segunda-feira, 7 de agosto de 2023

ESTUDOS NA CARTA DE TIAGO - V A SABEDORIA DE DEUS

 V. A SABEDORIA DE DEUS

19 Sabeis estas coisas, meus amados irmãos. Todo homem, pois, seja pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar. 20 Porque a ira do homem não produz a justiça de Deus. 21 Portanto, despojando-vos de toda impureza e acúmulo de maldade, acolhei, com mansidão, a palavra em vós implantada, a qual é poderosa para salvar a vossa alma. 22 Tornai-vos, pois, praticantes da palavra e não somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos.

Uma das razões mais comuns das falhas de comunicação entre as pessoas acontece justamente porque, apesar de ter dois ouvidos, normalmente as pessoas têm pouca disposição e também pouca habilidade para ouvir. Lamentavelmente a maioria não desenvolve a habilidade de ouvir. Esta é uma deficiência absolutamente comum entre as pessoas, e, talvez, você esteja entre os quase 101% de pessoa que tem alguma dificuldade para ouvir.

E há alguns motivos para isso. Há quem não saiba ouvir porque tem dificuldade de compreensão, porque as palavras podem ser usadas com sentidos diferentes em contextos diferentes – isto gera desentendimento, desinteresse ou incapacidade de atender.

Outros não sabem ouvir porque não tem interesse no que lhe é dito. Ouvem quando são obrigadas, mas não tem disposição para absorver o sentido das palavras e atender ao propósito da comunicação. É a famosa atitude de fazer ‘ouvidos moucos’ ou ‘de mercador’, fazer de conta que está ouvindo.

Outros são incapazes de ouvir porque já decidiram como pretendem agir e qualquer conversa é uma perda enfadonha de tempo, e nenhum conselho, por melhor que seja a sua origem, é ouvido (Gn 4:7 Se procederes bem, não é certo que serás aceito? Se, todavia, procederes mal, eis que o pecado jaz à porta; o seu desejo será contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo). Os sons e significados das palavras são ouvidos e compreendidos, mas isto em nada vai mudar a disposição do coração porque já foi decidido o curso das suas ações independentes da qualidade dos argumentos do outro.

As palavras chegam ao ouvido, mas a mente já respondeu: ‘você não vai me dizer o que devo fazer, você não manda em mim’.

Existem os impacientes que se colocam tanto na defensiva quanto na ofensiva, são os que ‘acham’ que sabem o que vai ser dito e já começam a argumentar se explicando ou rebatendo. Não há dúvida que isto dificulta, quando não impossibilita, qualquer tipo de comunicação.

Tiago, o irmão de Jesus, afirma que esta atitude, que muitos hoje interpretam como ‘imposição’, na verdade é uma tolice, é falta de sabedoria. Tiago tem algo a nos dizer, e é por isso que ele começa esta seção dizendo, no imperativo: sabeis estas coisas (wste). O crente é aquele que sabe (1Jo 2:20 E vós possuís unção que vem do Santo e todos tendes conhecimento).

O que vamos ver agora é algo que Deus julgou que você deveria saber. Vale a pena escutar.

19 Sabeis estas coisas, meus amados irmãos. Todo homem, pois, seja pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar.

Tiago está falando para cristãos. Apesar de ser um judeu, de ter crescido em um ambiente judaico, tendo praticamente as mesmas experiências sociais e comunitárias ele segue o exemplo que percebeu no Senhor Jesus, seu irmão, ele não limita sua mensagem aos judeus – ele está falando para os cristãos de todas as épocas. Mas sua maneira de pensar é a de um judeu. Em que isto nos ajuda?

Os ocidentais costumam pensar lógica, sucessiva e cronologicamente. Assim, ao ler o verso 19 podemos ser tentados a pensar: primeiro eu ouço, depois eu respondo e se as coisas ainda não se resolverem, eu resolvo à minha maneira.

Tiago coloca duas atitudes, que à primeira vista parecem opostas, mas que, na verdade, não precisam ser obrigatoriamente antagônicas. Pronto, ou ligeiro (taxuj) é uma atitude que não é, necessariamente o contrário de lento (braduj), pelo menos não é assim neste contexto. A orientação de Tiago para a igreja de Cristo é que ela deve ter prontidão, ligeireza, habilidade para ouvir o que precisa ser ouvido.

Ouvir (akousai) significa a capacidade de atentar para o sentido do que é dito e atender da melhor maneira possível – significa entender, compreender. Normalmente as pessoas são muito rápidas para retrucar (aliás, até mesmo antes de ouvir tudo muitos já respondem), mas muito lentos ou até indispostos para atender. O contrário pode ser verificado: uma pessoa que é rápida para ouvir, isto é, que ouve bem, também pode ser lenta para responder.

A palavra grega (braduj) tem o sentido de ouvir algo como se fosse lento de raciocínio, estúpido, mas também tem o sentido de ouvir reflexivamente. O que isto significa?

Que ouvir é algo que se faz buscando compreender adequadamente, sem precipitação. Quem ouve bem, e entende, refletindo lentamente sobre o que ouviu não vai agir precipitadamente, não vai falar sem pensar, não vai agir sem refletir e raramente vai dar lugar à ira, a não ser que esta ira seja almejando a prática e o estabelecimento da justiça. Como esperar este tipo de atitude da geração WhatsApp e da proliferação de aplicativos de mensagens instantâneas onde as pessoas ficam simplesmente iradas e magoadas quando a resposta de uma mensagem demora mais de alguns segundos?

O amor costuma ser construído ao longo de muitos anos, mas a ira é instantânea – e Tiago diz-nos que isto é tolice, não é sabedoria, e muito menos resultado da ação de Deus no coração e na mente do crente. A ira instantânea é característica de quem não tem o Espírito, já que o fruto do Espírito na vida do cristão é longanimidade (Gl 5:22 Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, 23 mansidão, domínio próprio. Contra estas coisas não há lei). A ira não produz bons resultados, mas a longanimidade muda até a inclinação do coração dos poderosos (Pv 25:15 A longanimidade persuade o príncipe, e a língua branda esmaga ossos).


20 Porque a ira do homem não produz a justiça de Deus. 21 Portanto, despojando-vos de toda impureza e acúmulo de maldade, acolhei, com mansidão, a palavra em vós implantada, a qual é poderosa para salvar a vossa alma.

Eu sou assim! Eu sempre faço as coisas do meu jeito! Se não for do meu jeito não serve! Quantas crianças saem emburradas de uma brincadeira porque a brincadeira não está do seu agrado, ou porque não consegue ser o centro das atenções. Não há dúvida que o clima fica ruim, às vezes a brincadeira prossegue – mas, no fim, todos perdem um pouco da alegria. Certamente não é uma atitude sábia.

A sabedoria de Deus apresenta três atitudes que o sábio, que recebe a instrução que vem de Deus (Tg 1.5 Se, porém, algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente e nada lhes impropera; e ser-lhe-á concedida) deve ter na mais elevada consideração: evitar a ira, a impureza e a maldade. O que Tiago quer dizer mesmo com isso?

Já vimos que a ira não produz bons resultados. Em primeiro lugar, a palavra orgh, aqui traduzida por ira, também significa a disposição natural, os impulsos da alma humana. Se as ações naturais não produzem resultados perfeitos do ponto de vista humano, quanto mais algo que satisfaça a justiça de Deus. Os esforços extenuantes da sabedoria humana acabam produzindo desânimo e raiva ao serem frustrados porque não conduzem aos resultados planejados por Deus.

Em segundo lugar, o resultado destas ações raivosas geralmente, ou até invariavelmente, é ruim, produz desonra, mancha no caráter (ruparia), impureza de alma. O servo de Deus deve ser despojado, remover do seu caminho (apotiqhmi) tudo o que resulta em desânimo (e há alguns que chegam a blasfemar, lançar acusações contra Deus), apesar de possíveis boas intenções, mas fora de sintonia com a vontade de Deus.

Em terceiro lugar a permanência nestas inclinações acaba se tornando um obstáculo, uma abundância ou acúmulo de males (perisseia kakia), mais que as adversidades do dia a dia (Mt 6.34 Portanto, não vos inquieteis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará os seus cuidados; basta ao dia o seu próprio mal).

Não é sábio desobedecer a Palavra de Deus. Estas coisas (ira, impureza e maldade) não estão de acordo com a vontade de Deus, e não trarão os resultados que devemos buscar com total prioridade (Mt 6.33 ...buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas) como quem tem fome e sede se esforça em busca água e comida (Mt 5.6 Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos), mas sabendo que está em busca de algo muito mais valioso e perene: a justiça de Deus.

21 Portanto, despojando-vos de toda impureza e acúmulo de maldade, acolhei, com mansidão, a palavra em vós implantada, a qual é poderosa para salvar a vossa alma.

Talvez você já tenha visto ou ouvido falar de pessoas que são classificadas como acumuladores compulsivos. Pessoas acumulam coisas de todos os tipos. Ser um acumulador compulsivo é diferente de ser um colecionador. Um colecionador seleciona coisas que julga de valor e que talvez outros também desejem. Mas há colecionadores de coisas absurdas, como meleca ressecada do nariz ou bolinhas de lã de umbigo. Desculpe-me ferir seus ouvidos com estas coisas, mas eu queria que você observasse o quão absurdas algumas atitudes as pessoas podem ter. Já soube de gente que recolhia gatos ou cachorros chegando a ter dezenas e até mais de uma centena de gatos.

Mas os colecionadores compulsivos vão além disso – eles juntam de tudo até o ponto de não haver mais espaço no lugar onde moram. Suas casas viram verdadeiros depósitos de entulho de todo tipo e em muitos casos familiares abandonam estas pessoas que precisam de tratamento psicológico ou psiquiátrico. Elas simplesmente sentem que não cabem ali (e às vezes não cabem mesmo, fisicamente).

Somente se colocar em prática a cláusula anterior despojar-se de impureza, parar de acumular a maldade é que o crente pode seguir sua caminhada de progresso espiritual. Ele só pode acolher (dexomai) a palavra se parar de acumular a maldade em seu coração. A palavra dexomai significa receber e segurar, tomar para si mesmo, como algo não pode ser, sob hipótese alguma rejeitado, mas que deve ser entesourado para si mesmo e visto como algo que faz parte da estrutura de sua família.

Tirada a impureza a Palavra de Deus deve ser recebida com submissão, com humildade de espírito, deixando-se conduzir mansamente por uma força que sabe que é superior, por uma inteligência que reconhece ser infinitamente mais sábia do que sua própria inteligência. Mas esta Palavra é muito mais produtiva do que qualquer conhecimento que é possível ser obtido por qualquer meio humano. Conhecimento produz cultura – mas a Palavra de Deus produz muito, muito mais, a Palavra de Deus produz salvação quando é implantada, enxertada (emfutoj) na vida do crente. Este implante é tornado ao mesmo tempo congênito, essencial e natural, profundo e interior, mas também tem grande utilidade para instruir a quem se aproxima e observa, como se fosse uma flor, ou outdoor.

Tiago diz que esta Palavra é poderosa (dunamai) para fazer o que nenhum diploma faz, nem mesmo um diploma de teologia. Ela é tem aptidão e competência para produzir salvação (swsai) de sua própria alma. Isto é um poder exclusivo da Palavra de Deus, e qualquer coisa que seja colocada no lugar da Palavra de Deus é apenas acúmulo de lixo, de inutilidade, e, se é posto no lugar de Deus, é maldade.

22 Tornai-vos, pois, praticantes da palavra e não somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos.

Uma coisa interessante sobre os acumuladores compulsivos é que eles jamais usam a maioria das coisas que possuem – mas jamais se despojam delas. Talvez sua esposa esteja olhando para você neste momento e pensando: aquele cantinho bem que precisa de uma ‘despojada’. Calma! Não vamos criar problemas conjugais, até porque daquela ‘bagunça’ sempre sai um parafuso salvador em uma urgência qualquer. Além disso, mesmo que nós de vez em quando percebamos que temos muitos apetrechos inúteis, como cabos, conectores fontes em uma caixa qualquer, ou roupas, maquiagens, sapatos etc. vez por outra sempre damos aquilo que chamo de ‘desbastada’, então, não, seu marido ou sua esposa não é um acumulador compulsivo. No máximo gosta de guardar trecos que costumam se mostrar úteis de vez em quando. E isto vale para os dois.

Veja a utilidade da verdadeira sabedoria: ela não pode ser deixada guardada, ela muda a vida, muda a maneira de fazer as coisas (ginomai) e o crente passa a praticá-la sem haver sequer a necessidade de planejar fazer isso (poihtej). Você guarda um diploma ou determinadas habilidades sem usá-las, mas não pode fazer isto com a sabedoria porque ela é tornada intrínseca, interior, essencial, passa a fazer parte da vida do crente, daquele que é tornado nova criatura e feito como que um outdoor de Deus.

Assim como o mau procedimento é facilmente visto e condenado publicamente (1Sm 2:23 E disse-lhes: Por que fazeis tais coisas? Pois de todo este povo ouço constantemente falar do vosso mau procedimento) os piedosos foram resgatadas deste procedimento mau e fútil e são como outdoors de Deus (1Pe 1:18 ...sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram) e mostram aos ímpios o poder transformador de Deus (1Pe 2:11 Amados, exorto-vos, como peregrinos e forasteiros que sois, a vos absterdes das paixões carnais, que fazem guerra contra a alma, 12 mantendo exemplar o vosso procedimento no meio dos gentios, para que, naquilo que falam contra vós outros como de malfeitores, observando-vos em vossas boas obras, glorifiquem a Deus no dia da visitação).

O crente é, e não pode ser diferente, um executor obediente dos mandamentos da lei de Deus (poihtej). Ele é o que faz as coisas segundo as normas (nossa palavra poeta vem deste sentido, um cumpridor de regras estilísticas com os resultados esperados pela norma – pelo menos era assim antigamente).

Do outro lado temos os que não fazem, que observam, que, embora não façam, podem até se julgar no direito de julgar, são os ouvintes inativos que podem falar muito e nada fazer (akroatej). Tiago poderia usar a palavra akuow, que traz o sentido de submissão, mas ele prefere a que significa apenas compreender o sentido dos sons.

São figueiras estéreis – tem ramos e folhas, estão vivos, mas são improdutivos e, caso achem que assistir é suficiente como demonstração de piedade estão engados (paralogozomai), vivendo uma vida religiosa ilusória. Enganam-se a si mesmos, pode até enganar outros igualmente enganados, mas não enganam a Deus, que discerne a aparência do que está no coração.

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