17 Ora, nós, irmãos, orfanados, por breve tempo, de vossa
presença, não, porém, do coração, com tanto mais empenho diligenciamos, com
grande desejo, ir ver-vos pessoalmente.
18 Por isso, quisemos ir até vós (pelo menos eu, Paulo, não somente uma vez, mas duas);
contudo, Satanás nos barrou o caminho.
19 Pois quem é a nossa
esperança, ou alegria, ou coroa em que exultamos, na presença de nosso Senhor
Jesus em sua vinda? Não sois vós?
20 Sim, vós sois realmente
a nossa glória e a nossa alegria!
I Ts 2.17-20
O apóstolo Paulo não estava com os tessalonicenses e
ele expressa com muita clareza e pungente saudade o quanto sentia a falta dos irmãos.
Ele desejava estar com eles, queria gozar de sua companhia e comunhão, era o
desejo do seu coração mas circunstâncias impediam a sua presença entre eles.
Havia um adversário que se interpunha no caminho mas nem mesmo satanás pode
impedir a esperança, a alegria e a vitória da Igreja pois ela é garantida pelo
próprio Senhor.
Os crentes em Tessalônica tiveram o privilégio de receberem
o evangelho, e receberam-no como Palavra de Deus e não de homens e isto causou
mudanças significativas em suas vidas. Viviam pela fé independente das
circunstâncias (Fp 4:12), enfrentavam as provas e
tribulações com ousada confiança, viviam a sua fé e por isso muitos outros
também foram impactados pelo evangelho do Senhor Jesus.
Uma das provas a que quase imediatamente foram submetidos
foi a ausência de Paulo, seu pastor, seu missionário, o fundador da sua Igreja
lhes foi retirado. Paulo era mais que um pai espiritual, diz-lhes ter sido qual
ama que alimenta e acaricia uma criança a quem amamenta, dando-lhes de sua
própria vida (I Ts 2.8),
de sua própria essência para que eles fossem nutridos e tivessem vitalidade.
Apesar do pouco tempo entre eles, eles foram de tal maneira
amamentados e nutridos com o genuíno leite espiritual (I Pe 2:2) que haviam
aprendido, estavam amadurecidos a ponto de poderem ser exortados, consolados e
admoestados pois já não eram mais considerados como crianças espirituais (I Co 3:1) mas crentes
amadurecidos (I Co
14:20), aptos a receberem alimento sólido (Hb 5:14) para serem fortes e
resistirem no dia mau, dias maus que não eram uma promessa mas uma realidade em
suas vidas (Ef
6:13) enquanto trabalhavam para glorificar o Senhor com a convicção de que
quem trabalha para o Senhor não trabalha em vão (I Co 15:58).
E esta Igreja vai se destacar por sua fé operosa, seu amor
abnegado e sua firme esperança nas promessas do Senhor Jesus.
Mas em pouco tempo esta Igreja viu-se arrancada de sua ama
e de seu pai espiritual e de toda uma equipe de apoio, os “tios” Silvano e
Timóteo. Todavia, diferente do que seria de se esperar de uma Igreja na
ausência de seu pastor (e aparentemente isto aconteceu com algumas Igrejas da Galácia
- Gl
1:6), esta Igreja não conheceu a
dispersão, nem o desânimo, mas continuou segundo o modelo que tiveram em Paulo
e seus companheiros de viagem - embora eles tivessem essa preocupação em mente
quando deixavam uma Igreja (At 20:29).
Apesar de tudo isto, esta Igreja mantinha-se operosa,
amorosa e esperançosa. Porque? Vamos ver algumas de suas características.
A VERDADEIRA IGREJA NUNCA ESTÁ ABANDONADA
Logo que nasceu a Igreja viu-se privada de seu pai
espiritual (I Ts
2:11-12). Óbvio que a figura de linguagem que Paulo emprega se aplica
perfeitamente aos sentimentos da Igreja, relativamente ao conhecimento das
doutrinas cristãs mas não podemos nos esquecer que ali em Tessalônica havia
alguns judeus versados nas Escrituras que creram.
Além dos judeus também creram gregos que compunham numerosa
multidão de piedosos, por natureza estudiosos, gente que procurava conhecer as
doutrinas do judaísmo e que compreendiam que a expectativa messiânica se
cumprira em Jesus Cristo e não apenas para os judeus, mas para todos os povos,
as “outras ovelhas” (Jo 10:16), que não estavam no aprisco de
Israel, o “muito povo” que Deus disse a Paulo que possuía.
Completando a membresia da Igreja encontramos muitas
distintas mulheres, isto é, mulheres livres, da aristocracia local, que numa
mudança ocorrida no início do séc. I d.C., provavelmente tinham tido tempo e
oportunidade para estudo da lógica, gramática e retórica e eram capazes de,
caso fossem inquiridas, explicar a razão da sua esperança, da fé que
impulsionava-as a um novo estilo de vida.
Apesar do pouco convívio com Paulo estavam habilitados a
aprenderem rapidamente, e, podemos dizer, a amadurecerem para viverem sua fé
sem precisarem ser pajeados o tempo todo nas menos e mais corriqueiras
situações da vida. Paulo não precisava estar lá para lhes ensinar rudimentos (Gl 4:3-4),
como o que vestir, o que comer, com quem andar, o que falar tanto socialmente
quanto o que responder sobre sua fé. Eles estavam prontos a viverem pela fé (II Co 5:7), o que
lamentavelmente não tem acontecido com a sábia, culta, pajeada e instruída
Igreja do séc. XXI que não é perseguida, não tem sua fé provada (Tg 1:3) e acaba se deixando
amortecer, tornando-se morna e insignificante (Ap 3:16).
Aquela era uma Igreja órfã da presença do seu pastor, mas
não órfã da presença e direcionamento do supremo pastor (Jo 14:18).
Talvez a Igreja moderna tenha à sua disposição uma enorme
prateleira, como num supermercado, onde escolhe seus próprios pastores graças à
literatura, meios de comunicação, redes sociais e, tão pajeada, tão mimada, tão
satisfeita em seus deleites pseudoespirituais que não cresce, não amadurece o
suficiente para andar sob a direção do Espírito.
Talvez, tendo pastores demais e não sendo pastoreada, tendo
pajens demais e não sendo edificada, tendo citações demais e obediência de
menos, ouvindo demais e praticando menos, seguindo demais a voz de homens
esteja orfanada da direção do Espírito de Deus.
A VERDADEIRA IGREJA NUNCA ESTÁ DIVIDIDA
É fato que a Igreja de Tessalônica, em certo sentido, se
sentia orfanada por causa da ausência de Paulo, ausência que eles não desejaram
mas que lhe foi imposta pelo adversário e, com certeza, dentro do propósito de
Deus. Ao mesmo tempo, percebemos um profundo amor do apóstolo por aquela
Igreja, esperando que a impossibilidade de estar com eles fosse apenas mais uma
das breves e momentâneas tribulações às quais os crentes são submetidos por
causa de sua fé (II
Co 4:17).
Paulo afirma que diligenciou, isto é, fez esforços,
preparativos e provisões para ir vê-los (I Ts 2:17)
mas não foram suficientes para superar algumas barreiras espirituais que ele
não explica (I Ts 2:18).
Observe que Paulo não podia reunir-se com a Igreja não porque não desejava, mas
porque estava impedido, num belíssimo ensino para muitos cristãos que dispondo
de todos os recursos e tendo a Igreja bem pertinho de sua, não tendo nenhuma
oposição ainda assim desprezam a comunhão.
Embora ele provavelmente não conhecesse a carta aos hebreus
e sua ordem para não cometer o terrível pecado de deixar de congregar (Hb 10:25-27) ele conhecia o modelo
das Igrejas da Judéia e desejava ardentemente, de coração, vencer centenas de
quilômetros, a pé ou por quaisquer outros meios, vencer obstáculos espirituais
e até mesmo arriscar a própria vida para estar com os irmãos a quem amava.
Paulo tinha esta disposição porque amava a Igreja. Paulo
estava pronto a enfrentar todos os obstáculos porque amava os irmãos, membros
do mesmo corpo que ele, o corpo de Cristo. Mas, ao mesmo tempo sabemos que,
assim como a Igreja do séc. I tinha inimigos poderosos (Hb 12:4), a Igreja do nosso
século também tem um inimigo vigoroso, poderoso e quase invencível. E não é a
ameaça de prisão, torturas ou morte por causa de sua fé (Hb 11:35-38).
Também não é uma distância intransponível em virtude de
nossos possantes veículos (motos, carros e até aviões - hoje é possível fazer
em horas o que Paulo teria que fazer em meses - mesmo uma simples bicicleta é
capaz de ser mais rápida que muitos dos mais modernos veículos utilizados por
eles).
Também não é falta de informação por causa de eventuais
falhas de comunicação uma vez que temos dezenas de comunicadores instantâneos,
como telefone, facebook, WhatsApp e outros mais - mesmo com nossas falhas
conseguimos comunicar-nos em horas ou dias, enquanto no passado a Igreja
precisava esperar meses por informações. E nem é por causa de agenda
sobrecarregada por excesso de trabalhos, cursos, atividades sociais ou lazer -
talvez seja por excesso de valor ao que não deveria ser prioridade e desprezo
pelo que deveria ser a mais absoluta prioridade da agenda dos crentes.
O grande inimigo da comunhão da Igreja atual é uma vontade
amortecida pela ausência de amor. Como pode alguém não amar a Igreja de Deus ao
mesmo tempo dizendo amar a Deus (I Jo 4:20)? Como pode
afirmar que ama o invisível se não ama a manifestação visível do imenso amor de
Deus, a sua Igreja? Não congregar por impedimento ou falta de oportunidade é
até compreensível, mas ausentar-se da congregação com os irmãos por livre,
espontânea e relaxada vontade é desobediência e terrível pecado, é calcar aos
pés o sangue do cordeiro (Hb 10:29). Você pode até
concordar comigo agora, mas no próximo dia de culto vai achar alguma razão para
não congregar, alguma desculpa para não considerar como prioritário o que está
aprendendo agora. Você pode achar que estou enganado ao afirmar isso, mas os
próximos dias mostrarão se sois ouvintes ou operosos praticantes da Palavra (Tg 1:22).
A Igreja se tornou modelo e motivo de ações de graças
porque amava, verdadeiramente, e não apenas da boca pra fora. É tempo da Igreja
moderna olhar-se no espelho, arrepender-se de seu desamor e de um eventual
fingimento e tornar-se modelo de fé operosa, amor abnegado e firme esperança no
se eu fez tudo o que era necessário para nos salvar da condenação que
individualmente merecemos e nos tornar seu povo, uma família unida pela fé.
A VERDADEIRA IGREJA PRODUZ FRUTOS ATRAVÉS DA COMUNHÃO
Apesar de ter tentado ao menos duas vezes visitar os irmãos
e não ter conseguido, isto em nada diminuiu o amor mutuo, todavia Paulo ainda
não havia desistido de seu intento porque ele via na comunhão com os irmãos a
fonte de três bênçãos que só era possível obter em verdadeira comunhão com os
irmãos.
Em primeiro lugar Paulo, carinhosamente, lhes diz que eles são a antecipação
do seu gozo eterno, a sua esperança já realizada (I Ts 2.19-20). Para ele a
comunhão com os irmãos é a experimentação, já, aqui e agora, das delicias do
reino para o qual foram todos chamados pelo Senhor Jesus já que ambos tinham a
mesma fé, o mesmo amor e a mesma expectativa; Paulo não esperava nada dos
tessalonicenses porque eles já eram o que ele sempre esperara, sua alegria não
era egoísta, seu prazer e alegria era vê-los bem, e ver a Igreja bem era o
que completaria a sua alegria (Fp 2:2) além da natural alegria
da salvação que ele já possuía em Cristo Jesus (Fp 3:8-9).
Em segundo lugar Paulo lhes diz que eles eram a sua alegria e, com efeito,
que alegria maior um pai pode querer que a de ver seus filhos amadurecidos, bem
estabelecidos, frutíferos. Que maior alegria um missionário pode ter que a de
ver seus filhos a fé serem modelo para todos os que tem conhecimento de sua fé,
amor e esperança? E o que poderia ser melhor que viver no meio deles,
experimentando tudo isto in
loco? Se ele
mostrou este desejo para com os romanos, uma Igreja que ele não plantou (Rm 1:10-12) imaginemos
o que ele sentia por aqueles por quem tinha gerado (I Co 4:15). Para ele, o melhor lugar para
se alegrar é no meio do povo de Deus, povo que foi chamado para uma viva esperança.
Em terceiro lugar Paulo os chama de coroa de exultação. Ele estava se
referindo não a um símbolo de realeza, pois em momento algum ele chama a si
mesmo de príncipe ou filho do rei, uma das muitas tolices do cristianismo
hedonista contemporâneo, mas compara a vida cristã a uma corrida ou uma prova
no ginásio, numa arena ou num jogo semelhante a uma olimpíada, em busca da
vitória completa (I Co 9:25). Ele se refere a uma coroa feita de ramos trançados de louros,
um símbolo que era dado aos vencedores nos jogos públicos, com a diferença que
a que ele receberia não murcharia nos dias seguintes (I Pe 5:4).
Os tessalonicenses, sua fé, suas obras, seu amor, sua
abnegação, sua firmeza diante das lutas e sua esperança em Cristo eram a coroa,
eram o prêmio que Paulo almejava quando foi àquela região e lhes anunciou o
evangelho.
CONCLUSÃO
Paulo dizia palavras carinhosas e profundamente afetuosas à
Igreja. E pelo que conhecemos do apóstolo Paulo sabemos que não era bajulação (Ef 6:6). Paulo não buscava
agradar a homens, não buscava reconhecimento humano ou honrarias, ou qualquer
tipo de glória entre eles (Gl 1:10). Na verdade, eles já eram a glória que o apóstolo desejava.
Eles haviam se tornado o que cada um de nós, o que cada
crente, o que cada cristão deve ser. Eles eram modelo por sua fé, por seu amor
e por sua firmeza na esperança da volta de Cristo para todos os que os
conheceram ou souberam de sua vida (I Ts 1:7-8) após a transformação sofrida quando receberam o
evangelho como o que de fato ele era e é, mensagem de Deus (I Ts 1:9-10).
Esses crentes serviram e servem de modelo para nós e temos
que buscar as seguintes respostas em nossas vidas: imitamos os tessalonicenses
em sua fé? E em seu amor? E em sua esperança? Em que, como Igreja ou como
indivíduos que professam a mesma fé temos tido sucesso e em que temos falhado?
Como Igreja temos sido fiéis ao Senhor no mais básico dos mandamentos: o de,
como os tessalonicenses, nos amarmos mutuamente, amarmos uns aos outros como o
Senhor Jesus Cristo mandou que seus discípulos fizessem (Rm 12:10) e assim
dariam prova não apenas de que eram, de fato, nascidos de novo (I Jo 3:14) como também verdadeiros
discípulos do Senhor, não apenas ouvintes de sermões (Jo 13:35).
Como é feliz a Igreja, seus pastores e seus membros, quando
há afeição, quando há este amor, esta estima mútua. Como é maravilhoso quando a
Igreja se alegra não com eventos, mas uns com os outros mesmo em meio a
problemas, vivendo os problemas e superando os problemas juntos (Fp 1:27). Como é maravilhoso
quando o simples fato de ter irmãos já é motivo de exultação e alegria. Como é
excelente quando os que semeiam se alegram com a colheita e, quando os frutos
se tornam árvores frutíferas e todos se regozijam na presença do Senhor e se
regozijarão em sua vinda.
Como é feliz a Igreja que sabe que, mesmo que seus intentos
sejam frustrados, mesmo que não obtenham a satisfação de alguns de seus
desejos, mesmo que estes desejos sejam santos, o Senhor continua sendo Senhor e
tudo faz para realização de seu propósito eterno, para confirmar seus intentos,
para louvor de sua glória e para o bem daqueles que são chamados segundo o seu
propósito, isto é, para seu bem, para sua alegria.
Se você é cristão, se você é crente, se você tem uma fé
viva e operosa, se você tem um amor que é verdadeiro e não busca os seus
próprios interesses e uma esperança que não se abala quando as circunstâncias
parecem contrárias aos planos de Deus então você está no caminho certo.
É este tipo de crente que eu quero que você seja. É este
tipo de crente que Paulo desejava que houvesse em Tessalônica, em Filipos, em
Éfeso, na Galácia e em todos os lugares por onde ele passou. É este tipo de
crente que o Senhor quer que você seja, independente de sua idade ou formação,
independente de sua história até este momento. Se passa por sua cabeça ser
membro de uma igreja para ser diferente do que aprendemos com o modelo que o
Senhor nos deu nesta Igreja então eu te peço para não fazer isso. Você não fará
qualquer bem, nem a si mesmo nem às pessoas que estiverem perto de você.
Qualquer outra coisa é desprezível e não agrada ao Senhor -
e para qualquer outra coisa o Senhor dirá: nunca vos conheci (Mt 7:21-23). Tenho
certeza que a frase que você quer ouvir é outra, com indizível gozo e alegria.
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