O
primeiro relato que Lucas faz da vida da Igreja cristã encontra um paralelo nas
palavras de João que afirma que a igreja é uma comunhão espiritual com os
irmãos, com o Pai e com o filho (I Jo 1:3). Da
mesma maneira que a comunhão relatada por João é fruto do ensino apostólico, a
vida da Igreja primitiva era da maneira descrita por Lucas por causa do ensino
apostólico. Vamos
refletir sobre a seguinte proposição: a vida da Igreja, descrita no livro de
Atos dos apóstolos, só era daquela maneira porque era norteada pela Palavra de
Deus (Dt 17:11).
É
muito comum ver a defesa de uma espécie de esquizofrenia nos cristãos, pois uns
defendem que há coisas que não são licitas "enquanto crentes" mas que
são permitidas "enquanto profissionais". Um exemplo é o médico que
afirma defender a vida mas pratica o "aborto terapêutico". Outro
exemplo é o comerciante que afirma ser necessário submissão às autoridades mas
faz de tudo para sonegar impostos. Outro exemplo ainda é cantar "tudo o
que tenho, tudo o que sou, como oferenda te entregar" mas tem um namoro
impuro e não contribui para a manutenção da Igreja. O nome disto é hipocrisia. Não
existe esta divisão! Isto é um engodo do diabo que faz com que muitos achem que
podem ser crentes apenas no fim de semana. Para
entendermos esta passagem precisamos ter em mente que o conceito chave é
perseverança. A igreja nascente não abandonava o ensino dos apóstolos que pode
ser simplificado dizendo que os crentes foram comprados por Cristo com seu
precioso sangue (I Co 6:20) para que, como povo santo e exclusivo do Senhor
(Tt 2:14)
vivessem em união (I Ts 5:10) com ele e com o restante da
Igreja.
Por
causa da perseverança na Palavra a Igreja sabia como viver em comunhão. Dito de
outra maneira, eles estavam unidos porque tinham a palavra a reuni-los. A
Igreja não era um clube. Ir à Igreja não era um evento social – não era para
ser divertido. Embora ali encontrassem amigos e irmãos, eles se reuniam
prioritariamente para ouvirem a Palavra, para aprenderem a doutrina da salvação
e praticarem esta doutrina, impactando a vida de quem estivesse ao seu redor.
A
palavra orientava e determinava como a Igreja praticava a eucaristia, a santa
ceia. Ali não havia divisões, não havia partidarismo como mais tarde vamos
encontrar em Corinto. Ali não havia participação indigna, como Paulo denuncia e
como, talvez, seja muito mais comum em nossos dias.
A
Palavra orientava a vida de oração da Igreja – e os crentes se reuniam e oravam
uns pelos outros (Tg 5:16), como aconteceu durante a prisão do apóstolo Pedro
(At 12:12-14). Por
causa da Palavra a Igreja tinha temor de Deus no coração. Não devemos confundir
temor com medo. Medo você pode ter de cobra, de rato, de barata, de homens maus
e até do diabo. Mas diante de Deus o cristão tem temor, isto é, uma reverência
santa e amorosa, um desejo profundo de não ofender ao criador com ações ou
omissões, com palavras ou pensamentos.
A
palavra orientava a administração dos bens por parte dos irmãos (Gl 6:10) e isto, certamente, inclui dividir o que tem com o
que não tem, e isto é extensivo mesmo aos inimigos (Pv 25:21-22)
quanto mais aos irmãos. O
evangelista Lucas procurou saber o que o Senhor Jesus havia ensinado, e, na
memória dos discípulos de Jesus ficou gravada a ordem do Senhor quanto à
comunhão dos bens (Lc 3.11) como um dos frutos
que os filhos de Abraão devem produzir.
A
Palavra moldava a vida da Igreja como comunidade adoradora, pois eles não
desprezavam o seu compromisso de cultuarem juntos a Deus. O culto era mais do
que uma reunião, era uma expressão de vida da Igreja, e por isso eles
perseveravam unanimes, não de vez em quando, mas diariamente. Para eles estarem
presentes nos cultos era uma obrigação espiritual (Hb 10.25) e não uma questão de escolha. Para
os cristãos primitivos afastar-se da comunhão com o restante da Igreja era o
mesmo que calcar aos pés o sangue de Cristo (Hb 10.29), derramado em favor deles para dar-lhes vida (Jo 10:15).
A
Igreja moldada pela Palavra se conhecia, estavam em contato, dividiam o culto,
o teto e a mesa e faziam isso com alegria, com um coração singelo, amando seu
irmão como o Senhor lhe ensinara e como fruto da ação do Espírito no coração
dos crentes, aplicando a obra de Cristo como um sintoma desta nova vida (I Pe 1.22-23). Este
amor é singelo, é sincero (I Jo 3.18), não suporta hipocrisia ou fingimento,
porque o Senhor detesta a hipocrisia (Mc 7.6).
A
Igreja de Jerusalém tinha um corpo de apóstolos verdadeiros, tinha um grande
número de pessoas que foram discípulos de Jesus. Tinha pelo menos 120 pessoas
que foram tomadas pelo Espírito Santo na descida do pentecostes. Centenas de
testemunhas oculares dos feitos de Jesus e, curiosamente, apenas Deus era
louvado entre eles (Ap 19.10). Nem mesmo um apóstolo tardio aceita ser
adorado, porque todo louvor deve ser dado somente ao Senhor (At 14.11-12).
Diferente dos neoapóstolos, pseudoapóstolos e farsantes, eles sabiam que Deus
não aceita dividir sua honra com ninguém (Is 42.8). Nem
apóstolos, nem levitas, nem imagens, nem instituições: todo o louvor da Igreja
era dada ao seu Senhor e salvador (Ap 7.12).
Em
tempos de marketing e estratégia, perguntamos: qual era a utilizada pela Igreja
de Jerusalém? Uma olhada rápida, e mesmo uma mais detalhada, vai mostrar que a
única estratégia que a Igreja conhecia era ser Igreja, era viver como Igreja,
era ser uma comunidade de cristãos vivendo como cristãos, anunciando o
evangelho do reino, levando o bom perfume de Cristo (II Co 2.15)
a quem anunciavam a tempo e fora de tempo (I Co 15.8), aproveitando todas as
oportunidades (Cl
4.5). Esta
Igreja colheu os resultados de sua obediência:
A
Igreja não deve buscar a simpatia popular sacrificando a fidelidade no altar
sacrílego da popularidade. Nenhum cristão deve ceder ao mundo para ser popular
e, depois, tentar influenciar o mundo, porque os ímpios olharão para um cristão
assim e dirão: você não agiu como cristão, não tem autoridade, e nem é um dos
nossos (Gn 19.9). Mas a Igreja em Jerusalém contava com a simpatia
do povo porque nenhum deles tinham o que falar contra a Igreja (I Pe 3.14-17).
Uma
Igreja fiel, como a igreja em Jerusalém, era um vivo contraste diante de um
sacerdócio vendido, de escribas e fariseus que todos sabiam ser hipócritas.
Mesmo quando houve infiéis no meio da Igreja (casos de Simeão: At 8.20 – e Ananias: At
5.3) a Igreja agiu de
maneira a preservar sua santidade e isto servia como um testemunho que trazia
pessoas desejosas de servir ao Deus vivo e verdadeiro, de conhecerem o santo e
serem salvos por ele. A
Igreja de Jerusalém não buscava o aumento numérico da "instituição",
porque instituição não havia. Não era este seu alvo. Seu alvo era a salvação de
pecadores, era levar homens e mulheres arrependidos por seus pecados aos pés do
Senhor, para que este os tomasse em suas mãos e começasse e completasse a obra
redentora em cada um deles (Fp 1.6).
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