sábado, 3 de abril de 2021

A SANTA CEIA E A PÁSCOA: A ATEMPORALIDADE DA NOVA ALIANÇA

A ATEMPORALIDADE DA NOVA ALIANÇA

TEXTO: 1Co 11.23-26

23 Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão; 24 e, tendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim. 25 Por semelhante modo, depois de haver ceado, tomou também o cálice, dizendo: Este cálice é a nova aliança no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim.

26 Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha.

Esta mensagem é, de certo modo, irmã bem próxima de outra em Lc 22.7-20. Nos versos 23 a 25 o apóstolo Paulo trata do conteúdo histórico e da doutrina da nova aliança em si mesma, o que ela significa. Na reflexão em Lc 22 analisamos a transição da antiga aliança consolidada na páscoa para a nova aliança, simbolizada na ceia e consumada na cruz.

Quase sempre mencionamos com muita ênfase os significados dos termos e ficamos preocupados em definir se há mudança ou não nos elementos, se Cristo está presente na ceia apenas como uma lembrança do que Cristo fez.

Alguns defendem a presença pessoal de Cristo com uma transformação real da essência dos elementos no corpo e no sangue de Cristo. Esta doutrina é chamada de transubstanciação. Outros defendem que não há transformação, mas Cristo está presente do mesmo jeito, em uma certa mistura. A isto chamam de consubstanciação.

De passagem, porque não é o propósito neste momento, afirmamos que a presença de Cristo é real, pessoal e espiritual. Cristo está presente de tal forma que o crente recebe os efeitos espirituais da ceia que tipificam seu corpo e seu sangue, abençoando e dando vitalidade aos que creem nele.

Estabelecer estas coisas é importante, mas o propósito aqui é chamar a atenção para o fato de que a mensagem da nova páscoa traz em si mesma uma mensagem que ultrapassa as barreiras do tempo. Afirmamos e vamos nos aprofundar nisto, que a mensagem da nova páscoa é uma mensagem que fala do passado, dos fatos a respeito da obra salvadora de Cristo.

Esta obra tem efeitos no presente, alicerçando a fé dos crentes que confiam na sua presença em seu meio e apontando para o momento mais desejado pelos crentes: o retorno de Cristo para reinar com os seus.

Paulo diz que levava consigo algumas certezas, e estas certezas lhe davam confiança para prosseguir em sua caminhada cristã. Sua fé tinha relações com o passado, com o presente e com o futuro.

PASSADO: FÉ ALICERÇADA NOS FEITOS DE JESUS

26 Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha.

Por que a Igreja celebra a nova aliança? Porque há uma ordem explícita dada pelo Senhor da Igreja para que isto seja assim. Jesus mandou, e a Igreja deve obedecer (Jo15.14). O verso começa com uma conjunção (gar). Tendo em vista que Jesus mandou que a Igreja fizesse essa celebração em sua memória, ou para que ele (e sua obra) fosse lembrado.

Os verbos comer (esquw), beber (pino) e anunciar (katagello) estão todos no presente ativo, algo está sendo feito mas todos os verbos se referem ao anúncio permanente de uma mensagem, e o crente deve se perguntar então: qual é esta mensagem? A mensagem é: anunciamos a morte do Senhor. Mais que uma lembrança a mensagem é um anúncio que exige um posicionamento, como foi feito pelos cristãos no dia do pentecostes (At 2.38) e era pregada por Paulo onde quer que ele passasse, independente da cultura, religiosidade ou classe social (At 16.20). A fé cristã se refere a eventos históricos, e, ainda mais que isto, a eventos que mudaram a história.

A história humana está profundamente marcada pelo que aconteceu naquela cruz nos arredores de Jerusalém. O brado de Jesus na cruz entregando o seu espírito e o que vem depois influencia pessoas e nações, num evento histórico de proporções cósmicas.

O centro da mensagem cristã para esta humanidade é o que Jesus fez. O alvo da mensagem cristã é levar todo pensamento a compreenderem quem é Cristo e o que ele fez (1Jo 5.11) e todo pecador a atender ao gracioso chamado de Cristo (Mt 11.28), arrependendo-se de seus pecados e entrando em aliança pactual com ele através da nova aliança do seu sangue.

A fé cristã não é baseada em mitos ou filosofias, aliás, tais mitos e filosofias são veementemente rejeitados como base do ensino cristão porque elas são fúteis, sem utilidade alguma para a fé (Tt 3.9).

A fé cristã não é alicerçada no esforço individual para, de algum modo, merecer uma recompensa positiva de Deus, o que é impossível porque não ninguém que consiga ficar sem pecar (Tg 2.10).

A fé cristã não é baseada em legalismo ou ascetismo, mesmo que isto possa impressionar as pessoas (Cl 2.23). Resumindo, a fé cristã não é baseada em nada que o homem possa fazer ou criar, porque isto pode até parecer bom e bonito, atrativo e impressionante, mas sem proveito algum.

REFLITA

A base da fé cristã é a confissão de Jesus como Senhor, recebê-lo como filho de Deus e salvador (Jo 20.31). Não cabe outra coisa a ser anunciada, nenhuma outra obra, somente a cruz de Cristo, poder de Deus e salvação de todo aquele que crê (1Co 1.24).

É nisso que se baseia a fé cristã. Em fatos. No inquestionável fato da encarnação, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Em história e não em estórias. Em eventos e não em mitos. A nova aliança aponta para a cruz de Cristo, para a vida pela morte de Cristo, para a ressurreição de Cristo mesmo que tudo isto pareça loucura – e sempre parecerá loucura para os que se perdem (1Co 1.18).

PRESENTE: FÉ SUSTENTADA PELA PRESENÇA DO SENHOR

26 Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha.

A segunda afirmação do tripé sobre a atemporalidade da fé cristã é que ela não se limita ao passado. Budismo, confucionismo e diversas outras formas de religiosidade se baseiam no que foi feito ou ensinado, mas nem Confúcio nem Buda estão presentes pessoalmente na vida dos seguidores dos seus ensinos, já que não podemos dizer ‘seus seguidores’.

Mas tal não é o caso dos cristãos: seu Senhor, Jesus Cristo, afirmou que sua presença seria constante com seus discípulos, que poderiam seguir com a certeza de sua companhia (Mt 28.20). A mensagem cristã não se resume a frases semelhantes a “como disse Jesus”, “como Jesus fez”. Ela vai muito além e diz: “Ele morreu, ele ressuscitou, ele vive, ele reina”. Foi esta mensagem que levou os judeus a perguntarem de coração compungido: “E agora, que faremos?” (At 2.37).

O cristão não é um contador de histórias ou de estórias, mas um proclamador da fé. Quando os discípulos celebram a nova páscoa, conforme mandato do Senhor, o fazem para não deixar ninguém esquecer que “Ele vive”. A celebração da ceia é uma profissão de fé. É a comunidade dos crentes dizendo que crê que Ele está vivo e presente, como expressou magistralmente o grupo Vencedores por Cristo numa canção chamada “Vinho e Pão”:

Quem serve o vinho e parte o pão é o próprio Cristo ressurreto e nosso irmão,

O Rei da Terra e céus é nosso anfitrião com vinho e pão nós celebramos comunhão.

Todos os verbos do verso 26 estão no presente (esquw), beber (pino) e anunciar (katagello). Os discípulos comem, bebem e anunciam a fé que está viva em seus corações e que impacta a sua vida.

Todos os atos da vida do cristão refletem a sua vida com Deus, na presença de Deus porque ele sabe que o seu Senhor não prometeu nada em vão, e se ele prometeu companhia até a consumação do século, ele não deixará de cumprir sua promessa.

Assim, o trabalho do cristão é na presença de Cristo (Cl 3.23-24). O comer e o beber do cristão, e até o seu lazer, tudo é na presença de Cristo (1Co 10.31). Se o trabalho é na presença de Cristo, e se o comer, beber e tudo o mais são na presença de Cristo, por que o culto não seria? Por que um dos momentos mais solenes do culto não contaria com a sua presença?

Na celebração da nova páscoa afirmamos enfaticamente: “Ele vive!” (2Co 13.4). Não é passado, não está limitado ao passado. Não é uma coisa que aconteceu e ficou na história. É uma certeza que marcou a história. Que mudou a história – e que conduz a história.

REFLITA

A nova pascoa é uma proclamação de fé. O crente participa desta celebração proclamando a sua fé viva no salvador que está vivo. Ele vai se reunir com os demais crentes na certeza de estar na presença do seu Senhor. Qualquer coisa diferente disto torna sua participação apenas mecânica e carnal. Pode cantar e honrar ao Senhor com os lábios, mas sua adoração não é aceita porque o coração está longe de Deus.

Quando você vai participar da ceia deve fazê-lo com firme confiança, e com fé, de que o seu grande Deus que é também seu salvador está presente (Tt 2.13), porque, sem fé, toda participação é inútil e não agrada a Deus, não recebendo, portanto, o galardão exclusivo dos crentes (Hb 11.6).

FUTURO: FÉ ESPERANÇOSA NAS PROMESSAS DO SENHOR

26 Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha.

Já mencionamos os aspectos históricos e presenciais da celebração da ceia do Senhor. Resta-nos refletir sobre o fato de que chegará um dia que nenhum pastor presbiteriano, metodista ou de qualquer outra denominação poderá celebrar a ceia do Senhor – e não se trata de alguma proibição governamental, porque já houve tempo em que o culto cristão foi proibido e a Igreja não deixou de servir ao seu Senhor.

Chegará o dia em que os crentes celebrarão com o próprio Senhor (Mt 26.29). Paulo expressa esta verdade ao afirmar que a Igreja deve comer continuamente o pão e da mesma forma beber o cálice, e ao fazê-lo anunciar a morte do Senhor até que (axri) ele venha.

Nem todo comer pão e beber vinho é celebração da comunhão espiritual com o Senhor (1Co 11.20), mesmo que isto seja feito na igreja, como atestam as más práticas dos Coríntios (1Co 11.22).

O cristão não crê na morte de Cristo simplesmente por causa de sua morte substitutiva – e isto já é algo extraordinário. O cristão não celebra a ceia apenas para anunciar que crê nesta morte ocorrida há quase 2000 anos. Sua fé é maior que isso. Ela não se limita à história passada ou ao tempo presente (1Co 15.19).

Na realidade, a celebração da ceia do Senhor pelos cristãos deve ser feita numa alegre expectativa do retorno do seu Senhor e mestre, porque é assim que o crente quer ser encontrado, celebrando sua esperança junto com a comunidade dos eleitos de Deus (Mt 24.46).

Cada ministro cristão deve celebrar a ceia pedindo ao Senhor para que fosse sua última vez. Cada crente deve ser estimulado a participar da ceia do Senhor com a expectativa de que seja a última vez que a recebe das mãos do seu pastor para finalmente recebê-la das mãos do supremo pastor, quando ele finalmente se manifestar (1Pe 5.4).

E é este o sentido do verbo que aqui é traduzido por “venha” (elqh, de erxomai). Além do sentido de vir de um lugar para outro (ou de voltar), que é usual, ele também tem o sentido de aparecer, de se manifestar publicamente em lugar de influência. O modo que Paulo usa o verbo (2º aoristo) mostra que esta manifestação visível de Cristo será definitiva e com efeitos definitivos.

Será o fim da história e a entrada dos crentes na eternidade em glória. Então não haverá mais ceia ministrada por homens. Será o momento em que o rei convocará os súditos para entrarem definitivamente no seu reino (Mt 25.34) e participarem da ceia celeste.

REFLITA

A participação na nova páscoa é uma bênção de Deus para seu povo de todos os tempos enquanto aguarda a volta do seu Senhor. O cristão não deve desprezar esta oportunidade de ser abençoado. Mas lembre-se: ela é uma bênção temporária.

Mas diferente do que o adágio popular diz, que o que é bom dura pouco, no planejamento de Deus é diferente: o que já é muito bom é apenas a preparação para algo ainda melhor, como Paulo diz (Fp 1.23): experimentar as bênçãos de Deus aqui é bom, vive-las na eternidade é incomparavelmente (pollw mallon), isto é, disparadamente melhor. Mas só experimentará o melhor na eternidade quem usufruir fielmente do que é bom aqui e agora (Mt 25.21).

CONCLUSÃO

Passado, presente e futuro. O que Jesus fez, como vivemos na presença de Jesus e a nossa esperança na volta do Redentor, agora como Rei e Juiz de toda a terra.

Se desprezarmos o passado, os fatos do passado, como muitos fizeram e ainda fazem, tiramos da nossa fé aquilo que a sustenta. Tomar Jesus como um personagem fictício ou diferente daquele que as Escrituras mostram significa tornar-se inimigo de Cristo (1Jo 2.22) e destituir a Cristo de sua majestade e tornar a fé da Igreja vã e sua pregação inútil e até mentirosa (1Co 15.14-15)

Se desprezarmos o presente desprezaremos o ensino da Palavra de Deus (2Tm 3.16-17) e não atingir um dos alvos da manifestação da graça de Deus que é ensinar o homem de Deus a viver em seu tempo como discípulo de Jesus Cristo, numa vida equilibrada em suas decisões, justa diante de todos e piedosa com o Senhor seu Deus (Tt 2.11-13), num dever que sempre foi exigido dos crentes (Mq 6.8).

Mas se a Igreja se limitar ao passado e presente deixa de usufruir da esperança que só o Senhor dá. Ele é o redentor que oferece mais do que filosofia e ética. Ele oferece vida e vida eterna (Jo 6.54).

Não deixamos de olhar para a cruz, nossos olhos passam pelo túmulo, e vê-lo vazio não nos conduz à tristeza e ao choro como aconteceu com Maria Madalena (Jo 20.21) porque sabemos que ele vive.

Olhamos também para o céu, porque da mesma maneira que ele foi também voltará (At 1.11).

Portanto, até que o Senhor venha, não deixemos de congregar, de sermos abençoados, como é costume de alguns (Hb 10.25). Incentivemos uns aos outros, até o dia que o Senhor Jesus voltar para nós.

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