quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

OFENDIDO PORQUE

Não é incomum que algumas pessoas se sintam incomodadas com o conteúdo de uma pregação. Alguns chegam a defender que determinadas coisas não deveriam ser ditas do púlpito para não afastar os visitantes.
Sempre me questiono: quem vai a uma Igreja vai em busca de que?
Ou, mais precisamente, quem vai a uma determinada Igreja sabe o que está buscando. Quem visita uma Igreja pseudopentecostal está em busca de sinais, de prodígios - muitas vezes sem a necessária reflexão sobre a origem e eficácia destes mesmos sinais. Mas não é este o ponto. Quem vai a uma Igreja romana está em busca de outras coisas, de cerimoniais, de tradição - e sabe que ali é o melhor lugar para encontrar estas coisas.
Quem procura uma Igreja Presbiteriana, entretanto, o faz porque espera encontrar ali uma forma de espiritualidade e ensino diferente da que pode ser encontrada na maioria das Igrejas evangélicas. Vai encontrar ensino das Escrituras. Então, se quem entra numa de nossas Igrejas o faz em busca de ensino das Escrituras não devemos nos preocupar com o que a Escritura ensina - devemos apenas ensinar o que ali está, certos de que o Senhor fará todo o resto.
Dito isto, não devemos temer que um amigo visitante sinta-se ofendido quando ouvir o ensino das Escrituras. Não há nada de ofensivo em afirmar que não somos obra do acaso, que não somos o resultado aleatório de um processo evolutivo, mas que fomos criados por Deus à sua imagem e semelhança, homem e mulher - sem intermediários e sem caminho do meio.
Também não há nada de ofensivo em afirmar que este Deus, criador, também considerou-se no justo direito de legislar, de determinar como suas criaturas deveriam lidar consigo mesmos, com a criação e como relacionar-se com ele - a fuga a estas leis é chamada de pecado, com a devida pena para a transgressão. Também não há ofensa em afirmar que estas criaturas, por vontade livre, resolveram desobedecer e, assim foram deliberadamente responsáveis por sua própria queda de um estado de graça para um estado de miséria, condenação e morte, tornando-se por isso incapazes de cumprir a lei que, apesar de sua rebeldia, ficou gravada em seus corações contra a qual se rebela.
Não há nada de ofensivo, muito pelo contrário, em afirmar que, para restaurar estes que se tornaram inimigos de Deus, que se alhearam voluntariamente do criador, este mesmo criador enviou seu único filho para resgatá-los de seu estado de morte, não admitindo qualquer outra forma de intermediação - por mais bem intencionada que esta seja.
O que há de ofensivo no evangelho? “Ah!, pastor, esta história de pecado, condenação, de morte, ninguém gosta de ouvir estas coisas. Todo mundo gosta de ouvir falar é sobre amor.” É mesmo?
Mas como é mesmo que um injusto vai dar um devido valor ao amor de Deus se não compreender que está morto em seus delitos e pecados? Como valorizar a salvação se, antes, não perceber o seu estado de condenação? Como valorizar o alimento sem antes experimentar a fome? Na verdade, deveríamos temer que o Senhor se sentisse ofendido se mentíssemos aos nossos visitantes. Ofendido quem ficará é Deus se escondêssemos aos pecadores o único meio de salvação: arrependimento e fé em Jesus Cristo.
Do coração do pastor, Rev. Marthon Mendes

sábado, 26 de dezembro de 2015

25 DE DEZEMBRO - UMA DATA ALEATÓRIA

A cristandade ocidental comemora o nascimento de Jesus no dia 25 de dezembro – e a cristandade oriental em janeiro. Quem está certo? Alguém está certo? Antes de propormos uma resposta a estas questões, um pouco de dados históricos (alguns não tão históricos assim).

UM POUCO DE HISTÓRIA

Por volta da segunda metade do sec. III o bispo Hipólito, de Roma resolve comemorar o nascimento de Jesus nos últimos dia do ano – mas não havia consenso nem mesmo se o nascimento de Cristo deveria ser motivo de uma celebração especial. Ainda durante este século várias datas são usadas com este intuito. Somente em 354 d.C., durante o governo do imperador Justiniano, é que o bispo romano Libério ordena que os cristãos celebrassem a encarnação do Senhor no dia 25 de dezembro. Porque esta data?
Na mesma época que o bispo Hipólito menciona a celebração do nascimento de Cristo (doravante vou escrever apenas natal – e peço a você que não o identifique com a festa que conta com um velho gordo colorido) o imperador Aureliano, inimigo ferrenho dos cristãos, transferiu para Roma os sacerdotes do deus oriental solis Invictus, estabelecendo um sincretismo com o culto a Mitra persa que já era muito comum tanto no oriente quanto no ocidente, tornando o culto a este deus o principal culto do império (religio imperium). Em 25 de dezembro de 274 d.C. Aureliano consagrou o templo do solis invictus, numa festa que chamou de dies natalis solis invicti (o dia do nascimento do sol invencível).
Para incrementar o caldeirão cultural, nesta mesma época os romanos também celebravam as saturnalias, uma festa tradicional e popular em homenagem ao deus romano Saturno, no menor dia do ano, com grandes comilanças e bebedices – dentro em pouco o inverno começaria a dar lugar à primavera (é bom lembrar que, na mitologia, a esposa de Saturno – ou Hades, entre os gregos – era a responsável pelo renascimento das plantas quando, devido a um acordo de seu pai – Júpiter - com Hades, ela deixava o reino dos mortos para passear livremente pelo mundo dos vivos, trazendo, novamente, a alegria e fertilidade).
Outro imperador romano, Constantino, cultuava ao deus sol. Seu selo e suas moedas traziam expressões como “soli invictus comiti” (ao companheiro sol invencível). Em 313 Constantino deu o primeiro passo rumo à cristianização do império romano ao publicar o Edito de Milão, acabando com as perseguições contra os cristão e declarando a religião cristã religio licita. A afirmação de que ele tornou o cristianismo religião oficial do império é inexata porque quem tomou esta decisão foi o imperador Teodósio em 380 d.C. pelo edito de Tessalônica, ao mesmo tempo em que proibiu os demais cultos, que, por seus cultuadores se esconderem na zona rural acabou ficando conhecido como paganismo.

CONSTANTINO ERA CRENTE?

Constantino chegou a ser chamado por alguns de o 13º apóstolo, mas sua história merece algumas considerações. Teria ele realmente se tornado cristão? Era um adorador do mitraísmo, e conta-se que, ao estabelecer o perímetro da futura cidade de Constantinopla em 326 d.C. seus acólitos lhe perguntavam quando ele pararia (achavam a caminhada de várias horas cansativa ele, olhando em direção ao sol, teria respondido “quando parar o que marcha à minha frente”. Os pagãos entenderam que ele estaria falando de Mitra, os cristãos, de Jesus.
Esta aparente devoção de Constantino ao cristianismo teria tido origem em 312 d.C. Quando, prestes a enfrentar o imperador Maxêncio numa confusa situação política criada pelo imperador Diocleciano: deixara dois imperadores (titulares) e mais dois césares (sucessores). Com a abdicação de Diocleciano e Maximiano, sobem ao trono Constâncio Cloro (pai de Constantino) e seu césar, Galério. O outro imperador era Maxêncio e seu césar era Licínio. A morte de Constâncio levaria ao trono Galério, mas o exército de Constantino o elegeu imperador. O outro imperador, Maxêncio, não aceitou o novo augustus ocidental e começou uma  guerra entre os quatro regentes. Oficialmente Galério era o imperador, mas morreu em 311 e Maxêncio continuava não aceitando Constantino como imperador, e ambos se enfrentariam na batalha da ponte de Mílvio.
Na noite anterior à batalha Constantino teria tido um sonho no qual aparecia uma cruz e a frase in hoc signo vinces (sob este sinal vencerás). Ordenou então que as águias que simbolizavam o exército romano fossem substituídas pelo tal símbolo que acreditava ser cristão – e Constantino se sagrou vencedor na batalha.

No ano seguinte, junto com o novo imperador oriental, Licínio, publica o Edito de Milão proibindo a perseguição aos cristãos e tornando o cristianismo religio licita, isto é, uma religião que cumpria as normas para poder funcionar livremente – mas nem o cristianismo se tornou religião imperial, nem Licínio ou a elite romana (mesmo em Roma, na corte de Constantino) foi obrigada a aderir ao cristianismo, mantendo-se ligados às antigas tradições e muitos se opunham à lei que liberava o crescimento numérico do cristianismo que já era uma das maiores se não a maior religião em número de adeptos, mas que era, certamente, a maior em número de realmente praticantes. Alguns anos depois Constantino seria responsável pela morte de Licínio em 324 – sendo que o mesmo havia se tornado seu cunhado. Há acusações (que nunca puderam ser comprovadas) de que ele também teria mandado matar um de seus filhos e uma de suas esposas.
No ano seguinte Constantino convoca e patrocina o Concílio de Nicéia, o primeiro grande concílio ecumênico da história, reunindo os bispos de todo o império para que eles trabalhassem a fim de por término a numerosas disputas religiosas entre os próprios cristãos (destas, a principal era o arianismo, especialmente a negação da divindade de Cristo e, por conseguinte, do Espírito Santo, doutrina mãe das atuais testemunhas de Jeová). Outros temas seriam tratados, como a validade de batismos feitos por heréticos, libelattici e traditorri, definição da data da páscoa (estabelecendo a fórmula de calcular à partir do calendário judaico, com um período de “purificação prévio chamado quaresma”, canônica (expurgo de livros apócrifos) e a data da celebração do nascimento de Jesus.
Por sugestão ou imposição de Constantino (há defesas apaixonadas das duas versões) ficou decidido que o natal seria celebrado em 25 de dezembro, dia correspondente ao nascimento do deus Mitra bem como próximo da comemoração do solstício de inverno no qual os camponeses começavam a celebrar a espera da vinda da primavera e o início das plantações, as saturnalia que costumavam terminar nos dias 22 ou 23 de dezembro mas foram estendidas para coincidir com a alegria do nascimento do redentor.
Por fim, Constantino, apesar de declarar-se cristão só aceitou o batismo no final da sua vida, quando sentia que ia morrer. Isto é interpretado por seus detratores como um sinal de que ele não queria ter nenhuma autoridade acima da sua, nem dos bispos, nem de Cristo. Outros, como Eusébio de Cesaréia, um admirador inconteste, afirmam que tal aconteceu pelo medo que ele tinha de, após o batismo, vir a cometer algum pecado imperdoável.
Somente em 440 d.C., durante o papado de Leão I é que foi oficializado 25 de dezembro como o dia do nascimento de Cristo com o objetivo de tornar, definitivamente esquecido os cultos pagãos. Apesar disso o natal só passou a ser celebrado obrigatoriamente no dia 25 de dezembro durante o governo do imperador Justiniano (entre os anos 483-565 d.C.) e pontificado de Félix III, isto é, quase um século e meio depois desta reunião e um século depois de Teodósio tornar o cristianismo religio imperium (380 d.C.).
Temos, então, o contexto histórico no qual, durante 150 anos o cristianismo foi aceitando a comemoração do natal nesta data, que, paulatinamente, foi tornando esquecidas tanto as saturnalia quanto o mitraísmo – outras datas eram usadas pelos cristãos, especialmente os orientais, como 6 de janeiro (chamada de epifania).

E A DATA DO NASCIMENTO DE JESUS

A bíblia não informa diretamente quando Jesus nasceu, mas fornece ao menos duas evidências que possuem fortes argumentos ao menos para afirmar que Jesus não nasceu no dia 25 de dezembro.

SITUAÇÃO CLIMÁTICA

Lucas registra minuciosamente o nascimento de Jesus. Ele próprio afirma que entrevistou muitas pessoas para elaborar o seu evangelho (Lc 1.1-4) e afirma que na noite em que Jesus nasceu os pastores estavam guardando seus rebanhos nos campos, à noite (Lc 2:8). Isto nos remete a algumas considerações sobre esta noite específica.
A INVIABILIDADE DO CENSO
Segundo Lucas César Augusto tinha publicado um decreto convocando todos os membros do império para um recenseamento (2.1-5). Não há dados para identificar o propósito deste censo – mas não é improvável que tenha sido para organizar a arrecadação de impostos, o que causaria enorme insatisfação entre os judeus que consideravam os romanos opressores e usurpadores já que a sua terra lhes tinha sido dada pelo próprio Deus (Mc 12:14). Imaginemos a indignação que isto causaria se longas e precárias viagens a pé ou no lombo de burros e jumentos tivessem que ser feitas por multidões insatisfeitas justamente nos meses de quisleu e tevet (fins de novembro até início de janeiro)?
É improvável que José tivesse se arriscado a fazer uma viagem de 145km, entre Nazaré e Belém da Judéia (Mq 5:2) com sua esposa nos últimos dias de gestação em pleno inverno. Não é provável que Maria tenha chegado a Belém no dia do nascimento de Jesus. Observe que nos dias do nascimento de João batista o decreto de César foi publicado (Lc 2:1) e José se dirigiu para Belém com sua esposa. O relato bíblico é que, enquanto estavam em Belém os dias de sua gestação se cumpriram (Lc 2:6), e é possível entender que eles já estavam ali há mais dias: após o recenseamento José pode ter preferido ficar em Belém até o nascimento da criança, pois do contrário sua mulher teria que viajar 150km no último mês de gestação, o que era arriscado. Isto explica, também, o fato de José e Maria não estarem hospedados no quarto de hóspedes (kataluma – traduzido neste texto na maior parte das versões por hospedaria - Lc 2:7). Em outro texto, porém, é um aposento espaçoso, externo, mas não uma hospedaria (Mc 14:14-15). Um casal ocuparia o mesmo espaço que vários parentes, por isso, por uma questão de privacidade e melhor uso do espaço, provavelmente fizeram algum arranjo em um cômodo secundário e na ausência de um berço usaram uma manjedoura preparada com a devida antecedência (nenhuma mãe colocaria o seu filho recém nascido onde animais estavam comendo – aliás, os animais provavelmente estavam pastando nos campos por ser época própria para isso).
AS ESCALAS DO TEMPLO
Russel Shedd é da opinião de que o nascimento de Jesus se deu provavelmente antes do inverno, no mais tardar no mês de outubro, por ocasião do Sucot, a festa das colheitas. Porque esta possibilidade? Este raciocínio é baseado em um segundo dado, isto é, a situação religiosa. As informações disponíveis indicam que Jesus nasceu seis meses depois de João Batista. João foi gerado no mês de julho, isto é, o oitavo turno do ano eclesiástico (I Cr 24:10). A contagem começava no mês de nisan, entre os nossos meses de março e abril como pode ser visto aqui.
Zacarias, pai de João Batista, era da família de Abias (um dos 24 turnos anuais) e estava exercendo o seu turno sacerdotal (Lc 1:5; Lc 1:8) e pouco depois sua mulher, Isabel, concebe um menino (Lc 1:24).
João batista, portanto, teria nascido em abril do ano subsequente. Jesus foi gerado seis meses depois de João batista (Lc 1:26), sendo possível, então, que a data do seu nascimento seja próximo do mês de outubro e não em dezembro.
O CLIMA EM DEZEMBRO
As condições climáticas em Belém – e especialmente no trajeto Nazaré – Belém não eram adequadas para viagens, O mês judaico de quisleu (o calendário judaico é lunar, e o mês de quisleu pode ocorrer em novembro ou mesmo em dezembro) era um período de chuvas e baixas temperaturas. O mês seguinte, tevet era ainda mais frio, embora com menos chuvas mas com nevascas ocasionais. Encontramos informações como estas nos dias de Esdras (Ed 10:9; Ed 10:13) e de Jeremias, quase um século antes (Jr 36:22).
O que isto tem a ver com o natal? Lucas também registra que os pastores estavam guardando os seus rebanhos durante as vigílias da noite (Lc 2:8), e não é apenas improvável, mas absurdo imaginar que os pastores estivessem fazendo isso no inverno, época em que não havia pastos e as condições climáticas eram precárias. Os pastores ficavam nos campos com suas ovelhas entre março e novembro. Após o período das colheitas recolhiam os rebanhos a abrigos. Levando em consideração a data da gestação de João batista (tamuz) e de Jesus (tevet – novembro/dezembro) chegamos à conclusão que Jesus nasceu no mês de setembro ou, no mais tardar em outubro, meses estes que coincidem sempre com o mês do calendário judaico tisherev.
Parece um pouco confuso, pois o calendário judaico é lunissolar, seus meses tem entre 28 e 30 dias, e a cada sete anos é acrescentado um outro mês para harmonizar o calendário lunar com os ciclos solares, e por isto dá diferenças entre os meses do calendário gregoriano (baseado no sistema solar).

O QUE FAZER COM O 25 DE DEZEMBRO

Devemos levar em conta que seguramente determinar a data do nascimento de Jesus é irrelevante, pois se a Bíblia não informa é porque não haveria necessidade disso. Podemos até comemorar o nascimento de Jesus em qualquer dia, mas sempre lembrando que tal dia nunca foi um dia santificado por Deus. O que não podemos é desconsiderar o nascimento do redentor.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

O ADVENTO DO VERBO - UM EVENTO SEM DATA

Jo 1.14 E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai.

Segundo as mais confiáveis tradições João escreveu o seu evangelho por volta do ano 95 Dc., na cidade de Éfeso. Isto não é questão de fé, embora se saiba que seus escritos foram os últimos do cânon neotestamentário, atendendo a uma necessidade da Igreja de seu tempo: responder a seu mundo, no fim do sec. I, quem tinha sido (ou quem é) realmente Jesus.
Diferente dos outros evangelhos, chamados de sinóticos (isto é, de um mesmo ponto de vista, mais histórico) João apresenta Jesus como o Filho de Deus, o Verbo divino que se fez carne e fez habitação entre os homens, dando início à sequencia mais importante de eventos da história da humanidade – encarnação, vida santa, morte e ressurreição – que só vai findar com seu retorno glorioso.
Este Jesus, embora João não se detenha nestes assuntos, é o:
Prometido a Adão e Eva – Gn 3.15;
Previsto por Jacó – Gn 49.10;
Revelado a Moisés – Dt 18.18;
Aguardado por Jó – Jó 19.25;
Anunciado por Isaías – Is 7.14;
Proclamado por Gabriel – Lc 1.26-28.
Observe que todas estas manifestações revelacionais, em todo o Antigo Testamento e adentrando o Novo Testamento são, sempre, pessoais – não são contos ou mitos, como nas religiões pagãs. Vamos ver o que João fala do cumprimento desta promessa:
1 No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. 2 Ele estava no princípio com Deus. 3 Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez.
4 A vida estava nele e a vida era a luz dos homens. 5 A luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram contra ela. 6 Houve um homem enviado por Deus cujo nome era João. 7 Este veio como testemunha para que testificasse a respeito da luz, a fim de todos virem a crer por intermédio dele. 8 Ele não era a luz, mas veio para que testificasse da luz, 9 a saber, a verdadeira luz, que, vinda ao mundo, ilumina a todo homem.
10 O Verbo estava no mundo, o mundo foi feito por intermédio dele, mas o mundo não o conheceu. 11 Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. 12 Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que crêem no seu nome; 13 os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus.
14 E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai.
João não se propôs a escrever uma biografia de Jesus, embora tivesse o claro propósito de relatar os fatos que comprovavam que Jesus é o Filho de Deus, para que os seus leitores pudessem reconhecê-lo desta maneira, e, caso cressem nele, obtivessem a vida eterna.
João não registrou muitas coisas importantes (nem por isso deixamos de ter estas informações que nos são oferecidas por outros evangelistas). Vejamos as “lacunas” propositais deixadas por ele:
A genealogia de Jesus – o foco de João era demonstrar a eternidade de Jesus, por isso a procedência familiar de Jesus não era importante no contexto de seu evangelho, porque, evidentemente, Jesus não foi gerado por homem ou mulher alguma, isto é, sua procedência é do pai, ele é eterno, como já havia sido anunciado por Isaías (Is 9.6). Mateus registra a linhagem legal e real de Jesus, por intermédio de José, esposo de Maria e descendente de Davi (Mt 1.1-16) e Lucas registra a linhagem pessoal, através de Maria (Lc 3.23-38). Ambos enfatizam a verdadeira humanidade de Jesus, o que também é essencial para a redenção dos pecadores.
O nascimento de Jesus – também não é relatado por João porque sua mensagem é a respeito da eternidade do Verbo de Deus, portanto, ainda que sua encarnação era real (e ele diz que o Verbo se fez carne) havia já outros evangelhos a tratarem do tema.
A infância de Jesus – novamente, as faixas etárias às quais todos os homens estão sujeitos não eram importantes no contexto da mensagem a ser proclamada. João não pretende tratar, temporalmente, do que é eterno.
A tentação de Cristo – o verbo é mostrado como o Senhor, o Filho de Deus, e a sua tentação revela muito mais da perspectiva de sua humanidade e sua representatividade como nosso sumo sacerdote perfeito (Hb 4.15).
A transfiguração de Cristo – a renúncia de Jesus à sua glória foi apenas ao adentrar na história humana, por um pouco de tempo e com um propósito que logo seria cumprido. João dá uma dica e demonstra a sua visão retrospectiva ao falar da origem de Jesus (Jo 3:13 - Ora, ninguém subiu ao céu, senão aquele que de lá desceu, a saber, o Filho do Homem [que está no céu]).
A escolha dos discípulos – João apresenta Jesus como o salvador do mundo (Jo 3.17) e não apenas como o salvador de apenas um grupo de judeus. A escolha dos discípulos (provavelmente todos já estavam mortos quando ele escreveu o seu evangelho e suas cartas) é uma etapa inicial de um propósito muito maior – e João não está tratando das origens, mas do significado e consequências da encarnação do Verbo.
As parábolas de Jesus – um dos métodos de ensino que Jesus mais usava era extremamente contextualizado, especialmente entre os judeus, e por mostrar Jesus  falando sobre coisas temporais que os homens de seus dias e região compreendiam é deliberadamente deixado de lado porque João afirma que ele veio falar das coisas do céu (Jo 3.12).
A Ascenção de Jesus – a ascensão de Jesus não era, para João, especialmente 60 anos depois, um fato extraordinário. Era, apenas, uma etapa necessária após ele ter cumprido a sua missão terrena (Fp 2.9-11).
A grande comissão – a grande comissão registrada por Marcos e Mateus continuava de pé, fazia parte da realidade da Igreja e João entendia que ela era uma realidade presente e essencial na vida da Igreja.

PORQUE JOÃO FALA DE UM EVENTO SEM DATÁ-LO

João tem como objetivo tratar da divindade de Jesus. Em seus dias havia um ensino que se alastrava e já havia adentrado na Igreja[1], e o apóstolo resolve tratar de um evento com origem eterna, de significado eterno e de consequências eternas. Em suma, para João, o advento de Cristo é um evento no tempo, todavia, atemporal.

O VERBO ETERNO

1 No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. 2 Ele estava no princípio com Deus. 3 Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez.
Os primeiros três versos enfatizam a divindade e a eternidade de Jesus. Ele é o que no principio[2], antes que qualquer coisa viesse a existir, já tinha existência própria. Propositalmente João une dois elementos – um religioso, o relato da criação (Gn 1.1) com a visão grega a respeito da origem de todas as coisas. Ele é o Verbo, a palavra[3], também chamado em outros textos de “sabedoria”. Mas o ponto fundamental neste primeiro momento é identificar o verbo como divino[4] e João fecha a questão afirmando que ele é o Verbo, o originador de todas as coisas, mas, ao mesmo tempo, o Verbo não é o pai, pois do contrário não poderia estar com ele.
É por ser o verbo eterno que ele é, também, o salvador eterno que tira os pecados do mundo (Jo 1.29), designado para um ministério salvador antes mesmo de o próprio mundo ser criado e antes da queda ser consumada (I Pe 1.20).

A REJEIÇÃO DO VERBO

4 A vida estava nele e a vida era a luz dos homens. 5 A luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram contra ela. 6 Houve um homem enviado por Deus cujo nome era João. 7 Este veio como testemunha para que testificasse a respeito da luz, a fim de todos virem a crer por intermédio dele. 8 Ele não era a luz, mas veio para que testificasse da luz, 9 a saber, a verdadeira luz, que, vinda ao mundo, ilumina a todo homem.
Quais as consequências da vinda de Jesus? João mesmo responde, afirmando que veio salvar pecadores mas, ao mesmo tempo, evidenciar o estado de condenação daqueles que o rejeitaram. João diz que ele era a luz do mundo e foi rejeitado como luz – não porque tenha faltado luz, ou não tenham sido avisados dela, já que o Senhor enviou João batista com este propósito e ele o cumpriu de maneira eficiente (Jo 1.36-37). Mas eles rejeitaram a luz porque eram maus (Jo 3.19) e seus olhos eram maus (Mt 6.23).
Jesus também foi rejeitado como o Messias (Jo 1.11), e aqueles para quem ele veio, seu povo (Jo 4.22). Quanto mais Jesus lhes falava das coisas celestes mais eles o odiavam, a ponto de planejarem sua morte (Jo 7.19, 8.37, 40). Isto ficou bastante evidente quando Jesus lhes disse que eles eram indignos do reino através da parábola dos lavradores maus (Mt 21.33-43). Os judeus, que aguardavam o messias, oraram, cantaram e profetizaram a respeito de sua vinda não o quiseram receber quando ele chegou (Is 53.2; Lc 19.14; At 7.51-52).

MAS AOS QUE O RECEBERAM

10 O Verbo estava no mundo, o mundo foi feito por intermédio dele, mas o mundo não o conheceu. 11 Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. 12 Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que crêem no seu nome; 13 os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus.
Independente da rejeição por parte dos judeus o verbo viria – e efetivamente veio. todos os que não o receberam continuam na condição de filhos da ira (Ef 2.3) e sobre os tais permanece a ira de Deus (Jo 3.36). Não nasceram de novo, embora descendentes de Abraão segundo a carne não lhe seguem na filiação espiritual (Mt 3.9). Mas aos que receberam a Jesus é dado o privilégio de serem tornados filhos de Deus porque creem no seu nome. Não são filhos de Abraão, mas são filhos de Abraão (Rm 4.16).
Não havia como não perceber a glória de Deus em Cristo Jesus. O Verbo habitou em um corpo mortal e depois o revestiu de imortalidade, da mesma maneira que acontecerá com aqueles que foram feitos filhos de Deus (II Co 5.1, 4; II Pe 1.13-14). Cristo revela tudo quanto precisamos saber sobre a natureza divina (Cl 1.15). Embora João não fale da transfiguração, ele estava lá (Mt 17.2) mas o que realmente impactou a todos é a revelação do caráter divino na pessoa de Jesus (Hb 1.3; Cl 2.9) revelando o caráter santo de Deus (Mt 5.37) e a graça misericordiosa de Deus em favor de pecadores indignos (Jo 14-16; I Pe 3.18).

A ATEMPORALIDADE DA ENCARNAÇÃO

O fato de João não ter se preocupado em datar o nascimento de Jesus, ou até mesmo em falar com ele nos leva a considerar que, embora tais fatos sejam importantes, não devemos incorrer no erro de idolatrar um dia ou época do ano qualquer. Cristo veio, mas sua importância e significado transcendem o tempo. Calvino já lembrava que era impiedade sacramentalizar um dia em detrimento de todos os demais dias do ano – mas ao mesmo tempo devemos observar que ele não censura as Igrejas que o celebravam, como podemos ver aqui
“…quanto ao restante, meus escritos testemunham os meus sentimentos nesses pontos, pois neles declaro que uma Igreja não deve ser desprezada ou condenada porque observa mais festivais do que outras. A recente abolição de dias de festas (Em Berna, 1555) resultou apenas no seguinte: não se passa um ano sem que haja algum tipo de briga e discussão; o povo estava dividido ao ponto de desembainharem as suas espadas”[5].
Também há escritos seus afirmando que prezava a celebração do nascimento de Cristo (“Antes da minha chamada à cidade, eles não tinham nenhuma festa exceto no dia do Senhor. Desde então eu tenho procurado moderação afim de que o nascimento de Cristo seja celebrado”)[6]. O atual formato de comemoração do nascimento do Senhor Jesus idolatra um dia – e por mais que esta seja uma oportunidade de evangelização, ainda assim reveste-se de alguma idolatria – em detrimento de todos os demais dias que o Senhor fez. Outra prova de que Calvino não era contra a celebração das datas festivais, natal inclusive, é o fato de que os magistrados genebrinos determinaram que a Santa Ceia fosse celebrada no natal, na páscoa, no pentecostes e na festa das colheitas[7]. Ademais, até mesmo o sínodo de Dordrecht, em 1578, postula que
“considerando que outros dias festivos são observados pela autoridade do governo, como o Natal (..] páscoa (…) pentecostes (…) ano novo (…) e o dia da ascensão, os ministros deverão empregar toda a diligencia para prepararem sermões nos quase eles, especificamente, ensinarão a congregação as questões relacionadas com o nascimento e ressurreição de Cristo, o envio do Espírito Santo, e outros artigos de fé direcionados a impedir a ociosidade”.
Chega a ser irrelevante e irritante ver tantas pessoas desejando feliz natal (cada vez mais com papai Noel e com cada vez menos de Jesus) e que o menino Jesus nasça nos corações (afinal um menininho é bonitinho, não exige mudança de vida. Só que Jesus não vai mais nascer, ele já nasceu e isto de uma vez por todas) e que reine a paz (sem se lembrar que a paz é fruto do Espírito na vida dos crentes) quando vive o ano inteiro sem se lembrar da vontade de Deus para sua vida.
Não tenho problema com a ceia e a celebração em si – desde que tudo seja parte de um estilo de vida onde, em todos os momentos, o crente afirme: Jesus nasceu para dar a sua vida e nos salvar de nossos pecados. Jesus nasceu, viveu, morreu e ressuscitou – por mim e por ti. E voltará para buscar os que nele creem.



[1] Poucas décadas depois a Igreja teve que se defrontar com Márcion, um herege que rejeitava a encarnação de Jesus, rejeitando também o Antigo Testamento e muitos livros do Novo Testamento, aceitando apenas o evangelho de João e algumas cartas – e foi justamente o evangelho de João a ferramenta crucial para deter estes gnósticos.
[2] en arxh – um termo filosófico comum entre os gregos para designar a causa primeira, aquilo que dá origem a tudo o mais. Dizer que Cristo já estava no principio equivale a dizer que ele dá origem a tudo o mais, é a causa não causada, o criador incriado.
[3] o logoj – a palavra, o falar, dentro da filosofia grega era o princípio gerador.
[4] O verbo era Deus é uma construção verbal aceitável, como também é aceitável dizer que o verbo era divino, isto é, usufruía de natureza divina (Fp 2.6).
[5] Carta de Calvino aos magistrados de Berna, 1555 (Selected Works of John Calvin: Tracts and Letters, editadas por Jules Bonnet, traduzida para o inglês por David Constable; Grand Rapids: Baker Book House, 1983, 454 páginas; reprodução de Letters of John Calvin (Philadelphia: Presbyterian Board of Publication, 1858).
[6] Carta de Calvino ao pastor da cidade de Berna, Jean Haller, de 2 de janeiro de 1551 (Selected Works of John Calvin: Tracts and Letters, editadas por Jules Bonnet, traduzida para o inglês por David Constable; Grand Rapids: Baker Book House, 1983, 454 páginas; reprodução de Letters of John Calvin (Philadelphia: Presbyterian Board of Publication, 1858).
[7] John Calvin, “To the Seigneurs of Berne”, John Calvin Collection (CD-ROOM), (Albany, OR; Ages Software, 1998, nº 395, p. 163.

domingo, 20 de dezembro de 2015

ATITUDES PIEDOSAS DIANTE DAS AFLIÇÕES - SL 13

O QUE FAZER QUANDO TIVER PROBLEMAS

Você tem problemas? Você tem ao menos um problema? Talvez você não tenha problema financeiro – mas tenha emocional, relacional, físico… talvez você esteja muito bem de saúde, mas há algo que te aflige, algum problema familiar… talvez seu problema seja um projeto que precisa se executado e falta algum tipo de recurso… talvez seu problema seja a falta de alguém que você gostaria de ter ao seu lado… A verdade é que ninguém passa a vida isento de problemas. Se é assim (e é realmente assim), a coisa menos importante que você pode fazer é constatar que tem problemas – mas, assim que identificá-los, o que você precisa é decidir o que fazer quando eles surgem, porque não podemos simplesmente fazer como muitos políticos que conhecemos e dizer que não sabemos de nada. Eles existem, eles estão ai, eles incomodam, eles requerem uma intervenção e uma solução, senão acabarão crescendo a ponto de te sufocar. Existem vários tipos de atitudes, várias reações mais ou menos normais quando alguém se defronta com um problema. Talvez você se identifique mais ou menos com alguma destas, ou com mais de uma, dependendo do tipo de problema ou da gravidade da situação:

A NEGAÇÃO

É uma atitude muito comum, diante do choque de ter que enfrentar um problema, especialmente quando ele é grave e inesperado, é afastar-se, negar-se a acreditar que aquilo realmente esteja ali. Frases como “eu não acredito” e “isso não pode estar acontecendo” expressam bem esta maneira de encarar os problemas. Se possível usa outros compromissos para não lidar com o problema, abandona responsabilidades e o resultado é um acúmulo de problemas. É uma espécie de escudo emocional, mas que na maioria das vezes tem que ser abandonado diante da realidade.

O CONFORMISMO

É uma atitude também comum, de incapacidade de reação, de simples aceitação dos fatos e de suas consequências. O conformista tanto pode encarar as coisas como um pessimista dizendo: “é assim mesmo, não há nada a fazer” como passar por otimista dizendo “deixe estar, que um dia melhora”. É um comportamento que muitos chamam de ‘manso’ ou ‘sonso’. O problema está ali, facilmente perceptível mas vai sendo ignorado em nome de uma sensação de inquieto bem estar, resultando num amadurecimento do problema e não da pessoa.

O VITIMISMO

É a atitude de julgar-se vítima de tudo e de todos, como se o mundo conspirasse contra sua vida e sua felicidade e por isso diante dos problemas o comportamento adotado é reclamar, chorar, demonstrar irritação e até frustração. É achar que seu problema é maior do que o de todas as outras pessoas – mesmo que elas estejam morrendo e você tenha apenas chutado uma pedra e estragado a unha do dedinho. Não quer resolver o problema, mas ser alvo de pena ou de isolamento. O problema continua lá, intacto e insolúvel, como uma desculpa para a inércia.

O ESCAPISMO

É uma atitude de fuga ao problema apresentado. Isto não quer dizer necessariamente distância física, embora também seja possível (uma viagem, mudança de endereço, shopping). As principais atitudes de fuga envolvem relacionamentos, bebidas, narcóticos, religiosidade alienante, engajamento em alguma tribo ou qualquer coisa que substitua a realidade por algo alternativo e intangível. Quando o problema não é resolvido ele acaba gerando um ciclo vicioso e cada vez mais danoso, tornando a solução cada vez mais difícil pelo acúmulo de problemas “acessórios” e derivados do problema original, geralmente com forte prejuízo para os relacionamentos sadios.

A TRANSFERÊNCIA

É a atitude de buscar não a solução para o problema, mas uma intensa pesquisa sobre o problema, uma investigação frenética para encontrar um culpado – que é sempre o outro, e se os fatos apontarem em sua direção então eles devem ser reanalisados e reinterpretados. É possível que o problema seja causado por outros, mas isto não quer dizer que ele não seja, agora, seu problema. Não basta encontrar o responsável para ter a quem culpar ou cobrar uma solução.

O ENFRENTAMENTO

É uma atitude de colocar-se diante do problema e enfrenta-lo, tentando resolver e suportando as consequências, seja por ter responsabilidade na existência deles ou por saber que eles estão ali e não há outro jeito. Mesmo que não seja o causador você tem que fazer alguma coisa para sobreviver ao problema, com naturalidade e a consciência de que algo precisa ser feito, de preferência com o mínimo de danos possível. Pode haver grande dano emocional e relacional, focalizando muito mais a existência do problema e seus desdobramentos do que uma compreensão do mesmo e a apresentação de solução. Às vezes o próprio problema é deixado de lado enquanto se luta em defesa das diversas maneiras de enfrentá-lo.

O QUE FAZER QUANDO VOCÊ TIVER PROBLEMAS

Qual destas atitudes é a mais correta? Antes, tenho que lhe dizer que todas estas atitudes são humanas. E que provavelmente cada um de nós já as usou em alguma ocasião. Talvez você ainda não tenha – e nem mesmo venha a ter – a oportunidade de agir de alguma destas maneiras ou da combinação de uma ou mais delas. Mas eu quero te apresentar uma proposta alternativa – e que certamente é mais eficaz do que qualquer uma delas ou do que todas elas combinadas. Vejamos o que nos diz a Palavra que, mesmo diante dos maiores de todos os problemas (Lc 21:33), permanecerá de pé:
1 Até quando, SENHOR? Esquecer-te-ás de mim para sempre? Até quando ocultarás de mim o rosto?
2 Até quando estarei eu relutando dentro de minha alma, com tristeza no coração cada dia? Até quando se erguerá contra mim o meu inimigo?
3 Atenta para mim, responde-me, SENHOR, Deus meu! Ilumina-me os olhos, para que eu não durma o sono da morte; 4 para que não diga o meu inimigo: Prevaleci contra ele; e não se regozijem os meus adversários, vindo eu a vacilar.
5 No tocante a mim, confio na tua graça; regozije-se o meu coração na tua salvação.
6 Cantarei ao SENHOR, porquanto me tem feito muito bem.
Sl 13.1-6
Ninguém deve menosprezar o problema do outro. Um grão de areia no seu olho dói mais do que uma paulada na cabeça do outro. Mas o inverso é verdadeiro. O que estou afirmando é que entendo que a sua dor é real – e não cabe a ninguém mensurá-la comparando-a com a dor de outros. Você sofre a sua dor, pode até se solidarizar com a dor do outro, mas será apenas empatia, você não a tomará para si. Mas o que deve fazer com a sua dor? O que fazer quando você estiver realmente angustiado? Como ajudar alguém que está passando por problemas – mesmo que você ache que não sejam tão grandes assim? A resposta está numa estratégia diferente daquelas propostas anteriormente, e ela direciona o seu coração para onde há verdadeira paz, onde há verdadeira harmonia, onde há, enfim, satisfação das necessidades que, no momento, não estão sendo satisfeitas (Sl 37:4). A resposta está em Deus. Ao invés de olhar para si, para os lados ou para o problema, o salmista diz que olha para Deus, de onde lhe vem o socorro (Sl 121.1-2). Vamos ver como o salmista cuida disso?

QUAL O SEU PROBLEMA?

1 Até quando, SENHOR? Esquecer-te-ás de mim para sempre? Até quando ocultarás de mim o rosto? 2 Até quando estarei eu relutando dentro de minha alma, com tristeza no coração cada dia? Até quando se erguerá contra mim o meu inimigo?

APRESENTE SEUS QUESTIONAMENTOS (1-2)

Você já parou para pensar qual o seu problema realmente? Qual a origem de seu problema? Sempre pensamos que nosso problema está durando demais para resolver – nos angustiamos com problemas que duram minutos, ou horas, ou dias, ou meses e há problemas que duram anos. E começamos a fazer questionamentos, e eles se tornam cada vez mais agudos quanto mais nos frustramos.

Como você acha que Deus está te tratando – frustração espiritual (1)

A primeira forma de frustração é a frustração espiritual, é achar que Deus não se importa com o seu sofrimento. Por isso o salmista, angustiado, pergunta: até quando o Senhor se esquecerá de mim? Já não tenho sofrido tempo demais? Você pode ser crente, piedoso, pode ter confiado a Deus sua vida e em Deus toda a sua vida, mas quando os problemas se tornam crônicos e a noite chorosa vai se estendendo e nada da prometida manhã alegre chegar você começa a questionar a forma que Deus está te tratando (Sl 30:5). Mas e se ele te tratasse como você merece (Sl 103:10)? E se ele lhe desse o pagamento ao qual você tem direito por causa das suas obras (Rm 6:23). E se ele de fato deixasse de lado a sua misericórdia (Lm 3:22) e resolvesse não mais ser gracioso como tem sido até ao dia de hoje (II Tm 1:9). Você tem razão de expressar a sua frustração espiritual – negá-la é mentir para Deus, mas não permita que sua frustração, sua angústia pelo fato de que o tempo determinado por Deus para lhe dar o livramento (ou até seu plano de não livrá-lo desta angústia, como fez com Paulo - II Co 12:9 – ou com Timóteo - I Tm 5:23) abale a sua fé.

Como isto está se refletindo em sua alma – frustração pessoal (2)

É muito importante você ser franco consigo mesmo e reconhecer sua frustração pessoal. Como você está se sentindo? Como isto tem abalado você? O salmista se apresenta como alguém que, por estar frustrado espiritualmente, também está sofrendo em suas emoções. Ele se sente relutando, com dificuldades para tomar decisões, não tem confiança em si mesmo. É assim que você se sente? Não? Como é então? A tristeza havia tomado conta do coração do salmista – e a tristeza é fel que enche de amargura até os mais doces momentos da vida. Uma má notícia é recebida com uma expressão de: “Ah! Tá. Novidade…”… uma boa notícia, por sua vez, não te faz levantar os olhos para dizer um “Que bom”, mas você profere apenas um murmúrio de “E daí?”… o brilho do sol que penetra por entre as nuvens é visto apenas como um simples buraco entre as muitas nuvens. Por mais forte que você seja sempre haverá um momento em que as dificuldades, os problemas, os desencontros e desencantos da vida lhe tirarão a alegria e autoconfiança. As frustrações podem ser grandes, as tribulações podem vir a ser maiores até mesmo do que as vossas forças (II Co 1:8) mas não permita que elas venham a abalar a sua fé (Sl 42:5).

Como você se sente em relação aos outros – frustração relacional (2)

Você também pode ficar frustrado com as pessoas ao seu redor, e isto por dois motivos. O primeiro é porque eles podem ser, efetivamente, a causa de seu sofrimento, como diz o salmista no verso 2. Vivemos em sociedade e é impossível que duas pessoas não queiram, em algum momento da vida, a mesma fruta ou o mesmo pão. Talvez ambos queiram o último pão da padaria. Sim, é inevitável que alguém faça algo, ocasional ou premeditadamente, que te magoe, que te machuque – e isto será ainda mais sentido se for alguém do seu convívio (Sl 41:9). Pode ser que a sua tristeza seja não porque alguém te ofendeu, mas porque não te serviu quando você mais precisava dele (Lc 11:6). Desde que Eva comeu aquela fruta proibida os relacionamentos são frustrantes – porque nem mesmo você é perfeito. E às vezes somos tão imperfeitos que se morássemos sozinhos ainda correríamos o risco de fugir de casa. Sim, você pode estar, com justiça, frustrado com seus relacionamentos, frustrado com seus amigos, com sua família… só não pode dizer que está sozinho (Hb 13:5 - Seja a vossa vida sem avareza. Contentai-vos com as coisas que tendes; porque ele tem dito: De maneira alguma te deixarei, nunca jamais te abandonarei).

O QUE VOCÊ QUER?

3 Atenta para mim, responde-me, SENHOR, Deus meu! Ilumina-me os olhos, para que eu não durma o sono da morte; 4 para que não diga o meu inimigo: Prevaleci contra ele; e não se regozijem os meus adversários, vindo eu a vacilar.

Apresente seus desejos (3-4)

Geralmente temos dificuldades de expressar o que sentimos – mas como não expressar nossos pensamentos diante de Deus, justamente sendo ele aquele que esquadrinhas cada um dos nossos passos (Sl 139:3) e também até mesmo as coisas que a gente gosta ou deseja lá no mais íntimo do ser (Jr 20:12).

Você quer mais atenção de Deus – desejos espirituais (3)

O que você quer mesmo? Porque não dize a Deus que você tem uma frustração espiritual, que se sente abandonado e distante e que quer estar mais perto dele, que quer sentir que tem mais atenção dele? Bom, saiba que o problema não está nele, pois ele cuida de ti casa milissegundo de sua vida. Sabe quando é que um filho consegue mais carinho e atenção de seus pais? Quando vai a ele, coloca a cabeça seu colo, quando diz: “Estou aqui, preciso de vocês” (Pv 4:3-4).
Quer mais de Deus? Quer se sentir mais próximo dele? Quer ter maior comunhão com ele? Não vai conseguir se fizer como Adão e Eva fizeram, escondendo-se por entre as árvores do jardim… não vai conseguir se fizer como o filho gastador, que foi para uma terra distante… mas vai conseguir se fizer como o filho gastador, que percebeu que a atenção do pai pode ser experimentada na presença do pai.

Você quer livramento – satisfação pessoal (3)

Qual é o seu problema mesmo? E qual é a solução que você quer? E, também muito importante, você está pronto para receber a solução que Deus planejou para você? Seus problemas te incomodam e você quer alívio para sua dor. O que você mais quer é o fim da sua angústia então, como filho, você pode chegar ao pai e dizer o que quer. Esqueça as tolices que andam ensinando de que você só tem que “não aceitar o problema em sua vida”. Tem gente que quer ser mais justo que Jó, mais servo que Paulo e mais santo que Jesus. Não conheço ninguém que tenha tido a aprovação de Deus como estes homens e, ao mesmo tempo, tenha enfrentado tantos problemas. Paulo pediu ao Senhor para livrá-lo do espinho na carne, fosse isso o que fosse. Era o que ele queria. Jesus pediu ao Senhor para, se possível, passar dele o cálice da cruz mas aceitou a vontade do pai.

Você quer justiça – satisfação relacional (4)

Você também pode estar frustrado e se sentir sozinho, ferido e até mesmo achando-se já fora de combate, sem esperança, e, ao mesmo tempo, olhar para quem te feriu ou te abandonou e vê-los bem, prósperos e aparentemente felizes. Você quer justiça pois não é possível que um servo de Deus sofra nas mãos de ímpios e eles prosperem (Jr 5:28). Você não quer que eles se deem bem. Você quer ver a justiça – e não está disposto a esperar muito, já tem pronto o seu próprio veredicto (Sl 139:19) e o oferece para Deus, como se quisesse facilitar o trabalho do juiz de toda a terra. Mas acalme-se, espera – o que você deve fazer é confiar no Senhor e ele te justificará (Sl 37:6).

O QUE VOCÊ VAI FAZER?

5 No tocante a mim, confio na tua graça; regozije-se o meu coração na tua salvação. 6 Cantarei ao SENHOR, porquanto me tem feito muito bem.

Apresente suas intenções (5-6)

A pergunta mais comum que as pessoas fazem, e talvez você as faça também, é: porque estou sofrendo? Porque tenho tantos problemas? Porque tantas dificuldades a superar? Porque os inimigos me assediam? Porque meu emprego é tão ruim, com colegas tão antipáticos e chefes tão carrascos? Porque meu professor de trigonometria me persegue? E por aí vai… porque… porque…

Em quem você vai confiar (5)

A atitude do salmista é: Senhor, te contei os meus problemas. Já expressei os meus desejos. Sua atitude deve ser a mesma. Você deve fazer a mesma coisa e dizer:
“Senhor, eu confio na sua graça. Os ímpios continuarão fazendo impiedade, os perversos continuarão em suas perversidades, os adversários que quiserem podem se levantar e fazer a oposição que acharem que devem fazer mas eu, apesar de tudo e em meio a tudo isto, eu confiarei no Senhor. O Senhor conhece a situação e só me resta confiar na tua graça. E por ser graça, eu não exijo. Eu não determino. Eu não reivindico. Eu apenas confio no Senhor e sei que o Senhor é gracioso. O Senhor já me deu o melhor, já me deu a salvação por intermédio do seu Filho Jesus Cristo e meu coração se alegra no Senhor. O Senhor já me fez seu filho, já me livrou do império das trevas, já me deu a garantia de salvação e eu sei que o ímpio receberá a recompensa que merece porque o Senhor é justo”.
O salmista tira os olhos do problema, tira os olhos dos problemáticos e passa a olhar para aquele que é mais do que a solução dos problemas, aquele que é a própria felicidade (Sl 16:11).

A quem você vai agradecer (6)

Problemas? Existem! Adversários? Mais do que gostaria! Inimigos? Provavelmente! E agora, a quem recorrer? Não, não adianta esperar pelo socorro do personagem de ficção…ele não virá. Já aprendemos que nosso primeiro e inescapável recurso é o Senhor – entregamos nossa vida em suas mãos, confiamos nele, e sabemos que ele sempre faz o melhor para nós (Rm 8:28). Lembre-se que Paulo não diz isso num contexto ufanista, de cantar vitórias, mas lembrando da sua luta contra o pecado na carta aos Romanos no capítulo 7 (Rm 7:24), da vitória dada para os que confiam em Cristo no capítulo 8 (Rm 8:1) embora ainda tendo que suportar diversos tipos de situações angustiantes (Rm 8:18). Já ali Paulo cantava louvores ao Senhor. Paulo cantava louvores ao Senhor na prisão de Filipos, e ali nasceu uma Igreja (At 16:25). Davi, embora com a alma abatida, também afirmava sua esperança de que que não deixaria de cantar louvores ao Senhor (Sl 43:5).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Eu e você somos iguais ao salmista – temos problemas. E eles nos incomodam muito. Conhecemos cada detalhe de nossa angústia e de nossa dificuldade por causa deles. Podemos tentar fugir deles, escondê-los (de quem mesmo) ou até esquecê-los (mas eles vão acabar nos encontrando, e estarão mais fortes). Podemos lutar e brigar, ou podemos procurar enfrentá-los com ajuda daquele que nos acompanha mesmo quando tempos que atravessar o vale da sombra da morte (Sl 23:4), na verdade, daquele que nos conduz pelo vale da sombra da morte e nos conduz para pastos verdejantes.
Como enfrentar os problemas? O salmo 13 nos dá três orientações bastante úteis:
i.                    Conte a Deus o seu problema – fale da sua frustração espiritual, pessoal e relacional;
ii.                 Diga a Deus como você se sente com o seu problema – fale se você se sente sozinho, abandonado e perseguido;

iii.               Louve a Deus, antes dos problemas surgirem, durante a caminhada e enfrentamento dos problemas, e continue louvando eternamente quando já não mais existirem problemas.

FAÇA DESTE BLOG SUA PÁGINA INICIAL