INTRODUÇÃO
1 Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus
Cristo, às doze tribos que se encontram na Dispersão, saudações.
Normalmente, quando estudamos um texto bíblico, nos
perguntamos: quem é o seu autor? E, no caso da carta de Tiago, esta é uma
questão que intrigou a igreja desde o Séc. II, quando o processo de
reconhecimento do cânon bíblico.
Um herege gnóstico, Marcião de Sinope, simplesmente rejeitou
a carta como inspirada e até Martinho Lutero não a aceitava, chamando-a
pejorativamente de ‘carta de palha’ – possivelmente ele achava que o escritor
seria uma pessoa que usou o nome de Tiago para ganhar credibilidade. Orígenes e
Clemente, ambos de Alexandria, não a aceitaram porque achavam que ela
contradizia a doutrina paulina da justificação pela fé somente – quando na
verdade ela não trata da doutrina da justificação, mas da santificação dos
justificados.
Mas a igreja, analisando o conteúdo e crendo ter elementos
para definir sua autoria, a recebeu e ela tem abençoado a vida de muitos
cristãos ao longo destes dois milênios.
Houve, inicialmente, quem pensasse que ela tivesse sido
escrita por Tiago, irmão de João, filho de Zebedeu, mas sua morte precoce nas
mãos de Herodes parece ir contra esta possibilidade (At 12:1
Por aquele tempo, mandou o rei Herodes prender alguns da igreja para os
maltratar, 2 fazendo passar a fio de espada a Tiago, irmão de João).
Entre os apóstolos havia outro Tiago, filho de Alfeu (Mt 10:3 Filipe e Bartolomeu; Tomé e Mateus, o
publicano; Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu; Mc 15:40
Estavam também ali algumas mulheres, observando de longe; entre elas, Maria
Madalena, Maria, mãe de Tiago, o menor, e de José, e Salomé) mas
ele aparece tão pouco nos relatos no Novo Testamento que seria natural que ele
se apresentasse um pouco melhor.
A igreja primitiva aceitou a carta porque conhecia bem seu
destinatário, sua ligação familiar com Jesus também pode ter sido um fator
auxiliar, e provavelmente por isto Tiago dispensou uma apresentação mais
elaborada para seus irmãos judeus. Lembremos que ele escreveu para ‘as doze
tribos que se encontram na dispersão’, isto é, para a comunidade judaica, da
qual, com certeza, ele se sentia parte.
O autor da carta é Tiago, irmão mais jovem de Jesus, que
conheceu o ensino no Mestre, mas, a princípio, não creu nele (Jo 7.5 Pois nem mesmo os seus irmãos criam nele)
e provavelmente estava entre os que queriam levar Jesus para casa ‘para seu
próprio bem’ (Mc 3:20 Então, ele foi para casa. Não
obstante, a multidão afluiu de novo, de tal modo que nem podiam comer. 21
E, quando os parentes de Jesus ouviram isto, saíram para o prender; porque
diziam: Está fora de si; Mc 3:31
Nisto, chegaram sua mãe e seus irmãos e, tendo ficado do lado de fora, mandaram
chamá-lo).
Tiago creu em Jesus em algum momento entre a prisão e o
Pentecostes, pois aparece entre os discípulos de Jesus no cenáculo (At 1:14 Todos estes perseveravam unânimes em
oração, com as mulheres, com Maria, mãe de Jesus, e com os irmãos dele)
porque Jesus lhe apareceu antes de aparecer ao grupo apostólico mais amplo (1Co 15:5 E apareceu a Cefas e, depois, aos doze. 6
Depois, foi visto por mais de quinhentos irmãos de uma só vez, dos quais a
maioria sobrevive até agora; porém alguns já dormem. 7 Depois, foi
visto por Tiago, mais tarde, por todos os apóstolos) como ele
próprio pode ter contado ao apóstolo Paulo quando se encontraram (Gl 1.9 ...e não vi
outro dos apóstolos, senão Tiago, o irmão do Senhor).
Veja também que ele parece ter a primazia ao ser citado por
Paulo (Gl 2:9 ...e, quando conheceram a graça que
me foi dada, Tiago, Cefas e João, que eram reputados colunas, me estenderam, a
mim e a Barnabé, a destra de comunhão, a fim de que nós fôssemos para os
gentios, e eles, para a circuncisão) e aparentemente é reconhecido
líder principal da igreja de Jerusalém e autoridade inconteste da igreja
apostólica, falando por último e proferido algo como um ‘acordão’ da reunião (At 15.13 Depois que eles terminaram, falou Tiago,
dizendo: Irmãos, atentai nas minhas palavras...).
Resolvido o problema da autoria, devemos dar um passo
adiante: para quem Tiago escreve? Ele afirma claramente que os destinatários
são ‘as doze tribos na Dispersão’, termo comum para indicar os judeus da
diáspora, aqueles que não voltaram nos dias de Esdras e Neemias, acrescidos dos
que foram dispersos no período 400 anos de muitos problemas políticos e
militares na Palestina até os dias de Jesus.
Isto é importante porque nos dias de Tiago havia muitos
tipos de religiosidade, algumas contemplativas que rejeitavam a necessidade de
se preocupar com qualquer aspecto da vida comum, e entendiam que a fé era uma
questão de conhecimento das doutrinas corretas e simples aceitação, sem
necessidade de preocupação com a vida prática. Tiago não concorda com isso.
Outra forma de ver a fé era um conjunto de práticas rituais,
comuns tanto no judaísmo quanto ao paganismo.
Sob este ponto de vista bastava fazer as coisas ‘do jeito
certo’ e tudo estaria resolvido. Cumpriu o papel, fez tudo certinho no culto,
bateu o carimbo? Então, o que você faz depois não tem muita importância.
Mas será que é isto mesmo o que o Senhor quer (Is 1:12 Quando vindes para comparecer perante mim, quem vos requereu o só pisardes os meus átrios? 13 Não continueis a trazer ofertas vãs; o incenso é para mim abominação, e também as Festas da Lua Nova, os sábados, e a convocação das congregações; não posso suportar iniqüidade associada ao ajuntamento solene)? Mas os judeus, os que pertenciam às tribos na dispersão, acreditavam que a fé e a vida piedosa caminhavam juntas. O justo não era apenas o que conhecia a doutrina, mas o que a praticava. O conhecimento sem prática é inútil, e é este o ponto central da carta de Tiago (Tg 4:17 Portanto, aquele que sabe que deve fazer o bem e não o faz nisso está pecando).
Uma pergunta preciosa que podemos nos fazer para entender um
texto bíblico (depois de procurar saber sobre sua autoria e destinatários) é
perguntar: por que este texto foi escrito? O que o Senhor queria ensinar para
‘as doze tribos da dispersão’ e o que ele quer ensinar para mim hoje?
Para o ‘apóstolo’ Tiago, assim como para Miquéias,
conhecimento e vida piedosa são inseparáveis (Mq 6:8
Ele te declarou, ó homem, o que é bom e que é o que o SENHOR pede de ti: que
pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus).
E é exatamente isto o que Deus queria falar para a sua
igreja através da carta de Tiago. Eu creio que é isto o que Deus quer falar
para sua igreja hoje, aqui, neste exato momento e lugar.
O inspirador da carta certamente sabe tudo sobre o coração
do homem – sabe tudo sobre o meu e o seu coração e ele que nos ajudar a
conhecer o nosso próprio coração. Não é suficiente dizer que o coração do homem
é enganoso, corrupto ou coisas semelhantes (Jr 17:9
Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto;
quem o conhecerá?).
É preciso que você conheça a si mesmo, suas motivações para o bem e suas fraquezas para o mal, e para isso Tiago nos oferece algumas ‘questões teste’.
2 Meus irmãos, tende por motivo de toda
alegria o passardes por várias provações,
É comum encontrarmos diversos tipos de teste na internet.
Teste para você saber se é de direita ou de esquerda, testa para conhecer seu
perfil psicológico, teste para descobrir vocação profissional etc. Testes,
testes e mais testes. Vamos ler a carta de Tiago e, através dela, fazer um
teste sobre a natureza da nossa fé.
A primeira coisa que Tiago propõe é: como você se sente nas
provações? Talvez você comece a pensar em questões de saúde, ou de emprego, ou
de relacionamentos familiares ou interpessoais – sim, problemas nestas áreas
podem ser instrumentos de provação, mas não é exatamente deste tipo de provação
que Deus está falando aqui.
É algo semelhante a exigir que você visite os presos porque
Jesus disse que você tem que visitá-los. É claro que o evangelho tem que chegar
a todos, inclusive aos presos. Mas a questão é: de que presos Jesus está
falando (Mt 25:43 ...sendo forasteiro, não me
hospedastes; estando nu, não me vestistes; achando-me enfermo e preso, não
fostes ver-me)?
Ele está falando daquele que estão presos por causa da sua
fé (1Pe 4:14 Se, pelo nome de Cristo, sois
injuriados, bem-aventurados sois, porque sobre vós repousa o Espírito da glória
e de Deus. 15 Não sofra, porém, nenhum de vós como assassino, ou
ladrão, ou malfeitor, ou como quem se intromete em negócios de outrem; 16
mas, se sofrer como cristão, não se envergonhe disso; antes, glorifique a Deus
com esse nome) como vai acontecer, mais tarde, com o apóstolo
Paulo (2Tm 1:8 Não te envergonhes, portanto, do
testemunho de nosso Senhor, nem do seu encarcerado, que sou eu; pelo contrário,
participa comigo dos sofrimentos, a favor do evangelho, segundo o poder de Deus).
Tiago está falando do sofrimento por causa da fé. Se alguém
está desempregado por ter sido um mau empregado, um negligente, preguiçoso ou
incompetente, então não se trata de perseguição, o caso é de aprender a
trabalhar como justo.
Se está desempregado por questões conjunturais, crises
econômicas ou algo parecido então a igreja deve ajudar aquele que está sofrendo
(Gl 6:10 Por isso, enquanto tivermos oportunidade,
façamos o bem a todos, mas principalmente aos da família da fé).
Mas se está sofrendo, se, por exemplo, perdeu o emprego por perseguição
religiosa, por verdadeira perseguição religiosa, então, este sim, é um
perseguido por causa de Jesus (Jo 15:20
Lembrai-vos da palavra que eu vos disse: não é o servo maior do que seu senhor.
Se me perseguiram a mim, também perseguirão a vós outros; se guardaram a minha
palavra, também guardarão a vossa).
Mas como isto funciona como um teste de fé? Teste seu
coração. Se o seu sofrimento é por causa da fé em Jesus, se você está sofrendo
perseguição religiosa, como fica o seu coração? Se a perseguição é mesmo por
causa da sua fé então você não pode deixar-se tomar por sentimentos de
comiseração, se achando um pobre coitado injustiçado. Injustiçado foi Jesus, e
mesmo assim ele não retrocedeu.
Se a perseguição é por causa de sua fé, então seu coração
não pode ser tomado de desejo de vingança contra os perseguidores, porque não é
isso o que o Senhor chama de verdadeira justiça (Mt 5:44
Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem).
A perseguição, por causa do Senhor Jesus, deve ser motivo
para o crente ser tomado de toda alegria (paj xara). Esta
expressão tem basicamente dois significados: gozo e deleite calmo. Não se trata
de sair pulando no meio da rua como quando seu time ganha um campeonato, mas
sentir-se interiormente feliz por saber que foi considerado digno de sofrer por
causa de Cristo (At 5:41 E eles se retiraram do
Sinédrio regozijando-se por terem sido considerados dignos de sofrer afrontas
por esse Nome).
Paulo (que muitos usaram como pretexto para rejeitar a carta
de Tiago) escreve aos crentes tessalonicenses concordando inteiramente com
Tiago, dizendo que sofrer por causa da fé é uma evidência de que está havendo
desenvolvimento, crescimento na fé (2Ts 1:3
Irmãos, cumpre-nos dar sempre graças a Deus no tocante a vós outros, como é
justo, pois a vossa fé cresce sobremaneira, e o vosso mútuo amor de uns para
com os outros vai aumentando, 4 a tal ponto que nós mesmos nos
gloriamos de vós nas igrejas de Deus, à vista da vossa constância e fé, em
todas as vossas perseguições e nas tribulações que suportais, 5
sinal evidente do reto juízo de Deus, para que sejais considerados dignos do
reino de Deus, pelo qual, com efeito, estais sofrendo).
Você nem precisa procurar muito para perceber que o ensino
da bíblia é exatamente o contrário do que dizem algumas falsas igrejas em seu
falso evangelho de prosperismo – quando, na verdade, apenas os líderes
prosperam.
Se você sofre por ser uma pessoa má e negligente, eu nem
posso dizer que sinto muito, pelo contrário, tenho o dever de lhe dizer que
você não é um coitadinho. Você merece – e isso é motivo de vergonha e mudança.
Mas se você sofre por ser cristão, então você não é um coitadinho – você foi considerado digno de sofrer afrontas por causa do mestre – e isto sim, é motivo de ‘toda alegria’ na presença do Senhor. Isto indica que precisamos, de fato, testar a que experiências de fé temos sido submetidos para que passemos no teste e alcancemos um nível mais elevado em nossa experiência de vida cristã.
3 sabendo que a provação da vossa fé, uma vez
confirmada, produz perseverança.
A maioria dos motoristas já teve a experiência de, em
viagem, ver um pássaro atravessar a pista em frente ao seu carro enquanto
dirige em alta velocidade e pensar: com tanto espaço para esse bichinho passar,
tinha que ser justamente aqui, agora e na frente do meu carro? Eu chamo isto de
‘síndrome de umbigo do mundo’, isto é, acreditar que este tipo de coisa só
aconteceu ali e com aquele personagem.
Mas o fato é que milhares, talvez milhões de pássaros tenham
atravessado as pistas de autoestradas naquele mesmo dia – e talvez muitos
passaram naquele mesmo lugar sem que ninguém tenha visto. Mas aquela é a ‘sua
experiência’ e, por isso, a mais importante. Mas nós não a testamos.
Quando pensamos nas provações, especialmente na provação da
nossa fé, devemos nos lembrar que a provação não acontece exclusivamente
conosco. Já aconteceu no passado com servos de Deus como os apóstolos (At 5:41 E eles se retiraram do Sinédrio
regozijando-se por terem sido considerados dignos de sofrer afrontas por esse
Nome).
Aconteceu com Tiago, que foi passado ao fio da espada por
Herodes (At 12:1 Por aquele tempo, mandou o rei
Herodes prender alguns da igreja para os maltratar, 2 fazendo passar
a fio de espada a Tiago, irmão de João),
Paulo, encarcerado várias vezes e com outros servos de Deus
ao longo da história a ponto de terem seu sangue derramado para não
condescenderem com o pecado, muito provavelmente referindo-se à idolatria e
sacrifício ao imperador romano (Hb 12:4 Ora, na
vossa luta contra o pecado, ainda não tendes resistido até ao sangue).
A palavra provação (dokimoion)
significa ‘teste de confiabilidade’. Quais são as experiências de provação,
isto é, de teste por causa da fé que você tem enfrentado? Não quero menosprezar
nenhuma experiência. Deve ser muito dolorido para uma criança ser deixada de
fora das brincadeiras de sua turma por ser ‘crente’. Com certeza fere o
amor-próprio de muitos adolescentes quando são rejeitados nas ‘turminhas’
porque eles sabem que ele é um cristão sincero, fiel e dedicado, e que deseja
viver de maneira santa porque quer agradar ao seu Senhor (Hb 12:14 Segui a paz com todos e a santificação,
sem a qual ninguém verá o Senhor).
Para quem está de fora estas experiências podem parecer
pequenas – mas não são para quem está passando por elas. Elas não devem ser
desprezadas porque são experiências reais e as dores que elas causam são dores
reais.
O que você, crente, precisa saber é que você está sendo
provado. A sua fé está sendo provada. O mundo pode fazer-lhe um aceno, dizendo
que se você for como eles você será aceito. Sua fé está sendo provada. Antes de
aceitar, lembre-se da parábola do filho pródigo.
O mundo o aceitou enquanto tinha o que tirar dele. Tirou-lhe
o dinheiro, tirou-lhe o sustento, tirou-lhe a honra e ele acabou cuidando de
porcos sem ter direito sequer a comer da comida que era dada aos animais (Lc 15:16 Ali, desejava ele fartar-se das
alfarrobas que os porcos comiam; mas ninguém lhe dava nada). Não
se trata aqui do tipo de trabalho, a humilhação não está no trabalho, mas do
fato de que aquele trabalho específico era um símbolo, dentro da cultura
judaica do primeiro século, do cúmulo da humilhação.
O mundo vai pedir para você parecer como ele, para você
ceder. Sua fé está sendo provada o tempo todo. O mundo lhe abre uma janela
cheia de luzes e diz: seja como nós, pense como nós, aja como nós – há lugar
para você à nossa mesa, mas não ceda (Sl 1:1
Bem-aventurado o homem que não anda no conselho dos ímpios, não se detém no
caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores).
Sua fé está sendo provada.
Você está sendo provado e a única resposta que você
aceitável que você pode dar é perseverar. Perseverança (upomonh) significa, entre outras coisas,
suportar o peso com suave resignação). Persevere, não ceda.
Quando você disser não aos doces convites para abandonar o
reto caminho eles serão substituídos por ameaças (At 4:21
Depois, ameaçando-os mais ainda, os soltaram, não tendo achado como os
castigar, por causa do povo, porque todos glorificavam a Deus pelo que
acontecera). Persevere, não ceda.
Quando você insistir em perseverar diante das ameaças eles
passarão à ação (At 5:40 Chamando os
apóstolos, açoitaram-nos e, ordenando-lhes que não falassem em o nome de Jesus,
os soltaram). Persevere, não ceda.
E quando nem a violência resolver, ameaçarão a sua vida (At 23:14 Estes, indo ter com os principais sacerdotes e os
anciãos, disseram: Juramos, sob pena de anátema, não comer coisa alguma,
enquanto não matarmos Paulo).
Então, meu irmão e irmã, o que a sua fé está produzindo? O
que ela produz quando é testada, quando é provada? Estas indagações nos levam
ao próximo teste: o teste das reações. Como você reage quando sua fé é provada?
4 Ora, a perseverança deve ter ação completa,
para que sejais perfeitos e íntegros, em nada deficientes.
Talvez você tenha respostas automáticas a determinadas
situações. Pessoas que convivem muito tempo, como marido e mulher, sabem como o
outro costuma, em situações normais, reagir a determinadas circunstâncias. Pais
sabem o que esperar dos filhos e filhos sabem o que esperar dos pais –
normalmente.
Todos reagem a estímulos. Reagimos a toques, a sons e a
luzes. E reagimos às adversidades. Como você reage às provações da sua fé?
Lamentavelmente tem sido ensinado por falsários religiosos que o crente não
pode sofrer. É bem conhecida a música ‘Pare de
sofre agora, Jesus tem para você toda vitória, agora só depende de você,
continuar sofrendo, ou vencer”. É verdade isso? Isso é uma
verdade factual? Você vê isto na história dos crentes no Senhor Jesus? Isto é
uma verdade teológica? Você vê isso nas Escrituras?
Por causa deste tipo de ensino universalmente anunciado,
muitos crentes não estão dispostos a suportar o sofrimento, qualquer tipo de
sofrimento, nem mesmo uma simples dor de cabeça. E, quando tem problemas,
lamentam, murmuram, esperneiam e choram como meninões minados. Muitos jamais
saberão o que significa ter sua fé provada.
Se forem submetidos a provação da fé, como se sairão? Sem
grandes provas já se lamentam, murmuram, esperneiam nas redes sociais, fazem
ameaças e alguns chegam a blasfemar contra Deus – mas a pergunta bíblica é: o
que a provação da sua fé está produzindo. Segundo o apóstolo Tiago, ela deve,
se for mesmo perseguição por causa da verdadeira fé, produzir perseverança
aliada à alegria. Assim, podemos dizer que a provação da fé produz alegre
perseverança.
Mas Tiago vai além e diz que a provação da fé deve produzir
perseverança completa. A palavra que traduzimos por completa (teleioj)
significa produzir crescimento moral, deve resultar em maturidade para o crente
que é provado, e isto pode, sim, ser verificado objetivamente.
A bíblia nos traz dois ‘casos’ para analisarmos. O primeiro
é o do apóstolo Paulo. Paulo era blasfemo, insolente e perseguidor da igreja (1Tm 1:13 ...a mim, que, noutro tempo, era
blasfemo, e perseguidor, e insolente. Mas obtive misericórdia, pois o fiz na
ignorância, na incredulidade) – e foi alcançado pela misericórdia
do Senhor, tornando-se um instrumento de divulgação do evangelho entre os
gentios (At 9:15 Mas o Senhor lhe disse: Vai, porque
este é para mim um instrumento escolhido para levar o meu nome perante os
gentios e reis, bem como perante os filhos de Israel; 16 pois eu lhe
mostrarei quanto lhe importa sofrer pelo meu nome).
Em que Paulo nos ajuda a entendermos este assunto? Paulo foi
provado – inicialmente foi rejeitado pela igreja (At 9:26
Tendo chegado a Jerusalém, procurou juntar-se com os discípulos; todos, porém,
o temiam, não acreditando que ele fosse discípulo) e o
perseguidor tornou-se perseguido por causa da fé (Gl 1:23
Ouviam somente dizer: Aquele que, antes, nos perseguia, agora, prega a fé que,
outrora, procurava destruir), até que ele completa a sua
caminhada (2Tm 4:7 Combati o bom combate, completei a carreira,
guardei a fé).
Mas há outro exemplo. Um homem chamado Demas. Um homem que
foi companheiro de Paulo em seu trabalho missionário, colocado no mesmo patamar
de ‘cooperadores’ dos evangelistas Marcos e Lucas (Fm 1:24
Marcos, Aristarco, DEMAS e
Lucas, meus cooperadores) mas que, diante das provações da fé
abandonou o caminho do evangelho (2Tm 4:10 Porque Demas, tendo
amado o presente século, me abandonou e se foi para Tessalônica; Crescente foi
para a Galácia, Tito, para a Dalmácia). Note que as provações nem
sempre são ameaças, como já disse anteriormente, pois podem ser convites para
aproveitar os prazeres do mundo. Isto aconteceu com José, na casa de Potifar,
por exemplo (Gn 39:7 Aconteceu, depois destas coisas, que a mulher
de seu senhor pôs os olhos em José e lhe disse: Deita-te comigo).
Pergunte a você mesmo: em que a provação da sua fé tem lhe
ajudado a amadurecer de maneira integral? Nossa tradução não permite ver o jogo
de palavras que Tiago usa neste texto, mas vamos tentar entender de maneira
mais clara. É como se ele estivesse dizendo:
A provação da sua fé deve ser completa para completar você,
ela deve ser total para que você se desenvolva totalmente. Nenhuma área de sua
fé deve ser deixada de fora, porque só assim nenhuma área de sua vida ficará
sem o desenvolvimento necessário.
Existe uma certa zombaria entre os praticantes de
fisiculturismo quando alguém se dedica a desenvolver somente uma parte. Há
aqueles que fortalecem braços e peitoral, mas permanecem com outras partes do
corpo sem o mesmo desenvolvimento resultando numa figura no mínimo
desproporcional, para não usar uma expressão mais forte. Para evitar isto os
profissionais da educação física estabelecem programas de treinamento adequados
e balanceados. E cada parte do corpo vai se desenvolvendo mais ou menos na
mesma medida.
Quando o Senhor permite que a sua fé seja provada é para que
você cresça moral e espiritualmente (Fp 2:12
Assim, pois, amados meus, como sempre obedecestes, não só na minha presença,
porém, muito mais agora, na minha ausência, desenvolvei a vossa salvação com
temor e tremor), para que você se desenvolva até alcançar a
estatura de varão perfeito (Ef 4:13 Até que todos
cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita
varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo).
Você está crescendo? Como você está crescendo? Como saber estas coisas?
Como saber se você está sendo provado? E como saber se você
está progredindo como resultado da provação da sua fé?
Em situações de provação o cristão aprende a confiar mais em
Deus e a crer nele, mesmo quando somente a fé permite ver solução e vitória. O
crente sabe que, em Cristo, é mais que vencedor (Rm 8:37 Em
todas estas coisas, porém, somos mais que vencedores, por meio daquele que nos
amou) e sua vitória sobre o mundo e tudo o que ele é capaz de
provocar é obtida através da fé (1Jo 5:4 ...porque todo o que
é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que vence o mundo: a nossa
fé).
Não existe progresso na vida cristã sem lutas contra as
tentações, não existe crescimento na fé sem luta contra as tentações, não
existe batalhas vitoriosas sem combate a inimigos desejosos de ver a destruição
do crente. Mas como saber se você está progredindo? Que tal começar observando
se o fruto do Espírito está se manifestando em sua vida. Note que a bíblia não
fala de frutos do Espírito, mas do ‘fruto do Espírito’ (karpoj tou pneumatoj),
isto é, do resultado externo da disciplina divina, a expressão visível e
externa do poder que opera interna e invisivelmente pelo Espírito Santo no
crente.
Como saber se está progredindo no amor a Deus e ao próximo?
Você ama a Deus hoje mais do que amava ontem? Se estivesse, como Pedro um dia
esteve, diante da face com o Senhor que conhece profundamente o seu coração,
responderia positivamente a esta pergunta?
Você é capaz de perdoar quem te ofende, mesmo que esta
pessoa não lhe peça perdão? Amar quem te persegue sem que você tenha dado causa
a tal ação? Desejar o bem daqueles que se declararam seus inimigos quando, se
dependesse de sua vontade, haveria paz entre vocês e, mesmo odiado e
perseguido, ainda assim fazer-lhes o bem quando tiver oportunidade? Você tem
conseguido se concentrar mais em obedecer a Deus do que satisfazer seus
sentimentos em busca de um mínimo de satisfação?
Você consegue suportar mais ofensas e descaso com paciência
e resignação, impedindo o seu coração de guardar mágoas e entregando suas
causas ao Senhor com mais eficácia do que quando estava dando seus primeiros
passos como crente?
Você tem sido capaz de manter fielmente seus compromissos e
votos diante do Senhor e diante da igreja como fazia no começo de sua caminhada
de fé?
Você consegue adorar ao Senhor independente das
circunstâncias, mesmo quando sabe que há fruto na vide, nem gado no curral, nem
fruto nos olivais, nem ovelhas no aprisco?
Como você se sente quando é exortado ou repreendido
biblicamente? Você procura concentrar sua mente e coração nos conselhos
recebidos (Pv 19:20 Ouve o conselho e recebe a instrução, para
que sejas sábio nos teus dias por vir) ou se volta contra quem te
aconselha, como fazem os ímpios de dura cerviz (Pv 29:1 O
homem que muitas vezes repreendido endurece a cerviz será quebrantado de
repente sem que haja cura)?
Como você se sente quando as coisas não estão do jeito que
você acha que deve ser? Você se concentra em buscar alternativas e ajudar ou
levanta a sua voz em murmuração? Quando você encontra um murmurador você o
chama para oração e participação ou você permite que ele te influencie com sua negatividade?
Riqueza e ambientes alegres também podem ser convertidos em
provação. Reconhecimento, status, poder, honra e glórias mundanas também são
situações e provações, basta você olhar com o que satanás ousou tentar ao
Senhor Jesus Cristo no deserto.
Talvez você nem pense nestas situações como provações da
vossa fé. Talvez você sempre tenha pensado em provação da fé como o martírio ou
perseguição – mas a fé é provada em situações muito mais banais, em muito mais
oportunidades de servir a Deus em todo o tempo, nas oportunidades de fazer
todas as coisas, qualquer coisa, falando, comendo, bebendo, agindo, fazer todas
as coisas para a gloria de Deus (1Co 10:31 Portanto, quer
comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de
Deus).
ORIENTAÇÕES PRÁTICAS
Se você percebe que sua fé está sendo provada, então eis
algumas dicas para você saber se você está indo bem:
i.
Dedique-se ao conhecimento de Deus, buscando sua
intimidade através da oração (Sl 119:170 Chegue a minha
petição à tua presença; livra-me segundo a tua palavra).
ii.
Ajude seus irmãos a se fortalecerem mutuamente
na fé, através da oração, da comunhão e de palavras e sentimentos edificantes (At 2:46 Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam
pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de
coração).
iii.
Evite más companhias – ser membro de igreja não
faz desta pessoa uma boa companhia. Boa companhia é aquela que lhe conduz para
mais perto de Jesus Cristo (Sl 1:1 Bem-aventurado o homem que
não anda no conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos pecadores, nem se
assenta na roda dos escarnecedores).
iv.
Cuida da sua consciência e do seu coração,
porque muitos naufragaram na fé por desprezarem os avisos da sua consciência (1Tm 1:19 ...mantendo fé e boa consciência, porquanto alguns,
tendo rejeitado a boa consciência, vieram a naufragar na fé).
v.
Não despreza a comunhão dos santos – o desprezo
pela comunhão dos santos produz esfriamento espiritual e é pecado (Hb 10:25 Não deixemos de congregar-nos, como é costume de
alguns; antes, façamos admoestações e tanto mais quanto vedes que o Dia se
aproxima).
Deixe-me concluir com uma orientação direta e simples:
Seja grato ao Senhor em todas as coisas porque tudo de bom
que você tem recebido vem do Senhor, sempre bondoso e gracioso para contigo (Sl 119:65 Tens feito bem ao teu servo, SENHOR, segundo a tua
palavra). A maior prova de que alguém não está crescendo se e
quando sua fé é provada é a murmuração e a ingratidão.
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