23 Porque eu recebi do
Senhor o que também vos entreguei: que
o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão; 24 e, tendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo, que é dado por
vós; fazei isto em memória de mim. 25 Por semelhante modo,
depois de haver ceado, tomou também o cálice, dizendo: Este cálice é a nova aliança no meu sangue; fazei
isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim.
26 Porque, todas as
vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha.
Esta
mensagem é, de certo modo, irmã bem próxima de outra em Lc 22.7-20. Nos versos
23 a 25 o apóstolo Paulo trata do conteúdo histórico e da doutrina da nova
aliança em si mesma, o que ela significa. Na reflexão em Lc 22 analisamos a
transição da antiga aliança consolidada na páscoa para a nova aliança,
simbolizada na ceia e consumada na cruz.
Quase
sempre mencionamos com muita ênfase os significados dos termos e ficamos
preocupados em definir se há mudança ou não nos elementos, se Cristo está
presente na ceia apenas como uma lembrança do que Cristo fez.
Alguns
defendem a presença pessoal de Cristo com uma transformação real da essência
dos elementos no corpo e no sangue de Cristo. Esta doutrina é chamada de
transubstanciação. Outros defendem que não há transformação, mas Cristo está
presente do mesmo jeito, em uma certa mistura. A isto chamam de
consubstanciação.
De
passagem, porque não é o propósito neste momento, afirmamos que a presença de
Cristo é real, pessoal e espiritual. Cristo está presente de tal forma que o
crente recebe os efeitos espirituais da ceia que tipificam seu corpo e seu
sangue, abençoando e dando vitalidade aos que creem nele.
Estabelecer
estas coisas é importante, mas o propósito aqui é chamar a atenção para o fato
de que a mensagem da nova páscoa traz em si mesma uma mensagem que ultrapassa
as barreiras do tempo. Afirmamos e vamos nos aprofundar nisto, que a mensagem
da nova páscoa é uma mensagem que fala do passado, dos fatos a respeito da obra
salvadora de Cristo.
Esta
obra tem efeitos no presente, alicerçando a fé dos crentes que confiam na sua
presença em seu meio e apontando para o momento mais desejado pelos crentes: o
retorno de Cristo para reinar com os seus.
Paulo
diz que levava consigo algumas certezas, e estas certezas lhe davam confiança
para prosseguir em sua caminhada cristã. Sua fé tinha relações com o passado,
com o presente e com o futuro.
26 Porque, todas as
vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha.
Por
que a Igreja celebra a nova aliança? Porque há uma ordem explícita dada pelo
Senhor da Igreja para que isto seja assim. Jesus mandou, e a Igreja deve
obedecer (Jo15.14). O verso começa com uma conjunção (gar).
Tendo em vista que Jesus mandou que a Igreja fizesse essa celebração em sua
memória, ou para que ele (e sua obra) fosse lembrado.
Os
verbos comer (esquw), beber (pino)
e anunciar (katagello) estão todos no presente ativo, algo está sendo
feito mas todos os verbos se referem ao anúncio permanente de uma mensagem, e o
crente deve se perguntar então: qual é esta mensagem? A mensagem é: anunciamos
a morte do Senhor. Mais que uma lembrança a mensagem é um anúncio que exige um
posicionamento, como foi feito pelos cristãos no dia do pentecostes (At 2.38)
e era pregada por Paulo onde quer que ele passasse, independente da cultura,
religiosidade ou classe social (At 16.20). A fé cristã se refere a
eventos históricos, e, ainda mais que isto, a eventos que mudaram a história.
A
história humana está profundamente marcada pelo que aconteceu naquela cruz nos
arredores de Jerusalém. O brado de Jesus na cruz entregando o seu espírito e o que
vem depois influencia pessoas e nações, num evento histórico de proporções
cósmicas.
O
centro da mensagem cristã para esta humanidade é o que Jesus fez. O alvo da
mensagem cristã é levar todo pensamento a compreenderem quem é Cristo e o que
ele fez (1Jo 5.11) e todo pecador a atender ao gracioso chamado de
Cristo (Mt 11.28), arrependendo-se de seus pecados e entrando em aliança
pactual com ele através da nova aliança do seu sangue.
A
fé cristã não é baseada em mitos ou filosofias, aliás, tais mitos e filosofias
são veementemente rejeitados como base do ensino cristão porque elas são
fúteis, sem utilidade alguma para a fé (Tt 3.9).
A
fé cristã não é alicerçada no esforço individual para, de algum modo, merecer
uma recompensa positiva de Deus, o que é impossível porque não ninguém que
consiga ficar sem pecar (Tg 2.10).
A
fé cristã não é baseada em legalismo ou ascetismo, mesmo que isto possa
impressionar as pessoas (Cl 2.23). Resumindo, a fé cristã não é baseada
em nada que o homem possa fazer ou criar, porque isto pode até parecer bom e
bonito, atrativo e impressionante, mas sem proveito algum.
A
base da fé cristã é a confissão de Jesus como Senhor, recebê-lo como filho de
Deus e salvador (Jo 20.31). Não cabe outra coisa a ser anunciada,
nenhuma outra obra, somente a cruz de Cristo, poder de Deus e salvação de todo
aquele que crê (1Co 1.24).
É
nisso que se baseia a fé cristã. Em fatos. No inquestionável fato da
encarnação, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Em história e não em
estórias. Em eventos e não em mitos. A nova aliança aponta para a cruz de
Cristo, para a vida pela morte de Cristo, para a ressurreição de Cristo mesmo
que tudo isto pareça loucura – e sempre parecerá loucura para os que se perdem
(1Co 1.18).
26 Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha.
A
segunda afirmação do tripé sobre a atemporalidade da fé cristã é que ela não se
limita ao passado. Budismo, confucionismo e diversas outras formas de
religiosidade se baseiam no que foi feito ou ensinado, mas nem Confúcio nem
Buda estão presentes pessoalmente na vida dos seguidores dos seus ensinos, já
que não podemos dizer ‘seus seguidores’.
Mas
tal não é o caso dos cristãos: seu Senhor, Jesus Cristo, afirmou que sua
presença seria constante com seus discípulos, que poderiam seguir com a certeza
de sua companhia (Mt 28.20). A mensagem cristã não se resume a frases
semelhantes a “como disse Jesus”, “como Jesus fez”. Ela vai muito além e diz:
“Ele morreu, ele ressuscitou, ele vive, ele reina”. Foi esta mensagem que levou
os judeus a perguntarem de coração compungido: “E agora, que faremos?” (At
2.37).
O
cristão não é um contador de histórias ou de estórias, mas um proclamador da
fé. Quando os discípulos celebram a nova páscoa, conforme mandato do Senhor, o
fazem para não deixar ninguém esquecer que “Ele vive”. A celebração da ceia é
uma profissão de fé. É a comunidade dos crentes dizendo que crê que Ele está
vivo e presente, como expressou magistralmente o grupo Vencedores por Cristo
numa canção chamada “Vinho e Pão”:
Quem serve o vinho e parte o pão é o próprio Cristo ressurreto e nosso
irmão,
O Rei da Terra e céus é nosso anfitrião com vinho e pão nós celebramos
comunhão.
Todos
os verbos do verso 26 estão no presente (esquw), beber (pino)
e anunciar (katagello). Os discípulos comem, bebem e anunciam a fé que
está viva em seus corações e que impacta a sua vida.
Todos
os atos da vida do cristão refletem a sua vida com Deus, na presença de Deus
porque ele sabe que o seu Senhor não prometeu nada em vão, e se ele prometeu
companhia até a consumação do século, ele não deixará de cumprir sua promessa.
Assim,
o trabalho do cristão é na presença de Cristo (Cl 3.23-24). O comer e o
beber do cristão, e até o seu lazer, tudo é na presença de Cristo (1Co 10.31).
Se o trabalho é na presença de Cristo, e se o comer, beber e tudo o mais são na
presença de Cristo, por que o culto não seria? Por que um dos momentos mais
solenes do culto não contaria com a sua presença?
Na celebração da nova páscoa afirmamos
enfaticamente: “Ele vive!” (2Co 13.4). Não é passado, não está limitado
ao passado. Não é uma coisa que aconteceu e ficou na história. É uma certeza
que marcou a história. Que mudou a história – e que conduz a história.
A
nova pascoa é uma proclamação de fé. O crente participa desta celebração
proclamando a sua fé viva no salvador que está vivo. Ele vai se reunir com os
demais crentes na certeza de estar na presença do seu Senhor. Qualquer coisa
diferente disto torna sua participação apenas mecânica e carnal. Pode cantar e
honrar ao Senhor com os lábios, mas sua adoração não é aceita porque o coração
está longe de Deus.
Quando
você vai participar da ceia deve fazê-lo com firme confiança, e com fé, de que
o seu grande Deus que é também seu salvador está presente (Tt 2.13),
porque, sem fé, toda participação é inútil e não agrada a Deus, não recebendo, portanto,
o galardão exclusivo dos crentes (Hb 11.6).
26 Porque, todas as
vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha.
Já
mencionamos os aspectos históricos e presenciais da celebração da ceia do
Senhor. Resta-nos refletir sobre o fato de que chegará um dia que nenhum pastor
presbiteriano, metodista ou de qualquer outra denominação poderá celebrar a
ceia do Senhor – e não se trata de alguma proibição governamental, porque já
houve tempo em que o culto cristão foi proibido e a Igreja não deixou de servir
ao seu Senhor.
Chegará
o dia em que os crentes celebrarão com o próprio Senhor (Mt 26.29).
Paulo expressa esta verdade ao afirmar que a Igreja deve comer continuamente o
pão e da mesma forma beber o cálice, e ao fazê-lo anunciar a morte do Senhor até
que (axri) ele venha.
Nem
todo comer pão e beber vinho é celebração da comunhão espiritual com o Senhor (1Co
11.20), mesmo que isto seja feito na igreja, como atestam as más práticas
dos Coríntios (1Co 11.22).
O
cristão não crê na morte de Cristo simplesmente por causa de sua morte
substitutiva – e isto já é algo extraordinário. O cristão não celebra a ceia
apenas para anunciar que crê nesta morte ocorrida há quase 2000 anos. Sua fé é
maior que isso. Ela não se limita à história passada ou ao tempo presente (1Co
15.19).
Na
realidade, a celebração da ceia do Senhor pelos cristãos deve ser feita numa
alegre expectativa do retorno do seu Senhor e mestre, porque é assim que o
crente quer ser encontrado, celebrando sua esperança junto com a comunidade dos
eleitos de Deus (Mt 24.46).
Cada
ministro cristão deve celebrar a ceia pedindo ao Senhor para que fosse sua
última vez. Cada crente deve ser estimulado a participar da ceia do Senhor com
a expectativa de que seja a última vez que a recebe das mãos do seu pastor para
finalmente recebê-la das mãos do supremo pastor, quando ele finalmente se
manifestar (1Pe 5.4).
E
é este o sentido do verbo que aqui é traduzido por “venha” (elqh, de erxomai). Além do sentido de vir de um lugar para outro
(ou de voltar), que é usual, ele também tem o sentido de aparecer, de se
manifestar publicamente em lugar de influência. O modo que Paulo usa o verbo
(2º aoristo) mostra que esta manifestação visível de Cristo será definitiva e
com efeitos definitivos.
Será
o fim da história e a entrada dos crentes na eternidade em glória. Então não
haverá mais ceia ministrada por homens. Será o momento em que o rei convocará
os súditos para entrarem definitivamente no seu reino (Mt 25.34) e
participarem da ceia celeste.
A
participação na nova páscoa é uma bênção de Deus para seu povo de todos os
tempos enquanto aguarda a volta do seu Senhor. O cristão não deve desprezar
esta oportunidade de ser abençoado. Mas lembre-se: ela é uma bênção temporária.
Mas
diferente do que o adágio popular diz, que o que é bom dura pouco, no
planejamento de Deus é diferente: o que já é muito bom é apenas a preparação
para algo ainda melhor, como Paulo diz (Fp 1.23): experimentar as bênçãos de Deus aqui é bom, vive-las na eternidade é incomparavelmente (pollw mallon), isto é, disparadamente melhor. Mas só experimentará o melhor na
eternidade quem usufruir fielmente do que é bom aqui e agora (Mt 25.21).
Passado,
presente e futuro. O que Jesus fez, como vivemos na presença de Jesus e a nossa
esperança na volta do Redentor, agora como Rei e Juiz de toda a terra.
Se
desprezarmos o passado, os fatos do passado, como muitos fizeram e ainda fazem,
tiramos da nossa fé aquilo que a sustenta. Tomar Jesus como um personagem
fictício ou diferente daquele que as Escrituras mostram significa tornar-se
inimigo de Cristo (1Jo 2.22) e destituir a Cristo de sua majestade e
tornar a fé da Igreja vã e sua pregação inútil e até mentirosa (1Co 15.14-15)
Se
desprezarmos o presente desprezaremos o ensino da Palavra de Deus (2Tm
3.16-17) e não atingir um dos alvos da manifestação da graça de Deus que é
ensinar o homem de Deus a viver em seu tempo como discípulo de Jesus Cristo,
numa vida equilibrada em suas decisões, justa diante de todos e piedosa com o
Senhor seu Deus (Tt 2.11-13), num dever que sempre foi exigido dos
crentes (Mq 6.8).
Mas
se a Igreja se limitar ao passado e presente deixa de usufruir da esperança que
só o Senhor dá. Ele é o redentor que oferece mais do que filosofia e ética. Ele
oferece vida e vida eterna (Jo 6.54).
Não
deixamos de olhar para a cruz, nossos olhos passam pelo túmulo, e vê-lo vazio
não nos conduz à tristeza e ao choro como aconteceu com Maria Madalena (Jo
20.21) porque sabemos que ele vive.
Olhamos
também para o céu, porque da mesma maneira que ele foi também voltará (At
1.11).
Portanto,
até que o Senhor venha, não deixemos de congregar, de sermos abençoados, como é
costume de alguns (Hb 10.25). Incentivemos uns aos outros, até o dia que
o Senhor Jesus voltar para nós.