terça-feira, 18 de agosto de 2015

A ESSENCIALIDADE DA PREGAÇÃO DA PALAVRA NO ESTABELECIMENTO E MANUTENÇÃO DA IGREJA

INTRODUÇÃO

Dentre as estratégias propostas na “Conferência das Cinzas para uma Chama” chamou-me a atenção a estratégia que estabelece a primazia da palavra de Deus. E não poderia ser diferente, pois é pela Palavra que a Igreja se estabelece, é firmada e permanece – sem ela, a queda é inevitável. A Igreja afirma de maneira oficial que tudo o que ela crê tem como base o registro da vontade de Deus em sua Palavra, a bíblia, rejeitando tanto o que é contra a bíblia como, também, o que é fora da bíblia. Afirmamos que a Igreja deve considerar a sua bíblia como fonte absoluta e não obsoleta de autoridade para o seu crer. Mas, também na Igreja (não é de estranhar que o mundo a rejeite) vemos a Palavra ser rebatida, rejeitada com argumentos pseudo científicos, filosóficos, existencialistas, que afirmam que o que está escrito não tem nada a ver com as necessidades e com a realidade presente quando suas assertivas não são convenientes ao homem pretensamente mais evoluído do sec. XXI, que relega a bíblia a uma estranha e passada era, cujos textos só são aceitos se concordarem com as aspirações da atualidade do momento vivido pela Igreja segundo sua perspectiva – e, desta forma desconsiderando sua vivacidade e eficácia intrínseca. Outra maneira de dizer isso é que a Igreja que está moribunda decide o que na bíblia é aceitável, ao invés de recebe-la como orientação para corrigir-se, e finalmente, ser vivificada e tornar-se aceitável diante de seu autor, Deus. Quando a bíblia diz “isto não pode” a Igreja deve entender que é Deus quem está dizendo que não pode, mas ela tem preferido ler “isso não podia”, mas hoje todo mundo aceita. Lamentavelmente, esta opinião tem se disseminado, em prejuízo da autoridade das Escrituras e, principalmente, trazendo enorme prejuízo para a Igreja que perde seu referencial e sua fonte de vida. Por mais óbvio que possa ser, é a pregação da Palavra que institui a presença da Igreja de Cristo em algum lugar, uma vez que o próprio afirmou que a função dos discípulos era, primordialmente, anunciar a sua Palavra, serem suas testemunhas, fazerem discípulos em todos os cantos – e estes discípulos seriam integrados à sua Igreja como novas testemunhas até que viesse, finalmente, a consumação dos séculos. Porque a pregação da Palavra é essencial? Porque a fé vem pelo ouvir a Palavra de Deus (Rm 10.17) – e assim, se em algum lugar houver um grupo que se denomine cristão mas que não honre e pregue o evangelho de Cristo, não merece ser Igreja porque não crê no Cristo "segundo as Escrituras". Sem o evangelho não pode haver verdadeiros cristãos; sem verdadeiros cristãos não pode haver nenhuma Igreja – ao menos não uma que possa ser qualificada como a verdadeira Igreja de Cristo. Por outro lado, se a pregação da Palavra é o meio para se instituir a Igreja, também é o grande meio para a manutenção da mesma, habilitando-a a ser a mãe dos fiéis (ver Jo 8.31-32, 47; I Jo 4.1-3; II Jo 9). Não estamos aqui a exigir uniformidade teológica, mas a postular a essencialidade da pregação da Palavra, com fidelidade, conforme escreve Sproul:
"Embora as igrejas difiram em detalhes teológicos, e em níveis de pureza doutrinária, toda verdadeira Igreja deve afirmar aquilo que é essencial à fé cristã. Assim, uma Igreja é falsa ou apóstata quando nega uma doutrina essencial da fé cristã, como a divindade de Cristo, a triunidade de Deus, a justificação pela fé, a expiação vicária de Jesus Cristo, ou outras doutrinas essenciais à salvação" (SPROUL, Op.Cit.).
Somente com fidelidade e centrada na Palavra, elemento essencial para a sua manutenção e até mesmo recuperação de seu vigor, que a Igreja anuncia a salvação graciosa mediante arrependimento e fé em Jesus Cristo e pode conduzir pecadores ao arrependimento e a Cristo. Calvino, falando sobre a Igreja e o ministério da Palavra, diz que:
"...em primeiro lugar, onde quer que subsista ele íntegro e ilibado, de nenhumas falhas ou fraquezas morais é ela impedida de suster o nome de Igreja; em segundo lugar, esse mesmo ministério viciado não é de erros os mais triviais assim que legítimo se não estime" (...)"Na verdade, tão logo na cidadela da religião irrompeu a falsidade, transtornada foi a suma da doutrina necessária, derruiu-se o uso dos sacramentos, segue-se, incontestavelmente, a morte da Igreja". (CALVINO, Op.Cit., p. 30).

A REJEIÇÃO DA PALAVRA DE DEUS

Vivemos tempos em que a centralidade da Palavra tem sido rejeitada pela Igreja – aliás, muitas Igrejas rejeitam até mesmo os termos comumente usados pelas Escrituras para denominá-las, como Igreja ou congregação, adotando termos como comunidade, associação, sociedade, grupos, centros, células ou clubes bíblicos. A rejeição do termo é apenas um sintoma da rejeição da Palavra. Isto não é um fenômeno novo. Já aconteceu na Igreja medieval (salvo exceções que se destacam confirmando esta verdade), foi assim também no período em que o humanismo, modernismo, liberalismo e a neo-ortodoxia pretenderam ter respostas alienadas e alienantes da Palavra. As pessoas não têm sido mais chamadas a ouvirem a voz do bom pastor (Jo 10.27), mas a se adequarem a um estilo de vida que parece cristianismo, porem sem aquilo que afirmam ser as “amarras da letra” e, então, são instados a fazerem, dentro de suas possibilidades, um caminho de imitação daquilo que julgam ser as atitudes do "homem de Nazaré" – mesmo que em franca desobediência às palavras do Cristo das Escrituras.

A NECESSIDADE DA CENTRALIDADE DA PREGAÇÃO

Apesar de tamanha desconsideração pela pregação, nenhum verdadeiro cristão ousaria descartar a necessidade da pregação da Palavra – ainda que haja entusiastas bem intencionados (e mal instruídos) que a coloquem como um mero acessório em suas estratégias de marketing às quais chamam de evangelismo. A despeito deste erro, devemos considerar o pregador como um arauto do Deus das escrituras, e este deve buscar anunciar o que o Senhor tem dito, apenas isso, como fez ao afirmar: "...o que o Senhor me disser, isso falarei" (I Rs 22.14). Qualquer coisa menos que isso não se pode considerar pregação – e muito menos pregação cristã (ROBINSON, 1990, p. 14). Um compromisso menor do que o de proclamar o conselho de Deus, e todo o conselho de Deus desqualifica o pregador e a mensagem que ouse anunciar. Uma Igreja que queira algo menos que a Palavra de Deus não está se comportando como Igreja de Deus. D.M. Lloyd-Jones diz que a decadência da Igreja se dá pelo abandono da centralidade da Palavra:
"Não é de surpreender que a Igreja esteja na condição em que está atualmente. E não é de surpreender que o mundo esteja na situação em que está, quando a nossa mensagem central (o sangue de Cristo) está escondida" (LLOYD-JONES, 1993, p. 53).
Uma das principais ênfases de Calvino contra o romanismo era o fato de que, ali, a bíblia não tinha lugar, soterrada sob uma avalancha de tradições, opiniões humanas e conciliábulos políticos:
"Em vez do ministério da Palavra aí reina um regime degenerado e cheio de falsidades, que em parte extingue a pura luz da verdade, em parte o sufoca; no lugar da Ceia do Senhor introduziu-se o mais hediondo sacrilégio; o culto de Deus foi deformado por variada e intolerável número de superstições; a doutrina, à parte da qual não subsiste cristianismo, foi inteira sepultada e rejeitada; as reuniões públicas reduzidas a escolas de idolatria e impiedade. (...) De igual modo, hoje nos importunam os romanistas e aos ignaros testificam com o nome da Igreja, quando sejam capitais adversários de Cristo" (CALVINO, Livro IV).

A PREGAÇÃO COMO FERRAMENTA DE REVITALIZAÇÃO

Não há dúvida que muitas áreas da Igreja precisam ser repensadas e revitalizadas. Seu método de ensino, sua comunhão, sua administração – mas nada disso fará dela uma Igreja verdadeiramente vivificada se não for pelo Espírito do Senhor através da sua Palavra.

A PREGAÇÃO

Os ministros precisam priorizar a pregação fiel da Palavra de Deus no poder do Espírito Santo e não a leitura ou exposição de belas (e muitas vezes vazias de significado e poder) homilias, recheadas de técnicas, floreios, marketing e psicologia.

O QUE DEVE SER PREGADO

A Igreja precisa clamar para que a Palavra de Deus seja pregada com fidelidade e que o ensino ministrado seja aplicável de maneira contextualizada – não confundir com contextualização da mensagem da Igreja, numa espécie de abominável sincretismo, em detrimento da fidelidade à Palavra. Não há duvida que isto é difícil em dias de politicamente correto, ainda mais que não ser politicamente correto pode implicar em altos custos, inclusive eclesiásticos. A Igreja não precisa ser politicamente correta. O que precisa ser correta é a pregação da Palavra, que não esconde a verdade, antes coloca-a claramente aos ouvintes (mesmo que estes não queiram ser confrontados em seus pecados).

O PREGADOR DEVE PREGAR A VERDADE COM FIDELIDADE

Assim, o ministro deve ser submisso à vontade de Deus, falando a Palavra de Deus. Pregar somente o que Deus quer significa confiar que Deus opera, pela Palavra, através do Espírito Santo, mesmo no mais impenitente pecador. O próprio apóstolo Paulo registra, em sua experiência, que mesmo o "maior dos pecadores" pode ser alcançado pela Palavra de Deus – para servir, inclusive, de modelo aos demais crentes (I Tm 1.15-16). Entretanto, não cabe ao ministro forçar a eficiência da pregação através de gestos teatrais, melodramáticos ou cômicos. A tradição reformada nos lembra, acertadamente, que o único intérprete fiel da Palavra de Deus é o Espírito Santo – e é ele quem aplica a graciosa Palavra de Deus ao coração dos cristãos, levando-os a praticá-la e não só ouvi-la (Tg 1.22). Esta observação se faz necessária por causa das diversas pressões que são colocadas sobre os ombros dos ministros – especialmente a pressão pela apresentação de números vistosos de aumento do número de membros. Obviamente não defendemos que deve-se priorizar a estagnação e não o crescimento. Pelo contrário, uma Igreja sadia, uma Igreja que é alimentada por uma palavra sadia tende a crescer (Ef 4.16). Em Esdras, como em Micaías, temos um modelo do que deve ser o pregador: alguém que tem o seu coração disposto a compreender, cumprir e ensinar a palavra do Senhor ao povo do Senhor (Ed 7.10). Muito do sofrimento de Israel se deu porque os responsáveis pelo ensino da Palavra se esquivaram de fazê-lo, com trágicas consequências para todo o povo (Os 4.6).

A RECEPÇÃO

Todavia, lembremos que a Igreja não é somente o pregador, a Igreja é o todo dos fiéis, e estes também tem sua responsabilidade, acolhendo de maneira mansa e obediente esta palavra fiel pregada na linha apostólica e com sinceridade porque o assunto de que trata é nada menos que a salvação de almas (Tg 1.21). Assim, coma pregação da Palavra temos também que tratar do acolhimento da Palavra de Deus. Se a comunidade não acolhe a pregação da Palavra de Deus, é porque esta já está suficientemente afastada do Senhor para poder ouvir-lhe a voz. Devemos insistir que a pregação da Palavra de Deus envolve o falar e o ouvir, não somente quanto à comunicação, pois ouvir a voz de Deus significa praticar o que ele está dizendo. A comunicação de Deus aos homens é, sempre, de caráter prático e proposicional. Neste sentido, diz-nos A.W. Blackwood (ELWELL, p. 171, grifo meu): "A pregação é a verdade divina pronunciada por uma personalidade escolhida, a fim de satisfazer a necessidade humana". E, ainda,
"...a pregação significa interpretar a vida hoje, à luz das Escrituras, de modo que as necessidades do ouvinte sejam satisfeitas agora, e o ouvinte seja orientado na realização da vontade de Deus amanhã".

COMO A IGREJA DEVE RECEBER A PALAVRA

A Igreja, se realmente é a Igreja de Cristo, deve (e desejará) ser submissa à Palavra do seu Senhor. Cristo diz-nos que as suas ovelhas ouvem a sua voz (Jo 10.27), obedecem (Jo 15.14) e ensinam (Mt 28.19-20). Certamente que a verdadeira Igreja de Cristo ouve, isto é, atende, quando a Palavra de Cristo é pregada, e o oposto é duplamente verdadeiro: ela denuncia abertamente quando falsos conceitos, embora belos, sejam proclamados de seus púlpitos. Quando um grupo de pessoas, mesmo chamando-se de Igreja, recebe alegre e constantemente qualquer palavra que não seja a palavra de Cristo está, incontestavelmente, admitindo que não é a Igreja de Cristo, pois qualquer coisa, qualquer mentira, qualquer engodo, qualquer enganação é alegremente ouvida por aqueles que não são de Cristo. A conclusão a que chegamos, neste ponto, embora triste, é a de que é uma verdade inescapável que a Igreja contemporânea (com notáveis e gratas exceções) não tem interesse pelo ensino da Palavra de Deus, facilmente cedendo às pressões internas por uma adesão aos princípios, métodos e mandamentos do mundo, em detrimento da obediência à Palavra de Deus. É preciso ser realmente temente a Deus para resistir. É motivo de muita gratidão a Deus o fato de que há ainda muitos ministros fiéis a proclamar e, necessário dizer, crentes fiéis, que lutam para que a pregação da Palavra não seja obliterada pelas exigências do mundo contemporâneo, pós moderno, que prega e exige um relativismo, tanto moral quanto espiritual, mas que ao mesmo tempo tenta impor um abandono dos pressupostos bíblicos. Assim como a pregação da Palavra é um dever central dos ministros, acolhê-la obedientemente é uma obrigação da igreja – uma Igreja que não acolhe a pregação da Palavra de Deus é uma Igreja doente ou, pior, uma sinagoga de satanás, suficientemente afastada do Senhor e tornada incapaz de ouvir-lhe a voz. A pregação da Palavra lembra-nos que deve haver alegre submissão de ambos os lados. De nada adianta o ministro cobrar de seus ouvintes submissão à vontade de Deus – ou ao que ele ensina de púlpito – se esta não é a verdade de Deus. Deus não vai agir no coração dos crentes, capacitando-os à obedecer a uma mentira, mesmo que uma mentira eficiente e repetidamente exposta.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim, somos obrigados a concluir que todas as congregações que, embora reivindiquem para si o título de cristãs, mas que tenham abandonado a centralidade das Escrituras ou merecem ser justamente chamadas de falsas igrejas, e, por isso, abandonadas ou, então, precisam desesperadamente de um trabalho de despertamento e revitalização para retornarem às Escrituras, recebendo pela graça de Deus uma nova injunção de vida. Como revitalizar uma Igreja assim? Sem duvida, a única forma de trazer vida a uma Igreja morta é a Palavra de Deus. Isto significa que, de imediato, há uma barreira a demolir – numa Igreja morta já se instaurou uma cultura de não aceitação da Palavra de Deus, de rejeição do único meio de cura. Mas, mesmo assim, o pregador não deve buscar substitutos, não deve desistir, lembrando que a Palavra de Deus afirma que ela é viva e eficaz (Hb 4.12), produz resultados (Is 55.11) e é aplicada ao coração dos pecadores pelo poder do Espírito: “Prosseguiu ele e me disse: Esta é a palavra do SENHOR a Zorobabel: Não por força nem por poder, mas pelo meu Espírito, diz o SENHOR dos Exércitos” (Zc 4:6) e não por força, estratégias, imposições eclesiásticas ou quaisquer outras formas sob o controle do homem.

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