domingo, 20 de dezembro de 2015

PORQUE O NATAL? A ENCARNAÇÃO ERA MESMO NECESSÁRIA?

Já ouvi pessoas afirmando que “Deus poderia salvar o pecador sem precisar dar Jesus como pagamento pelos pecados afinal, ele é onipotente, isto é, ele pode fazer tudo segundo o conselho da sua vontade” (Ef 1:11). Essa afirmação contém o que chamamos de silogismo – uma premissa verdadeira sustenta uma segunda premissa dela decorrente, mas que nem sempre está de acordo com a verdade.
Caminhemos mais um pouco neste raciocínio: Deus é onisciente? Sim, é a única resposta possível. Deus pode fazer tudo o que quiser? Sim, é a resposta que rapidamente sacamos no nosso colete teológico. Se Deus pode tudo, então ele pode querer algo que contrarie a sua essência? Se Deus pode tudo, então ele pode “mudar”? Observe que caminhamos para um entendimento mais bíblico da natureza de Deus – Deus não pode contrariar a sua própria natureza. E sua natureza justa exigia que a compensação por um pecado imenso (uma ofensa a sua santidade) fosse coberto por uma oferta imensa (uma oferta absolutamente santa).
O plano redentivo começa antes mesmo da caminhada pecaminosa do homem. Observe que a parte da humanidade a ser redimida foi escolhida em Cristo Jesus (antes da encarnação – Jesus –, mas já em Cristo, o ungido) antes da fundação do mundo (Ef 1:4). A primeira mensagem redentiva – feita após a eleição e após a queda afirma algumas verdades que precisamos lembrar:
i.                   O homem e o diabo seriam inimigos – embora em condições de escravidão do homem ao diabo (II Pe 2:19);
ii.                O descendente da mulher seria ferido pela serpente (Gn 3:15 );
iii.             A serpente seria completamente derrotada pelo descendente da mulher (Ap 20:2; cp. Mt 25:41).
Já no Éden Deus, mesmo quando cumpria a promessa de punição à transgressão (Gn 2:17) Deus revelava o seu plano redentor no qual o sangue do descendente da mulher seria derramado, mas também afirmava que ele não seria vencido pela morte e, pela vitória dele (I Co 15:55) todas as famílias da terra seriam abençoadas. Mas o que isto nos diz sobre a necessidade encarnação do verbo (Jo 1:14)?

A PROMESSA DE REDENÇÃO E A EXPECTATIVA DO POVO DE DEUS

Os judeus esperavam um messias diferente do que Jesus foi. Esperavam um rei guerreiro, um líder político e um libertador militar – e ao mesmo tempo, um grande líder religioso que tanto podia ser este mesmo rei como alguém que lhe fosse associado. O restante do mundo estava desiludido demais com deuses que mais pareciam homens depravados e com filosofias que geravam mais dúvidas que respostas, e estavam enveredando pelo caminho da religiosidade sincretista e sensorial, os chamados cultos de mistério.
Neste meio aparece uma estranha nova doutrina (At 17:19) que afirmava que o salvador esperado pelos judeus, que o revelador ansiado pelos gregos era, na verdade, um estranho profeta de Nazaré que havia morrido para salvar os pecadores (I Co 1:23) que só precisavam crer nele (At 16:31).

A IMPORTÂNCIA DA DOUTRINA DA ENCARNAÇÃO

É importante anunciar a encarnação do verbo porque esta doutrina confirma a revelação iniciada no livro de Gênesis, lá no Éden, e relembrada em todo o Antigo Testamento que falam de um messias divino e de um rei messiânico, humano – os dois reis se tornam um só nas páginas do Novo Testamento.
É importante anunciar a encarnação do verbo porque somente ele é capaz de ser a solução que o homem jamais conseguiria obter (Rm 3:23) mesmo que se esforçassem o tempo inteiro por fazer obras justas (Is 64:6). O homem, que precisa da redenção, está morto por causa de seus próprios pecados (Ef 2.1) e é, portanto, incapaz de reconciliar-se com Deus. Deus, porém, em Cristo Jesus, resolveu isso (Jo 3.16), fazendo-o único mediador entre Deus e os homens (At 4.12; I Tm 2.5), reconciliando consigo mesmo os pecadores (II Co 5:19).
Sem a doutrina da encarnação não haveria cristianismo – a fé cristã fica em pé ou cai em decorrência desta verdade, porque sem a encarnação não haveria crucificação – sem o nascimento do homem Deus não haveria o sacrifício perfeito. Isto é verdade tão importante que João fez questão de afirmar que esta doutrina seria fundamental para compreender quem tem o Espírito de Deus e quem é contra Cristo (I Jo 4.2-3).
Enquanto diversas pseudoteologias tentam ficar encontrando o anticristo deveríamos nos ocupar muito mais em anunciar a Cristo para levar a mensagem salvadora à muitos que estão sendo anticristos, dominados pela mesma escravidão que tem oprimido a humanidade desde que o primeiro homem foi vencido pelo pecado.

O SIGNIFICADO DA ENCARNAÇÃO

Porque Jesus veio? Em primeiro lugar, ele veio para nos dar o correto conhecimento de Deus, conhecimento perdido por Adão (Jo 1:18) no exato instante em que, ouvindo a voz de Deus, preferiu esconder-se (Gn 3:8). Embora ele acreditasse estar fora das vistas de Deus, Deus o via melhor do que ele mesmo.
Jesus, o verbo que se fez carne, completa para sempre a revelação de Deus (Cl 1:15) pois quem o vê, vê ao pai (Jo 14:9), mesmo que tal visão não se dê pelos olhos da carne (II Co 5:7).
Mas Cristo não veio apenas para que conhecêssemos a Deus – veio também para nos fazer conhecidos perante Deus, isto é, para nos reconciliar com ele (Cl 1:22) porque sem derramamento de sangue não há remissão de pecados (Hb 9.22) e é evidente que teria que ser um sangue semelhante ao do transgressor (Hb 10:4). Cristo teve participação em nossa natureza, carne e sangue (Hb 4:15). O oferecimento de Cristo, de uma vez por todas, foi suficiente para obter vitória completa sobre a morte e sobre o diabo (Hb 9:28). Na morte Cristo cumpre a promessa feita por Deus à serpente (Hb 2.14-15).

A ENCARNAÇÃO FEZ O VERBO SEMELHANTE A NÓS

O verbo era semelhante a nós, embora com algumas diferenças fundamentais. Primeiro, que todo homem é nascido da semente de outro homem, mas Cristo é o descendente da mulher (Gn 3:15) sem a participação de um homem (Mt 1:20) cumprindo a profecia de Isaías (Is 7:14) como bem lembra Mateus (Mt 1:23).
Outra diferença é que, enquanto pecadores desde o ventre (Sl 51:5) Cristo foi tentado em todas as coisas, mas sem pecado (Hb 4:15) podendo desafiar os seus adversários a acusa-lo de pecado (Jo 8:46) embora os tenha acusado (Jo 8:7).
Embora tenha sido sujeito à tentação Jesus não caiu em pecado, resistindo com as mesmas armas que possuímos (II Co 10:4), isto é, a palavra da verdade (Mt 4:10). Mas Jesus poderia pecar? Alguns dizem que se ele não pudesse pecar, a tentação não teria sido real. Mas será que já não seria angústia suficiente o Senhor da glória, o Santo, ter que submeter-se à tentação sob uma criatura asquerosa e caída como o diabo?
Cristo é, segundo as Escrituras, o protótipo do novo homem (I Jo 3:2) – e o novo homem, glorificado, estará em estado de não poder pecar (non posse pecare)[1].
Cristo não sofreu a tentação para pecar – sofreu a tentação para nosso socorro para que nós não pequemos (Hb 2.17-18).

CRISTO NOSSO DUPLO REPRESENTANTE

Na encarnação Cristo é, a um só tempo, o filho do homem e o filho de Deus. O titulo de filho do homem enfatiza a sua perfeita natureza humana, e o filho de Deus lembra que ele é o pai da eternidade descrito pelo profeta Isaías (Is 9:6). Assim como Cristo revela Deus de maneira perfeita aos homens, e pôde ser perfeitamente aceitável tanto em santidade quanto em valor (II Pe 1:17).
Para fazer isso Cristo teve que vir a nós assumindo nossa natureza (Fp 2.5-8) fazendo-se pecado por nós (II Co 5:21) isto é, sofrendo como o ímpio deveria sofrer (I Pe 3:18).
A impecabilidade de Jesus, sendo verdadeiro e perfeito homem, e ao mesmo tempo, verdadeiro Deus, resolveu o problema da perfeita representação do homem perante Deus e tornou possível a nossa redenção. Jesus foi o único que cumpriu toda a justiça (Mt 3:15) e, em sua obediência perfeita, recebeu em nosso lugar o castigo que, sendo nos devido, proporcionou-nos estar em paz com Deus (Is 53:5).
Foi para isso que o verbo se fez carne – para que víssemos e fossemos salvos por sua glória (Jo 1.14) e, por meio dele, tenhamos a eterna salvação (Ef 1.7). Por isso o natal.


[1] A capacidade original do homem incluía tanto o poder para não pecar como o poder para pecar ( posse non peccare et posse peccare ). No pecado original de Adão, o homem perdeu o posse non peccare (o pode para não pecar) e reteve o posse peccare (o poder para pecar) - o qual ele continua a exercer. Na concretização da graça, o homem terá o posse peccare retirado e receberá o mais alto de todos, o poder para não ser capaz de pecar, non posse peccare. Cf. On Correction and Grace XXXIII.

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