terça-feira, 14 de maio de 2024

HEBREUS 12 E A UTILIDADE DA DISCIPLINA NO PROCESSO DE SANTIFICAÇÃO

 I.             DISCIPLINA E SANTIFICAÇÃO

Após considerar a grande nuvem de testemunhas, ou seja, aqueles que enfrentaram oposição por causa de sua fé e venceram, o crente é incentivado a seguir em frente. Esta nuvem de testemunhas é composta pelos heróis da fé como Noé, Abraão, Moisés e outros, uma grande multidão de anônimos.

No entanto, estes heróis não são vistos como uma multidão de homens mortos a serem relembrados ou até reverenciados, mas testemunhas vivas a serem ouvidas – embora mortos, eles vivem, e o que é dito de Abel pode ser dito de qualquer outro deles (Hb 11:4 Pela fé, Abel ofereceu a Deus mais excelente sacrifício do que Caim; pelo qual obteve testemunho de ser justo, tendo a aprovação de Deus quanto às suas ofertas. Por meio dela, também mesmo depois de morto, ainda fala) porque Deus é Deus de vivos, e não de mortos (Lc 20:38 Ora, Deus não é Deus de mortos, e sim de vivos; porque para ele todos vivem).

Analisando a história destes heróis da fé aprendemos que as dificuldades que o crente encontra em sua caminhada não são apenas externos – o apóstolo Paulo ensina sobre isso ao dizer que tem que enfrentar vários inimigos: pessoas o perseguiam por onde que que passasse e ele ainda tinha que lidar com o famoso ‘espinho na carne’.

Mas havia um outro problema: ele lidava com as inclinações de seu próprio coração, as inclinações da carne (Rm 7.14 Porque bem sabemos que a lei é espiritual; eu, todavia, sou carnal, vendido à escravidão do pecado. 15 Porque nem mesmo compreendo o meu próprio modo de agir, pois não faço o que prefiro, e sim o que detesto. 16 Ora, se faço o que não quero, consinto com a lei, que é boa. 17 Neste caso, quem faz isto já não sou eu, mas o pecado que habita em mim. 18 Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum, pois o querer o bem está em mim; não, porém, o efetuá-lo. 19 Porque não faço o bem que prefiro, mas o mal que não quero, esse faço).

Após esta introdução o autor da carta aos hebreus chama os cristãos à reflexão sobre quatro pontos fundamentais: quem é o seu modelo de enfrentamento das provações e das tentações para sua santificação; de onde vem o poder para sua santificação; qual o tamanho do desafio no processo de santificação e como lidar vitoriosamente com a oposição.

i.           CRISTO O MODELO

3 Considerai, pois, atentamente, aquele (Cristo) que suportou tamanha oposição dos pecadores contra si mesmo

É muito natural não sabermos o que fazer, especialmente quando se trata de situações que tumultuam nossas emoções. O autor diz para focarmos o que realmente importa. E o foco não deve ser colocado nas pessoas, por mais problemas que elas possam causar, porque a nossa luta não é contra a carne nem o sangue (Ef 6:12 ...porque a nossa luta não é contra o sangue e a carne, e sim contra os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes).

O foco também não pode estar no presente século, na linguagem neotestamentária ou nas circunstancias, como nos lembra o profeta Habacuque (Hc 3:17 Ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; o produto da oliveira minta, e os campos não produzam mantimento; as ovelhas sejam arrebatadas do aprisco, e nos currais não haja gado, 18 todavia, eu me alegro no SENHOR, exulto no Deus da minha salvação).

O foco não pode estar nem mesmo dentro do ser humano, como pretendem os adeptos das técnicas psicológicas ou motivacionais, porque não há nenhum bem intrínseco ou natural no homem (Rm 7:18 Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum, pois o querer o bem está em mim; não, porém, o efetuá-lo).

O ensino da Bíblia é que o nosso foco, nosso olhar, tem que estar firme em Jesus Cristo, o nosso modelo supremo. Temos muitos homens e mulheres de Deus que eram semelhantes a nós, com as mesmas fraquezas que temos, e deram testemunho de que é possível vencer, mas só venceram porque confiaram em Deus, como Elias, por exemplo (Tg 5:17 Elias era homem semelhante a nós, sujeito aos mesmos sentimentos, e orou, com instância, para que não chovesse sobre a terra, e, por três anos e seis meses, não choveu).

Jesus não somente é o exemplo para a nossa fé, mas ele é também o alvo, o objeto de nossa fé. Ele nos espera na linha de chegada; é para ele e por ele que corremos. Nós resistimos e perseveramos porque queremos conhecê-lo e nos juntar a ele e compartilhar as bênçãos de sua salvação. A paixão de Cristo é enfatizada aqui, pois a cruz não somente é o maior de todos os exemplos da fé do Senhor, mas também o foco de nossa fé nele.

Nós vemos o sangue dele derramado para nos trazer o perdão; vemos a ira de Deus esgotada sobre ele, e ali encontramos a nossa segurança – nossa justiça na cruz dele.

O autor diz para que você ‘considere’ (analogissasqe)[1] aquele que suportou a oposição indevida dos pecadores. O verbo analogizomai significa colocar algo lado a lado para fazer uma comparação e refletir com cuidado sobre alguma coisa. Mas o que deve ser comparado? Aquele que suportou a oposição, isto é, Cristo. Coloque qualquer coisa lado a lado com Cristo para comparar e qual será o resultado desta comparação? Com certeza o mega sumo sacerdote será considerado superior a tudo.

Cristo será considerado superior ao legalismo. Será superior aos sacrifícios. Será superior à religiosidade. Será superior a tudo o que você conhece. Ele é o supremo modelo, o supremo pastor que quando se manifestar te dará a coroa da glória (1Pe 5:4 Ora, logo que o Supremo Pastor se manifestar, recebereis a imarcescível coroa da glória).

Se você é discípulo de Cristo então não deve se espantar de ser perseguido. Jesus disse que seria assim no sermão do monte (Mt 5:11 Bem-aventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem, e vos perseguirem, e, mentindo, disserem todo mal contra vós) e avisou os discípulos que eles seriam odiados tanto quanto o próprio Cristo foi (Mt 10:22 Sereis odiados de todos por causa do meu nome; aquele, porém, que perseverar até ao fim, esse será salvo; Mt 24:9 Então, sereis atribulados, e vos matarão. Sereis odiados de todas as nações, por causa do meu nome).

Lucas faz um resumo: todos terão ódio dos discípulos de Jesus (Lc 21:17 De todos sereis odiados por causa do meu nome).

ii.         CRISTO A FONTE DE FORÇA

para que não vos fatigueis, desmaiando em vossa alma.

A primeira coisa que aprendemos nesta seção da carta aos hebreus é que Cristo é o nosso modelo. Se ele sofreu tanta oposição não há razão alguma para que seus discípulos não sejam perseguidos também, pelo contrário, se não respeitaram o mestre, se não respeitaram o próprio Filho de Deus, porque respeitariam seus seguidores?

A segunda coisa que aprendemos é que a razão de ter Cristo como modelo está relacionada à força necessária para o cristão suprir as adversidades.  A Bíblia ensina que os cristãos são mais que vencedores – mas não por sua própria força ou poder (Rm 8:37 Em todas estas coisas, porém, somos mais que vencedores (υπερνικωμεν), por meio daquele que nos amou).

Ser mais que vencedor é ser o portador de uma vitória inigualável – mas esta vitória não pode ser alcançada por esforços humanos, mesmo que sejam esforços intensos porque ela é dada ao crente pela misericórdia de Deus (Rm 9:16 Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia).

Jesus afirmou claramente que os cristãos teriam dificuldades e aflições, mas não deveriam desanimar porque Ele, Cristo, venceu o mundo (Jo 16:33 Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz em mim. No mundo, passais por aflições; mas tende bom ânimo; eu venci o mundo) e dá aos seus discípulos todo o poder necessário para vencer: a fé. Só vence o mundo, só não desanima quem tem fé em Cristo (1Jo 5:4 ...porque todo o que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé. 5 Quem é o que vence o mundo, senão aquele que crê ser Jesus o Filho de Deus?).

Quero chamar sua atenção para uma palavra que se repete em nossas traduções. Em Hb 12.3 desmaio é ekluomenoi que traz a ideia de não perder a força, não se sentir enfraquecido como se estivesse doente, sem vigor até a exaustão e com isto ficar desanimado e perder a esperança e Jo 16.33, onde ‘bom ânimo’ é qareite, que significa ter muita coragem, encher-se de ousadia.

Toda esta força, todo este vigor vem do fato de que o cristão conhece seu Senhor, conhece Cristo, sabe que aquele que começou a transformação em sua vida não vai deixá-la inconclusa (Fp 1:6 Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus), sabe que aquele que prometeu estar presente não vai mudar de ideia e abandoná-lo (Mt 28:20 ...ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século), sabe que aquele que disse que cuidaria de todo aquele que fosse a ele não vai descartá-lo na primeira ocasião (Jo 6:37 Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim; e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora).

O crente confia e não desanima mesmo quando o sofrimento é intenso porque sabe em quem tem crido, e tem plena confiança e fé de que o Senhor o guardará seguro até o dia final (2Tm 1:12 ...e, por isso, estou sofrendo estas coisas; todavia, não me envergonho, porque sei em quem tenho crido e estou certo de que ele é poderoso para guardar o meu depósito até aquele Dia).

iii.       O NÍVEL DA LUTA A SER ENFRENTADA

4 Ora, na vossa luta contra o pecado, ainda não tendes resistido até ao sangue

Se você tem algo em torno de 40 anos você deve se lembrar de personagens como Teddy Boy Marino ou o Tigre Paraguaio, ou Aquiles Matador, Hulk Hogan, e tantos outros lutas livres televisivas dos anos 80 e 90. Era tanta pancada e nunca, nunca uma gota sequer de sangue. Mesmo hoje, nas lutas marciais mais sangrentas como o UFC existem regras e a vida dos lutadores é preservada.

Mas não era assim com os cristãos nos primeiros séculos da nossa era. Não era assim com os cristãos especialmente na segunda metade do Séc. I. A expressão ‘resistir até o sangue’ não quer dizer que alguém se mantinha firme e, se houvesse alguma forma de sangramento as torturas e as perseguições paravam. Vamos ver alguns exemplos dados pela nuvem de testemunhas de que o escritor fala – sem citar os que já aparece na relação do capítulo 11.

Estevão resistiu em seu testemunho, ou se manteve firme. A palavra resistir (antiketasthte) é um termo militar que se refere ao soldado que permanece firme, formando uma linha de batalha, ombro a ombro com seu companheiro para que não haja uma brecha na formação e o inimigo não consiga desfazer aquele grupamento – um soldado deveria se manter no seu lugar mesmo se fosse ferido, e só poderia sair dali de duas maneiras: vitorioso ou morto.

Um exemplo de resistência até o sangue é a de Estevão, que se manteve fiel em seu testemunho face a morte (At 7:59 E apedrejavam Estêvão, que invocava e dizia: Senhor Jesus, recebe o meu espírito!). Outro exemplo é o de Tiago, irmão de João (At 12:1 Por aquele tempo, mandou o rei Herodes prender alguns da igreja para os maltratar, 2 fazendo passar a fio de espada a Tiago, irmão de João).

O apóstolo Paulo, que consentiu no apedrejamento de estevão, também teve sua experiência da qual o Senhor o preservou (At 14:19 Sobrevieram, porém, judeus de Antioquia e Icônio e, instigando as multidões e apedrejando a Paulo, arrastaram-no para fora da cidade, dando-o por morto) e mais tarde ele próprio teria seu sangue derramado (2Tm 4:6 Quanto a mim, estou sendo já oferecido por libação, e o tempo da minha partida é chegado).

Era isto o que significava manter-se firme até que seu sangue fosse derramado. E o escritor diz que isto pode ser uma mera questão de tempo. Ele diz que você ‘ainda’ não teve que passar por isso. E se você for considerado digno de sofrer por Cristo, considerará isto uma graça (Fp 1:29 Porque vos foi concedida a graça de padecerdes por Cristo e não somente de crerdes nele) ou ficará lamentando que está sofrendo só por que é crente e reclamando nas redes sociais dizendo ser vítima de perseguição religiosa?

 iv.       A UTILIDADE DA MEMÓRIA

Diferente das diversas formas de religiosidade que enfatizam sensações ou mera aceitação intelectual o cristianismo reúne duas características aparentemente contraditórias: a fé no invisível (Hb 11:27 Pela fé, ele abandonou o Egito, não ficando amedrontado com a cólera do rei; antes, permaneceu firme como quem vê aquele que é invisível) baseada em fatos históricos. Isto quer dizer que o crente vive pela fé (2Co 5:7 ...visto que andamos por fé e não pelo que vemos).

A fé, apesar de não se basear na vista (Jo 20:29 Disse-lhe Jesus: Porque me viste, creste? Bem-aventurados os que não viram e creram) e ainda assim a fé cristã é caracterizada pela certeza absoluta daquilo em que crê (Hb 11:1 Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não vêem).

Entretanto, não se trata de acreditar em histórias, mitos ou lendas. Esta convicção se baseia em algo que não pode ser desprezado: o testemunho dos que viram, ou seja, a fé é baseada em fatos, eventos que realmente ocorreram e são historicamente comprovados, que foram testemunhados por pessoas reais (1Jo 1:1 O que era desde o princípio, o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos próprios olhos, o que contemplamos, e as nossas mãos apalparam, com respeito ao Verbo da vida).

Os discípulos de Jesus foram designados pelo mestre para serem suas testemunhas (At 1:8 ...mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra) e eles não deixaram de testemunhar o que viram e ouviram (At 4:20 ...pois nós não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos).

 O profeta Jeremias viveu em um período de grande dificuldade para seu país, e ao escrever seu livro de Lamentações ele lembra o valor da memória para o crente: ela dá esperança (Lm 3:21 Quero trazer à memória o que me pode dar esperança), como também menciona Paulo ao escrever sua carta aos crentes romanos (Rm 5:5 Ora, a esperança não confunde, porque o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo, que nos foi outorgado). O escritor aos hebreus diz que o cristão usa a memória para se lembrar de três fatos importantíssimos:

a.           LEMBRAR DA FILIAÇÃO DIVINA

5 e estais esquecidos da exortação que, como a filhos, discorre convosco:

A humanidade costuma afirmar que é impossível responder definitivamente a três perguntas muito importantes: quem ele é, ou seja, a sua natureza; de onde ele veio, isto é, a origem de sua existência; e, por fim, para onde vai, o seu destino ou a razão da existência. Esta dificuldade tem uma razão bem específica: a rejeição da revelação de Deus nas Escrituras Sagradas.

O crente conhece a sua natureza – ele sabe quem ele é, sabe que é Filho de Deus (Rm 8:16 O próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus), foi tornado um filho de Deus porque creu no Filho enviado por Deus (Jo 1:12 Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que crêem no seu nome).

É por isso que os discípulos de Jesus são odiados pelo mundo – porque odeiam a Deus e seu Filho (1Jo 3:1 Vede que grande amor nos tem concedido o Pai, a ponto de sermos chamados filhos de Deus; e, de fato, somos filhos de Deus. Por essa razão, o mundo não nos conhece, porquanto não o conheceu a ele mesmo).

No entanto, esta filiação exige que os filhos vivam como filhos, ajam como filhos e demonstrem a sua natureza obedecendo ao seu Pai celeste (1Jo 5:2 Nisto conhecemos que amamos os filhos de Deus: quando amamos a Deus e praticamos os seus mandamentos) – e por serem filhos de Deus o Pai exorta-os e corrige-os quando se tornam desobedientes.

b.           LEMBRAR DA EDIFICAÇÃO DIVINA

Filho meu, não menosprezes (ολιγωρει) a correção (παιδειας) que vem do Senhor, nem desmaies (εκλυου) quando por ele és reprovado (ελεγχομενος)

O escritor conclama os seus leitores a permanecerem criteriosos, considerando as coisas de Deus superiores e melhores às coisas do mundo – mesmo quando a ação de Deus não é aquela que agrada seus interesses imediatos. O crente não pode desprezar (oligwrew) a ação corretiva de Deus porque a correção que vem de Deus é importante e deve ser considerada com toda seriedade.

O crente deve considerar como algo de grande valor ser disciplinado por Deus. A palavra para disciplina, παιδειας, tem a mesma origem de nossa palavra pedagogia, indicando que não se trata de punição, mas de um conjunto de ações que envolvem ordem, repreensão, admoestação e até punição educativa e não destrutiva (Pv 22:6 Ensina a criança no caminho em que deve andar, e, ainda quando for velho, não se desviará dele). Pedagogia também inclui treino e cuidado, cultivo das faculdades da alma para fortalecimento e crescimento na virtude.

E é justamente este aspecto de fortalecimento e crescimento que é abordado pelo escritor – a disciplina do Senhor tem o objetivo de fortalecer para que, quando chegar o momento da prova, o crente não desmaie (ekluw), não desanime, não perca a esperança. Crente fortalecido pela correção divina não será fraco ou cansado, porque o Senhor o revigora (Is 40:29 Faz forte ao cansado e multiplica as forças ao que não tem nenhum vigor).

O crente fortalecido permanece firme quando o Senhor comunica que ele foi encontrado em falta, tem seus erros expostos à clara luz trazendo vergonha. A palavra reprovado (elegxw) leva em conta a existência de uma prestação de contas que é exigida com pleno direito. Lembre-se: você vai ter que prestar contas – mas o crente, que não alcançará a perfeição até que seja glorificado, não desanima porque sabe que, pela fé, pode contar com Cristo (1Jo 2:1 Filhinhos meus, estas coisas vos escrevo para que não pequeis. Se, todavia, alguém pecar, temos Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo).

c.           LEMBRAR DO AMOR DIVINO

6 porque o Senhor corrige (παιδευει) a quem ama e açoita (μαστιγοι) a todo filho a quem recebe (παραδεχεται).

Para nossa educação e nossa edificação na justiça o Senhor manifesta a sua disciplina, o seu ensino criterioso. A palavra grega paideuei trata da criação, do ensino de uma criança e é assim que Deus trata os que lhe pertencem – ele é o Pai que instrui o filho sujeitando-o a um processo criterioso de educação e preparação que exige experiências destinadas a estimular o desenvolvimento no tempo presente.

Toda a vida do crente, todas as suas experiências são uma preparação para que sejam conduzidos à maturidade cristã, para serem conformes ao modelo proposto, que é Cristo. Isso explica muitas das provações que são enfrentadas pelos cristãos (Rm 5:3 E não somente isto, mas também nos gloriamos nas próprias tribulações, sabendo que a tribulação produz perseverança; 4 e a perseverança, experiência; e a experiência, esperança). Deus nos envia desafios e dificuldades, não por maldade, mas por amor paternal e sabedores dos nossos limites (1Co 10:13 Não vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados além das vossas forças; pelo contrário, juntamente com a tentação, vos proverá livramento, de sorte que a possais suportar).

Apesar de livramento (εκβασιν) em 1Co 10.13 indicar rota de fuga ou meio de escape, também pode indicar o resultado, o modo como se chega ao fim de uma situação de prova numa vida plena de sentido e significado com a assistência do Espírito Santo. As disciplinas de Deus, as provações que o crente enfrenta não são dadas para sua ruina, mas são destinadas ao seu fortalecimento, como um exercício de aplicar força contra o músculo de nossa fé para nos fazer avançar em direção ao nosso potencial espiritual.

Mas Deus também emprega dificuldades punitivas para castigar o pecado numa forma de correção paternal que é diferente da ira condenatória. O verbo açoitar (μαστιγοι) refere-se à punição corretiva de um pai a um filho rebelde que, mesmo numa forma intensa de punição, com força calculada, não tem a intenção de destruir porque o crente não é punido judicialmente (Cristo fez isso em nosso lugar, suportando toda a pena de nosso pecado na cruz).

O Pai aplica punição dolorosa e corretiva pois é um Pai amoroso que quer que seus filhos cresçam da maneira correta, para curá-los de sua teimosia e pecado. João Calvino disse certa vez que ‘os flagelos de Deus dão testemunho de seu amor para conosco[2].

No entanto, esta disciplina dura, corretiva e ao mesmo tempo amorosa só é dada àqueles a quem o Pai reconhece como seus filhos porque sobre os demais permanece a manifestação não de seu amor restaurador, mas da sua ira punitiva (Jo 3:36 Por isso, quem crê no Filho tem a vida eterna; o que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus).

v.         CONCLUSÃO

Sem os exemplos de Cristo e da galeria da fé seríamos tentados a acreditar que o Senhor não cuida dos que creem nele, mas isto não é verdade. Sem o treinamento disciplinar de Deus o cristão poderia facilmente se esquecer de Deus e, atraído pelos prazeres e concupiscências do mundo, se acostumar com o pecado como algo irrelevante.

C.S. Lewis disse ‘Deus sussurra para nós em nossos prazeres, fala em nossa consciência, mas grita em nossas dores: elas são o megafone dele para despertar um mundo surdo[3]. É exatamente assim que fazemos: falamos suavemente ao ouvido dos nossos filhos que os amamos, mas geralmente elevamos o tom de voz para recriminá-los, tanto maior o volume quanto for a desobediência.

Deus permite as tribulações e perplexidades da nossa vida para assegurar que iremos aprender a nos apegarmos firmemente a ele e a nada nem ninguém mais.

Deus se relaciona conosco de uma maneira especial, exatamente como um pai fazia com seus filhos e é por isso que, após adotados pelo Senhor, podemos nos aproximar dele e tratá-lo com intimidade (Rm 8:15 Porque não recebestes o espírito de escravidão, para viverdes, outra vez, atemorizados, mas recebestes o espírito de adoção, baseados no qual clamamos: Aba, Pai).

[1] A palavra ‘atentamente’ não aparece no texto grego (αναλογισασθε γαρ τον τοιαυτην).

[2] CALVINO, João. New Testament Commentaries, 12 vols. (Grand Rapids: Eerdmans, 1994), 12:190.

[3] C. S. LEWIS, The Problem of Pain (Nova York: Macmillan, 1978), 81.

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