DEIXAR DE CONFIAR NA PALAVRA DE DEUS LEVA A BUSCA DE GLÓRIA PRÓPRIA
Há
muitos anos, quando ainda era seminarista, fui convidado para passar algumas
semanas em uma Igreja no interior da Bahia como parte de um projeto chamado
“Seminaristas no Campo”.
Na época, um caso de assassinato
havia tomado conta do noticiário: a morte de Daniela Perez, emboscada e
assassinada com 18 golpes de punhal por Guilherme de Pádua e Paula Thomaz, à
época grávida de 4 meses. Noticiava-se que Guilherme e Daniela, que faziam um
par romântico [Yasmin e Bira] na novela Corpo e Alma, da Rede Globo. O corpo da
atriz foi encontrado no dia seguinte ao assassinato, 29 de dezembro, no mesmo
dia que Fernando Collor de Melo anunciava sua renúncia da presidência da
república.
Na
mesma época, na cidade onde eu estava passando aqueles dias, aconteceu um outro
caso rumoroso: um jovem casal se desentendeu gravemente, houve agressões mútuas
e a mulher resolveu voltar para a casa dos pais. O jovem, no fim do dia,
resolveu ir atrás da mulher, conversou com o pai dela na porta da casa mas não
houve nenhum tipo de acordo. À noite entrou pelos fundos da casa, munido de um
machado assassinou o pai e a mulher. Como os fatos ocorreram algum tempo antes
de minha chegada, eu não tinha conhecimento do acontecido.
O
estudo bíblico daquela semana, na Escola da Bíblia, tratava da magnitude do
perdão de Deus, baseado na carta de Paulo aos romanos, especialmente 5.20-21. E
quando mencionei, como exemplo, e uma pergunta, se os crentes ali presentes
acreditavam na possibilidade de perdão a Guilherme de Pádua e Paula Thomaz,
especialmente com as alegações de Guilherme de que ele havia se convertido, que
estava arrependido [mas tentou mentir, omitir, dissimular, contou diversas
versões para o crime] e que era um novo homem. Deus o perdoou? Deus o
perdoaria?
Logo
uma pessoa, membro da Igreja há muitos anos, contou a segunda história e disse acreditar
que era impossível que Deus perdoasse uma pessoa tão ruim, tão fria e má como
aquele homem que matou o sogro e a sua mulher. Segundo ele, era impossível que
Deus perdoasse alguém assim.
Aquela
discussão trouxe à baila uma pergunta interessante: até que ponto Deus perdoa
pecadores, e qual o objetivo disso? De imediato, é preciso entender que o que
nós achamos sobre Deus não é relevante – o que é relevante é o que Deus revela
de si mesmo [Sl 103:8]
e de nós [Dn 9:18].
Vejamos
o que Deus nos diz em sua palavra através do apóstolo Paulo em sua carta ao seu
filho espiritual e discípulo ministerial Timóteo:
12 Sou grato para com aquele que me fortaleceu, Cristo
Jesus, nosso Senhor, que me considerou fiel, designando-me para o ministério, 13
a mim, que, noutro tempo, era blasfemo, e perseguidor, e insolente. Mas obtive
misericórdia, pois o fiz na ignorância, na incredulidade.
I Tm 1.12-13
O
HOMEM NÃO É O CENTRO DA MENSAGEM FIEL
Uma leitura apressada pode levar alguém a pensar
que o personagem central da passagem que temos diante de nós é o apóstolo
Paulo: forte, fiel, ministro, modelo para os crentes. E, de fato, Paulo é um
personagem muito importante a ponto de afirmar que os que o conheceram poderiam
tê-lo como modelo, imitando-o naquilo que ele espelhava Cristo [I Co 11:1] porque já não era ele quem vivia, mas Cristo
vivia nele [Gl 2:20].
Paulo diz que os crentes de corinto deviam imitá-lo porque viram ele viver como
genuíno ministro cristão – e os coríntios faziam parte de uma Igreja que
desafiava a sua autoridade apostólica, como também desafiavam a de Pedro e
discordavam dos ensinos de Apolo.
Mas como Paulo chegou a ser este modelo? Ele mesmo
diz: pela ação de Deus. Pela exclusiva ação de Deus. Conhecemos sua historia –
que ele relembra aqui em linhas muito gerais. Ele era blasfemo, isto é, alguém
que fala mal, de maneira injuriosa, caluniadora, que procura provocar no
ouvinte a crença na má fama daquele ou daquilo de quem se fala. E Paulo falava
mal da Igreja de Cristo. Paulo falava mal dos cristãos. Paulo falava mal de
Cristo. Mas ele não apenas falava, ele ia adiante, era também perseguidor e
também insolente, uma pessoa cheia de orgulho pelas suas conquistas, que por
causa de Cristo ele viria a considerar inúteis [Fp 3.4-7].
O insolente usa de linguagem insultante sobre os outros
cometendo contra eles atos vergonhosos e errados e é por isso que Cristo vai a
ele com uma dura acusação: Paulo perseguia a Cristo [At 26:14]. Isso mostra o tamanho da insolência de Paulo – o
pecador perseguindo o próprio Deus.
Paulo poderia ser descrito como um fanfarrão –
mesmo que o que ele dissesse a seu respeito não fosse, necessariamente, falso.
Mas ele achava-se, em seu interior, muito superior a todos os cristãos e a
muitos judeus, e isso acabava por se manifestar externamente na perseguição aos
cristãos, com maneiras arrogantes e deleitando-se em praticar atos cruéis
contra eles. Embora não se refira diretamente a si mesmo, antes do pecado Paulo
também compartilhava daquilo que ele denuncia em sua carta aos romanos [Rm 1.29-31]: uma humanidade prepotente em palavras, orgulhosa
e dominadora em pensamentos e insolente e injuriosa em atos.
O âmago deste texto não é a insolência e perfídia
de Paulo antes da conversão – é justamente a ação de Deus para que ele fosse
convertido. Acertadamente Paulo chama a atenção para Deus – é de Deus que ele
está falando. É a Deus que ele é grato porque Deus o fortaleceu. Gratidão é
mais do que um sentimento. Paulo usa uma expressão que implica em ter sua mente
totalmente controlada ou possuída por apegada àquele que lhe dá alegria,
prazer, satisfação – a bondade misericordiosa de Deus, exercendo uma influência
toa poderosa sobre sua alma que o fez voltar-se para Cristo, em quem é
guardado, fortalecido e nutrido de maneira que possa expressar isso em sua vida
– em resumo, Paulo diz que esta gratidão é uma condição espiritual de alguém
governado pelo poder de Deus.
AS
AÇÕES DO HOMEM, BOAS OU MÁS, NÃO SÃO O CENTRO DA PALAVRA FIEL
Quando Paulo se apresentou à Igreja houve temor,
afinal, ele era aquele que arrastava os cristãos para as prisões. Era o
perseguidor, o flagelo que assolava os “do caminho” nos primeiros dias com
autorização das autoridades. Muitos temeram que fosse uma armadilha.
Os judeus conheciam bem Paulo, e, quando ele fala
de si mesmo ele não está mentindo. Sua religiosidade era exemplar, senão não
conseguiria autorização do sinédrio para representá-los fora de Jerusalém [Fp 3.4-7]. Conheciam tão bem a seriedade de Paulo que,
quando ele se converteu, queriam silenciá-lo rapidamente [At 23:12-13].
Damos tanta importância à procedência religiosa, ao
pedigree que nos esquecemos que isto não passa de obras das mãos de homens, e
não há motivo algum de nos gloriarmos nelas [Ef 2:9], pelo contrário, na maioria das vezes isto é
motivo de orgulhoso pecado.
Por outro lado também damos grande importância aos
pecados do passado como se isso fosse impedimento para servir a Deus no
presente, esquecendo-nos das palavras do Senhor que nos fez novas criaturas [II Co 5:17]. De maneira figurada, Paulo afirma que nem a
religiosidade infrutífera nem a pecaminosidade antes da conversão são
impedimentos para o serviço dedicado ao Senhor daqueles que nasceram de novo [Gl 6:15].
Embora se refira à sua ignorância, não religiosa,
mas do real caráter de Deus, como também aconteceu com Nicodemos [Jo 3:3] ela não lhe serviu de desculpa. Por ignorância
Paulo está se referindo às opiniões erradas que possuía e emitia por não
entender as coisas do reino de Deus. Ele também se refere à sua incredulidade a
respeito do Messias, sua falta de fé, sua rejeição de Cristo também não serviu
de desculpa para seus erros – a única razão pela qual ele podia dar graças a
Deus é a misericórdia que lhe foi dada da parte de Deus que lhe deu ajuda em
sua miserabilidade e tentativas frustrantes de encontrar justificação pelas
obras da carne.
AS
AÇÕES GRACIOSAS DE DEUS SÃO O CORAÇÃO DA PALAVRA FIEL
A chave para entendermos a mensagem desta passagem
é: Deus foi misericordioso com Paulo, não apenas salvando-o por sua graça mas
escolhendo-o, de entre outros vasos de barro e dignos da destruição para usá-lo
para sua glória. E a Paulo só cabia responder com gratidão. Você quer realmente
entender o porque Deus nos deu tudo o que temos registrado? Porque Paulo
escreveu tantas cartas? Porque tantos detalhes a respeito da vida de Jesus, dos
apóstolos e do que isto tudo representa?
A resposta é: mudar a vida de pecadores, blasfemos,
perseguidores, arrogantes, insolentes, ignorantes e incrédulos. O propósito de
Deus é mudar o destino daqueles que estavam condenados à uma eternidade de
tormentos – e que não apenas mereciam como tudo faziam para acrescentar
flagelos a esta condenação. O centro da mensagem é o que Deus fez e faz. Paulo
é grato a Deus pelo que Deus fez em sua vida. É este o assunto destes versos –
e do que vem em sequência.
Em primeiro lugar Paulo demonstra gratidão a Deus –
não foi o acaso, nem um acidente na estrada, mas o que aconteceu no tempo próprio,
certo e determinado por Deus que o levou da ignorância para a luz, do império
das trevas para o reino do filho do amor de Deus. Não foi um convencimento
epistemológico, nem uma crise emocional, mas um encontro com Deus, o Deus que
veio ao seu encontro e lhe mudou a historia. Se Paulo julgava-se forte, imbuído
de autoridade pelo sinédrio, foi somente ao ser encontrado com Cristo que,
cego, passou a enxergar, humilhado e sem pátria, passou a ser o embaixador do
reino dos céus [II Co 5:20].
Paulo aprendeu que, sem Cristo, o mais forte dentre os homens é insignificante,
mas, com Cristo e revestido pelo poder de Cristo, mesmo a fraqueza se torna em
grande poder [II Co 12:9].
Em segundo lugar, Paulo considera a dignidade do
ministério, ministério que não merecera e do qual, de per si, não era digno,
mas que lhe fora dado por Deus, diferente e superior do que ele buscara com
tantos esforços dentro do judaísmo [Gl 1:14]. O apóstolo foi conduzido, concebido, preparado e
equipado para agir com fidelidade, integralmente comprometido com a fé e
obediente na execução dos comandos do seu Senhor [I Co 9:16].
Em terceiro lugar Paulo é grato pela enorme
transformação que houve eu seu ser por causa da misericordiosa graça de Deus em
Cristo Jesus. Primeiro, Deus o capacitou. Depois, Deus lhe deu um sentido para
a vida e, em terceiro e extremamente importante, Deus lhe deu uma visão clara
do que significa ser cristão: alguém que é grato pela manifestação da
misericórdia de Deus, que chama o que não o conhece para conhecê-lo [II Pe 2:12] porque seu coração é tomado de misericórdia e
compaixão [Hb 5:2] e
que faz o incrédulo ver o que antes não conseguia enxergar [II Co 4:4] até que sua cegueira seja removida – e é possível
que estes incrédulos, cegos e ignorantes estejam perto ou até mesmo dentro das
Igrejas [Jo 20:27].
EXORTAÇÕES
FINAIS
UMA PALAVRA PARA OS CRENTES
Se perguntássemos ao apóstolo Paulo o que ele
gostaria que, sabendo destas coisas, os cristãos fizessem? Provavelmente a
resposta é vivam, vivam o evangelho como se fosse o próprio Cristo vivendo-o.
Vivam por modo digno do evangelho de Cristo. Paulo diz isso quatro vezes em
suas cartas – e isto mostra que ele [e o autor maior das cartas] tinha real
interesse que vivêssemos por modo digno deste evangelho gracioso que transforma
mesmo o maior pecador num filho amado.
Paulo exorta os Efésios, aos quais Timóteo estava
pastoreando, a andar de modo digno da sua vocação evangélica [Ef 4:1]. Ele diz aos filipenses a viverem, acima de tudo,
isto é, prioritariamente, por modo digno do evangelho de Cristo [Fp 1.27].
Aos crentes em Colossos Paulo diz que os cristãos devem viver de modo digno do
Senhor para seu inteiro agrado [Cl 1.10]. Por fim, aos Tessalonicenses Paulo exorta e
admoesta para que vivam por modo digno de Deus que os chamou para o seu reino e
glória [I Ts 2.12].
Para que não pensemos que isso é ideia fixa de Paulo, João também menciona o
mesmo assunto [III Jo 1:6].
Quer perguntar de novo? Ok, tudo bem! O que isto
tem a ver comigo, crente do sec. XXI em Xinguara? Meu irmão, minha irmã, você
ainda não entendeu o que significa viver o evangelho em seu dia-a-dia?
Significa não colar na prova... significa não ficar com o troco a mais que o
caixa lhe deu... significa não furar a fila, seja no banco ou no almoço...
significa falar coisas edificantes ao invés de usar palavras duras ou maldosas
para ferir o coração ou a reputação de alguém... significa escolher no Senhor
aquela pessoa que vai lhe acompanhar pelo resto da vida... significa não
sonegar impostos... significa não tomar uma cervejinha com os amigos...
significa não usar o que deveria ser templo do Espírito Santo para fins
luxuriosos... significa não usar a língua que pode ser instrumento de bênção
para amaldiçoar a criação de Deus... significa ser um jovem ou adolescente que
não traz vergonha ao evangelho [lembrem-se de dois dos presos mais ilustres do
Brasil, ambos cariocas, dos últimos meses – Eduardo Cunha e Anthony
Garotinho]... acho que você já entendeu...
UMA PALAVRA PARA VOCÊ
Paulo relata que tinha um problema antes da
manifestação da graça de Deus – sua blasfêmia, insolência e maldade era fruto
da falta do conhecimento adequado, isto é, mesmo tendo conhecimento das
Escrituras ele não cria naquele de quem as Escrituras falavam [Jo 5:39].
Paulo tinha experiência religiosa, mas teve que
perguntar, quando Jesus lhe apareceu, quem ele era [At 9:5] porque ele não conhecia verdadeiramente a Jesus.
Tomé convivera com o Senhor e com a Igreja, mas teve que ouvir de Jesus para
não ser incrédulo, mas se tornar um crente [Jo 20:27].
É isso, talvez você tenha vindo esta noite com
outros propósitos, mas o propósito de Deus é dizer-lhe: seja crente. Você pode
sair daqui decidido a não ser crente, mas você ouviu o que Deus queria que você
ouvisse: seja crente. E o que acontecerá com você se você não se tornar um
crente em Jesus Cristo – o que significa ser membro de uma Igreja, sim, mas não
apenas isso? Se você não se tornar um crente a Palavra de Deus diz que sobre o
incrédulo permanece a ira de Deus [Jo 3:36]. Não há a promessa de lançar ira sobre quem se
mantém incrédulo – mas a constatação de que ela permanece sobre quem não crê no
Filho de Deus.
Mas, e se crer? A promessa de Deus é que, quem crê
no Filho, tem a vida eterna [Jo 5:24] e vai, conhecendo cada vez mais a Deus e sua
Palavra, viver por modo digno do evangelho, como os demais crentes.
Agora vamos pra casa. Voltemos para o nosso
dia-a-dia. A semana vai começar, e teremos chances de viver, como incrédulos [Ef 2:12] ou por modo digno do evangelho.
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