Já ouvi pessoas afirmando que “Deus poderia salvar o pecador
sem precisar dar Jesus como pagamento pelos pecados afinal, ele é onipotente,
isto é, ele pode fazer tudo segundo o conselho da sua vontade” (Ef 1:11). Essa afirmação contém o que
chamamos de silogismo – uma premissa verdadeira sustenta uma segunda premissa
dela decorrente, mas que nem sempre está de acordo com a verdade.
Caminhemos mais um pouco neste raciocínio: Deus é onisciente?
Sim, é a única resposta possível. Deus pode fazer tudo o que quiser? Sim, é a
resposta que rapidamente sacamos no nosso colete teológico. Se Deus pode tudo,
então ele pode querer algo que contrarie a sua essência? Se Deus pode tudo,
então ele pode “mudar”? Observe que caminhamos para um entendimento mais
bíblico da natureza de Deus – Deus não pode contrariar a sua própria natureza.
E sua natureza justa exigia que a compensação por um pecado imenso (uma ofensa
a sua santidade) fosse coberto por uma oferta imensa (uma oferta absolutamente
santa).
O plano redentivo começa antes mesmo da caminhada pecaminosa
do homem. Observe que a parte da humanidade a ser redimida foi escolhida em
Cristo Jesus (antes da encarnação – Jesus –, mas já em Cristo, o ungido) antes
da fundação do mundo (Ef 1:4). A primeira mensagem redentiva – feita após a
eleição e após a queda afirma algumas verdades que precisamos lembrar:
i.
O homem e o diabo seriam inimigos – embora em
condições de escravidão do homem ao diabo (II
Pe 2:19);
ii.
O descendente da mulher seria ferido pela serpente (Gn 3:15 );
iii.
A serpente seria completamente derrotada pelo
descendente da mulher (Ap 20:2; cp. Mt 25:41).
Já no Éden Deus, mesmo quando cumpria a promessa de punição à
transgressão (Gn 2:17) Deus revelava o seu plano redentor no qual o
sangue do descendente da mulher seria derramado, mas também afirmava que ele
não seria vencido pela morte e, pela vitória dele (I Co 15:55) todas as famílias da terra seriam abençoadas. Mas o que isto
nos diz sobre a necessidade encarnação do verbo (Jo 1:14)?
A
PROMESSA DE REDENÇÃO E A EXPECTATIVA DO POVO DE DEUS
Os judeus esperavam um messias diferente do que Jesus foi.
Esperavam um rei guerreiro, um líder político e um libertador militar – e ao
mesmo tempo, um grande líder religioso que tanto podia ser este mesmo rei como
alguém que lhe fosse associado. O restante do mundo estava desiludido demais
com deuses que mais pareciam homens depravados e com filosofias que geravam
mais dúvidas que respostas, e estavam enveredando pelo caminho da religiosidade
sincretista e sensorial, os chamados cultos de mistério.
Neste meio aparece uma estranha nova doutrina (At 17:19) que afirmava que o salvador esperado pelos judeus, que o revelador
ansiado pelos gregos era, na verdade, um estranho profeta de Nazaré que havia
morrido para salvar os pecadores (I Co
1:23) que só precisavam crer nele (At 16:31).
A
IMPORTÂNCIA DA DOUTRINA DA ENCARNAÇÃO
É importante anunciar a encarnação do verbo porque esta
doutrina confirma a revelação iniciada no livro de Gênesis, lá no Éden, e
relembrada em todo o Antigo Testamento que falam de um messias divino e de um
rei messiânico, humano – os dois reis se tornam um só nas páginas do Novo
Testamento.
É importante anunciar a encarnação do verbo porque somente
ele é capaz de ser a solução que o homem jamais conseguiria obter (Rm 3:23) mesmo que se esforçassem o tempo inteiro por fazer obras
justas (Is 64:6). O homem, que precisa da redenção, está morto por causa de seus
próprios pecados (Ef 2.1) e é, portanto,
incapaz de reconciliar-se com Deus. Deus, porém, em Cristo Jesus, resolveu isso
(Jo 3.16), fazendo-o único mediador entre Deus e os homens (At 4.12; I
Tm 2.5), reconciliando consigo mesmo os pecadores (II Co 5:19).
Sem a doutrina da encarnação não haveria cristianismo – a fé
cristã fica em pé ou cai em decorrência desta verdade, porque sem a encarnação
não haveria crucificação – sem o nascimento do homem Deus não haveria o
sacrifício perfeito. Isto é verdade tão importante que João fez questão de
afirmar que esta doutrina seria fundamental para compreender quem tem o
Espírito de Deus e quem é contra Cristo (I
Jo 4.2-3).
Enquanto diversas pseudoteologias tentam ficar encontrando o
anticristo deveríamos nos ocupar muito mais em anunciar a Cristo para levar a
mensagem salvadora à muitos que estão sendo anticristos, dominados pela mesma
escravidão que tem oprimido a humanidade desde que o primeiro homem foi vencido
pelo pecado.
O
SIGNIFICADO DA ENCARNAÇÃO
Porque Jesus veio? Em primeiro lugar, ele veio para nos dar o
correto conhecimento de Deus, conhecimento perdido por Adão (Jo 1:18) no exato instante em
que, ouvindo a voz de Deus, preferiu esconder-se (Gn 3:8). Embora ele acreditasse estar fora das
vistas de Deus, Deus o via melhor do que ele mesmo.
Jesus, o verbo que se fez carne, completa para sempre a
revelação de Deus (Cl 1:15) pois quem o vê, vê
ao pai (Jo 14:9), mesmo que tal visão não se dê
pelos olhos da carne (II Co 5:7).
Mas Cristo não veio apenas para que conhecêssemos a Deus –
veio também para nos fazer conhecidos perante
Deus, isto é, para nos reconciliar com ele (Cl 1:22) porque sem derramamento de sangue não há remissão de pecados (Hb 9.22) e é evidente que teria que ser um sangue semelhante ao do
transgressor (Hb 10:4). Cristo teve
participação em nossa natureza, carne e sangue (Hb 4:15). O oferecimento de Cristo, de uma vez por
todas, foi suficiente para obter vitória completa sobre a morte e sobre o diabo
(Hb 9:28). Na morte
Cristo cumpre a promessa feita por Deus à serpente (Hb 2.14-15).
A
ENCARNAÇÃO FEZ O VERBO SEMELHANTE A NÓS
O verbo era semelhante a nós, embora com algumas diferenças
fundamentais. Primeiro, que todo homem é nascido da semente de outro homem, mas
Cristo é o descendente da mulher (Gn
3:15) sem a
participação de um homem (Mt 1:20) cumprindo a profecia de
Isaías (Is 7:14) como bem lembra Mateus (Mt
1:23).
Outra diferença é que, enquanto pecadores desde o ventre (Sl 51:5) Cristo foi tentado em todas as coisas, mas sem
pecado (Hb 4:15) podendo
desafiar os seus adversários a acusa-lo de pecado (Jo 8:46) embora os tenha acusado (Jo 8:7).
Embora tenha sido sujeito à tentação Jesus não caiu em
pecado, resistindo com as mesmas armas que possuímos (II Co 10:4), isto
é, a palavra da verdade (Mt 4:10). Mas Jesus poderia pecar? Alguns
dizem que se ele não pudesse pecar, a tentação não teria sido real. Mas será
que já não seria angústia suficiente o Senhor da glória, o Santo, ter que
submeter-se à tentação sob uma criatura asquerosa e caída como o diabo?
Cristo é, segundo as Escrituras, o protótipo do novo homem (I Jo 3:2) – e o novo homem, glorificado, estará em estado de não poder pecar (non posse pecare)[1].
Cristo não sofreu a tentação para pecar – sofreu a tentação
para nosso socorro para que nós não pequemos (Hb 2.17-18).
CRISTO
NOSSO DUPLO REPRESENTANTE
Na encarnação Cristo é, a um só tempo, o filho do homem e o
filho de Deus. O titulo de filho do homem enfatiza a sua perfeita natureza
humana, e o filho de Deus lembra que ele é o pai da eternidade descrito pelo
profeta Isaías (Is 9:6). Assim como Cristo revela Deus de maneira perfeita aos homens,
e pôde ser perfeitamente aceitável tanto em santidade quanto em valor (II Pe 1:17).
Para fazer isso Cristo teve que vir a nós assumindo nossa
natureza (Fp 2.5-8) fazendo-se
pecado por nós (II Co 5:21) isto é, sofrendo como o ímpio deveria sofrer (I Pe 3:18).
A impecabilidade de Jesus, sendo verdadeiro e perfeito homem,
e ao mesmo tempo, verdadeiro Deus, resolveu o problema da perfeita
representação do homem perante Deus e tornou possível a nossa redenção. Jesus
foi o único que cumpriu toda a justiça (Mt
3:15) e, em sua obediência
perfeita, recebeu em nosso lugar o castigo que, sendo nos devido,
proporcionou-nos estar em paz com Deus (Is
53:5).
Foi para isso que o verbo se fez carne – para que
víssemos e fossemos salvos por sua glória (Jo
1.14) e, por meio
dele, tenhamos a eterna salvação (Ef 1.7). Por isso o natal.
[1] A capacidade original do homem incluía tanto o poder
para não pecar como o poder para pecar ( posse non peccare et posse peccare ).
No pecado original de Adão, o homem perdeu o posse non peccare (o pode para não
pecar) e reteve o posse peccare (o poder para pecar) - o qual ele continua a
exercer. Na concretização da graça, o homem terá o posse peccare retirado e
receberá o mais alto de todos, o poder para não ser capaz de pecar, non posse
peccare. Cf. On Correction and Grace XXXIII.
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