segunda-feira, 7 de agosto de 2023

ESTUDOS NA CARTA DE TIAGO - VI A DIFERENÇA ENTRE SER OUVINTE E PRATICANTE

VI. A DIFERENÇA ENTRE SER OUVINTE E PRATICANTE

23 Porque, se alguém é ouvinte da palavra e não praticante, assemelha-se ao homem que contempla, num espelho, o seu rosto natural; 24 pois a si mesmo se contempla, e se retira, e para logo se esquece de como era a sua aparência. 25 Mas aquele que considera, atentamente, na lei perfeita, lei da liberdade, e nela persevera, não sendo ouvinte negligente, mas operoso praticante, esse será bem-aventurado no que realizar.

Há coisas que as pessoas sabem que sabem, há coisas que as pessoas sabem sem saber e há coisas que as pessoas sabem e fazem como se não soubessem. Se a maioria das pessoas forem questionadas, rapidamente, sobre quanto é a metade de 2+2 logo respondem 2, porque, afinal, 2+2 é igual a 4, e a metade de 4 é 2.

Só que... lá atrás, quando ainda estavam no ensino fundamental, aprenderam que não é assim que se procede em matemática. Sabem, ou pelo menos aprenderam porque todo professor de matemática ensina, mas não aplicam a regra que é: faça primeiro divisão e multiplicação, na ordem em que aparecerem, e depois adição e subtração, sob a mesma regra de ordem. Assim, o resultado não é 2, mas é três, pois a metade de 2 é 1, mais 2 é igual a 3.

E o que isto tem a ver com a vida se você não é professor de matemática ou engenheiro? Não é a operação aritmética, mas um princípio que eu quero destacar e que pode ser muito útil na sua vida. Você quer saber a razão pela qual as pessoas erram esta operação tão simples? Porque sabem o que devem fazer, mas irrefletidamente não fazem o que devem e fazem o que acham que é certo (Tg 4:17 Portanto, aquele que sabe que deve fazer o bem e não o faz nisso está pecando).

A Bíblia é o livro da vida, não um livro de filosofia. Não há dúvidas de que os autores bíblicos escreveram para tratar de assuntos concretos, problemas vivenciados pela comunidade (como nas cartas aos coríntios, ou aos gálatas), entre pessoas e a comunidade (caso das cartas de Tito e Timóteo) ou por pessoas específicas (no caso da carta de Filemom). O evangelho de Mateus foi escrito com um propósito imediato diferente do de João, embora ambos tratem da mesma história, dos mesmos fatos, mas com o objetivo de ajudarem a igreja a enfrentar problemas diferentes.

Mas você também vai encontrar uma característica interessante: a abstração, a não identificação direta do destinatário, com Tiago faz no verso 23 (e vai repetir no verso 26). Considerada a orientação para que o crente viva a sua fé, seja um praticante e não apenas um ‘ouvinte não comprometido com o que ouve’, ele prossegue: se alguém (ei tij), justamente este ouvinte não praticante, se alguém se contenta com apenas ouvir então sua fé não passa da crença em algo aparente, externo, difuso, facilmente esquecível e que não terá utilidade alguma quanto tiver que enfrentar a provação – vai fraquejar porque sua crença não é a fé alicerçada na rocha dos séculos.

Contemplar em um espelho (que na maior parte das vezes não tinha a nitidez dos nossos espelhos atuais) era uma expressão que queria dizer que a pessoa não conseguia ver com clareza, com perfeição – e acho que você, aqui, agora, terá alguma dificuldade para lembrar exatamente do seu próprio rosto.

Tiago diz que religiosidade sem prática e ineficaz, vazia, sem utilidade e sem resultados consistentes. Mas o apóstolo oferece uma alternativa – a da verdadeira fé, vivida no dia a dia, com resultados bem-aventurados. É sobre isto que trataremos a partir de agora.

23 Porque, se alguém é ouvinte da palavra e não praticante, assemelha-se ao homem que contempla, num espelho, o seu rosto natural; 24 pois a si mesmo se contempla, e se retira, e para logo se esquece de como era a sua aparência.

A religião tem sido, historicamente, uma das forças motrizes das sociedades. Qualquer observador perceberá que nenhuma sociedade foi formada sem a presença da religião. Até mesmo a construção da ímpia Babel tinha Deus como referência, embora rejeitando-o. Eles queriam chegar até os céus (Gn 11:4 Disseram: Vinde, edifiquemos para nós uma cidade e uma torre cujo tope chegue até aos céus e tornemos célebre o nosso nome, para que não sejamos espalhados por toda a terra) numa repetição do mesmo pensamento da serpente, que disse a Eva que ela seria como Deus (Gn 3:5 Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal).

Babel inaugura um tipo de religião sem Deus – uma religião com seu próprio deus, a religião do homem. Ao invés de dar adoração a Deus seus construtores queriam que seus próprios nomes fossem tornados célebres – o que, de certa forma, efetivamente aconteceu. Este é o princípio da religião natural. Ela é criada por homens, feita para homens e para celebrar homens.

E é exatamente isto o que Tiago diz aqui. É a religião que tem a cara do homem, aliás, muito apropriada para descrever a religião da geração selfie. O homem não se contenta em ver o resultado do que faz, ele quer imprimir-se em suas obras. Ele não quer fazer coisas memoráveis, ele quer ser lembrado, quer ser visto, quer ser notado – quer ver-se no que faz. Vai à igreja? Tira uma selfie e posta nas redes sociais. Participa da ceia? Tira uma selfie e posta nas redes sociais. Faz uma doação? Tira uma selfie e posta nas redes sociais.

O problema é que tudo o que o homem sem Deus, o homem natural (genesewj) faz, qualquer forma de religião natural é passageira. A religião de Babel foi passageira, a religião de Babilônia foi passageira, a religião dos egípcios foi passageira, a religião dos romanos foi passageira e precisa ser renovada, reinventada, maquiada de tempos em tempos, assim como temos a dificuldade de lembrar exatamente como é o nosso próprio rosto. Eles tinham estátuas, totens, pinturas, alto relevos em paredes de templos e até em montanhas. Nós temos selfies e redes sociais.

O problema? Não glorifica a Deus. Não dá a Deus a glória que lhe é devida. Este tipo de religião é uma usurpação da glória que só ao Senhor é devida, e é, também uma ofensa ao Senhor (Is 42:8 Eu sou o SENHOR, este é o meu nome; a minha glória, pois, não a darei a outrem, nem a minha honra, às imagens de escultura).

Se o que o homem quer é ser como Deus, se o que quer é substituir Deus, então ele pode até se satisfazer com o engano de ser o seu próprio deus – mas sua religião é absolutamente ineficaz, porque não resolve o problema de seu pecado e de alienação do Deus verdadeiro.

23 Porque, se alguém é ouvinte da palavra e não praticante, assemelha-se ao homem que contempla, num espelho, o seu rosto natural; 24 pois a si mesmo se contempla, e se retira, e para logo se esquece de como era a sua aparência.

De que adianta olhar uma imagem que você logo vai se esquecer? Imagino que você já tenha sonhado encontrando um tesouro e guardando-o em algum lugar bem protegido, que pode até ser embaixo da sua cama, seu guarda-roupas ou qualquer outro. Você está todo feliz e, de repente, você acorda. Em alguns casos você, meio sonolento, tenta dormir de novo para continuar desfrutando daquele tesouro – mas de qualquer maneira você acordará dispondo dos mesmos recursos que tinha quando foi dormir. O tesouro de seus sonhos não vale nada simplesmente porque ele não existe.

Para que serve uma religião que tenha como divindade uma coisa qualquer que não existe? De que vale uma religião sem o Deus verdadeiro? Para que serve uma religião cujo deus ou cujos deuses são incapazes de fazer algo em seu favor (Sl 135:16 Têm boca e não falam; têm olhos e não vêem; 17 têm ouvidos e não ouvem; pois não há alento de vida em sua boca). Para que serve uma religião com deuses de pedra, madeira ou metal ou que não seja nada além de pensamentos e filosofias? Quem serve tais deuses e segue tais formas de religião estão trabalhando inutilmente (Sl 135:18 Como eles (os deuses que descritos nos versos 16-17) se tornam os que os fazem, e todos os que neles confiam). O que os que ensinam tais coisas? A bíblia diz simplesmente para não darmos ouvidos (Jr 23:16 Assim diz o SENHOR dos Exércitos: Não deis ouvidos às palavras dos profetas que entre vós profetizam e vos enchem de vãs esperanças; falam as visões do seu coração, não o que vem da boca do SENHOR).

Toda esta aparência serve somente para satisfazer a necessidade de culto que o homem tem em seu coração. Mas, como ele é um rebelde, como ele não quer dar a Deus a glória que é devida ao Senhor ele cria seus próprios deuses, sua própria religião. O reconhecimento de Deus como Senhor implicaria em obediência incondicional, em entrega de seus caminhos (Jo 22:5 Tende cuidado, porém, de guardar com diligência o mandamento e a lei que Moisés, servo do SENHOR, vos ordenou: que ameis o SENHOR, vosso Deus, andeis em todos os seus caminhos, guardeis os seus mandamentos, e vos achegueis a ele, e o sirvais de todo o vosso coração e de toda a vossa alma).

Tiago ensina que uma religião que esteja baseada apenas em aparência que pode ser prontamente esquecida (epelaqeto), pode ser desprezada pela mente, pode ser facilmente substituída por outra fantasia.

Com certeza isto explica a proliferação de pessoas que se declaram a si mesmas de ‘cristãos ecléticos’, que passaram por diversas formas de religião, diversas denominações e nunca chegaram a um compromisso com Deus simplesmente porque ainda não o encontraram para que, então, entregassem a vida confiantemente às suas mãos (Hb 13:6 Assim, afirmemos confiantemente: O Senhor é o meu auxílio, não temerei; que me poderá fazer o homem?).

Sem o Deus verdadeiro você não tem para quem entregar a sua vida – só lhe resta um pensamento, uma lembrança, uma miragem.

25 Mas aquele que considera, atentamente, na lei perfeita, lei da liberdade, e nela persevera, não sendo ouvinte negligente, mas operoso praticante, esse será bem-aventurado no que realizar.

Jesus disse a seus discípulos que, se eles quisessem que as pessoas acreditassem que eles eram seus discípulos eles deveriam ter duas características: a primeira, obviamente, é fé (Jo 8:31 Disse, pois, Jesus aos judeus que haviam crido nele: Se vós permanecerdes na minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos) e segunda é a obediência aos mandamentos do Senhor (Jo 14:15 Se me amais, guardareis os meus mandamentos).

Tiago diz que o crente, ao invés de criar sua própria religião, ao invés de criar uma religião ineficaz, se inclina para ver atentamente (parakuyaj), para prestar atenção na lei que recebeu e que sabe que é perfeita e libertadora.

Perfeição e liberdade são duas características da verdadeira fé. Qualquer coisa que o homem crie tem, por sua própria natureza, a marca da imperfeição. Criaturas imperfeitas não são capazes de criar nada perfeito – mas a lei de Deus é perfeita, restauradora e instrutiva para a alma (Sl 19:7 A lei do SENHOR é perfeita e restaura a alma; o testemunho do SENHOR é fiel e dá sabedoria aos símplices).

Desde o Éden satanás (e boa parte da humanidade a seu serviço) tenta desacreditar a Palavra de Deus e não consegue. Gente de fora, inimigos da fé, e gente de dentro da igreja, teólogos, filósofos, cientistas e todo tipo de gente tem tentado mostrar alguma imperfeição na Lei do Senhor só para falharem miseravelmente.

A segunda característica que Tiago apresenta é que a verdadeira fé é libertadora. Jesus disse que a verdade é libertadora, sua palavra é libertadora (Jo 8:32 e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará). Religião torna seus adeptos escravos de mandamentos de homens que são maquinalmente aprendidos e mecanicamente repetidos.

Mas a promessa é para quem leva a sério a fé, para quem não é um ouvinte que não tem interesse em praticar, mas para quem, literalmente, faz a obra (poihthj ergou) que lhe foi designada fazer (Ef 2:10 Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas). A Palavra de Deus assegura verdadeira liberdade para aquele que crê e é perseverante. Não é para teimosos, não é para insistentes, mas para quem crê na Palavra e é perseverante em sua fé, seja qual for a circunstância, por mais opressiva ou tentadora que seja.

A fé obediente é perseverante (parameinaj). E isto traz resultados (1Co 16:13 Sede vigilantes, permanecei firmes na fé, portai-vos varonilmente, fortalecei-vos).

25 Mas aquele que considera, atentamente, na lei perfeita, lei da liberdade, e nela persevera, não sendo ouvinte negligente, mas operoso praticante, esse será bem-aventurado no que realizar.

Você conhece alguém que tenha decidido ‘não ser bem-sucedido’? Talvez conheça alguém que não tenha pensado no assunto, que não tenha tentado, mas alguém que tenha simplesmente decidido ser um fracasso? Acho bem difícil encontrar alguém assim.

O que mais se vê são promessas de sucesso fácil, gente ensinando ‘como ganhar seu primeiro milhão’ (vi um motorista de aplicativo, ao telefone, combinando dar um curso sobre como ganhar um milhão) e outras muito semelhantes. O alvo é um só: sucesso. Sucesso econômico, sucesso profissional, sucesso relacional, sucesso! Sucesso!!!

Você sabe que a bíblia também fala sobre isso, a bíblia também fala sobre sucesso. Tiago não é coach, mas diz sobre como ser bem-sucedido. Ele fala de conhecer e praticar as normas da lei de Deus, e não as leis de comportamento ou de mercado.

Ele fala de perseverança na obediência a lei de Deus, ouvindo com atenção e disposição para pôr em prática. E ser bem-sucedido diante de Deus será consequência de um estilo de vida piedoso.

Sejam quais forem os padrões de sucesso adotados pelo mundo aquele que persevera no conhecimento e na obediência à lei de Deus será bem-sucedido aos olhos de quem realmente importa. Anos antes de Tiago escrever esta carta houve um homem que se julgava bem-sucedido em sua sociedade, afinal, ele era um rei. Seus súditos o aclamavam e o divinizavam – mas Deus o considerou digno de um fim terrível, motivo pelo qual Herodes morreu corroído internamente por vermes (At 12:23 No mesmo instante, um anjo do Senhor o feriu, por ele não haver dado glória a Deus; e, comido de vermes, expirou).

Algum tempo antes Jesus também falou sobre um homem que se considerava bem-sucedido financeira e talvez socialmente – ajuntou mantimentos, disse para si mesmo que não precisava mais de ninguém, nem mesmo da bondosa provisão de Deus – e na mesma noite sua vida foi requerida, e seus bens repartidos, e nenhum dos herdeiros tinha o suficiente para desprezar Deus (Lc 12:20 Mas Deus lhe disse: Louco, esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será?). Outro exemplo de sucesso no mundo e fracasso diante de Deus é o do homem rico, bem-sucedido financeira, social e religiosamente – mas um fracasso espiritual (Mc 10:22 Ele, porém, contrariado com esta palavra, retirou-se triste, porque era dono de muitas propriedades).

Quero que você saiba que você pode ser bem-sucedido. Inclusive diante dos homens, como aconteceu com José, com Daniel e outros servos de Deus. Você pode ser bem-sucedido diante de Deus, vivendo pela fé, e seu sucesso será medido pela sua obediência ao Senhor, à sua Palavra. Jesus mede o seu próprio sucesso ao dizer, em oração, que fez o que o pai queria, glorificando-o (Jo 17:4 Eu te glorifiquei na terra, consumando a obra que me confiaste para fazer; 5 e, agora, glorifica-me, ó Pai, contigo mesmo, com a glória que eu tive junto de ti, antes que houvesse mundo).

O sucesso do crente está em cumprir a vontade de seu mestre (Mt 5:16 Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus). Proceder assim não só envergonha quem faz diferente, como faz com que eles tenham que reconhecer a sabedoria e o poder transformador e sustentador de Deus em sua vida (1Pe 2:12 ...mantendo exemplar o vosso procedimento no meio dos gentios, para que, naquilo que falam contra vós outros como de malfeitores, observando-vos em vossas boas obras, glorifiquem a Deus no dia da visitação).

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