quarta-feira, 1 de março de 2017

FARINHA POUCA, MEU IRMÃO PRIMEIRO - I Rs 17


Dentre as instruções do apóstolo Paulo aos filipenses há uma que destacamos neste nosso encontro: ele exorta os irmãos de Filipos a serem altruístas, a considerarem o outro como digno de maior consideração do que eles próprios (Fp 2.4).
Enquanto estudava este assunto para nossa devocional, lembrei-me de um material que tenho de uma muito conhecida fraternidade que instrui os membros a, caso encontrem um irmão em uma situação de risco, tomarem algumas providências, dentre as quais a primeira é ver se ele próprio não está se colocando em risco e só então avaliar se pode ajudar o necessitado sem se colocar em situação de risco; ou ir em busca de ajuda. Mas a premissa é: não se coloque em situação de risco. Contextualizando, quando a segurança é pouca, a minha segurança em primeiro lugar.
Em muitas situações de incerteza somos questionados sobre o que fazer – e se orientamos as pessoas a fazerem a coisa certa (que às vezes não é o que as pessoas querem fazer porque não lhes as vantagens que desejam obter) muitas vezes ouço a seguinte pergunta: mas o que eu ganho com isso? De novo, a melhor brasa para minha batata.
O que é exatamente ser altruísta? É pensar no bem do outro, mesmo que o outro seja um desconhecido caído à beira do caminho. Ser altruísta é parar para cuidar dele, abrir mão do seu conforto, do seu tempo é até de bens para que o outro tenha a sua necessidade satisfeita – e tudo isto sem esperar nada em troca e, no mais das vezes, sabendo que nem mesmo deveria esperar por algo que certamente não viria (Lc 10.25-37). Samaritanos e judeus eram meio irmãos que não se relacionavam por causa dos problemas iniciados nos dias de Esdras e Neemias por causa de Tobias, Sambalate e Gesem, o arábio.
O relato do livro dos reis é ainda mais impressionante. Trata-se do início do ministério de Elias, profeta do Senhor, no reino de Israel, o reino do norte (que mais tarde se tornaria Samaria). O reino do norte teve maus reis. Dentre estes um se destaca: Acabe, em cujo reinado grave crise religiosa afetou o reino por causa de seu matrimônio com Jezabel, uma princesa fenícia filha de Etbaal, rei de Sidom. O nome de Jezabel significa “baal existe”, e ela efetivamente queria apresentar seu deus aos israelitas, trazendo para o reino sua religião e profetas numa tentativa de conversão de Israel para seu deus.
Elias, natural de Tisbé de Galahad é a resposta de Deus – seu nome significa “o Senhor é (meu) Deus”, expressão que ele usa ao desafiar os adoradores de baal no monte Carmelo (I Rs 18:21).
Uma das características do baalismo era acreditar que baal era o senhor das chuvas e da fertilidade, como se Deus não fosse o provedor de todos (Jl 2:23). E é justamente esta característica atribuída a baal que é imediatamente desafiada com o surgimento de Elias (I Rs 17.1).
O grande tema do livro dos reis é saber quem é o governante supremo. O ponto de vista da Bíblia é que este Senhor supremo é Deus. Jezabel achava que não, então, o pano de fundo, é um conflito para provar quem é Deus: se baal ou o Senhor. Considerado inimigo por Acabe e Jezabel, Elias é orientado a fugir – e vai justamente para a terra onde o ‘adversário’ de Deus parecia imperar: Sarepta, a 15km da capital, Sidom, terra dos fenícios, sob a regência do pai de Jezabel, Etbaal. Se os pagãos acreditavam na territorialidade dos deuses (I Rs 20:23), era o momento de mostrar, na casa de baal, quem de fato era Deus.
Vejamos o texto:
8 Então, lhe veio a palavra do SENHOR, dizendo:
9 Dispõe-te, e vai a Sarepta, que pertence a Sidom, e demora-te ali, onde ordenei a uma mulher viúva que te dê comida.
10 Então, ele se levantou e se foi a Sarepta; chegando à porta da cidade, estava ali uma mulher viúva apanhando lenha; ele a chamou e lhe disse: Traze-me, peço-te, uma vasilha de água para eu beber.
11 Indo ela a buscá-la, ele a chamou e lhe disse: Traze-me também um bocado de pão na tua mão.
Após mantê-lo por um tempo junto ao ribeiro de Querite, o Senhor manda que Elias vá a Sarepta de Sidom e permaneça ali (possivelmente os três anos e meio que durou a seca na região) e que encontrasse uma mulher, viúva, que lhe daria comida.
Ao chegar ele efetivamente encontra a viúva pegando lenha, à qual pede água para beber. Seria ela aquela através da qual Deus o sustentaria, longe de casa, numa terra estranha e a serviço de uma divindade “hostil” e, literalmente, tão perto do covil dos adoradores de baal, seus adversários?
12 Porém ela respondeu: Tão certo como vive o SENHOR, teu Deus, nada tenho cozido; há somente um punhado de farinha numa panela e um pouco de azeite numa botija; e, vês aqui, apanhei dois cavacos e vou preparar esse resto de comida para mim e para o meu filho; comê-lo-emos e morreremos.
13 Elias lhe disse: Não temas; vai e faze o que disseste; mas primeiro faze dele para mim um bolo pequeno e traze-mo aqui fora; depois, farás para ti mesma e para teu filho.
Quando Elias lhe pede um bocado de pão aquela mulher lhe mostra sua difícil situação. Havia fome na terra. Havia seca. Era viúva e tinha apenas um filho pequeno. Não havia quem lhe desse mantimento, ela não tinha um provedor. Ela não tinha nenhuma esperança. Se o seu deus (ela chama o Deus de Elias de “teu Deus”) era o deus da provisão agrícola, ela não tinha nem fé mais. Só lhe restava uma saída – a resignação e a morte, para si e para seu filho.
Obedecer às palavras do profeta se torna tão mais difícil quando vemos o quadro de um olhar mais amplo: ela não tinha comida, e, se atendesse ao profeta, nem mesmo o direito a uma última refeição eles teriam. Servir ao próximo nem sempre é uma decisão fácil. Servir ao próximo com o que sobra já é difícil, mas servir ao próximo com a totalidade do que se tem é algo que somente por Deus é possível fazer. E foi o que aquela mulher, fenícia, adoradora de baal fez. Não deveria ser tão difícil para os cristãos, aquele que aprenderam que “mais bem aventurada coisa é dar do que receber” (At 20.35).
14 Porque assim diz o SENHOR, Deus de Israel: A farinha da tua panela não se acabará, e o azeite da tua botija não faltará, até ao dia em que o SENHOR fizer chover sobre a terra.
15 Foi ela e fez segundo a palavra de Elias; assim, comeram ele, ela e a sua casa (seu filho, descendência) muitos dias.
16 Da panela a farinha não se acabou, e da botija o azeite não faltou, segundo a palavra do SENHOR, por intermédio de Elias.
A conclusão desta história de fé (Elias confiou que Deus supriria suas necessidades e lhe daria segurança mesmo sendo ele um estrangeiro em terras fenícias), altruísmo (aquela viúva mostrou-se disposta a obedecer “antes” que o milagre acontecesse) se dá quando o relato afirma que ela foi e fez segundo a palavra de Elias. E o Senhor a abençoou de tal maneira que eles comeram “muitos dias”, o que pode ser uma referência ao período de seca que veio naquela época. Mas é crucial destacar que Elias apresenta o seu Deus como “o Deus de Israel”, pois era Deus, e não baal, uma mera invenção humana, quem supriria as necessidades daquela mulher e de seu filho, com o profeta junto. E o texto conclui que tudo aconteceu conforme a Palavra do Senhor.
Se o desafio proposto por Jezabel era saber quem era realmente Deus – a primeira partida estava ganha, e fora ganha pelo Senhor, na casa do adversário.
A história poderia terminar aqui – o altruísmo, a liberalidade daquela mulher lhe resultara em grande bênção. Mas Elias permaneceu naquela casa, e um dia o filho daquela mulher morreu e sua primeira ação é questionar o profeta (lembremos que muitos dias antes ela já se considerava morta, junto com seu filho). Porque isso aconteceu, porque Deus permitiu que o sofrimento viesse à minha casa mesmo eu sendo capaz de fazer uma boa ação dando casa e pão ao seu profeta? O Senhor ainda é o Deus do profeta, não dela.
Num primeiro momento nem mesmo o profeta consegue compreender ou dar uma resposta satisfatória, que acalmasse o coração daquela mulher, e a única coisa que ele pode fazer é buscar ao Senhor pois fora ele quem o mandara para aquele lugar. A obra era dele, a batalha era dele, o problema era da viúva e de Elias, mas a solução era dele também. A obra é do Senhor, a batalha é do Senhor, os problemas são nossos, mas a solução é do Senhor.
E a história termina com uma confissão daquela mulher de que, ali, em terra fenícia, o Senhor é reconhecido como verdadeiro Deus – seu filho fora salvo não uma, mas duas vezes. Se a disputa era saber quem era o Deus verdadeiro, e Elias afirmava que o Deus verdadeiro era o Deus de Israel, aquela mulher diz que o que Elias dizia era a verdade, e que a Palavra do Senhor na boca de Elias era a verdade. O verdadeiro alimento a ser compartilhado não é farinha ou azeite. A necessidade do meu próximo de saber que o meu Deus é o Deus verdadeiro deve ser maior que o meu desejo de conforto pessoal, deve ser maior que meu comodismo.
Este texto poderia facilmente ser utilizado por um incrédulo para falar de humanitarismo, por um espírita para falar de caridade, ou por um adepto da teologia da libertação para falar sobre dividir o pão com o que tem fome, de ajudar o próximo. E eu concordo que estas ações, não estas teorias, são coisas boas. É justo agir para amenizar as diferenças abissais que caracterizam uma sociedade desigual é algo justo – o Senhor insistentemente dizia que isso deveria ser feito, que o necessitado deveria ser assistido (Sl 146:9), que em Israel nem o órfão, nem a viúva nem o estrangeiro deveriam ser esquecidos nas sarjetas (Dt 24:19) e um dos argumentos da justiça de Jó era, justamente, o de não maltratar os necessitados (Jó  31:16-17), pelo contrário, estender-lhes as mãos (Jó 29:12).
Mas a vergonha de Israel era que ele se deixava conduzir por Jezabel e seus 850 missionários. Era vergonhoso que Israel se afastasse do Deus verdadeiro para adorar uma estátua horripilante de um falso deus. E uma única mulher fenícia mostra o tamanho da loucura de Israel, de deixar-se influenciar pelo mundo e não confiar em Deus e em sua Palavra. Israel sofria fome e sede, Israel havia deixado o manancial de águas vivas para escavar cisternas sujas e furadas, que ofereciam lama e não retinham água (Jr 2:13).
É lamentável que uma nação de sacerdotes se deixasse evangelizar por apenas 850 mentirosos adoradores de um falso Deus. É lamentável que a nação santa, verdadeiros sacerdotes, que o povo de propriedade exclusiva de Deus se deixe influenciar pelo jeito de ser do mundo e não cumpra seu papel: a diferença é que a farinha não é pouca, é abundante, é inacabável – é mais do que você precisa então, que tal servi-la para o seu próximo?
Seja Igreja, não retenha o que não é para ser só seu. Seja altruísta, seja evangelista, seja servo do Senhor em sua geração. Use o que Deus tem te dado para que outros possam ouvir a Palavra de Deus em sua boca.


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