sábado, 27 de dezembro de 2008

"ISMOS" – PORQUE A IGREJA FAZ A IGREJA SOFRER

"ISMOS" – PORQUE A IGREJA FAZ A IGREJA SOFRER
OU O DANO DA SUPREMACIA DO PENSAMENTO ALHEIO
Há alguns dias recebi um e-mail que, embora não assuma tal caráter, se propõe a fazer uma apologia do retorno da Igreja à práticas adotadas nos séculos XVII e XVIII pelo movimento conhecido como puritanismo. Por não ser exatamente igual ao movimento medieval, mas um reavivar "seletivo" [há diversas correntes antagônicas dentro do mesmo] tem sido denominado de neopuritanismo. O autor cunha um termo para caracterizar a oposição ao neopuritanismo [termo que repudia], chamando o lado oposto de neopresbiterianismo. A título de introdução ao pensamento do autor, o que ele chama de neopresbiterianismo é caracterizado como ignorância, cegueira, deformação da fé cristã com características arminianas, antropocêntricas, dispensacionalistas, pentecostistas, pluralistas, contextualizados, moderados e cautelosos.
A princípio lamento que, a rigor, o presbiterianismo nacional tenha sido dividido arbitrariamente pelo autor em "sábios e ignorantes", "cegos e visionários". "crentes deformados e crentes reformados", "arminianos e não arminianos (suponho que o oposto a que ele se proponha seja calvinistas), e todos os outros termos devem possuir um termo contrário, ao menos na mente do autor.
Ainda que a sua defesa do movimento que se pretende ser um ressurgimento do puritanismo no séc. XXI não seja leitura árida é necessário uma reflexão um tanto mais profunda sobre aqueles que não aderiram a este movimento. A primeira observação que faço é: será que todos os presbiterianos não neopuritanos são ignorantes, cegos e possuidores de uma fé deformada? Será que todos são arminianos e antropocêntricos? Serão todos eles dispensacionalistas e pentecostistas? Creio que a caracterização aos não neopuritanos chega a ser ofensiva para muitos dos verdadeiros presbiterianos. Creio ser possível ser realmente cristão e presbiteriano sem cair na definição dada aos não neopuritanos.
Não me proponho à defesa de nenhum tipo de prática heterodoxa, repudio os extremos e repudio o divisionismo causado pela adoção destes extremos como se fossem exércitos em guerra, armados até os dentes (quanto zelo, quanta informação nas mãos dos antagonistas, mas quão pouca espiritualidade - e as divisões que tais práticas têm causado não demonstram exatamente isto, falta de espiritualidade? Gl 5.20; I Co 1.10; Jd 1.19), num zelo e pseudo piedade que causa muito mais sofrimento que unidade, dividindo uma casa que não deve ser dividida (Mc 3.25). Lamentavelmente não vejo nenhum esforço diligente por parte de nenhum grupo em cumprir a ordem escriturística registrada pelo apóstolo Paulo ao escrever aos efésios, que pede um esforço diligente: "...por preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz" (Ef 4.3).
Aos que dizem que este esforço e unidade se referem à unidade entre irmãos, respondo que são portadores da razão, não precisamos aderir a um ecumenismo com a heresia ou com a heterodoxia, mas questiono: não seriam irmãos pastores, presbíteros e demais membros das igrejas que, não sendo do "puritanismo ressurgido" (me permitam à partir daqui usar o termo já consagrado, neopuritanos ou neopuritanismo) ou do que foi caracterizado como um novo presbiterianismo (neopresbiterianos ou neopresbiterianismo à partir de agora, neste texto)? E possível negar a destra da comunhão a tantos pastores que lutaram pelo bem da Igreja Presbiteriana do Brasil desde sua implantação até os dias de hoje, e dos quais ambos os grupos são herdeiros (se não querem ser herdeiros da história e das tradições, não se negam a herdar pelo menos a estrutura eclesiástica)? Estes não merecem ser reconhecidos como irmãos porque, sendo tradicionais, liberais, fundamentalistas, modernistas, avivados, renovados ou tantos outros grupos que já enfrentaram estas mesmas batalhas pela supremacia do pensamento e da hierarquia eclesiástica – não aderiram a nenhum dos neogrupos?
É necessário que entendam que não é meu propósito defender ou acusar qualquer destes grupos – com seus erros e acertos (muitos já devidamente reprovados pela história e rejeitados pela maioria da Igreja), mas chamar a atenção para o fato de que mais danos tem sido causados à igreja intra-muros do que pelos ataques externos.
Ambos os grupos alegam razões (bíblicas, históricas, teológicas, litúrgicas, eclesiológicas, sociológicas, antropológicas, exegéticas, etc.) Assumo que, inicialmente, todos têm "a sua próprira" razão, mas será que têm algo muito maior que isto, amor? E não me refiro a amor complacente com o erro, refiro-me ao verdadeiro amor que nos leva a suportar os mais fracos (quem seriam os mais fracos nesta batalha – ou seriam fracos ambos?). Todavia, não devo deixar de mencionar que os fariseus, os saduceus, os sacerdotes, os escribas, Ananias, Safira, Simão (não o Barjonas) e até Judas Iscariotes tinham suas razões. E nem por isso merecem ser seguidos. A razão não é maior que o amor – e o que o homem escolhe como "sua razão" nem sempre (ou quase nunca) expressa o verdadeiro pensamento de Deus. Sempre que grupos intentaram impor suas opiniões ao todo da Igreja o resultado foi tirania e perseguição (quando o conseguiram). Tem sido assim desde o séc. IV.
O apelo às Escrituras tem sido feito por todos os grupos que se levantam tentando formar a Igreja segundo a sua própria visão. Textos probatórios são manuseados com um vigor impressionante, escritos antigos e recentes são republicados para provar pontos de vista, em demonstrações de conhecimento teológico, histórico, exegético e outros tipos mais – mas nem sempre se vê o mesmo vigor na pregação do evangelho, no trabalho para que pecadores conheçam a Jesus, recebam-no como Senhor e salvador.
Lamentavelmente ambos os neogrupos querem que a igreja seja moldada segundo o seu pensamento, segundo a sua interpretação e segundo a sua cosmovisão – especialmente eclesiológica. A Igreja, uma instituição humano-divina com propósitos temporais e eternos precisa ser maior que os neogrupos: não deve se prender a utopias retroativas nem progressistas ou inovacionistas. Deve, sim, buscar ser uma comunidade de crentes – com amor mútuo, gratidão a Deus, não por imposição de normas e decretos proibitivos ou restritivos. Deve ser fiel ao seu Senhor – e, por conseguinte submissa às autoridades por ele instituídas, especialmente as eclesiásticas (uma submissão que deve ser observada à luz das Escrituras, mas não deve ser seletiva com base em preconceitos ou preferências pessoais, como tem acontecido sempre que um neogrupo pretende defender um ponto de vista (é muito comum impor uma determinação do Supremo Concílio ou da Comissão Executiva que é interessante e conveniente e deixar de atender outras que destoam do ponto de vista prevalecente). Desejo uma Igreja amorosa – não um reino de fantasia como o visitado por Alice, quando, por qualquer motivo, uma louca [dona do poder e que se julgava dona da razão] gritava: "corte a cabeça!".
Todos os neogrupos já perceberam que, em seus arraiais, devem se mostrar como minorias perseguidas – e é óbvio que sempre haverá quem pense diferente. Não importa a quantidade, qualquer voz que se levantar será vista como "perseguidora", "inimiga da verdade evangélica", "anti-cristã", "ignorante" e muitos outros textos. Mas, o que é tristemente comum é que qualquer dos neogrupos que consegue a supremacia logo acaba demonstrando sua verdadeira vocação tirânica: de perseguido (como é fácil se apiedar dos perseguidos, não?) logo se tornam perseguidores usando como justificativa a "purificação" da Igreja, afirmando que estão tirando o joio do meio do trigo.
Não desejo, sob hipótese nenhuma, uma Igreja onde concepções humanísticas (de qualquer que seja a época ou em qualquer que seja o molde, liberal, conservador, puritano, renovado, etc.) venham a se tornar hegemônicas, banindo do seio da Igreja o que deve ser cultivado acima de tudo: o amor. Quero uma Igreja adoradora, espiritual e verdadeira, mas estou longe de sonhar com uma Igreja impositiva, restritiva, escravizadora ou, por outro lado, amorfa, bagunçada e desordeira.
Contra uma Igreja impositiva Lutero se levantou; Zuínglio morreu em campo de batalha, Calvino dedicou-se com afinco ao estudo, ao ensino e à pregação – mas nenhum deles se esqueceu da piedade (e é curioso que ambos os neogrupos citados busquem inspiração nestes homens de Deus que se consumiram pela Igreja – mas que nunca buscaram a glória própria). No lugar da afetação piedosa é essencial uma piedade dinâmica, real, com o único interesse de agradar ao Senhor e salvador, numa busca constante por ser, hoje, menos pecador que ontem, e mais que amanhã. Contra uma Igreja dominada pela anomia e influenciada pelo escolasticismo frio e insensato muitos homens de Deus lutaram no séc. XVIII. Para que a Igreja Presbiteriana do Brasil não caísse nas malhas de uma antroteologia insensata e um pseudo evangelho pragmatista bem como do libertarismo teológico como a escatologia da libertação muitos pastores brasileiros corajosamente enfrentaram os ventos dos modismos e foram chamados de retrógrados, fundamentalistas, quadrados, antiquados, etc.
A Igreja precisa lutar pela fé, contra as heresias. A Igreja não precisa lutar contra a Igreja. Líderes não precisam denegrir, difamar, criticar outros líderes que sejam vistos como vozes discordantes. Não precisamos brincar na Igreja de resta 1: uma brincadeira (não tão infantil) em que as pedras vão sendo tiradas segundo um método determinado até que fique apenas 1. Não precisamos bancar a rainha de Copas gritando loucamente: cortem as cabeças. Todos gritam: Reforma! Mas todos querem uma reforma que só serve se for aquela segundo o seu próprio entendimento. Onde está o empenho pela pregação da palavra aos incrédulos? Onde está a tolerância para com os fracos na fé? Onde a paciência com aquele que tem menos conhecimento ou experiência cristã?
Não, não quero uma Igreja que não aceite a diferença de opinião (embora não deseje, também, uma Igreja dividida). É possível conciliar diferenças de opinião (não de fé nos fundamentos) sem divisões? Sim, creio que sim. E é por isso que quero uma Igreja intolerante com a heresia, com o pecado, com o desamor, mas tolerante com aqueles que não se submetem a qualquer que seja a corrente de pensamento que se julgue com direito a ser hegemônica. É possível que os neogrupos passem a gritar: cortem-lhe a cabeça (me convocando para as fileiras "adversárias").
Pois sim. Eis-me aqui!

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