer segui-lo, (o que é importantíssimo) e isto pressupõe o exercício da vontade pessoal, deve, primeiro, abrir mão de seus desejos mais importantes.
Será que os cristãos secularizados do nosso tempo estariam dispostos a seguir a Jesus como Mateus, Pedro, Tiago e João? Assumiriam a sua fé em um ambiente hostil como os mártires dos primeiros séculos?
Ou talvez sejam cristãos num ambiente cristãos da mesma maneira que seriam islâmicos num ambiente islâmico ou budistas num ambiente budistas e até mesmo ateus num ambiente ateísta?
Observe que Jesus não exige a mesma coisa de todos que tiveram contato com ele e seu chamado ao discipulado. Vamos observar três exemplos: o jovem rico, o publicano Zaqueu e o religioso Nicodemos.

O JOVEM RICO

21 Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá aos pobres e terás um tesouro no céu; depois, vem e segue-me. 22 Tendo, porém, o jovem ouvido esta palavra, retirou-se triste, por ser dono de muitas propriedades. 23 Então, disse Jesus a seus discípulos: Em verdade vos digo que um rico dificilmente entrará no reino dos céus.
Mt 19.21-23
O jovem rico era um zeloso guardador da lei, criterioso em seus costumes e, também, apegado ao fato de ser um homem de grandes posses.

ZAQUEU

8 Entrementes, Zaqueu se levantou e disse ao Senhor: Senhor, resolvo dar aos pobres a metade dos meus bens; e, se nalguma coisa tenho defraudado alguém, restituo quatro vezes mais. 9 Então, Jesus lhe disse: Hoje, houve salvação nesta casa, pois que também este é filho de Abraão.
Lc 19.8-9
Zaqueu era o maioral dos publicanos, homem desprezado socialmente, motivo de zombaria por sua pequena estatura mas possuidor de riquezas.

NICODEMOS

3 A isto, respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus. 4 Perguntou-lhe Nicodemos: Como pode um homem nascer, sendo velho? Pode, porventura, voltar ao ventre materno e nascer segunda vez? 5 Respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus.
Jo 3.3-5
Nicodemos aparentemente não tinha apego à riqueza, mas era um fariseu importante, membro do sinédrio, e dava muito valor à sua vida religiosa irrepreensível e sabia que até mesmo uma visita a Jesus poderia lhe causar algum tipo de problema.

JESUS E OS TRÊS HOMENS

Percebemos de imediato que Jesus exigiu, como condição para que o jovem rico fosse seu seguidor, que ele desse toda a sua fortuna – mas ele não fez o mesmo com Nicodemos ou com Zaqueu. Porque?
Porque cada um deles possuía algo diferente governando sua vida, o seu querer. O jovem rico, sem dúvida, era governado pelo amor à riqueza, e isto fica bastante claro quando ele segue seu próprio caminho sem seguir a Jesus.
Nicodemos tinha a sua religiosidade farisaica como seu ídolo interior, confiava em sua vida de retidão legalista (Mt 5:20 - Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus), provavelmente mais reta do que a da maioria de nós (Lc 11:42 - Mas ai de vós, fariseus! Porque dais o dízimo da hortelã, da arruda e de todas as hortaliças e desprezais a justiça e o amor de Deus; devíeis, porém, fazer estas coisas, sem omitir aquelas) mas Jesus lhe diz que ele precisava nascer de novo, isto é, aquilo tudo de nada lhe aproveitaria para abrir-lhe a porta do céu. Sua religiosidade era terrena e ele demonstra isso ao retrucar falando de outro nascimento terreno.
Já o problema do publicano Zaqueu era de caráter – e sem entrar no mérito financeiro ou de algum eventual ato de justiça praticado por Zaqueu Jesus, que conhece os corações e os pensamentos dos homens afirma que entrou salvação naquela casa (Mt 9:4 - Jesus, porém, conhecendo-lhes os pensamentos, disse: Por que cogitais o mal no vosso coração?).

UM DISCÍPULO IMPROVÁVEL

Dos três homens Zaqueu é o que nos pareceria mais improvável de ser aceito como discípulo de Jesus ou em uma Igreja. Era o menos religioso, o menos justo, mas foi o único que abriu mão de seu ídolo interior e expos sua necessidade de Jesus para lhe dar um novo coração e um novo espírito (Ez 11:19 - Dar-lhes-ei um só coração, espírito novo porei dentro deles; tirarei da sua carne o coração de pedra e lhes darei coração de carne).
Os cristãos do sec. XXI estão redondamente enganados ao acreditarem que o chamado feito por um pregador para se decidirem por Jesus e se tornarem membros de uma Igreja é o mesmo que seguir a Jesus. Pode até ser uma atitude decisiva, mas está longe de ser a mesma coisa.
No mais das vezes muitos se tornam meros seguidores de líderes religiosos ávidos por fama e benesses, como Simão, o mago (At 8:10 - ...ao qual todos davam ouvidos, do menor ao maior, dizendo: Este homem é o poder de Deus, chamado o Grande Poder), ou Demas, o mundano (II Tm 4:10 - Porque Demas, tendo amado o presente século, me abandonou e se foi para Tessalônica; Crescente foi para a Galácia, Tito, para a Dalmácia).
Estes são especialistas em estimularem, antes de mais nada, a satisfação do ego, em busca de riqueza para satisfazer as concupiscências da carne (I Tm 6:9 - Ora, os que querem ficar ricos caem em tentação, e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as quais afogam os homens na ruína e perdição), exatamente o contrário do que Jesus diz significar ser seu discípulo.
Ser discípulo de Cristo significa substituir o “eu quero” pelo “seja feita a sua vontade” (Mt 26:39 - Adiantando-se um pouco, prostrou-se sobre o seu rosto, orando e dizendo: Meu Pai, se possível, passe de mim este cálice! Todavia, não seja como eu quero, e sim como tu queres), mesmo que isso signifique um amargo cálice, pois este é o mandamento que nos é dado: ter em nós o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus (Fp 2:5 - Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus).

E então, crente, está pronto para negar-se a si mesmo ou prefere continuar sendo, apenas, membro de Igreja? Mas tem mais uma coisa, esta mensagem não estaria completa sem as palavras de Jesus: sem autonegação é impossível ser discípulo dele. Sem discipulado, sem glória. Simples assim. E então, crente?

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