19 Sabeis estas coisas,
meus amados irmãos. Todo homem, pois, seja pronto para ouvir, tardio para
falar, tardio para se irar. 20
Porque a ira do homem não produz a justiça de Deus. 21 Portanto,
despojando-vos de toda impureza e acúmulo de maldade, acolhei, com mansidão, a
palavra em vós implantada, a qual é poderosa para salvar a vossa alma. 22 Tornai-vos, pois,
praticantes da palavra e não somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos.
Uma das razões mais comuns das falhas de comunicação entre as pessoas acontece justamente porque, apesar de ter dois ouvidos, normalmente as pessoas têm pouca disposição e também pouca habilidade para ouvir. Lamentavelmente a maioria não desenvolve a habilidade de ouvir. Esta é uma deficiência absolutamente comum entre as pessoas, e, talvez, você esteja entre os quase 101% de pessoa que tem alguma dificuldade para ouvir.
E há alguns motivos para isso. Há quem não saiba ouvir
porque tem dificuldade de compreensão, porque as palavras podem ser usadas com
sentidos diferentes em contextos diferentes – isto gera desentendimento,
desinteresse ou incapacidade de atender.
Outros não sabem ouvir porque não tem interesse no que lhe é
dito. Ouvem quando são obrigadas, mas não tem disposição para absorver o
sentido das palavras e atender ao propósito da comunicação. É a famosa atitude
de fazer ‘ouvidos moucos’ ou ‘de mercador’, fazer de conta que está ouvindo.
Outros são incapazes de ouvir porque já decidiram como
pretendem agir e qualquer conversa é uma perda enfadonha de tempo, e nenhum
conselho, por melhor que seja a sua origem, é ouvido (Gn 4:7
Se procederes bem, não é certo que serás aceito? Se, todavia, procederes mal,
eis que o pecado jaz à porta; o seu desejo será contra ti, mas a ti cumpre
dominá-lo). Os sons e significados das palavras são ouvidos e compreendidos,
mas isto em nada vai mudar a disposição do coração porque já foi decidido o
curso das suas ações independentes da qualidade dos argumentos do outro.
As palavras chegam ao ouvido, mas a mente já respondeu:
‘você não vai me dizer o que devo fazer, você não manda em mim’.
Existem os impacientes que se colocam tanto na defensiva
quanto na ofensiva, são os que ‘acham’ que sabem o que vai ser dito e já
começam a argumentar se explicando ou rebatendo. Não há dúvida que isto
dificulta, quando não impossibilita, qualquer tipo de comunicação.
Tiago, o irmão de Jesus, afirma que esta atitude, que muitos
hoje interpretam como ‘imposição’, na verdade é uma tolice, é falta de
sabedoria. Tiago tem algo a nos dizer, e é por isso que ele começa esta seção
dizendo, no imperativo: sabeis estas coisas (wste). O crente é aquele que sabe (1Jo 2:20 E vós possuís unção que vem do Santo e
todos tendes conhecimento).
O que vamos ver agora é algo que Deus julgou que você
deveria saber. Vale a pena escutar.
19 Sabeis estas coisas, meus amados irmãos. Todo
homem, pois, seja pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar.
Tiago está falando para cristãos. Apesar de ser um judeu, de
ter crescido em um ambiente judaico, tendo praticamente as mesmas experiências
sociais e comunitárias ele segue o exemplo que percebeu no Senhor Jesus, seu
irmão, ele não limita sua mensagem aos judeus – ele está falando para os
cristãos de todas as épocas. Mas sua maneira de pensar é a de um judeu. Em que isto
nos ajuda?
Os ocidentais costumam pensar lógica, sucessiva e
cronologicamente. Assim, ao ler o verso 19 podemos ser tentados a pensar:
primeiro eu ouço, depois eu respondo e se as coisas ainda não se resolverem, eu
resolvo à minha maneira.
Tiago coloca duas atitudes, que à primeira vista parecem
opostas, mas que, na verdade, não precisam ser obrigatoriamente antagônicas. Pronto,
ou ligeiro (taxuj) é
uma atitude que não é, necessariamente o contrário de lento (braduj), pelo
menos não é assim neste contexto. A orientação de Tiago para a igreja de Cristo
é que ela deve ter prontidão, ligeireza, habilidade para ouvir o que precisa
ser ouvido.
Ouvir (akousai)
significa a capacidade de atentar para o sentido do que é dito e atender da
melhor maneira possível – significa entender, compreender. Normalmente as
pessoas são muito rápidas para retrucar (aliás, até mesmo antes de ouvir tudo
muitos já respondem), mas muito lentos ou até indispostos para atender. O
contrário pode ser verificado: uma pessoa que é rápida para ouvir, isto é, que
ouve bem, também pode ser lenta para responder.
A palavra grega (braduj) tem o sentido de ouvir algo como se
fosse lento de raciocínio, estúpido, mas também tem o sentido de ouvir
reflexivamente. O que isto significa?
Que ouvir é algo que se faz buscando compreender
adequadamente, sem precipitação. Quem ouve bem, e entende, refletindo
lentamente sobre o que ouviu não vai agir precipitadamente, não vai falar sem
pensar, não vai agir sem refletir e raramente vai dar lugar à ira, a não ser
que esta ira seja almejando a prática e o estabelecimento da justiça. Como
esperar este tipo de atitude da geração WhatsApp e da proliferação de
aplicativos de mensagens instantâneas onde as pessoas ficam simplesmente iradas
e magoadas quando a resposta de uma mensagem demora mais de alguns segundos?
O amor costuma ser construído ao longo de muitos anos, mas a
ira é instantânea – e Tiago diz-nos que isto é tolice, não é sabedoria, e muito
menos resultado da ação de Deus no coração e na mente do crente. A ira
instantânea é característica de quem não tem o Espírito, já que o fruto do
Espírito na vida do cristão é longanimidade (Gl 5:22
Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade,
bondade, fidelidade, 23 mansidão, domínio próprio. Contra estas
coisas não há lei). A ira não produz bons resultados, mas a
longanimidade muda até a inclinação do coração dos poderosos (Pv 25:15 A longanimidade persuade o príncipe, e a
língua branda esmaga ossos).
20 Porque
a ira do homem não produz a justiça de Deus. 21 Portanto, despojando-vos de toda impureza e acúmulo de
maldade, acolhei, com mansidão, a palavra em vós implantada, a qual é poderosa
para salvar a vossa alma.
Eu sou assim! Eu sempre faço as coisas do meu jeito! Se não
for do meu jeito não serve! Quantas crianças saem emburradas de uma brincadeira
porque a brincadeira não está do seu agrado, ou porque não consegue ser o
centro das atenções. Não há dúvida que o clima fica ruim, às vezes a
brincadeira prossegue – mas, no fim, todos perdem um pouco da alegria.
Certamente não é uma atitude sábia.
A sabedoria de Deus apresenta três atitudes que o sábio, que
recebe a instrução que vem de Deus (Tg 1.5
Se, porém, algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá
liberalmente e nada lhes impropera; e ser-lhe-á concedida) deve
ter na mais elevada consideração: evitar a ira, a impureza e a maldade. O que
Tiago quer dizer mesmo com isso?
Já vimos que a ira não produz bons resultados. Em primeiro
lugar, a palavra orgh,
aqui traduzida por ira, também significa a disposição natural, os impulsos da
alma humana. Se as ações naturais não produzem resultados perfeitos do ponto de
vista humano, quanto mais algo que satisfaça a justiça de Deus. Os esforços extenuantes
da sabedoria humana acabam produzindo desânimo e raiva ao serem frustrados
porque não conduzem aos resultados planejados por Deus.
Em segundo lugar, o resultado destas ações raivosas
geralmente, ou até invariavelmente, é ruim, produz desonra, mancha no caráter (ruparia),
impureza de alma. O servo de Deus deve ser despojado, remover do seu caminho (apotiqhmi) tudo
o que resulta em desânimo (e há alguns que chegam a blasfemar, lançar acusações
contra Deus), apesar de possíveis boas intenções, mas fora de sintonia com a
vontade de Deus.
Em terceiro lugar a permanência nestas inclinações acaba se
tornando um obstáculo, uma abundância ou acúmulo de males (perisseia kakia), mais
que as adversidades do dia a dia (Mt 6.34 Portanto, não vos inquieteis com o
dia de amanhã, pois o amanhã trará os seus cuidados; basta ao dia o seu próprio
mal).
Não é sábio desobedecer a Palavra de Deus. Estas coisas (ira, impureza e maldade) não estão de acordo com a vontade de Deus, e não trarão os resultados que devemos buscar com total prioridade (Mt 6.33 ...buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas) como quem tem fome e sede se esforça em busca água e comida (Mt 5.6 Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos), mas sabendo que está em busca de algo muito mais valioso e perene: a justiça de Deus.
21 Portanto,
despojando-vos de toda impureza e acúmulo de maldade, acolhei, com mansidão, a
palavra em vós implantada, a qual é poderosa para salvar a vossa alma.
Talvez você já tenha visto ou ouvido falar de pessoas que
são classificadas como acumuladores compulsivos. Pessoas acumulam coisas de
todos os tipos. Ser um acumulador compulsivo é diferente de ser um
colecionador. Um colecionador seleciona coisas que julga de valor e que talvez
outros também desejem. Mas há colecionadores de coisas absurdas, como meleca
ressecada do nariz ou bolinhas de lã de umbigo. Desculpe-me ferir seus ouvidos
com estas coisas, mas eu queria que você observasse o quão absurdas algumas
atitudes as pessoas podem ter. Já soube de gente que recolhia gatos ou
cachorros chegando a ter dezenas e até mais de uma centena de gatos.
Mas os colecionadores compulsivos vão além disso – eles
juntam de tudo até o ponto de não haver mais espaço no lugar onde moram. Suas
casas viram verdadeiros depósitos de entulho de todo tipo e em muitos casos
familiares abandonam estas pessoas que precisam de tratamento psicológico ou
psiquiátrico. Elas simplesmente sentem que não cabem ali (e às vezes não cabem
mesmo, fisicamente).
Somente se colocar em prática a cláusula anterior
despojar-se de impureza, parar de acumular a maldade é que o crente pode seguir
sua caminhada de progresso espiritual. Ele só pode acolher (dexomai) a
palavra se parar de acumular a maldade em seu coração. A palavra dexomai
significa receber e segurar, tomar para si mesmo, como algo não pode ser, sob
hipótese alguma rejeitado, mas que deve ser entesourado para si mesmo e visto
como algo que faz parte da estrutura de sua família.
Tirada a impureza a Palavra de Deus deve ser recebida com
submissão, com humildade de espírito, deixando-se conduzir mansamente por uma
força que sabe que é superior, por uma inteligência que reconhece ser
infinitamente mais sábia do que sua própria inteligência. Mas esta Palavra é
muito mais produtiva do que qualquer conhecimento que é possível ser obtido por
qualquer meio humano. Conhecimento produz cultura – mas a Palavra de Deus
produz muito, muito mais, a Palavra de Deus produz salvação quando é
implantada, enxertada (emfutoj)
na vida do crente. Este implante é tornado ao mesmo tempo congênito, essencial
e natural, profundo e interior, mas também tem grande utilidade para instruir a
quem se aproxima e observa, como se fosse uma flor, ou outdoor.
Tiago diz que esta Palavra é poderosa (dunamai) para fazer o que nenhum diploma faz, nem mesmo um diploma de teologia. Ela é tem aptidão e competência para produzir salvação (swsai) de sua própria alma. Isto é um poder exclusivo da Palavra de Deus, e qualquer coisa que seja colocada no lugar da Palavra de Deus é apenas acúmulo de lixo, de inutilidade, e, se é posto no lugar de Deus, é maldade.
22 Tornai-vos, pois, praticantes da palavra e não
somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos.
Uma coisa interessante sobre os acumuladores compulsivos é
que eles jamais usam a maioria das coisas que possuem – mas jamais se despojam
delas. Talvez sua esposa esteja olhando para você neste momento e pensando:
aquele cantinho bem que precisa de uma ‘despojada’. Calma! Não vamos criar
problemas conjugais, até porque daquela ‘bagunça’ sempre sai um parafuso
salvador em uma urgência qualquer. Além disso, mesmo que nós de vez em quando
percebamos que temos muitos apetrechos inúteis, como cabos, conectores fontes
em uma caixa qualquer, ou roupas, maquiagens, sapatos etc. vez por outra
sempre damos aquilo que chamo de ‘desbastada’, então, não, seu marido ou sua
esposa não é um acumulador compulsivo. No máximo gosta de guardar trecos que
costumam se mostrar úteis de vez em quando. E isto vale para os dois.
Veja a utilidade da verdadeira sabedoria: ela não pode ser
deixada guardada, ela muda a vida, muda a maneira de fazer as coisas (ginomai) e o
crente passa a praticá-la sem haver sequer a necessidade de planejar fazer isso
(poihtej). Você
guarda um diploma ou determinadas habilidades sem usá-las, mas não pode fazer
isto com a sabedoria porque ela é tornada intrínseca, interior, essencial,
passa a fazer parte da vida do crente, daquele que é tornado nova criatura e
feito como que um outdoor de Deus.
Assim como o mau procedimento é facilmente visto e condenado
publicamente (1Sm 2:23 E disse-lhes: Por que fazeis tais
coisas? Pois de todo este povo ouço constantemente falar do vosso mau
procedimento) os piedosos foram resgatadas deste procedimento mau
e fútil e são como outdoors de Deus (1Pe 1:18
...sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que
fostes resgatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram)
e mostram aos ímpios o poder transformador de Deus (1Pe 2:11
Amados, exorto-vos, como peregrinos e forasteiros que sois, a vos absterdes das
paixões carnais, que fazem guerra contra a alma, 12 mantendo exemplar o vosso
procedimento no meio dos gentios, para que, naquilo que falam contra vós outros
como de malfeitores, observando-vos em vossas boas obras, glorifiquem a Deus no
dia da visitação).
O crente é, e não pode ser diferente, um executor obediente
dos mandamentos da lei de Deus (poihtej).
Ele é o que faz as coisas segundo as normas (nossa palavra poeta vem deste
sentido, um cumpridor de regras estilísticas com os resultados esperados pela
norma – pelo menos era assim antigamente).
Do outro lado temos os que não fazem, que observam, que,
embora não façam, podem até se julgar no direito de julgar, são os ouvintes
inativos que podem falar muito e nada fazer (akroatej). Tiago poderia usar a palavra akuow,
que traz o sentido de submissão, mas ele prefere a que significa apenas
compreender o sentido dos sons.
São figueiras estéreis – tem ramos e folhas, estão vivos,
mas são improdutivos e, caso achem que assistir é suficiente como demonstração
de piedade estão engados (paralogozomai),
vivendo uma vida religiosa ilusória. Enganam-se a si mesmos, pode até enganar
outros igualmente enganados, mas não enganam a Deus, que discerne a aparência
do que está no coração.
Nenhum comentário:
Postar um comentário