10 Alegrei-me, sobremaneira,
no Senhor porque, agora, uma vez mais, renovastes a meu favor o vosso cuidado;
o qual também já tínheis antes, mas vos faltava oportunidade. 11
Digo isto, não por causa da pobreza, porque aprendi a viver contente em toda e
qualquer situação. 12 Tanto sei estar humilhado como também ser
honrado; de tudo e em todas as circunstâncias, já tenho experiência, tanto de
fartura como de fome; assim de abundância como de escassez; 13 tudo
posso naquele que me fortalece. 14 Todavia, fizestes bem,
associando-vos na minha tribulação.
Fp 4.10-14
Ao analisar
o Sl 131 chegamos a algumas conclusões: muito do cansaço dos cristãos é devido
à busca desenfreada empreendida atrás de algo que não deveria ser o alvo. Muito do cansaço é porque estamos correndo
a carreira que não nos foi proposta.
Ao invés de correr perseverantemente a carreira que nos está proposta (Hb 12.1) fazemos diferente, corremos insistentemente uma carreira que não é
nossa, e, mesmo que cheguemos ao fim daquela carreira, não teremos atingido o nosso alvo – todo o cansaço terá sido
em vão.
Vamos
relembrar aqui alguns dos erros que estão sendo cometidos pelos cristãos. Não
precisamos voltar nossos olhos para os incrédulos – nosso problema, agora, é
nosso próprio coração. Mas como é o coração de crentes cansados? Em muitos
casos, os crentes estão cansados por possuírem:
i.
UM CORAÇÃO
SOBERBO,
obcecado por si mesmo e pelas próprias realizações;
ii.
UM OLHAR
ALTIVO,
de desprezo pelo próximo, considerando-o inferior e digno de sujeição;
iii.
UM EGO
PRESUNÇOSO,
considerando que é capaz de superar até mesmo os limites que Deus estabeleceu;
iv.
UMA MENTE
PRETENSIOSA
a ponto de julgar a própria revelação de Deus insuficiente.
O resultado
de possuir um coração assim é que acabamos nos tornando como crianças
birrentas, insatisfeitas mesmo quando tem tudo o que poderiam desejar e ainda
assim vivem esperneando por algo de que não precisam.
Dito de
outra maneira, não há descanso para quem não está combatendo o bom combate.
Como, então, sentir-se realizado após completar a carreira?
Se você
realmente correu a carreira que lhe está proposta, mesmo durante a prova, seu
sentimento será de confiança no Senhor.
CONFIE NO SENHOR E ISSO PORÁ FIM ÀS
ANSIEDADES (Fp 4.10)
Cremos que
estamos certos ao afirmar que os crentes estão cansados porque correm atrás do
que não precisam, atrás do que não deveria ser prioridade e, mais
especificamente, atrás do que não satisfaz. Salomão e Isaias já haviam
percebido este mal. Salomão diz que é vaidade, como correr atrás do vento (Ec 2.11) e o resultado é aborrecimento com a vida (Ec 2.17), talvez uma expressão para
descrever alguma forma de desalento profundo, uma depressão.
Através do
profeta Isaías o Senhor exorta Israel a não cometer a tolice de correr atrás do
vento. Numa linguagem menos poética, Isaías diz que se Deus não for a
prioridade da vida do homem o resto é afadigar-se, ajuntar dinheiro para
comprar o que não satisfaz (Is 55.2) com a única condição de querer e
ouvir ao Senhor – sem mais correrias, sem sacrifícios, sem provas de Deus,
apenas ouvir ao Senhor (Is 1.19).
Este mal não
é exclusivo dos dias de Isaías. Nos dias de Habacuque, mesmo descrevendo sua
confiança no Senhor, ele deixa escapar que havia uma procura cuidadosa pelos
produtos do campo (Hc 3.17), e sua carência não era nem por
falta de esforços, como diz seu contemporâneo Ageu (Ag 1.6). Ageu fala que eles plantavam e
colhiam, trabalhavam e recebiam mas nunca era suficiente, nunca dava.
O antídoto para
esta ansiedade, para esta correria atrás de nada é aprender a alegrar-se no
Senhor. Dada a situação do apóstolo Paulo, que em alguns momentos enfrentou as
sórdidas prisões da Judéia e dos destacamentos romanos, não é de se estranhar
que ele enfrentasse algumas carências mesmo que, como cidadão romano, tivesse
alguns privilégios, como, durante uma parte do seu período de prisão, residir
em uma casa e custear as suas despesas (At 28.30) e assim ele precisasse de ajuda.
Mas a sua
alegria vem, primeiro, no Senhor – o cuidado da Igreja é uma expressão do
cuidado do Senhor sobre a sua vida. É repousante saber que é o Senhor que nos
cuida, é o Senhor quem nos guarda, é o Senhor quem nos abençoa (Nm 6. 24). A orientação de Deus é para que nos alegremos no Senhor, isto é,
tenhamos a nossa satisfação nele, e, assim, o nosso coração, moldado por ele,
estará satisfeito (Sl 37.4).
Deus não tem
compromisso de atender os desejos mesquinhos de um coração que não lhe foi
entregue. Deus não tem que atender os desejos de um coração que não foi
transformado. Ele não fez promessa nenhuma àqueles que ainda não receberam um
novo coração (Ez 36.26).
Somente
depois da alegria no Senhor é que Paulo menciona a gratidão pelo constante
cuidado dos Filipenses. Era do Senhor que Paulo esperava a satisfação de suas
necessidades, e os filipenses eram o instrumento que o Senhor usava. A premissa
de Paulo era que a glória deveria ser dada ao construtor, não às ferramentas. E
isso punha fim às ansiedades reais. Se extinguia as ansiedades reais, quanto
mais as desnecessárias.
…lançando sobre ele toda
a vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós.
I Pe 5.7
LIMITE-SE À PORÇÃO QUE O SENHOR LHE CONFIOU (Fp 4.11-13)
Outra fonte
de cansaço se chama insatisfação. Andar à procura do que não é essencial, necessário
ou urgente. Não é incomum encontrar irmãos outrora ativos na comunidade
reclamando de cansaço, de esgotamento mental e espiritual. É uma das queixas
que pastor mais ouve, e está ficando cada vez mais difícil a formação de
equipes de educação cristã comprometidas com o trabalho a cada fim de ano.
Porque?
Porque estão
sobrecarregados, estão com mais funções, mais atividades do que foram
capacitados para isso. Estão produzindo pelos que enterram seus talentos. É
verdade que, se ninguém faz, alguém tem que fazer. Não há como fugir a esta
realidade. Mas não deveria ser assim.
Se todo o
corpo trabalhasse uniformemente certamente cresceria mais saudavelmente (Ef 4.16), produziria mais e, certamente cresceria muito mais do que tem
crescido.
Em Paulo
consigo ver a plena consciência de sua limitação, sabendo do que era sua obrigação
e do que ele não deveria fazer. Ele fora nomeado apóstolo aos gentios (Rm 15.16), e, embora amando os seus patrícios (Rm 9.3), desenvolveu seu ministério
evangelizando-os (At 18.6).
Mas, mesmo
nesta dedicação aos gentios Paulo não foi além do que lhe foi confiado. Apesar
de ter passado por tantas provas (II Co 11.24-28) e feito mais do que muitos dos
apóstolos (I Co 15.10) Paulo não foi além do que lhe foi confiado pelo
Senhor.
Quando Paulo
fala que não quis edificar sobre fundamento alheio (Rm 15.20) além de defender seu apostolado
entre os gentios ele limita o seu trabalho e a sua responsabilidade (Ez 3.18).
Limitar-se à
carreira que o Senhor nos propôs (Hb 12.1) significa não se esforçar em vão,
mas tendo um alvo definido (I Co 9.26).
Se nós
fizermos isso, nos limitarmos ao nosso papel de ser sal e luz, de sermos seus
embaixadores, de exortarmos o mundo a que se reconcilie com Deus (II Co 5.20).
Já é uma
tarefa grande demais. Já é muito ser sal e luz, ser evangelizador, proclamador
da salvação em Jesus Cristo, enfrentar as ciladas do maligno com armas
espirituais (II Co 10.4)
manter a comunhão e ser fiel ao ensino recebido num procedimento santo (I Pe 2.12) e
ainda somar a isso aquilo que Deus não nos confiou significa que a
possibilidade de não sermos bem sucedidos torna-se ainda maior. Se nos
limitarmos à porção que nos foi confiada, ainda que sejamos classificados como
servos inúteis (Lc 17.10), ouviremos do Senhor que, embora
inúteis, formos fiéis, e então ele nos confiará o reino (Mt 25.23).
ADMITA SUA LIMITAÇÃO E DESCANSE NO SENHOR (Fp 4.13)
A terceira
orientação que Paulo nos apresenta é: descanse no Senhor. Desde que Eva ouviu a
cantilena da serpente de ser possível "ser como Deus" o homem tem tentado
se esquecer de que é uma criatura, falha e cheia de limitações. No afã de ser
como Deus, mesmo não sendo onipotente, quer fazer mais, e mais, na tentativa de
fazer tudo acaba acumulando fardos, cada vez mais pesados.
A única
solução para este homem sobrecarregado é ouvir as palavras do Senhor Jesus (Mt 11.28). O problema é que muitos estão tão sobrecarregados que são como
crianças com fone de ouvidos – já são ruins de escutar, com os fones, então,
fica quase impossível.
Nossa
insensatez às vezes não nos deixa perceber que as coisas que mais amamos, pelas
quais nos esforçamos não passam de pesos que nos embaraçam na nossa carreira.
Se ganhar uma corrida sem embaraços já é difícil, com pesos então é
praticamente impossível.
Paulo,
entretanto, diz-nos que pode tudo naquele que o fortalece, isto é, em Cristo
(expressão genitiva que designa origem e posse, e que ele usa 86 vezes das 90
que aparece na bíblia) ele é capaz de tudo. Mas o que é esse tudo mesmo?
Tenho visto
cristãos dizerem que podem conseguir qualquer coisa, e se arriscando em
atitudes temerárias brandindo este verso das Escrituras. O que ele quer dizer
realmente?
Para
entendermos o que Paulo está dizendo, precisamos voltar aos versos anteriores.
Ele descreve sua vida, sua carreira, seu ministério. E, a despeito de sua
importância na história da expansão do evangelho, vemos um relato de lutas que
a grande maioria de nós não gostaria de enfrentar. Vamos dividir em duas áreas:
pessoal e social.
Paulo
provavelmente vinha de uma família de recursos, talvez não rica, mas de
recursos moderados e de relativa importância social, a ponto de poder estudar
em Jerusalém com um dos mais renomados professores de seu tempo, Gamaliel (At 22.3).
Ele era
reconhecido entre os judeus por sua devoção ao judaísmo, podendo afirmar que
deixava muitos deles para trás (Gl 1.14) o que é atestado pela confiança que
lhe é depositada pelo sinédrio (At 9. 1-2).
Respeitado
entre os judeus, era, também, respeitado entre os romanos por possuir cidadania
romana (At 22.25-26) tinha alguns direitos especiais
mesmo estando na prisão – o que, certamente, foi de grande utilidade para a
pregação do evangelho entre os gentios (At 9.15).
Houve época
em que era missionário mantido por uma igreja (At 13.1), em outras trabalhou para se manter
sem ser pesado à Igreja (At 18.3).
Passou fome,
sede, foi humilhado, acorrentado, como em Filipos (At 16.24), sofreu tentativa de extorsão
durante dois anos (At 24.25).
No meio de
tudo isso o "mais que vencedor" (Rm 8.37), aquele que experimentava as
aflições preditas (Jo 16.33) e descritas por Jesus (Mt 5.11) diz que pode todas as coisas. Que coisas, afinal?
A afirmação
do apóstolo é que, para completar a carreira, ele estava disposto a suportar
tudo o que fosse preciso, esmurrando o seu próprio corpo (I Co 9.27), isto é, dizendo não para as suas próprias vontades, para ser
encontrado em Cristo.
Como ninguém
é capaz de fazer tudo, e ainda fugir às dificuldades, nada mais razoável do que
descansar nas mãos daquele que venceu o mundo por nós (Jo 16.33). É o único meio de pôr fim à ansiedade de uma alma desassossegada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Paulo pode,
evidentemente, chamar-nos para sermos seus imitadores (I Co 4.16). Mas, antes que alguém dissesse que ele estava querendo atrair
seguidores para si mesmo, ele acrescenta que só deve ser imitado naquilo que
ele imitava a Cristo (I Co 11.1). E quem poderá dizer que Cristo
combateu o bom combate, não completou a carreira (Mc 10.45), como Paulo bem sabia e lembra a
Timóteo (I Tm 2.6). Ou, ainda, quem poderia dizer que Cristo não
descansava em Deus (Lc 23.46) para cumprir sua missão, exatamente
como Davi previra (Sl 31.5)?
Paulo nos
convoca a combater o mesmo combate que ele combateu, da mesma maneira que ele
foi visto combatendo (Fp 1.30) sem desistir, apesar de tantas
dificuldades e perseguições que teve que enfrentar (II Co
11.24-27) até que
finalmente, chegando ao fim, ele pode dizer que continua prosseguindo (Fp 3.14) com a certeza de não haver sido relaxado ou falhado (II Tm 4.7).
Quero
relembrar três conselhos para quem quer completar a carreira, como Paulo:
CONFIE NO SENHOR E ISSO PORÁ FIM ÀS ANSIEDADES
Diz-nos o
salmista que o Senhor o ouve (Sl 40.1). O Deus do salmista é o mesmo Deus
que nos chamou para si mesmo. Ele socorreu Paulo em sua estada em Roma com a
instrumentalidade dos filipenses – e ele ainda é poderoso para salvar (Sf 3.17) porque ele é o mesmo ontem, hoje e eternamente (Hb 13.8).
LIMITE-SE
À PORÇÃO QUE O SENHOR LHE CONFIOU E NÃO CORRERÁ DE UM LADO PARA OUTRO
Confiando no
Senhor saberemos que ele nos dará exatamente aquilo de que temos necessidade,
nem mais, nem menos. Davi podia dizer que, tendo o Senhor como seu pastor não
sentia necessidade de mais nada (Sl 23.1). A correria e a canseira é porque
queremos mais do que é a nossa porção, e o salmista diz que já temos a porção
ideal (Sl 119.57). Não custa lembrar as palavras do Senhor aos levitas
(Nm 18.20).
ADMITA
SUA LIMITAÇÃO, CORRA APENAS A SUA CARREIRA E DESCANSE NO SENHOR QUANTO ÀS
DEMAIS COISAS
Um dos
motivos porque corremos tanto não é outra coisa senão inveja. Queremos o mesmo
ou mais do que os outros tem, e esquecemos do conselho bíblico de não cobiçar a
prosperidade dos outros (Sl 37.7). Precisamos entender que, para
completar a carreira, dois requisitos se fazem necessários. O primeiro é
importante (a fidelidade a Deus) mas o segundo é fundamental (a fidelidade de
Deus). Lembremos que a vitória não é alcançada por quem corre (Rm 9.16) mas é dada para quem é buscado (Lc 19.10).
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