Conhecemos
a história da Igreja de Jerusalém: era uma Igreja que tinha como prioridade o
crescimento do reino de Deus, dando tudo de si mesma para que o reino fosse
expandido, para que o nome de Cristo fosse anunciado. Era uma Igreja que tinha
como prioridade o discipulado dos novos convertidos, gente de todos os cantos
do mundo antigo que não conhecera o Senhor Jesus. Judeus e prosélitos, gentios
gregos e romanos, escravos, libertos e livres. Era uma Igreja que tinha como
prioridade viver como cristãos, viver
como crentes, ser a Igreja de Cristo, a embaixada do reino de Deus num mundo
perdido. E esta Igreja tinha uma identidade e a mantinha.
Como
a Igreja do séc. XXI pode manifestar sua verdadeira identidade e manter-se como
testemunha da verdade de acordo com a bíblia? De que maneira a Igreja deve
manter o seu caráter como verdadeira Igreja de Cristo? Vejamos o que a
Escritura nos diz:
41 Então, os que lhe aceitaram
a palavra foram batizados, havendo um acréscimo naquele dia de quase três mil
pessoas.
42 E perseveravam na doutrina
dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações.
43 Em cada alma havia temor; e
muitos prodígios e sinais eram feitos por intermédio dos apóstolos.
44 Todos os que creram estavam
juntos e tinham tudo em comum.
45 Vendiam as suas
propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém
tinha necessidade.
46 Diariamente perseveravam unânimes
no templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria
e singeleza de coração, 47 louvando a Deus e contando com a simpatia
de todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que
iam sendo salvos.
At 2.41-47
Vamos,
então, conhecer mais desta Igreja que vive segundo o padrão neotestamentário e
que nos serve de modelo porque ela
POSSUI
UMA FÉ OPEROSA
44 Todos os que creram estavam
juntos e tinham tudo em comum.
45 Vendiam as suas
propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém
tinha necessidade.
Já
conhecemos a vida da Igreja cristã, suas prioridades de acordo com os versos 41
a 43. O primeiro passo para a Igreja preservar sua identidade e cumprir sua
missão é conhecer a sua história para saber de onde veio, para saber como
deveria funcionar a Igreja que era e é dirigida de maneira especial pelo
Espírito Santo, primeiro através dos apóstolos e, agora, pelos verdadeiros
pastores.
É
necessário perguntar: porque a Igreja não vive segundo o padrão
neotestamentário? Porque a Igreja não apresenta tanto quanto deveria uma fé
operante e precisa ser constantemente exortada a um despertamento? Porque
necessitamos clamar por um avivamento na Igreja de Cristo no sec. XXI? Ninguém
em sã consciência, que seja minimamente observador, ousaria dizer que a Igreja
como a conhecemos hoje é um corpo absolutamente saudável. Entre feridas e
cânceres, a Igreja sofre com enfermidades que dificultam seus movimentos, que
minam a sua vitalidade e a impedem de ser mais operosa – vivendo da maneira que
seu criador deseja (Tt 2:14) e
batalhando pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos (Ef 2.10).
Quando
a Igreja está saudável, cada membro faz sua parte, e, embora as feridas
externas sejam inevitáveis, cada parte do corpo cuida da outra, cada membro faz
sua parte, e o corpo todo, bem ajustado, isto é, em comunhão e funcionando
harmonicamente glorifica a Deus porque tem um mesmo coração e um mesmo
propósito (Fp 2.1-4). Assim, podemos destacar duas características desta vida
operosa e não apenas conceitual (Tg 1.25).
i. A VIDA DA IGREJA É UMA EXPERIÊNCIA DE COMUNHÃO PRÁTICA
Tenho
enorme dificuldade pensar apenas conceitualmente em comunhão. Imaginemos um
casal que diz se amar mas moram, por opção, em casas diferentes encontrando-se
esporadicamente – mesmo podendo morar juntos e passarem juntos todo o tempo
ainda assim preferem a distância e esperam que os encontros aconteçam ao acaso.
Imagine um filho que diz amar seus pais mas, mesmo podendo estar com eles,
prefere o distanciamento e, eventualmente, manda-lhes uma mensagem (quase
sempre “reencaminhada”) pelo WhatsApp?
Quando
alguém chega na Igreja ele quer, entre outras coisas, comunhão. O mundo está
cheio de gente que, mesmo em meio a multidão, encontra-se sozinho, sem direção,
sem amigos (pode ter muitos contatos e muitos conhecidos, até mesmo muitos
familiares, e ainda assim estar dozinho).
É
gente que, como eu e você, como cada um de nós, quer comunhão com o Pai. Quer
comunhão com o Filho. Quer comunhão por meio do Espírito. Quer, de alguma
maneira, enfim, acabar com o problema de ser “sem Deus no mundo e estranho às
promessas da aliança“ (Ef 2.12).
A
Igreja de Jerusalém estava pronta para oferecer estas coisas. Não tinha ouro,
não tinha prata, não tinha nem mesmo templos ou quaisquer recursos multimídia –
mas tinha comunhão, vivia a comunhão de maneira prática e diária porque o amor
de Deus e a Deus os unia. Andavam todos na mesma direção, buscavam no mesmo
autor a consumação da mesma fé (Hb 12.2).
A
Igreja precisa lembrar-se que o fruto do Espírito mencionado por Paulo aos
Gálatas é essencialmente relacional (Gl 5.22-23). Só se pode amar pessoas,
a alegria é algo que ninguém consegue experimentar sem externar para outras
pessoas, paz sem outras pessoas não é paz, é solidão.
Já
as obras da carne, embora não sejam exclusivamente relacionais, têm grande
influência nos relacionamentos quebrados (Gl 5:19-21).
A
comunhão da Igreja, na prática, é fruto do Espírito, ela não é conceitual, não
é e não pode ser apenas teórica – e é algo que só pode ser alcançado pela
atuação do Espírito porque, no Espírito, é impossível aos cristãos andarem cada
um na sua própria direção e buscarem seu próprio interesse, pois são guiados
pelo Espírito rumo a uma mesma direção – a Cristo (Jo 6:37) o autor e consumador da fé
(Hb 12:2).
ii.
A VIDA DA IGREJA É UMA EXPERIÊNCIA DE ZELO MÚTUO
Já
vi pessoas ficarem profundamente decepcionadas com a Igreja porque, em algum
momento, em alguma necessidade (especialmente quando esta é pública) os
‘irmãos’ deixaram de dar a assistência, ou ao menos de estar presente mesmo sem
palavras. Até mesmo os amigos de Jó, Elifaz, Bildade e Zofar, mesmo sem
discernimento de Deus, ficaram ao seu lado por dias. Isso deve ter sido
maravilhoso e reconfortante ao coração do sofredor (Jó
2.11-13) numa das mais belas cenas
de companheirismo que eu consigo enxergar na bíblia, porque a mais bela de todas pode ser encontrada na cruz do Calvário. Depois eles erraram, e
induziram Jó a errar cobrando um julgamento de Deus segundo o seu próprio
padrão de justiça, esquecendo-se da verdade de que não há nenhum justo sobre a
terra.
Nosso
modelo mostra uma Igreja que cuidava dos necessitados (At
2:45). Aquela Igreja verdadeiramente cheia do Espírito
cuidava dos necessitados a ponto de não haver necessitados entre eles. O termo
aqui não é filantropia, mas comunhão e diaconia. Era uma Igreja que vivia como
se estivessem aguardando o retorno do Senhor Jesus para aqueles dias – e
efetivamente aguardavam o retorno de Jesus ainda naqueles dias. Certa vez vi
alguém dizer que não se deve discutir com um incrédulo porque vão passar a
eternidade separados mesmo, mas muito mais recomendável é buscar comunhão com
todos como se fôssemos todos passar a eternidade juntos.
E
os crentes em Jerusalém experimentaram um grau de comunhão inigualável porque
amavam-se uns aos outros e dispunham das coisas em benefício coletivo.
Lastimável é quando usa-se as pessoas por amor às coisas em benefício próprio.
Este padrão não serve para a Igreja porque amar o mundo e as coisas que há no
mundo é próprio de quem não conhece a Deus (I Jo 2.15).
Imaginemos,
por um momento, duas pessoas chegando-se ao Senhor. Ouviram a mensagem
salvadora em Jesus Cristo e disseram ao Senhor: “Eis-me aqui, quais as regras,
quais as normas, qual o regulamento a seguir para ser cidadão do seu reino”.
Imaginemos Jesus dizendo: “Creiam em mim”! “Amem a Deus sobre todas as coisas”!
“E não se esqueçam de que devem ter amor mútuo, cuidando um do outro, ajudando
a não cair, ajudando a levantar, curando quando for ferido”. Continue
imaginando, e imagine que este seja o momento de provar que és, de fato,
seguidor obediente de Jesus. Agora imagine que estas pessoas sejam como nós –
se “amar ao próximo” for a chave para a eternidade, se “amar ao seu irmão”
fosse condição sine qua non para a entrada no reino, com quantos irmãos você
teria que se reconciliar? Diante de quantas pessoas você teria que procurar
reconciliação por ser um cidadão do reino.
Agora,
pare de imaginar, porque isto não é um exercício de imaginação, é um imperativo
do Senhor (Jo 15:12) – você deve amar e cuidar
de seu irmão como cuida de si mesmo. Não há opção para o cristão além de amar,
sempre, independente da circunstância (Jo
15:9).
CONCLUSÃO
Se
os irmãos em Jerusalém, em Éfeso, em Antioquia, em Damasco viviam deste jeito
devemos nos perguntar quem está errado? Esta Igreja que vivia em zelosa
comunhão e à qual o Senhor, dia-a-dia, acrescentava os que iam sendo salvos, ou
a Igreja moderna que pensa com grandiosidade em termos de programas,
programações, estratégias e estatísticas, edificações, equipamentos, etc.] mas
que não vê, em muitos casos, acréscimo nenhum por dias, semanas, meses e até
anos a fio.
Quem
está errado? Será que estamos nos esquecendo que somos orientados pela Palavra
a repartir (Sl 112.9) e a amar e cuidar do nosso
próximo pois é assim que cumprimos a lei de Cristo (Gl 6.2)? Porque acumular como se
fosse viver aqui para sempre e não repartir como peregrino e estrangeiro,
sabendo que há uma pátria celeste onde estas coisas não tem nenhum valor?
A
Igreja que vive segundo o padrão neotestamentário, tem que conhecer sua
história, mas tem, também, que possuir uma fé que é mais do que palavras. Não
pode amar apenas de palavras (I
Jo 3:18) porque não é possível aquecer ou alimentar alguém apenas com
palavras.
O
que a Igreja do séc. XXI, com tantos avanços tecnológicos, pode fazer para
recuperar o padrão de amor e cuidados mútuos exibidos pela Igreja de Jerusalém?
Acho que os recursos tecnológicos são só recursos – e podem inclusive
atrapalhar. A Igreja deve entender que precisa, antes de mais nada, valorizar a
comunhão pelos motivos certos – a Igreja é um corpo, um só corpo, um só
edifício, tem um mesmo Deus e todos são irmãos em Cristo, comprados pelo mesmo
sangue, retirados de um mesmo lamaçal de pecado e igualmente pecadores.
Se
a Igreja passar a considerar o outro tão digno do seu amor quanto acha que é
digna de ser objeto de amor ela estará próxima de, de fato, ser Igreja. E,
finalmente, quando ela passar a considerar o outro superior a si mesmo (Fp 2:3) então será como deve ser, um corpo, em que o olho, a mão e todos os
demais órgãos se mobilizam para tirar algo que incomoda o corpo então chegará a
maturidade.
A
Igreja não precisa se preocupar em criar comunhão ou unidade – ela é fruto do
Espírito, ela é criada pelo Espírito e à Igreja cabe preservar a unidade do
Espírito no vinculo da paz (Ef
4:3) num esforço diligente, constante e consciente.
Basta à Igreja querer, apenas, ser Igreja.
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