sábado, 26 de dezembro de 2015

25 DE DEZEMBRO - UMA DATA ALEATÓRIA

A cristandade ocidental comemora o nascimento de Jesus no dia 25 de dezembro – e a cristandade oriental em janeiro. Quem está certo? Alguém está certo? Antes de propormos uma resposta a estas questões, um pouco de dados históricos (alguns não tão históricos assim).

UM POUCO DE HISTÓRIA

Por volta da segunda metade do sec. III o bispo Hipólito, de Roma resolve comemorar o nascimento de Jesus nos últimos dia do ano – mas não havia consenso nem mesmo se o nascimento de Cristo deveria ser motivo de uma celebração especial. Ainda durante este século várias datas são usadas com este intuito. Somente em 354 d.C., durante o governo do imperador Justiniano, é que o bispo romano Libério ordena que os cristãos celebrassem a encarnação do Senhor no dia 25 de dezembro. Porque esta data?
Na mesma época que o bispo Hipólito menciona a celebração do nascimento de Cristo (doravante vou escrever apenas natal – e peço a você que não o identifique com a festa que conta com um velho gordo colorido) o imperador Aureliano, inimigo ferrenho dos cristãos, transferiu para Roma os sacerdotes do deus oriental solis Invictus, estabelecendo um sincretismo com o culto a Mitra persa que já era muito comum tanto no oriente quanto no ocidente, tornando o culto a este deus o principal culto do império (religio imperium). Em 25 de dezembro de 274 d.C. Aureliano consagrou o templo do solis invictus, numa festa que chamou de dies natalis solis invicti (o dia do nascimento do sol invencível).
Para incrementar o caldeirão cultural, nesta mesma época os romanos também celebravam as saturnalias, uma festa tradicional e popular em homenagem ao deus romano Saturno, no menor dia do ano, com grandes comilanças e bebedices – dentro em pouco o inverno começaria a dar lugar à primavera (é bom lembrar que, na mitologia, a esposa de Saturno – ou Hades, entre os gregos – era a responsável pelo renascimento das plantas quando, devido a um acordo de seu pai – Júpiter - com Hades, ela deixava o reino dos mortos para passear livremente pelo mundo dos vivos, trazendo, novamente, a alegria e fertilidade).
Outro imperador romano, Constantino, cultuava ao deus sol. Seu selo e suas moedas traziam expressões como “soli invictus comiti” (ao companheiro sol invencível). Em 313 Constantino deu o primeiro passo rumo à cristianização do império romano ao publicar o Edito de Milão, acabando com as perseguições contra os cristão e declarando a religião cristã religio licita. A afirmação de que ele tornou o cristianismo religião oficial do império é inexata porque quem tomou esta decisão foi o imperador Teodósio em 380 d.C. pelo edito de Tessalônica, ao mesmo tempo em que proibiu os demais cultos, que, por seus cultuadores se esconderem na zona rural acabou ficando conhecido como paganismo.

CONSTANTINO ERA CRENTE?

Constantino chegou a ser chamado por alguns de o 13º apóstolo, mas sua história merece algumas considerações. Teria ele realmente se tornado cristão? Era um adorador do mitraísmo, e conta-se que, ao estabelecer o perímetro da futura cidade de Constantinopla em 326 d.C. seus acólitos lhe perguntavam quando ele pararia (achavam a caminhada de várias horas cansativa ele, olhando em direção ao sol, teria respondido “quando parar o que marcha à minha frente”. Os pagãos entenderam que ele estaria falando de Mitra, os cristãos, de Jesus.
Esta aparente devoção de Constantino ao cristianismo teria tido origem em 312 d.C. Quando, prestes a enfrentar o imperador Maxêncio numa confusa situação política criada pelo imperador Diocleciano: deixara dois imperadores (titulares) e mais dois césares (sucessores). Com a abdicação de Diocleciano e Maximiano, sobem ao trono Constâncio Cloro (pai de Constantino) e seu césar, Galério. O outro imperador era Maxêncio e seu césar era Licínio. A morte de Constâncio levaria ao trono Galério, mas o exército de Constantino o elegeu imperador. O outro imperador, Maxêncio, não aceitou o novo augustus ocidental e começou uma  guerra entre os quatro regentes. Oficialmente Galério era o imperador, mas morreu em 311 e Maxêncio continuava não aceitando Constantino como imperador, e ambos se enfrentariam na batalha da ponte de Mílvio.
Na noite anterior à batalha Constantino teria tido um sonho no qual aparecia uma cruz e a frase in hoc signo vinces (sob este sinal vencerás). Ordenou então que as águias que simbolizavam o exército romano fossem substituídas pelo tal símbolo que acreditava ser cristão – e Constantino se sagrou vencedor na batalha.

No ano seguinte, junto com o novo imperador oriental, Licínio, publica o Edito de Milão proibindo a perseguição aos cristãos e tornando o cristianismo religio licita, isto é, uma religião que cumpria as normas para poder funcionar livremente – mas nem o cristianismo se tornou religião imperial, nem Licínio ou a elite romana (mesmo em Roma, na corte de Constantino) foi obrigada a aderir ao cristianismo, mantendo-se ligados às antigas tradições e muitos se opunham à lei que liberava o crescimento numérico do cristianismo que já era uma das maiores se não a maior religião em número de adeptos, mas que era, certamente, a maior em número de realmente praticantes. Alguns anos depois Constantino seria responsável pela morte de Licínio em 324 – sendo que o mesmo havia se tornado seu cunhado. Há acusações (que nunca puderam ser comprovadas) de que ele também teria mandado matar um de seus filhos e uma de suas esposas.
No ano seguinte Constantino convoca e patrocina o Concílio de Nicéia, o primeiro grande concílio ecumênico da história, reunindo os bispos de todo o império para que eles trabalhassem a fim de por término a numerosas disputas religiosas entre os próprios cristãos (destas, a principal era o arianismo, especialmente a negação da divindade de Cristo e, por conseguinte, do Espírito Santo, doutrina mãe das atuais testemunhas de Jeová). Outros temas seriam tratados, como a validade de batismos feitos por heréticos, libelattici e traditorri, definição da data da páscoa (estabelecendo a fórmula de calcular à partir do calendário judaico, com um período de “purificação prévio chamado quaresma”, canônica (expurgo de livros apócrifos) e a data da celebração do nascimento de Jesus.
Por sugestão ou imposição de Constantino (há defesas apaixonadas das duas versões) ficou decidido que o natal seria celebrado em 25 de dezembro, dia correspondente ao nascimento do deus Mitra bem como próximo da comemoração do solstício de inverno no qual os camponeses começavam a celebrar a espera da vinda da primavera e o início das plantações, as saturnalia que costumavam terminar nos dias 22 ou 23 de dezembro mas foram estendidas para coincidir com a alegria do nascimento do redentor.
Por fim, Constantino, apesar de declarar-se cristão só aceitou o batismo no final da sua vida, quando sentia que ia morrer. Isto é interpretado por seus detratores como um sinal de que ele não queria ter nenhuma autoridade acima da sua, nem dos bispos, nem de Cristo. Outros, como Eusébio de Cesaréia, um admirador inconteste, afirmam que tal aconteceu pelo medo que ele tinha de, após o batismo, vir a cometer algum pecado imperdoável.
Somente em 440 d.C., durante o papado de Leão I é que foi oficializado 25 de dezembro como o dia do nascimento de Cristo com o objetivo de tornar, definitivamente esquecido os cultos pagãos. Apesar disso o natal só passou a ser celebrado obrigatoriamente no dia 25 de dezembro durante o governo do imperador Justiniano (entre os anos 483-565 d.C.) e pontificado de Félix III, isto é, quase um século e meio depois desta reunião e um século depois de Teodósio tornar o cristianismo religio imperium (380 d.C.).
Temos, então, o contexto histórico no qual, durante 150 anos o cristianismo foi aceitando a comemoração do natal nesta data, que, paulatinamente, foi tornando esquecidas tanto as saturnalia quanto o mitraísmo – outras datas eram usadas pelos cristãos, especialmente os orientais, como 6 de janeiro (chamada de epifania).

E A DATA DO NASCIMENTO DE JESUS

A bíblia não informa diretamente quando Jesus nasceu, mas fornece ao menos duas evidências que possuem fortes argumentos ao menos para afirmar que Jesus não nasceu no dia 25 de dezembro.

SITUAÇÃO CLIMÁTICA

Lucas registra minuciosamente o nascimento de Jesus. Ele próprio afirma que entrevistou muitas pessoas para elaborar o seu evangelho (Lc 1.1-4) e afirma que na noite em que Jesus nasceu os pastores estavam guardando seus rebanhos nos campos, à noite (Lc 2:8). Isto nos remete a algumas considerações sobre esta noite específica.
A INVIABILIDADE DO CENSO
Segundo Lucas César Augusto tinha publicado um decreto convocando todos os membros do império para um recenseamento (2.1-5). Não há dados para identificar o propósito deste censo – mas não é improvável que tenha sido para organizar a arrecadação de impostos, o que causaria enorme insatisfação entre os judeus que consideravam os romanos opressores e usurpadores já que a sua terra lhes tinha sido dada pelo próprio Deus (Mc 12:14). Imaginemos a indignação que isto causaria se longas e precárias viagens a pé ou no lombo de burros e jumentos tivessem que ser feitas por multidões insatisfeitas justamente nos meses de quisleu e tevet (fins de novembro até início de janeiro)?
É improvável que José tivesse se arriscado a fazer uma viagem de 145km, entre Nazaré e Belém da Judéia (Mq 5:2) com sua esposa nos últimos dias de gestação em pleno inverno. Não é provável que Maria tenha chegado a Belém no dia do nascimento de Jesus. Observe que nos dias do nascimento de João batista o decreto de César foi publicado (Lc 2:1) e José se dirigiu para Belém com sua esposa. O relato bíblico é que, enquanto estavam em Belém os dias de sua gestação se cumpriram (Lc 2:6), e é possível entender que eles já estavam ali há mais dias: após o recenseamento José pode ter preferido ficar em Belém até o nascimento da criança, pois do contrário sua mulher teria que viajar 150km no último mês de gestação, o que era arriscado. Isto explica, também, o fato de José e Maria não estarem hospedados no quarto de hóspedes (kataluma – traduzido neste texto na maior parte das versões por hospedaria - Lc 2:7). Em outro texto, porém, é um aposento espaçoso, externo, mas não uma hospedaria (Mc 14:14-15). Um casal ocuparia o mesmo espaço que vários parentes, por isso, por uma questão de privacidade e melhor uso do espaço, provavelmente fizeram algum arranjo em um cômodo secundário e na ausência de um berço usaram uma manjedoura preparada com a devida antecedência (nenhuma mãe colocaria o seu filho recém nascido onde animais estavam comendo – aliás, os animais provavelmente estavam pastando nos campos por ser época própria para isso).
AS ESCALAS DO TEMPLO
Russel Shedd é da opinião de que o nascimento de Jesus se deu provavelmente antes do inverno, no mais tardar no mês de outubro, por ocasião do Sucot, a festa das colheitas. Porque esta possibilidade? Este raciocínio é baseado em um segundo dado, isto é, a situação religiosa. As informações disponíveis indicam que Jesus nasceu seis meses depois de João Batista. João foi gerado no mês de julho, isto é, o oitavo turno do ano eclesiástico (I Cr 24:10). A contagem começava no mês de nisan, entre os nossos meses de março e abril como pode ser visto aqui.
Zacarias, pai de João Batista, era da família de Abias (um dos 24 turnos anuais) e estava exercendo o seu turno sacerdotal (Lc 1:5; Lc 1:8) e pouco depois sua mulher, Isabel, concebe um menino (Lc 1:24).
João batista, portanto, teria nascido em abril do ano subsequente. Jesus foi gerado seis meses depois de João batista (Lc 1:26), sendo possível, então, que a data do seu nascimento seja próximo do mês de outubro e não em dezembro.
O CLIMA EM DEZEMBRO
As condições climáticas em Belém – e especialmente no trajeto Nazaré – Belém não eram adequadas para viagens, O mês judaico de quisleu (o calendário judaico é lunar, e o mês de quisleu pode ocorrer em novembro ou mesmo em dezembro) era um período de chuvas e baixas temperaturas. O mês seguinte, tevet era ainda mais frio, embora com menos chuvas mas com nevascas ocasionais. Encontramos informações como estas nos dias de Esdras (Ed 10:9; Ed 10:13) e de Jeremias, quase um século antes (Jr 36:22).
O que isto tem a ver com o natal? Lucas também registra que os pastores estavam guardando os seus rebanhos durante as vigílias da noite (Lc 2:8), e não é apenas improvável, mas absurdo imaginar que os pastores estivessem fazendo isso no inverno, época em que não havia pastos e as condições climáticas eram precárias. Os pastores ficavam nos campos com suas ovelhas entre março e novembro. Após o período das colheitas recolhiam os rebanhos a abrigos. Levando em consideração a data da gestação de João batista (tamuz) e de Jesus (tevet – novembro/dezembro) chegamos à conclusão que Jesus nasceu no mês de setembro ou, no mais tardar em outubro, meses estes que coincidem sempre com o mês do calendário judaico tisherev.
Parece um pouco confuso, pois o calendário judaico é lunissolar, seus meses tem entre 28 e 30 dias, e a cada sete anos é acrescentado um outro mês para harmonizar o calendário lunar com os ciclos solares, e por isto dá diferenças entre os meses do calendário gregoriano (baseado no sistema solar).

O QUE FAZER COM O 25 DE DEZEMBRO

Devemos levar em conta que seguramente determinar a data do nascimento de Jesus é irrelevante, pois se a Bíblia não informa é porque não haveria necessidade disso. Podemos até comemorar o nascimento de Jesus em qualquer dia, mas sempre lembrando que tal dia nunca foi um dia santificado por Deus. O que não podemos é desconsiderar o nascimento do redentor.

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