domingo, 1 de abril de 2018

QUANDO A PÁSCOA DEU LUGAR À NOVA ALIANÇA


Texto editado para o boletim da Igreja Presbiteriana de Paragominas, 01 de abril de 2018.
A data da origem da páscoa remonta a cerca de 3350-3450 anos, ou entre 1450-1350 a.C.
Esta data é facilmente encontrada devido a dois referenciais históricos muito bons: os registros bíblicos (muitos já comprovados por estudos arqueológicos) e os dados histórico-seculares correlatos (nesta época houve um significativo enfraquecimento do império egípcio, que acabou dominado pelos hititas, um grupo semita aparentado com os hebreus e cuja existência, embora sempre afirmada pela bíblia, só foi confirmada pelos arqueólogos e historiógrafos no séc. XX).
A primeira páscoa (pessach) é relatada em Ex 12. Os hebreus já estavam no Egito há 430 anos, e eram oprimidos pelos faraós. Eles oraram ao seu Deus (YHWH) que enviou Moisés como porta-voz, libertador e emissário das 10 pragas.
AS PRAGAS 
As pragas foram mais do que meio de gerar aflição física e perturbação social. Elas foram o meio de Deus expressar seu julgamento sobre os deuses egípcios (Ex 12.12). Vejamos rapidamente cada uma delas:
I. Águas transformadas em sangue (Ex 7.14-25): atinge o rio Nilo, cultuado como Deus — é como se o Deus hebreu tivesse ferido de morte o deus egípcio;
II. Rãs (8.1-15): cultuada como divindade egípcia, símbolo da fertilidade. As rãs são mostradas como criaturas sob o comando de Deus, humilhando os sacerdotes egípcios, perturbando sua higiene. Por serem identificadas como divindades não podiam ser removidas por meio de matança;
III. Piolhos (8.16-19): atinge a higiene egípcia. Os insetos eram adorados como divindades (especialmente o escaravelho). Os magos não puderam imitar ou expulsar os inconvenientes parasitas;
IV. Moscas (8.20-32): outra praga de insetos, identificados como divindades e não podiam ser mortas (o nome belzebu - baal zebub - significa “senhor das moscas”). Além de incomodar (há estudiosos que traduzem zebub como vespões, tornando a praga ainda mais incômoda) causaram destruição e cessação dos trabalhos;
V. Morte do gado (9.1-17): O touro era adorado no Egito - e os judeus copiaram esta adoração (Ex 32.4) - mas a mão de Deus se abate impiedosa sobre estes animais. Porém a praga só atinge os animais dos egípcios;
VI. Sarna (9.8-12) ou úlceras: os magos egípcios, não conseguiram imitar esta praga e sofreram duramente com ela, perdendo prestígio na sociedade egípcia;
VII. Saraiva (9.13-35): as chuvas eram vistas como dádivas especiais de uma deusa (Ísis), o seu próprio choro, mas Deus mostra que é ele quem controla todos os elementos (v. 29);
VIII. Gafanhotos (10.1-20): insetos sagrados, mas Deus os envia para acabar com as reservas alimentícias egípcias;
IX. Trevas (10.21-29): o sol era adorado como a maior das divindades egípcias (Rá), e é derrotado pelo ‘Deus hebreu’. O povo se desespera e pressiona faraó (tido como filho de Rá) para deixar os hebreus irem embora;
X. Morte dos primogênitos: é nesta ocasião que é instituída a páscoa. Era a promessa de continuidade para os que temessem a Deus, e o fim das esperanças dos que permanecessem em desobediência.
Os hebreus foram libertados da escravidão no Egito e levados para Canaã (terra que mana leite e mel), para cumprimento de uma promessa feita a Abraão, Isaque e Jacó. É o início da história nacional de Israel.
A PÁSCOA PARA OS JUDEUS
A páscoa é uma das três grandes festas judaicas, juntamente com a shavuot (pentecostes, 50 dias depois da páscoa) e a sucot (tabernáculos, a festa da colheita, entre agosto e setembro), tendo caráter histórico-religioso e também grande importância para a unificação nacional pois eram festas de peregrinação ao templo em Jerusalém. Todo o tipo de trabalho era proibido nestas ocasiões. A páscoa é comemorada na véspera do primeiro de seus oito dias, com um serviço especial na sinagoga e um jantar cerimonial familiar chamado seder, cheio de simbolismo, quando se lê a hagadá (relato dos eventos e interpretação de Ex 12), comendo-se pão ázimo sem fermento (matsá) e ervas amargas (maror), bebendo-se vinho (pouco).
Em Ex 12.1-11 Deus explica a Moisés que eles deverão celebrar a ‘passagem’: dá a data da páscoa, ou melhor, do início da semana de preparação = parasceve pascal. No dia 10 do mês de nissan os judeus escolheriam um cordeiro ou cabrito de um ano de idade, sem qualquer defeito, que deveria ser guardado até o dia 14, quando seria morto e o sangue passado no batente das portas somente nas casas onde houvesse sido morto.
A carne deveria ser comida assada, acompanhada de pães ázimos e ervas amargas. Toda a carne deveria ser consumida, por isso famílias pequenas convidavam outras famílias para celebrarem juntos a páscoa. Se sobrasse alguma carne deveria ser queimada. Para participar desta ceia os judeus estariam “com pressa”, de lombos cingidos, sandálias nos pés e cajado na mão”, como quem vai partir rapidamente e não quer se atrasar - ou ser alcançado numa perseguição.
Naquela noite Deus mataria  todos os primogênitos do Egito, tanto de homens quanto de animais. O sangue seria um sinal para o anjo do Senhor não ferisse também a casa dos hebreus - ele ‘passaria por cima’, uma expressão bíblica que indica graça. Este dia deveria ser lembrado pelos judeus para sempre, como o início da festa dos pães ázimos, descrita até o verso 20. Moisés e os hebreus obedeceram a tudo quanto Deus lhes mandou, e se prepararam para a páscoa e para a partida. Depois que o Senhor matou os primogênitos dos egípcios, estes clamaram amargamente a perda de seus filhos, e, tomados de medo (v. 33) naquela mesma noite ordenaram a saída dos hebreus do Egito para servirem ao Senhor (v. 31).
Os egípcios ficaram tão desesperados e desorientados que deram também ouro e prata para os hebreus que estavam indo embora (cerca de 600.000 homens adultos, entre 20 e 40 anos, mais mulheres, crianças e velhos, dando um total mínimo de 2.000.000 pessoas). Com eles também saíram um ‘misto de gente’, provavelmente escravos, que se aproveitaram da confusão para obterem a sua liberdade.
À partir daí o Egito passa a ser uma metáfora para a condição de servidão ao pecado ou mesmo o exílio - ambos sempre resultantes do afastamento de Deus. Podemos concluir que mesmo aqueles hebreus estavam muito longe de Deus, pois aceitam com muita facilidade quando Arão constrói um bezerro de ouro e diz que aquele era o Senhor, o Deus que os havia tirado do Egito.
Para os hebreus o acontecimento foi mais do que ‘um livramento da escravidão’:
I. Tem um significado nacional - ali nasce a nação de Israel;
II. Tem um significado espiritual - ali Deus mostra que só ele é verdadeiro Deus, e os ‘deuses da terra’, inclusive o próprio faraó, nada são;
III. Tem um significado inclusivista - todo o que participa da festa faz parte do povo de Deus;
IV. Tem um significado exclusivista - o estrangeiro não tem parte com Deus e com o povo de Deus. Para eles o estrangeiro era o não circuncidado, o gentio.
A SIMBOLOGIA PASCAL
Na páscoa hebraica temos alguns símbolos que merecem ser estudados:
I. O cordeiro deveria ser perfeito - não se deve ofertar a Deus nada imperfeito (Ml 1.8 e 13);
II. O sangue indica a cobertura de uma transgressão (Hb 9.22). Os egípcios e hebreus eram igualmente pecadores, mas somente os hebreus estavam cobertos pelo sangue;
III. As ervas amargas simbolizavam o sofrimento sob os egípcios, mas também o resultado do pecado: sofrimento, amargura, dor;
IV. Os pães ázimos simbolizavam pureza. O pão seria só de trigo, água e sal, sem qualquer elemento que mudasse as características essenciais destes elementos. A vida do povo deveria ser caracterizada pela pureza, aparentando o que eram no íntimo (Is 1.11-18);
V. A pressa mostrava que Deus queria que seu povo saísse o mais rapidamente da escravidão e do pecado. O fato de comerem vestidos para viagem (sem a autorização de faraó) indicava também que criam que Deus é maior e mais poderoso que faraó e seus deuses. Era uma questão de fé em Deus.
Tudo na primeira páscoa apontava para Jesus Cristo:
I. Jesus Cristo é o cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo (Jo 1.29), mediante o derramamento do seu sangue (Hb 9.14), cordeiro perfeito e eterno (I Pe 1.17-21);
II. Nenhum dos ossos do cordeiro seriam quebrados - assim como nenhum osso de Jesus o foi (Sl 34.20 cp. Jo 19.36);
III. A carne do cordeiro não deveria ver corrupção, como também Jesus não viu (Sl 16.10);
IV. As ervas eram uma lembrança da amargura e do sofrimento no Egito - e Jesus experimentou todo o sofrimento com sua paixão e morte (Mt 26.39 e 27.46), e os cristãos também devem sentir tristeza por seus pecados.
JESUS CRISTO NA ÚLTIMA PÁSCOA
Pouco antes da sua morte Jesus celebra o que pode ser chamado apropriadamente de última páscoa hebraica, pois à partir dali ela assume um novo significado. Já não há mais necessidade de cordeiros ou sangue (Hb 9.11-12), pois o sacrifício de Cristo, feito de uma vez para sempre, torna obsoleto a morte de um animal inocente que apenas representava o cordeiro eterno, Jesus Cristo. A realidade (o próprio Jesus Cristo) torna obsoleta, desnecessária, a figura (o cordeiro ou cabrito).
Também não há mais necessidade de ervas amargas, pois a nova páscoa é a celebração não apenas da morte de Jesus em nosso lugar, mas o anúncio da sua vitória sobre a morte, da sua ressurreição, trazendo vida pra seu povo. A páscoa cristã deve ser alegre e festiva. É a lembrança do momento em que a nossa vitória foi alcançada, não por nós, mas para nós - plena, retumbante, completa e definitiva.
A nova páscoa tem apenas dois elementos: o pão, símbolo do seu corpo, e o vinho, símbolo do seu sangue. Os cristãos, ao participarem desta nova páscoa, afirmam que, pela fé, se reconhecem como membros do povo de Deus. Os que não participam ainda não pertencem ao povo de Deus, mas podem vir a pertencer. A nova páscoa é uma proclamação da vida, e um anúncio do evangelho, um convite aos que ainda não participam.
A PÁSCOA DO PONTO DE VISTA DE JESUS
Falar de páscoa é falar da ressurreição de Jesus, mas, no ponto de vista da segunda pessoa da trindade, a páscoa começa muito antes daquela sexta-feira. O significado da páscoa para Jesus Cristo pode ser encontrado em Fp 2.5-11.
A paixão é o processo de humilhação do Senhor Jesus. Ele sendo essencial (v. 6) e plenamente divino (Cl 2.9) não se prendeu nem mesmo à sua glória eterna como se isso fosse um empecilho para vir resgatar seu povo (Jo 2.4 cf. Jo 18.37), esvaziando-se, isto é, abrindo mão consciente e voluntariamente de do uso de seus atributos divinos (embora não os tenha perdido - vd. Jo 19.11; Mt 26.53), e, mesmo sendo o Senhor altíssimo (Is 6.1 cf. Jo 12.41) assumiu a forma de servo (escravo, v. 7), com suas limitações (fome, dor, sede, sono, sofrimento e mortalidade), sendo reconhecido em figura humana, podendo agora ser contemplado (cp. Ex 33.20 e I Jo 1.1) e até mesmo ferido (Mt 27.29) e escarnecido (Mc 14.65). Mas um detalhe que não pode ser esquecido é que ninguém humilhou Jesus, mas ele mesmo escolheu este caminho para que, experimentando nossas dores, fosse mais acessível sumo sacerdote (Hb 4.15-16).
Jesus foi obediente até a morte, experimentando algo que nem os homens deveriam experimentar, pois ela é uma conseqüência do pecado. Esta experiência foi por sua livre vontade (Tt 2.14 cp. Mt 26.42 e Jo 10.17-18). Mas não foi uma morte qualquer, mas na cruz, lugar de maldição (Dt 21.23 cf. I Pe 2.24) onde nós deveríamos estar, não ele, o Deus santo (Is 6.3). Foi a morte do justo no lugar devido aos injustos (I Pe 3.18).
À partir da ressurreição Jesus começa a retomada do estado de exaltação (v.9) que havia deixado para morrer em nosso lugar. Ele foi ressurreto por obra de Deus (At 13.30-34 e Rm 10.9) sendo, além de Senhor por direito de criação, também por direito de resgate. Jesus tem o nome mais exaltado, o único que deve ser invocado em busca de salvação (cp. Jl 2.32 e At 4.12). Diante de Jesus não se colocarão mais escarnecedores, mas adoradores (Lc 4.8 cp. Jo 20.28), que desejam louvá-lo de todo o seu coração. Jesus já recebia louvor no Antigo Testamento (Is 6.3) e também recebe no novo, tanto na terra (Mt 21.16 e I Pe 1.7) como nos céus (Ap 4.10 e 15.3).
Tudo isto porque, aquele que veio como servo, agora assumiu o lugar que é seu de direito, como Senhor (v. 11) e soberano sobre toda a criação (Lc 24.3). Ninguém mais tem o direito de se opor ao Senhor de toda a terra, Senhor dos senhores (Dt 10.17) e rei dos reis (Ap 17.4), pelo contrário, todos devem adorá-lo e louvá-lo de todo o seu coração, pois com o coração se crê para justiça e com a boca se confessa para salvação (Rm 10.10).
Assim, celebremos a nova aliança feita pelo sangue de Cristo que substituiu a páscoa judaica porque nosso Senhor Jesus morreu e ressuscitou; ressuscitou e vive, vive e reina, reina e voltará para os seus.

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