Vamos relembrar o que já tivemos a oportunidade de conhecer
sobre os princípios de Neemias, servo do Senhor, copeiro do rei, restaurador
das muralhas de Jerusalém e da dignidade de Israel como povo.
Em primeiro lugar, lembre-se, definimos princípios:
inclinações fundamentais que moldam o comportamento, influenciam o modo de
interpretar o mundo, como agir e reagir às mais diversas situações. Fomos
apresentados a Neemias, servo de Deus em terra estranha e em um contexto
amplamente desfavorável à sua fé, e que demonstra três características pessoais
que precisam ser sempre lembradas: ele possuía verdadeiro interesse pelo povo
de Deus e sua situação (moral, social e espiritual); ele sabia que, para obter
sucesso dependia inteiramente de Deus e possuía disposição para agir em
quaisquer circunstâncias para a glória de Deus, inclusive abrir mão de um
estilo de vida relativamente estável e seguro para dirigir-se a uma região
inóspita e insegura.
Temos em nossas bíblias o livro que narra apenas parte da
história deste homem. E é assim porque não precisamos da história de Neemias, e
sim do que Deus fez através de Neemias. Quando analisamos o registro sagrado
com esta impressionante e belíssima história de comprometimento com a obra,
aprendemos alguns princípios que transcendem as épocas – princípios que podem
ser seguidos pelo povo de Deus em qualquer lugar, em qualquer ambiente.
Princípios que podem ser seguidos se você estiver cercado por inimigos da fé, tendo,
diariamente, sua fé provada – e aprovada (Tg 1.2-4), mas princípios que também são
úteis mesmo que você viva no infinitamente mais perigoso ambiente da opulência,
nos castelos eclesiásticos cheios de luxos e encantos e da religiosidade
incontestada, tornada morna e desprovida de vitalidade.
Neemias tinha suas ocupações na corte persa, como ele mesmo
afirma, era “copeiro do rei” Artaxerxes, uma função de confiança e ao mesmo
tempo muito perigosa, pois cabia-lhe, entre outras coisas, provar a comida e a
bebida que era servida ao rei – evitando assim que o mesmo sofresse
envenenamento [2.1]. Num ambiente de
constantes intrigas palacianas, não era um risco desprezível. Mas o fato é que
Neemias tinha acesso ao rei e à rainha, e por isso tinha uma vida que era
invejada por muitos. Todavia Neemias não se desligou do seu povo e da sua
história.
À semelhança de Daniel não perdeu sua identidade no meio de
uma nova realidade [Ne 1.1-3].
Apesar de estar na opulenta Susã, uma das capitais imperiais [usada
especialmente no inverno por causa do clima mais ameno] o coração de Neemias se
enternece com o estado de miséria dos israelitas que ficaram na sua terra, em
‘grande miséria e desprezo’, as muralhas em ruínas, as portas incendiadas e a
cidade destruída. Era passado o tempo do exílio, e era necessária a
reconstrução de Jerusalém. Mas como aqueles judeus que ficaram na mais absoluta
miséria poderiam fazer isso? Os nobres tinham sido levado cativos, o próprio
Neemias era de família nobre, como Daniel, Sadraque, Mesaque e Abede-Nego. Não
havia liderança no meio dos escombros – havia apenas o que poderia haver, uma
luta diária pela sobrevivência em condições hostis. No decorrer da narração da
história de Neemias vamos perceber que havia injustiça social, exploração dos
judeus pelos próprios judeus, com desigualdade social, escravismo, sacerdotes e
profetas corruptos. Há conflito no que se refere à fé, entre os judeus que não
foram pro exílio e ainda com os não judeus.
Havia uma tentativa de sincretismo por parte de uns e radicalismo por parte de
outros, casamentos mistos, alianças por interesses econômicos. O quadro era de
caos absoluto – e era chegado o momento da intervenção de Deus através deste
seu servo:
1.1 As palavras de Neemias,
filho de Hacalias. No mês de quisleu, no ano vigésimo, estando eu na cidadela
de Susã, 2 veio Hanani, um de meus irmãos, com alguns de Judá;
então, lhes perguntei pelos judeus que escaparam e que não foram levados para o
exílio e acerca de Jerusalém. 3 Disseram-me: Os restantes, que não
foram levados para o exílio e se acham lá na província, estão em grande miséria e desprezo; os muros de
Jerusalém estão derribados, e as suas portas, queimadas. 4 Tendo eu
ouvido estas palavras, assentei-me, e chorei, e lamentei por alguns dias; e
estive jejuando e orando perante o Deus dos céus.
Do relato de Hanani, o primeiro item enumerado é o estado
econômico dos “restantes”. Quando Israel foi levado para o exílio babilônico
todos os nobres foram aprisionados – apenas pessoas de baixa instrução foram
deixadas para o cuidado da terra. Não havia engenheiros, médicos, não havia
comerciantes – apenas trabalhadores braçais. Este fato era de suma importância
para Neemias, já que seu projeto era o de praticamente recriar um país. Neemias
precisava pensar no que fazer. Esta verdade é biblicamente ilustrada pelas
sábias palavras do maior mestre de todos os tempos, Jesus (Lc 14.28-30). É óbvio
que o Senhor providencia os meios para a consecução de sua obra. Foi assim, por
exemplo, com Elias, a quem sustentou através de corvos (I Rs 17:6) e depois
na casa da viúva (I Rs 17:14)… foi assim com Jesus, a quem reanimou enviando
alimento pelos anjos (Mt 4:11)… foi assim com Paulo, que desejava pregar em Roma e
teve não apenas sua viagem mas também sua segurança (havia pessoas que fizeram
juramento de matá-lo - At 23:21) custeadas pelo governo romano (vide a descrição
desta viagem no livro de Atos dos apóstolos, capítulos 27 e 28), embora este
não soubesse que estava trabalhando para Deus (Sl 22:28). Neemias é, então, informado de
que seu primeiro problema, seu primeiro trabalho como um eventual administrador
da província será suprir as necessidades econômicas de seu povo. E isto
requereria trabalho, requereria técnicas de produção e pessoas habilitadas para
treinar os moradores, armazenamento de grandes quantidades de comida com as
dificuldades que isso acarretaria. O desafio econômico era enorme, e Neemias
precisava se preparar para executar uma tarefa de tal monta. Conheça as
necessidades do trabalho que precisa executar.
1.1 As palavras de Neemias,
filho de Hacalias. No mês de quisleu, no ano vigésimo, estando eu na cidadela
de Susã, 2 veio Hanani, um de meus irmãos, com alguns de Judá;
então, lhes perguntei pelos judeus que escaparam e que não foram levados para o
exílio e acerca de Jerusalém. 3 Disseram-me: Os restantes, que não
foram levados para o exílio e se acham lá na província, estão em grande miséria e desprezo; os muros de Jerusalém estão derribados, e as suas portas,
queimadas. 4 Tendo eu ouvido estas palavras, assentei-me, e chorei,
e lamentei por alguns dias; e estive jejuando e orando perante o Deus dos céus.
A conversa com Hanani revelou uma segunda dificuldade a ser enfrentada:
o abatimento emocional e a humilhação a que aquele povo fora submetido por mais
de meio século resultaram num povo desprezado e que, ao mesmo tempo, se sentia
desprezível. Embora não haja um paralelo direto, de imediato vem à memória a
saída de Israel do Egito, quando Deus fala com Moisés e ordena que ele envie
espias para Canãa (Nm 13.2) e estes retornam, quarenta dias depois, com um
relatório unânime sobre as riquezas agrícolas fabulosas daquela terra, da qual
trouxeram um enorme cacho de uvas (Nm 13.27). Até aí tudo bem – mas aquele era
um povo que fora escravizado no Egito, um povo que há séculos não sabia o que
era ser livre, cuja autoestima estava em baixa – e dez, sim, dez dos espias
disseram que não deveriam entrar pois ali habitavam vários povos com cidades
fortificadas e alguns descendentes de gigantes (Nm 13.31-33). Outro episódio que
podemos anotar é quando os israelitas, liderados por Saul, são confrontados
pelo gigante Golias, de Gate. Um homem afrontando os exércitos de Israel e ninguém
ousava tomar uma atitude (I Sm 17.10-11) até que Davi, efetivamente vendo um gigante diante
de si, lembrou algo que os israelitas esqueceram – com Deus, mesmo os gigantes
são passíveis de sofrerem derrota (I Sm 17.34-36). Um povo com mais de
600.000 homens com medo de algumas cidades fortificadas. Um exército com medo
de um duelistazinho filisteu só porque
ele tinha entre 2,90 e 3,15m de altura. O trabalho de Davi foi, em primeiro
lugar, colocar as coisas nas perspectivas corretas. O gigante podia ser batido,
assim como o leão e o urso foram – desde que não fossem enfrentados em seus
próprios termos. O trabalho de Neemias
era semelhante – trazer um novo alento para o povo de Deus, de modo que a obra
a ser realizada não fosse vista como impossível, de modo que ele e o povo,
trabalhando juntos, pudessem atingir o alvo almejado por todos – a restauração
de Jerusalém (I Co 15:58).
1.1 As palavras de Neemias,
filho de Hacalias. No mês de quisleu, no ano vigésimo, estando eu na cidadela
de Susã, 2 veio Hanani, um de meus irmãos, com alguns de Judá;
então, lhes perguntei pelos judeus que escaparam e que não foram levados para o
exílio e acerca de Jerusalém. 3 Disseram-me: Os restantes, que não
foram levados para o exílio e se acham lá na província, estão em grande miséria
e desprezo; os muros de Jerusalém estão
derribados, e as suas portas, queimadas. 4 Tendo eu ouvido estas
palavras, assentei-me, e chorei, e lamentei por alguns dias; e estive jejuando
e orando perante o Deus dos céus.
Um terceiro aspecto do relatório apresentado por Hanani era
que um povo miserável e desprezado também não tinha segurança alguma, cercados
por inimigos de todos os lados faziam o que podiam para sobreviver – e alguns,
literalmente, faziam pacto com os inimigos, alianças familiares, casando-se ou
permitindo que seus filhos se casassem com os não hebreus. Isto significava
sacrificar o futuro para manter um presente miserável – mas era o único que
eles podiam almejar porque estavam colhendo o que plantaram e que lhes fora
anunciado com muita antecedência pelo profeta Isaías (II Rs 20.16-19). Eles não
podiam ter segurança porque Deus havia dito que eles seriam devorados à espada.
Eles não podiam ter segurança porque seriam feitos escravos. Eles não teriam segurança
para que aprendessem que só o Senhor é sol e escudo (Sl 84:11), única
fonte de segurança em quem eles deviam confiar completamente (II Sm 22:3). O
problema deles é que não tinham nem carros, nem cavalos (Sl 20:7) nem
tampouco podiam clamar pelo templo do Senhor, como se fosse um amuleto, como
fizeram no passado, pouco antes do exílio (Jr 7:4), esquecendo-se que havia momentos
que o próprio Senhor queria ver o templo fechado para não suportar tanta
hipocrisia (Ml 1.10). Eles
realmente precisavam de muros e portas – mas precisavam que a reconstrução
deles fosse liderada por alguém que tinha o Senhor, que dependesse
integralmente do Senhor, como Neemias. Se tentassem, em vão edificariam
muralhas e colocariam portas, porque somente o Senhor lhes daria segurança (Sl 127:1). Em
segurança, na cidadela de Susã, Neemias confiava integralmente em Deus. Na
província, sem muros e sem portões, os judeus precisavam, muito mais, confiarem
em Deus. Com Deus os exércitos de faraó nada significaram – sem Deus, uma vilazinha
chamada “Ai” foi capaz de infligir dura derrota aos soldados liderados por
Josué.
É provável que talvez você, se é cristão, já tenha se
perguntado: como eu posso ser útil na obra Deus o Senhor? Ou tenha ido um pouco
além e questionado como pode ser mais útil na obra do Senhor? É possível até
que tenha indagado a si mesmo, honestamente, como deixar de ser menos que um
servo inútil na obra do Senhor? Com o conhecimento que Neemias possuía de
administração, e com o que ele havia acabado de saber sobre Jerusalém,
obviamente ele não tinha ilusões a respeito das dificuldades que se apresentariam
na tentativa de consecução de seu projeto. Todavia, se ele sabia das
dificuldades, sabia, também, onde estava a resposta para cada uma delas: no
Senhor. É por isso que ele demonstra três atitudes ao saber de que sua casa,
sua cidade, seu país e seu povo estavam arrasados:
Ele se aquieta, se assenta, como a analisar e refletir, como
a raciocinar sobre as causas daquilo tudo, sobre o estado em que estava o povo
que pertencia exclusivamente a Deus e que Deus jamais deixaria de considerar
seu mais precioso tesouro (Ml 3:17) apesar de suas constantes infidelidades (Lm 3:22). A
maioria de nós faz isso, perguntando: por
quê?
Ele lamenta, e chora, porque sabia que todo aquele desprezo e
dor eram merecidos, e que, mais ainda, não havia nele ou em nenhum outro nome
poder para reverter aquela situação. Só lhe restava dar vazão às suas emoções,
aos seus sentimentos, humilhar-se diante de Deus, como, no passado, havia feito
um dos reis que acabaram se tornando responsáveis diretos pelo exilio, Ezequias
(II Cr 33:12). Também
fazemos isso, aceitando as consequências mas chorando pela dor que elas causam;
Neemias não teria dado um passo, não teria ido além das
perguntas e do choro se não tivesse tomado mais uma atitude: orar a Deus,
colocar sua situação, a situação de seu povo, os desejos de seu coração diante
do Senhor (Sl 37:5) e esperar
pacientemente a resposta (Sl 37:8).
Você provavelmente também enfrenta dificuldades, enfrenta
problemas que te afligem. Imagino que nenhum deles seja tão desafiador, tão
grande e que traga de maneira tão esmagadora a sensação de incapacidade pessoal
como o que estava no coração de Neemias. Mas, ao mesmo tempo, Neemias sabia que
o seu Deus era aquele para quem não há impossíveis em nenhuma de suas promessas
(Lc 1:37),
inclusive na promessa de trazer de volta do exílio um povo rebelde e de dura
cerviz (Dt 9:6) quando
este povo tivesse se arrependido de seus pecados (Dt 9:4).
O que você pretende fazer? Traçar planos e mais planos? Pode
ser um passo acertado. O que você pretende fazer? Lamentar-se pelos erros
cometidos no passado? Pode ser bastante útil para não repeti-los no presente.
Mas o que você deve fazer é colocar seu passado e seus anseios diante do
Senhor, sabendo que estes anseios te sobrecarregam e só ele pode te dar alívio
(Mt 11:28),
restaurando suas forças e te revigorando, dando-te a satisfação que só pode vir
dele porque você não tem nada para oferecer em troca (Is 40:29). E é esta
a minha proposta neste momento – que você se coloque diante do Senhor, que
diga-lhe o quão imerecedor é, e, ao mesmo tempo, o quão precisa da graça dele,
humilhando-se e mostrando sua absoluta dependência dele para tudo, inclusive
para viver (Jo 34.14-15). Como
Neemias e Daniel, reconheça quem é o Senhor, ou melhor, que ele é o Senhor em
todos os teus caminhos (Pv 3:6), humilhe-se diante dele e no devido tempo ele te
exaltará (Dt 28:1). Este
passo é fundamental – sem ele os outros dois são absolutamente inúteis. O
primeiro gera stress, o segundo depressão. Somente a entrega de seus caminhos
ao Senhor resulta em bênção do Senhor. Acredito que, como Neemias, é isso o que
você quer, não é?