Após considerar a grande nuvem de testemunhas, ou seja,
aqueles que enfrentaram oposição por causa de sua fé e venceram, o crente é
incentivado a seguir em frente. Esta nuvem de testemunhas é composta pelos
heróis da fé como Noé, Abraão, Moisés e outros, uma grande multidão de
anônimos.
No entanto, estes heróis não são vistos como uma multidão de
homens mortos a serem relembrados ou até reverenciados, mas testemunhas vivas a
serem ouvidas – embora mortos, eles vivem, e o que é dito de Abel pode ser dito
de qualquer outro deles (Hb 11:4 Pela fé, Abel ofereceu a
Deus mais excelente sacrifício do que Caim; pelo qual obteve testemunho de ser
justo, tendo a aprovação de Deus quanto às suas ofertas. Por meio dela, também
mesmo depois de morto, ainda fala) porque Deus é Deus de vivos, e não de
mortos (Lc 20:38 Ora, Deus não é Deus de mortos, e sim de
vivos; porque para ele todos vivem).
Analisando a história destes heróis da fé aprendemos que as
dificuldades que o crente encontra em sua caminhada não são apenas externos – o
apóstolo Paulo ensina sobre isso ao dizer que tem que enfrentar vários
inimigos: pessoas o perseguiam por onde que que passasse e ele ainda tinha que
lidar com o famoso ‘espinho na carne’.
Mas havia um outro problema: ele lidava com as inclinações
de seu próprio coração, as inclinações da carne (Rm 7.14
Porque bem sabemos que a lei é espiritual; eu, todavia, sou carnal, vendido à
escravidão do pecado. 15 Porque nem mesmo compreendo o meu próprio modo de
agir, pois não faço o que prefiro, e sim o que detesto. 16 Ora, se faço o que
não quero, consinto com a lei, que é boa. 17 Neste caso, quem faz isto já não
sou eu, mas o pecado que habita em mim. 18 Porque eu sei que em mim, isto é, na
minha carne, não habita bem nenhum, pois o querer o bem está em mim; não,
porém, o efetuá-lo. 19 Porque não faço o bem que prefiro, mas o mal que não
quero, esse faço).
Após esta introdução o autor da carta aos hebreus chama os
cristãos à reflexão sobre quatro pontos fundamentais: quem é o seu modelo de
enfrentamento das provações e das tentações para sua santificação; de onde vem
o poder para sua santificação; qual o tamanho do desafio no processo de
santificação e como lidar vitoriosamente com a oposição.
i.
CRISTO O MODELO
3 Considerai, pois, atentamente, aquele (Cristo) que
suportou tamanha oposição dos pecadores contra si mesmo
É muito natural não sabermos o que fazer, especialmente
quando se trata de situações que tumultuam nossas emoções. O autor diz para
focarmos o que realmente importa. E o foco não deve ser colocado nas pessoas,
por mais problemas que elas possam causar, porque a nossa luta não é contra a
carne nem o sangue (Ef 6:12 ...porque a nossa luta não é
contra o sangue e a carne, e sim contra os principados e potestades, contra os
dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas
regiões celestes).
O foco também não pode estar no presente século, na
linguagem neotestamentária ou nas circunstancias, como nos lembra o profeta
Habacuque (Hc 3:17 Ainda que a figueira não floresça, nem
haja fruto na vide; o produto da oliveira minta, e os campos não produzam
mantimento; as ovelhas sejam arrebatadas do aprisco, e nos currais não haja
gado, 18 todavia, eu me alegro no SENHOR, exulto no Deus da minha salvação).
O foco não pode estar nem mesmo dentro do ser humano, como
pretendem os adeptos das técnicas psicológicas ou motivacionais, porque não há
nenhum bem intrínseco ou natural no homem (Rm 7:18 Porque
eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum, pois o querer
o bem está em mim; não, porém, o efetuá-lo).
O ensino da Bíblia é que o nosso foco, nosso olhar, tem que
estar firme em Jesus Cristo, o nosso modelo supremo. Temos muitos homens e
mulheres de Deus que eram semelhantes a nós, com as mesmas fraquezas que temos,
e deram testemunho de que é possível vencer, mas só venceram porque confiaram
em Deus, como Elias, por exemplo (Tg 5:17 Elias era homem
semelhante a nós, sujeito aos mesmos sentimentos, e orou, com instância, para
que não chovesse sobre a terra, e, por três anos e seis meses, não choveu).
Jesus não somente é o exemplo para a nossa fé, mas ele é
também o alvo, o objeto de nossa fé. Ele nos espera na linha de chegada; é para
ele e por ele que corremos. Nós resistimos e perseveramos porque queremos
conhecê-lo e nos juntar a ele e compartilhar as bênçãos de sua salvação. A
paixão de Cristo é enfatizada aqui, pois a cruz não somente é o maior de todos
os exemplos da fé do Senhor, mas também o foco de nossa fé nele.
Nós vemos o sangue dele derramado para nos trazer o perdão;
vemos a ira de Deus esgotada sobre ele, e ali encontramos a nossa segurança –
nossa justiça na cruz dele.
O autor diz para que você ‘considere’ (analogissasqe)[1]
aquele que suportou a oposição indevida dos pecadores. O verbo analogizomai significa colocar algo lado a lado
para fazer uma comparação e refletir com cuidado sobre alguma coisa. Mas o que
deve ser comparado? Aquele que suportou a oposição, isto é, Cristo. Coloque
qualquer coisa lado a lado com Cristo para comparar e qual será o resultado
desta comparação? Com certeza o mega sumo sacerdote será considerado superior a
tudo.
Cristo será considerado superior ao legalismo. Será superior
aos sacrifícios. Será superior à religiosidade. Será superior a tudo o que você
conhece. Ele é o supremo modelo, o supremo pastor que quando se manifestar te
dará a coroa da glória (1Pe 5:4 Ora, logo que o Supremo
Pastor se manifestar, recebereis a imarcescível coroa da glória).
Se você é discípulo de Cristo então não deve se espantar de
ser perseguido. Jesus disse que seria assim no sermão do monte (Mt 5:11 Bem-aventurados sois quando, por minha causa, vos
injuriarem, e vos perseguirem, e, mentindo, disserem todo mal contra vós)
e avisou os discípulos que eles seriam odiados tanto quanto o próprio Cristo
foi (Mt 10:22 Sereis odiados de todos por causa do meu
nome; aquele, porém, que perseverar até ao fim, esse será salvo; Mt 24:9 Então,
sereis atribulados, e vos matarão. Sereis odiados de todas as nações, por causa
do meu nome).
Lucas faz um resumo: todos terão ódio dos discípulos de
Jesus (Lc 21:17 De todos sereis odiados por causa do meu
nome).
ii.
CRISTO A FONTE DE FORÇA
para que não vos fatigueis, desmaiando em vossa alma.
A primeira coisa que aprendemos nesta seção da carta aos
hebreus é que Cristo é o nosso modelo. Se ele sofreu tanta oposição não há
razão alguma para que seus discípulos não sejam perseguidos também, pelo
contrário, se não respeitaram o mestre, se não respeitaram o próprio Filho de
Deus, porque respeitariam seus seguidores?
A segunda coisa que aprendemos é que a razão de ter Cristo
como modelo está relacionada à força necessária para o cristão suprir as
adversidades. A Bíblia ensina que os
cristãos são mais que vencedores – mas não por sua própria força ou poder (Rm 8:37 Em todas estas coisas, porém, somos mais que vencedores
(υπερνικωμεν), por meio daquele que nos amou).
Ser mais que vencedor é ser o portador de uma vitória
inigualável – mas esta vitória não pode ser alcançada por esforços humanos,
mesmo que sejam esforços intensos porque ela é dada ao crente pela misericórdia
de Deus (Rm 9:16 Assim, pois, não depende de quem quer ou
de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia).
Jesus afirmou claramente que os cristãos teriam dificuldades
e aflições, mas não deveriam desanimar porque Ele, Cristo, venceu o mundo (Jo 16:33 Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz em
mim. No mundo, passais por aflições; mas tende bom ânimo; eu venci o mundo)
e dá aos seus discípulos todo o poder necessário para vencer: a fé. Só vence o
mundo, só não desanima quem tem fé em Cristo (1Jo 5:4
...porque todo o que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que
vence o mundo: a nossa fé. 5 Quem é o que vence o mundo, senão aquele que crê
ser Jesus o Filho de Deus?).
Quero chamar sua atenção para uma palavra que se repete em
nossas traduções. Em Hb 12.3 desmaio é ekluomenoi que traz a ideia de não
perder a força, não se sentir enfraquecido como se estivesse doente, sem vigor
até a exaustão e com isto ficar desanimado e perder a esperança e Jo 16.33,
onde ‘bom ânimo’ é qareite,
que significa ter muita coragem, encher-se de ousadia.
Toda esta força, todo este vigor vem do fato de que o
cristão conhece seu Senhor, conhece Cristo, sabe que aquele que começou a
transformação em sua vida não vai deixá-la inconclusa (Fp
1:6 Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de
completá-la até ao Dia de Cristo Jesus), sabe que aquele que prometeu
estar presente não vai mudar de ideia e abandoná-lo (Mt 28:20
...ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que
estou convosco todos os dias até à consumação do século), sabe que
aquele que disse que cuidaria de todo aquele que fosse a ele não vai
descartá-lo na primeira ocasião (Jo 6:37 Todo aquele que
o Pai me dá, esse virá a mim; e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora).
O crente confia e não desanima mesmo quando o sofrimento é
intenso porque sabe em quem tem crido, e tem plena confiança e fé de que o
Senhor o guardará seguro até o dia final (2Tm 1:12 ...e,
por isso, estou sofrendo estas coisas; todavia, não me envergonho, porque sei
em quem tenho crido e estou certo de que ele é poderoso para guardar o meu
depósito até aquele Dia).
iii. O
NÍVEL DA LUTA A SER ENFRENTADA
4 Ora, na vossa luta
contra o pecado, ainda não tendes resistido até ao sangue
Se você tem algo em torno de 40 anos você deve se lembrar de
personagens como Teddy Boy Marino ou o Tigre Paraguaio, ou Aquiles Matador,
Hulk Hogan, e tantos outros lutas livres televisivas dos anos 80 e 90. Era
tanta pancada e nunca, nunca uma gota sequer de sangue. Mesmo hoje, nas lutas
marciais mais sangrentas como o UFC existem regras e a vida dos lutadores é
preservada.
Mas não era assim com os cristãos nos primeiros séculos da
nossa era. Não era assim com os cristãos especialmente na segunda metade do
Séc. I. A expressão ‘resistir até o sangue’ não quer dizer que alguém se
mantinha firme e, se houvesse alguma forma de sangramento as torturas e as
perseguições paravam. Vamos ver alguns exemplos dados pela nuvem de testemunhas
de que o escritor fala – sem citar os que já aparece na relação do capítulo 11.
Estevão resistiu em seu testemunho, ou se manteve firme. A
palavra resistir (antiketasthte)
é um termo militar que se refere ao soldado que permanece firme, formando uma
linha de batalha, ombro a ombro com seu companheiro para que não haja uma
brecha na formação e o inimigo não consiga desfazer aquele grupamento – um
soldado deveria se manter no seu lugar mesmo se fosse ferido, e só poderia sair
dali de duas maneiras: vitorioso ou morto.
Um exemplo de resistência até o sangue é a de Estevão, que
se manteve fiel em seu testemunho face a morte (At 7:59 E
apedrejavam Estêvão, que invocava e dizia: Senhor Jesus, recebe o meu espírito!).
Outro exemplo é o de Tiago, irmão de João (At 12:1 Por
aquele tempo, mandou o rei Herodes prender alguns da igreja para os maltratar,
2 fazendo passar a fio de espada a Tiago, irmão de João).
O apóstolo Paulo, que consentiu no apedrejamento de estevão,
também teve sua experiência da qual o Senhor o preservou (At 14:19 Sobrevieram, porém, judeus de Antioquia e Icônio e,
instigando as multidões e apedrejando a Paulo, arrastaram-no para fora da
cidade, dando-o por morto) e mais tarde ele próprio teria seu sangue
derramado (2Tm 4:6 Quanto a mim, estou sendo já oferecido
por libação, e o tempo da minha partida é chegado).
Era isto o que significava manter-se firme até que seu
sangue fosse derramado. E o escritor diz que isto pode ser uma mera questão de
tempo. Ele diz que você ‘ainda’ não teve que passar por isso. E se você for
considerado digno de sofrer por Cristo, considerará isto uma graça (Fp 1:29 Porque vos foi concedida a graça de padecerdes por
Cristo e não somente de crerdes nele) ou ficará lamentando que está
sofrendo só por que é crente e reclamando nas redes sociais dizendo ser vítima
de perseguição religiosa?
Diferente das diversas formas de religiosidade que enfatizam
sensações ou mera aceitação intelectual o cristianismo reúne duas
características aparentemente contraditórias: a fé no invisível (Hb 11:27 Pela fé, ele abandonou o Egito, não ficando
amedrontado com a cólera do rei; antes, permaneceu firme como quem vê aquele
que é invisível) baseada em fatos históricos. Isto quer dizer que o
crente vive pela fé (2Co 5:7 ...visto que andamos por fé
e não pelo que vemos).
A fé, apesar de não se basear na vista (Jo 20:29 Disse-lhe Jesus: Porque me viste, creste?
Bem-aventurados os que não viram e creram) e ainda assim a fé cristã é
caracterizada pela certeza absoluta daquilo em que crê (Hb
11:1 Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que
se não vêem).
Entretanto, não se trata de acreditar em histórias, mitos ou
lendas. Esta convicção se baseia em algo que não pode ser desprezado: o
testemunho dos que viram, ou seja, a fé é baseada em fatos, eventos que
realmente ocorreram e são historicamente comprovados, que foram testemunhados
por pessoas reais (1Jo 1:1 O que era desde o princípio, o
que temos ouvido, o que temos visto com os nossos próprios olhos, o que
contemplamos, e as nossas mãos apalparam, com respeito ao Verbo da vida).
Os discípulos de Jesus foram designados pelo mestre para
serem suas testemunhas (At 1:8 ...mas recebereis poder,
ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em
Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra) e
eles não deixaram de testemunhar o que viram e ouviram (At
4:20 ...pois nós não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos).
O profeta Jeremias
viveu em um período de grande dificuldade para seu país, e ao escrever seu
livro de Lamentações ele lembra o valor da memória para o crente: ela dá
esperança (Lm 3:21 Quero trazer à memória o que me pode
dar esperança), como também menciona Paulo ao escrever sua carta aos
crentes romanos (Rm 5:5 Ora, a esperança não confunde,
porque o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo, que nos
foi outorgado). O escritor aos hebreus diz que o cristão usa a memória
para se lembrar de três fatos importantíssimos:
a.
LEMBRAR DA FILIAÇÃO DIVINA
5 e estais esquecidos da
exortação que, como a filhos, discorre convosco:
A humanidade costuma afirmar que é impossível responder
definitivamente a três perguntas muito importantes: quem ele é, ou seja, a sua
natureza; de onde ele veio, isto é, a origem de sua existência; e, por fim,
para onde vai, o seu destino ou a razão da existência. Esta dificuldade tem uma
razão bem específica: a rejeição da revelação de Deus nas Escrituras Sagradas.
O crente conhece a sua natureza – ele sabe quem ele é, sabe
que é Filho de Deus (Rm 8:16 O próprio Espírito testifica
com o nosso espírito que somos filhos de Deus), foi tornado um filho de
Deus porque creu no Filho enviado por Deus (Jo 1:12 Mas,
a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a
saber, aos que crêem no seu nome).
É por isso que os discípulos de Jesus são odiados pelo mundo
– porque odeiam a Deus e seu Filho (1Jo 3:1 Vede que
grande amor nos tem concedido o Pai, a ponto de sermos chamados filhos de Deus;
e, de fato, somos filhos de Deus. Por essa razão, o mundo não nos conhece,
porquanto não o conheceu a ele mesmo).
No entanto, esta filiação exige que os filhos vivam como
filhos, ajam como filhos e demonstrem a sua natureza obedecendo ao seu Pai
celeste (1Jo 5:2 Nisto conhecemos que amamos os filhos de
Deus: quando amamos a Deus e praticamos os seus mandamentos) – e por
serem filhos de Deus o Pai exorta-os e corrige-os quando se tornam
desobedientes.
b.
LEMBRAR DA EDIFICAÇÃO DIVINA
Filho meu, não menosprezes
(ολιγωρει) a correção (παιδειας) que
vem do Senhor, nem desmaies (εκλυου)
quando por ele és reprovado (ελεγχομενος)
O escritor conclama os seus leitores a permanecerem
criteriosos, considerando as coisas de Deus superiores e melhores às coisas do
mundo – mesmo quando a ação de Deus não é aquela que agrada seus interesses
imediatos. O crente não pode desprezar (oligwrew)
a ação corretiva de Deus porque a correção que vem de Deus é importante e deve
ser considerada com toda seriedade.
O crente deve considerar como algo de grande valor ser
disciplinado por Deus. A palavra para disciplina, παιδειας, tem a mesma origem de nossa
palavra pedagogia, indicando que não se trata de punição, mas de um conjunto de
ações que envolvem ordem, repreensão, admoestação e até punição educativa e não
destrutiva (Pv 22:6 Ensina a criança no caminho em que
deve andar, e, ainda quando for velho, não se desviará dele). Pedagogia
também inclui treino e cuidado, cultivo das faculdades da alma para
fortalecimento e crescimento na virtude.
E é justamente este aspecto de fortalecimento e crescimento
que é abordado pelo escritor – a disciplina do Senhor tem o objetivo de
fortalecer para que, quando chegar o momento da prova, o crente não desmaie (ekluw), não desanime, não perca
a esperança. Crente fortalecido pela correção divina não será fraco ou cansado,
porque o Senhor o revigora (Is 40:29 Faz forte ao cansado
e multiplica as forças ao que não tem nenhum vigor).
O crente fortalecido permanece firme quando o Senhor
comunica que ele foi encontrado em falta, tem seus erros expostos à clara luz
trazendo vergonha. A palavra reprovado (elegxw)
leva em conta a existência de uma prestação de contas que é exigida com pleno
direito. Lembre-se: você vai ter que prestar contas – mas o crente, que não
alcançará a perfeição até que seja glorificado, não desanima porque sabe que,
pela fé, pode contar com Cristo (1Jo 2:1 Filhinhos meus,
estas coisas vos escrevo para que não pequeis. Se, todavia, alguém pecar, temos
Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo).
c.
LEMBRAR DO AMOR DIVINO
6 porque o Senhor corrige (παιδευει) a quem ama e açoita (μαστιγοι) a todo filho a quem
recebe (παραδεχεται).
Para nossa educação e nossa edificação na justiça o Senhor
manifesta a sua disciplina, o seu ensino criterioso. A palavra grega paideuei
trata da criação, do ensino de uma criança e é assim que Deus trata os que lhe
pertencem – ele é o Pai que instrui o filho sujeitando-o a um processo
criterioso de educação e preparação que exige experiências destinadas a
estimular o desenvolvimento no tempo presente.
Toda a vida do crente, todas as suas experiências são uma
preparação para que sejam conduzidos à maturidade cristã, para serem conformes
ao modelo proposto, que é Cristo. Isso explica muitas das provações que são
enfrentadas pelos cristãos (Rm 5:3 E não somente isto,
mas também nos gloriamos nas próprias tribulações, sabendo que a tribulação
produz perseverança; 4 e a perseverança, experiência; e a experiência,
esperança). Deus nos envia desafios e dificuldades, não por maldade, mas
por amor paternal e sabedores dos nossos limites (1Co 10:13
Não vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas Deus é fiel e não
permitirá que sejais tentados além das vossas forças; pelo contrário,
juntamente com a tentação, vos proverá livramento, de sorte que a possais
suportar).
Apesar de livramento (εκβασιν) em 1Co 10.13
indicar rota de fuga ou meio de escape, também pode indicar o resultado, o modo
como se chega ao fim de uma situação de prova numa vida plena de sentido e
significado com a assistência do Espírito Santo. As disciplinas de Deus, as
provações que o crente enfrenta não são dadas para sua ruina, mas são destinadas
ao seu fortalecimento, como um exercício de aplicar força contra o músculo de
nossa fé para nos fazer avançar em direção ao nosso potencial espiritual.
Mas Deus também emprega dificuldades punitivas para castigar
o pecado numa forma de correção paternal que é diferente da ira condenatória. O
verbo açoitar (μαστιγοι)
refere-se à punição corretiva de um pai a um filho rebelde que, mesmo numa
forma intensa de punição, com força calculada, não tem a intenção de destruir
porque o crente não é punido judicialmente (Cristo fez isso em nosso lugar,
suportando toda a pena de nosso pecado na cruz).
O Pai aplica punição dolorosa e corretiva pois é um Pai
amoroso que quer que seus filhos cresçam da maneira correta, para curá-los de
sua teimosia e pecado. João Calvino disse certa vez que ‘os
flagelos de Deus dão testemunho de seu amor para conosco’[2].
No entanto, esta disciplina dura, corretiva e ao mesmo tempo
amorosa só é dada àqueles a quem o Pai reconhece como seus filhos porque sobre
os demais permanece a manifestação não de seu amor restaurador, mas da sua ira
punitiva (Jo 3:36 Por isso, quem crê no Filho tem a vida
eterna; o que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas
sobre ele permanece a ira de Deus).
v.
CONCLUSÃO
Sem os exemplos de Cristo e da galeria da fé seríamos
tentados a acreditar que o Senhor não cuida dos que creem nele, mas isto não é
verdade. Sem o treinamento disciplinar de Deus o cristão poderia facilmente se
esquecer de Deus e, atraído pelos prazeres e concupiscências do mundo, se
acostumar com o pecado como algo irrelevante.
C.S. Lewis disse ‘Deus sussurra para
nós em nossos prazeres, fala em nossa consciência, mas grita em nossas dores:
elas são o megafone dele para despertar um mundo surdo’[3].
É exatamente assim que fazemos: falamos suavemente ao ouvido dos nossos filhos
que os amamos, mas geralmente elevamos o tom de voz para recriminá-los, tanto
maior o volume quanto for a desobediência.
Deus permite as tribulações e perplexidades da nossa vida
para assegurar que iremos aprender a nos apegarmos firmemente a ele e a nada
nem ninguém mais.
Deus se relaciona conosco de uma maneira especial,
exatamente como um pai fazia com seus filhos e é por isso que, após adotados
pelo Senhor, podemos nos aproximar dele e tratá-lo com intimidade (Rm 8:15 Porque não recebestes o espírito de escravidão, para
viverdes, outra vez, atemorizados, mas recebestes o espírito de adoção,
baseados no qual clamamos: Aba, Pai).
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