quinta-feira, 3 de julho de 2014

ORDO SALUTIS: JUSTIFICAÇÃO

A DOUTRINA DA APLICAÇÃO DA JUSTIÇA DE CRISTO

Nossa caminhada já passou pelas doutrinas da eleição, chamado, regeneração e conversão. Agora é a vez da doutrina da justificação. O que isto quer dizer? O que realmente significa ser justificado?
Para ilustrar a importância desta doutrina dentro do cristianismo tanto luteranos quanto calvinistas tinham-na como fundamental para a fé. Os primeiros diziam dela ser o artigo sobre o qual a Igreja permanece ou cai, e Calvino afirma ser ela principal dobradiça sobre a qual a religião se dependura (Institutas, III. 11, 1).
A justificação é nada menos que a resposta de Deus à mais importante de todas as perguntas que o homem pode se fazer: como se tornar aceitável diante de Deus?
A justificação é a resposta de Deus à mais importante de todas as questões humanas: Como eu, pecador injusto, posso ser colocado em uma posição correta diante de um Deus santo? A resposta é-nos dada por Paulo (Rm 3.21-26: Mas agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus testemunhada pela lei e pelos profetas; justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos e sobre todos os que crêem; porque não há distinção, pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus, a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos; tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus). Deus declara justo o pecador. A palavra dikaiosune refere-se a uma declaração feita por Deus e não a uma mudança no indivíduo - e este conceito é importantíssimo em virtude de muitos erros teológicos correntes. O homem, mesmo o justificado, jamais terá justiça própria e, com isto, direito algum, em tempo algum. Mesmo justificado, o homem jamais poderá requerer algo de Deus, apenas suplicar (Fp 4.6: Não andeis ansiosos de coisa alguma; em tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de graças).
Entretanto, a imputação da justiça de Cristo da origem a um novo principio de vida, proporcionando uma transformação moral e espiritual. O pecador recebe uma justiça real e efetiva e é capacitado por causa da justificação a crescer em santificação (Ef 2.10: Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas).
Em contraste com a doutrina romanista da cooperação do homem com atos de justiça própria acrescidas à graça de Cristo. Os reformadores insistiam veementemente que fé e obras são excludentes no que se refere à salvação - nada pode ser acrescentado à pura justiça de Cristo - as obras são decorrentes da graça e não meritórias para obtenção da graça. Dito de outra maneira, nenhum homem se torna bom para a salvação, é por causa da salvação que os homens são tornados melhores.
Enquanto no romanismo a justificação é confundida com a santificação (justitia infusa) causando uma mudança de vida no pecador a doutrina reformada afirma a justificação é uma questão forense, judicial. A justiça de Cristo é imputada, atribuída mediante um ato judicial ao pecador. É uma declaração de que o ato vil já sofreu a devida reparação (Jo 19.30: Quando, pois, Jesus tomou o vinagre, disse: Está consumado! E, inclinando a cabeça, rendeu o espírito).
O pecador agora é tratado como justo. Embora moralmente culpado, ele é declarado inocente. É estranho pensar em alguém ao mesmo tempo justo e pecador (simul justus Et peccator). Ele é contado como justo em virtude da imputação da justiça de Cristo, mas permanece pecador em si e de si mesmo.
O pecador é visto como justificado no coração de Deus. Impossibilitado de obter a justiça pelas obras, tendo desistido desta tentativa, o pecador encontra a justificação no único capaz de praticar obras realmente virtuosas (At 10.38: ...como Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com poder, o qual andou por toda parte, fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do diabo, porque Deus era com ele).
Como ser, então, justificado tendo desistido de alcançar alguma forma de justiça (At 13.39: ...e, por meio dele, todo o que crê é justificado de todas as coisas das quais vós não pudestes ser justificados pela lei de Moisés)? A resposta é: recebendo a justiça de Cristo, crendo nele, confiando inteiramente nele (Gl 2.16: ...sabendo, contudo, que o homem não é justificado por obras da lei, e sim mediante a fé em Cristo Jesus, também temos crido em Cristo Jesus, para que fôssemos justificados pela fé em Cristo e não por obras da lei, pois, por obras da lei, ninguém será justificado) porque a lei teve ó propósito (e o cumpriu) de conduzir a Cristo (Gl 3.24: De maneira que a lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos justificados por fé) e não de salvar ninguém.
O romanismo (e com ele, em maior ou menor  grau, toda forma de religião baseada em algo que o homem pode fazer, inclusive o adventismo e muitas formas de arminianismo, que acreditam que a fé é uma obra humana) entende que o pecador é justificado pela fé em Cristo que funciona como a semente de uma nova forma de obediência - não a de temor, mas de amor.
Esta fé, de alguma forma através do batismo seria colocada no coração do homem apagando o pecado original, embora não os pecados cometidos pelo uso da vontade ou pela ignorância, habilitando o pecador a ir a Cristo e fazer o que lhe agrada.
Os reformadores entenderam que a fé é mais que um mero conhecimento histórico ou um ato ritual, mas a aceitação firme da oferta de Deus em prometer o perdão dos pecados aos crentes (Is 55.3: Inclinai os ouvidos e vinde a mim; ouvi, e a vossa alma viverá; porque convosco farei uma aliança perpétua, que consiste nas fiéis misericórdias prometidas a Davi), não importando quão tenebrosos eles tenham sido (Is 1.18: Vinde, pois, e arrazoemos, diz o SENHOR; ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se tornarão como a lã).
Calvino considera que é pela fé que o homem é justificado, mas ela própria (a fé) a ninguém justifica, pois quem justifica é a graça de Cristo, na qual o homem crê. Observe que a fé não é Cristo, mas ela vem por Cristo e conduz a Cristo, mas ela não é o próprio Cristo (At 3.16: Pela fé em o nome de Jesus, é que esse mesmo nome fortaleceu a este homem que agora vedes e reconheceis; sim, a fé que vem por meio de Jesus deu a este saúde perfeita na presença de todos vós). A fé é não apenas a causa, mas a única causa instrumental de apropriação da justificação. Pela fé, e somente pela fé, o pecador toma posse de todas as bênçãos da justificação.
Entendemos que Deus justifica cada membro do seu povo (Jo 18.9: ...para se cumprir a palavra que dissera: Não perdi nenhum dos que me deste), aqueles que eram alvo do propósito redentivo (Is 53.11: Ele verá o fruto do penoso trabalho de sua alma e ficará satisfeito; o meu Servo, o Justo, com o seu conhecimento, justificará a muitos, porque as iniqüidades deles levará sobre si) e que o pai deu ao filho para que por eles, e só por eles, morresse e ressuscitasse. A estes a Escritura chama de eleitos (Rm 8.33: Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica).
Pelos eleitos Deus enviou Jesus para justificá-los, e, para isso, o próprio filho de Deus morreu e ressuscitou (Rm 8.34: Quem os condenará? É Cristo Jesus quem morreu ou, antes, quem ressuscitou, o qual está à direita de Deus e também intercede por nós). As acusações, de qualquer natureza, encontrarão eco no coração do homem apenas em sua culpa, mas jamais gerarão condenação porque os pecados foram todos pagos pela morte (Ez 18.4: Eis que todas as almas são minhas; como a alma do pai, também a alma do filho é minha; a alma que pecar, essa morrerá) de Cristo em lugar dos pecadores (I Pe 3.18: Pois também Cristo morreu, uma única vez, pelos pecados, o justo pelos injustos, para conduzir-vos a Deus; morto, sim, na carne, mas vivificado no espírito).
O pagamento efetuado por Cristo anula o débito que os pecadores efetivamente tinham (Cl 2.14: ...tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente, encravando-o na cruz). Cristo quitou sua dívida perpetuamente. Se o salario do pecado era a morte o débito foi completamente saldado (Rm 6.23: ...porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor).
Não foi pelo que fizeram que os homens obtiveram a liberação da dívida (Is 64.6: Mas todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças, como trapo da imundícia; todos nós murchamos como a folha, e as nossas iniqüidades, como um vento, nos arrebatam) mas em virtude da obra redentora feita por Cristo em seu favor.
É impossível e ilógico condenar alguém que já teve sua dívida paga, e a quem o próprio credor (que também é o juiz da causa) já deu total quitação?
Deus é justo e não pode cobrar além do que ele próprio estipulou e recebeu como pagamento - a obra de seu próprio filho. O pecado do povo de Deus já foi pago na cruz, como, então, o próprio Deus cobraria novo pagamento ou estabeleceria uma nova punição? Isso seria não apenas injusto, mas, também, ilógico.
O ensino das Escrituras é que todos aqueles por quem Cristo morreu serão, infalivelmente, salvos. O que Cristo fez na cruz garante a salvação de todos os eleitos. A garantia da aplicação dos efeitos da morte de Cristo aos  pecadores é o próprio Espírito de Cristo, o infalível Espírito Santo que, por meio da Palavra, gera fé nos corações daqueles por quem Cristo morreu.
É por isso, então, que os descrentes são condenados? Por não crerem em Jesus Cristo? É este o seu pecado? Não! Os que são condenados são condenados por serem culpados por seus próprios pecados. São seus atos maus ou sua omissão que os conduz à condenação - condenação esta que é removida somente daqueles que  creem em Jesus Cristo. Ninguém é condenado por ser descrente - permanece condenado por sua incredulidade.
Para remover a condenação Jesus Cristo se deu em favor e no lugar do seu povo, por absolutamente cada um daqueles que o Pai lhe entregou, justificando-as e perdoando-as de seus pecados. Eles serão perdoados por crerão, e crerão porque serão conduzidos a isso pelo infalível Espírito Santo através da pregação do evangelho - somente pelo evangelho, e nenhum sacramento tem poder salvífico.

Entendemos que a fé que justifica exige que o pecador entenda o que lhe está sendo oferecido, isto é, dito de outra maneia, a fé deve conter um entendimento intelectual, de maneira que o crente conheça algo a respeito daquele em que crê e daquilo que ele fez em seu favor.

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