sexta-feira, 4 de novembro de 2011

SÍNDROME DE ADÃO

embelem2 O que leva alguém, especialmente se profundo conhecedor de teologia e, portanto, da hamartiologia [parte da doutrina que se dedica a estudar o pecado, suas causas e consequências], a não admitir as conseqüências temporais dos próprios pecados? Não pretendo falar das conseqüências eternas, da punição dos ímpios ou mesmo do perdão aos pecadores que buscam abrigo em Cristo.

Meu foco é: o que alguém pode esperar de retribuição por suas atitudes aqui. É relativamente fácil, como aos fariseus, perguntar se o sofrimento de alguém era conseqüência de seus pecados pessoais ou de alguém próximo. Mas o ponto que quero destacar é que qualquer conhecedor de teologia, especialmente da teologia reformada, tem que estar pronto a, como o filho pródigo, olhar para si mesmo, na lama, cercado de porcos e, cair em si e dizer: “pequei” [Lc 15.18]. Quando busco respostas [rejeitando as da antrolopologia e sociologia correntes no século XXI, rejeitando a psicologia e todas as demais teorias que creditam os males do coração do homem à sua formação ou ao meio em que ele vive] encontro apenas uma, já que não se trata de desconhecimento das escrituras. Denominei-a de síndrome de Adão, cujas primeiras manifestações encontramos no Éden, logo após o pecado primordial. Quando a fuga e a ocultação do erro não foram mais possíveis [Gn 3.8-9], restou aos nossos primeiros pais a transferência da culpa a terceiros. Assim, entendamos o que chamo de síndrome de Adão como a negação da própria culpa, colocando-a sobre terceiros, estejam estes envolvidos ou não no processo. Foi assim como Adão, culpado, colocou a culpa na mulher [Gn 3.12]. Foi assim com Eva, que seguiu-lhe os passos e culpou a serpente [Gn 3.13], que poderia ter culpado a satanás que poderia ter dito que a culpa era do criador por tê-lo feito.

A experiência de Adão, e a nossa, demonstra que negar-se a assumir a culpa não produz o escape das conseqüências temporais do pecado. Não adianta alguém dizer que não se “picou” se a seringa estava contaminada por um vírus qualquer. Não adianta dizer que não passou dos limites do namoro e esperar que aquele incômodo não signifique que esteja “ligeiramente grávida”. Não adianta rejeitar a lei da gravidade e pular de um prédio de 20 andares esperando não chegar violentamente ao chão... a Escritura é muito clara: o que o homem semear, ele há de colher [Gl 6.7]. O que semeia na carne inevitavelmente colherá corrupção [Gl 6.8]. É uma lei da vida e bíblica. Quem faz amigos, mesmo usando-se dos “bens ilícitos” terá amigos [Lc 16.9 – eventualmente será decepcionado por alguns deles]. Quem faz inimigos, não pode esperar que eles se tornem seus amigos. Quem faz o mal deve, naturalmente, não pode ter a expectativa de que todos lhe façam exatamente o contrário do que pratica. A antipatia não gera simpatia. Os abusos e ofensas não geram empatia, exceto em casos patológicos como a conhecida “síndrome de Estocolmo”. Mas isto é anormal, é uma doença causada por stress profundo.

Seria interessante um rápido questionamento diante de determinadas circunstâncias: o que está me acontecendo é fruto de algum erro meu? Se é, o que posso fazer para corrigir? O que posso fazer para diminuir as conseqüências do mal que fiz? E, ainda, o que devo fazer para não cometer os mesmos erros? Infelizmente apenas alguns possuem sabedoria suficiente para olhar para si mesmos em busca de respostas como estas. Há tempos desisti de debater com tolos, e por um motivo muito simples: os tolos são como aquelas panelas recobertas por teflon, nas quais os alimentos não grudam. Os tolos são refratários ao conhecimento. Mesmo passando por experiências desagradáveis não aprendem nunca. Há tempos li uma frase que dizia que existem três tipos de pessoas no mundo: os tolos, que erram, erram, e não aprendem nunca, os inteligentes, que erram e aprendem, e os sábios, que aprendem com os erros dos outros dois.

Qual o remédio para a síndrome de Adão, da negação e tentativa da transferência da culpa? Só conheço uma resposta: a bíblica. A confissão e abandono do pecado [Pv 28.13]. O recomeço, humilde e sincero. Fazer como aquele pecador que batia no peito e pedia misericórdia [Lc 18.13]. É imprescindível o fim das atitudes farisaicas de se julgar melhor que os outros [Lc 18.11-12], porque somos todos igualmente feitos do mesmo barro, do mesmo pó. Na verdade, tentar transferir a culpa é até mesmo uma prova de desamor pelo próximo, pois esconde um desejo de que ele sofra por algo que não fez, que seja punido por pecados que não cometeu, enquanto se escapa ileso.

Mas a Escritura diz que os olhos de Deus estão sobre os filhos dos homens, para ver o que fazem e a cada um deles retribuir segundo as suas obras [Pv 15.13]. Não, Adão não escapou, porque Deus não pode ter o ímpio por inocente. Não há ninguém, por mais conhecimento teológico, por mais influência política, por mais poder econômico, que consiga escapar do juízo divino. Ninguém tem como escapar. É necessário arrependimento, conversão e a conseqüente produção de frutos dignos de arrependimento. Assim, junto com o arrependimento vem a misericórdia do Senhor, uma nova vida, uma nova oportunidade como fez com o ímpio Manassés [cujo nome, apropriadamente, significa ‘esquecimento’, porque ele se esqueceu de Deus]. Recebeu um reino organizado das mãos de seu pai, Ezequias. Vivenciou a transformação religiosa, moral, econômica e cultural que Judá experimentou durante o reinado de seu pai, um rei justo e que confiou no Senhor. Mas quis andar segundo o seu próprio coração. Desprezou conselhos de sábios, rejeitou a orientação de pessoas tementes a Deus para seguir outros que tinham como meta apenas a conquista de benefícios pessoais. E o resultado foi desastroso – até que foi chamado pelo Senhor para arrependimento. Não lhe bastava, como Jó, ouvir falar do Senhor. Ele precisava conhecê-lo. Manassés conhecera o Deus de seu pai, mas isto não lhe bastava. Durante sua preparação para reinar certamente deve ter cometido erros dignos de repreensão – e deve ter sido repreendido. O problema é que não aprendeu. E seus herdeiros foram ainda mais longe em seus pecados.

Há que se ter cuidado, pois a síndrome de Adão pode ser facilmente transmitida, isto é, ensinada. E, se os primeiros sabem os motivos, os descendentes fazem por imitação, osmose, não sabem as causas, não tem nem mesmo a possibilidade de analisar os atos e, assim, não possuem limites para seus desatinos. Geralmente os asseclas são mais fanáticos que seus mestres. Os homens tentaram construir Babel, mas não sabiam o porque desta sua inclinação, admitiam que queriam que seu nome se tornasse célebre – Adão certamente saberia, pois era o desejo de “ser como Deus’, que ele experimentara, era, novamente, a rejeição da vontade expressa de Deus para que se espalhassem e enchessem a terra.

Como disse, a síndrome de Adão tem cura em três etapas. A primeira é arrependimento pelos pecados cometidos. É fazer como Daniel, e dizer ‘pecamos’ [Dn 9.5]. Houve na historia de Israel quem atribuísse sofrimentos presentes a atos de outras pessoas – Deus diz que não é bem assim, pois, proverbialmente, quem come uva verde vai ter os dentes embotados [Ez18.2], ou, mais teologicamente, a alma que pecar, essa morrerá [Ez 18.20]. A segunda etapa é um voltar-se para Deus, em contrição sincera e desejo de comunhão, amando a Deus e amando ao seu próximo, pois não ama a Deus quem não ama a seu irmão [I Jo 4.20]. E a terceira etapa é a prática de obras dignas de arrependimento [At 26.20], isto é, a demonstração clara e visível de que reconhece que o passado foi um erro, e a tentativa – muitas vezes dolorosa pois tem que derribar o maior dos ídolos que um homem pode construir no seu coração, a egolatria – de não mais cometer as mesmas tolices. Síndrome de Adão tem cura. Não é fuga. Não é transferência. Não é leitura. Não é estudo. Não é diploma. É arrependimento, conversão e atitude. Por mais doloroso que seja, é o processo.

Um conselho: não sejais como as bestas [Sl 32.9] ou como os soberbos e ímpios [Sl 75.4]. Sei que não é fácil repreender um tolo [Pv 9.8] e os resultados nem sempre são proveitosos, mas temos o dever de avisá-los dos perigos que correm [Ez 33.8-9].

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