VI. A DIFERENÇA ENTRE SER OUVINTE E PRATICANTE
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Porque, se alguém é ouvinte da palavra e não praticante, assemelha-se ao homem
que contempla, num espelho, o seu rosto natural; 24 pois a si mesmo se contempla, e se retira, e para logo se
esquece de como era a sua aparência. 25 Mas aquele que considera, atentamente, na lei perfeita,
lei da liberdade, e nela persevera, não sendo ouvinte negligente, mas operoso
praticante, esse será bem-aventurado no que realizar.
Há coisas que as pessoas sabem que sabem, há coisas que as
pessoas sabem sem saber e há coisas que as pessoas sabem e fazem como se não
soubessem. Se a maioria das pessoas forem questionadas, rapidamente, sobre
quanto é a metade de 2+2 logo respondem 2, porque, afinal, 2+2 é igual a 4, e a
metade de 4 é 2.
Só que... lá atrás, quando ainda estavam no ensino
fundamental, aprenderam que não é assim que se procede em matemática. Sabem, ou
pelo menos aprenderam porque todo professor de matemática ensina, mas não
aplicam a regra que é: faça primeiro divisão e multiplicação, na ordem em que
aparecerem, e depois adição e subtração, sob a mesma regra de ordem. Assim, o
resultado não é 2, mas é três, pois a metade de 2 é 1, mais 2 é igual a 3.
E o que isto tem a ver com a vida se você não é professor de
matemática ou engenheiro? Não é a operação aritmética, mas um princípio que eu
quero destacar e que pode ser muito útil na sua vida. Você quer saber a razão
pela qual as pessoas erram esta operação tão simples? Porque sabem o que devem
fazer, mas irrefletidamente não fazem o que devem e fazem o que acham que é certo
(Tg 4:17 Portanto, aquele que sabe que deve fazer o
bem e não o faz nisso está pecando).
A Bíblia é o livro da vida, não um livro de filosofia. Não
há dúvidas de que os autores bíblicos escreveram para tratar de assuntos
concretos, problemas vivenciados pela comunidade (como nas cartas aos
coríntios, ou aos gálatas), entre pessoas e a comunidade (caso das cartas de
Tito e Timóteo) ou por pessoas específicas (no caso da carta de Filemom). O
evangelho de Mateus foi escrito com um propósito imediato diferente do de João,
embora ambos tratem da mesma história, dos mesmos fatos, mas com o objetivo de
ajudarem a igreja a enfrentar problemas diferentes.
Mas você também vai encontrar uma característica
interessante: a abstração, a não identificação direta do destinatário, com
Tiago faz no verso 23 (e vai repetir no verso 26). Considerada a orientação
para que o crente viva a sua fé, seja um praticante e não apenas um ‘ouvinte
não comprometido com o que ouve’, ele prossegue: se alguém (ei tij),
justamente este ouvinte não praticante, se alguém se contenta com apenas ouvir então
sua fé não passa da crença em algo aparente, externo, difuso, facilmente
esquecível e que não terá utilidade alguma quanto tiver que enfrentar a
provação – vai fraquejar porque sua crença não é a fé alicerçada na rocha dos
séculos.
Contemplar em um espelho (que na maior parte das vezes não
tinha a nitidez dos nossos espelhos atuais) era uma expressão que queria dizer
que a pessoa não conseguia ver com clareza, com perfeição – e acho que você,
aqui, agora, terá alguma dificuldade para lembrar exatamente do seu próprio
rosto.
Tiago diz que religiosidade sem prática e ineficaz, vazia, sem utilidade e sem resultados consistentes. Mas o apóstolo oferece uma alternativa – a da verdadeira fé, vivida no dia a dia, com resultados bem-aventurados. É sobre isto que trataremos a partir de agora.
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Porque, se alguém é ouvinte da palavra e não praticante, assemelha-se ao homem
que contempla, num espelho, o seu rosto natural; 24 pois a si mesmo se contempla, e se retira, e para logo se
esquece de como era a sua aparência.
A religião tem sido, historicamente, uma das forças motrizes
das sociedades. Qualquer observador perceberá que nenhuma sociedade foi
formada sem a presença da religião. Até mesmo a construção da ímpia Babel tinha
Deus como referência, embora rejeitando-o. Eles queriam chegar até os céus (Gn 11:4 Disseram: Vinde, edifiquemos para nós uma
cidade e uma torre cujo tope chegue até aos céus e tornemos célebre o nosso
nome, para que não sejamos espalhados por toda a terra) numa
repetição do mesmo pensamento da serpente, que disse a Eva que ela seria como
Deus (Gn 3:5 Porque Deus sabe que no dia em que
dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem
e do mal).
Babel inaugura um tipo de religião sem Deus – uma religião
com seu próprio deus, a religião do homem. Ao invés de dar adoração a Deus seus
construtores queriam que seus próprios nomes fossem tornados célebres – o que,
de certa forma, efetivamente aconteceu. Este é o princípio da religião natural.
Ela é criada por homens, feita para homens e para celebrar homens.
E é exatamente isto o que Tiago diz aqui. É a religião que
tem a cara do homem, aliás, muito apropriada para descrever a religião da
geração selfie. O homem não se contenta em ver o resultado do que faz,
ele quer imprimir-se em suas obras. Ele não quer fazer coisas memoráveis, ele
quer ser lembrado, quer ser visto, quer ser notado – quer ver-se no que faz.
Vai à igreja? Tira uma selfie e posta nas redes sociais. Participa da ceia?
Tira uma selfie e posta nas redes sociais. Faz uma doação? Tira uma selfie e
posta nas redes sociais.
O problema é que tudo o que o homem sem Deus, o homem
natural (genesewj)
faz, qualquer forma de religião natural é passageira. A religião de Babel foi
passageira, a religião de Babilônia foi passageira, a religião dos egípcios foi
passageira, a religião dos romanos foi passageira e precisa ser renovada,
reinventada, maquiada de tempos em tempos, assim como temos a dificuldade de
lembrar exatamente como é o nosso próprio rosto. Eles tinham estátuas, totens,
pinturas, alto relevos em paredes de templos e até em montanhas. Nós temos
selfies e redes sociais.
O problema? Não glorifica a Deus. Não dá a Deus a glória que
lhe é devida. Este tipo de religião é uma usurpação da glória que só ao Senhor
é devida, e é, também uma ofensa ao Senhor (Is 42:8
Eu sou o SENHOR, este é o meu nome; a minha glória, pois, não a darei a outrem,
nem a minha honra, às imagens de escultura).
Se o que o homem quer é ser como Deus, se o que quer é substituir Deus, então ele pode até se satisfazer com o engano de ser o seu próprio deus – mas sua religião é absolutamente ineficaz, porque não resolve o problema de seu pecado e de alienação do Deus verdadeiro.
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Porque, se alguém é ouvinte da palavra e não praticante, assemelha-se ao homem
que contempla, num espelho, o seu rosto natural; 24 pois a si mesmo se contempla, e se retira, e para logo se
esquece de como era a sua aparência.
De que adianta olhar uma imagem que você logo vai se
esquecer? Imagino que você já tenha sonhado encontrando um tesouro e
guardando-o em algum lugar bem protegido, que pode até ser embaixo da sua cama,
seu guarda-roupas ou qualquer outro. Você está todo feliz e, de repente, você
acorda. Em alguns casos você, meio sonolento, tenta dormir de novo para
continuar desfrutando daquele tesouro – mas de qualquer maneira você acordará
dispondo dos mesmos recursos que tinha quando foi dormir. O tesouro de seus
sonhos não vale nada simplesmente porque ele não existe.
Para que serve uma religião que tenha como divindade uma
coisa qualquer que não existe? De que vale uma religião sem o Deus verdadeiro?
Para que serve uma religião cujo deus ou cujos deuses são incapazes de fazer
algo em seu favor (Sl 135:16 Têm boca e não
falam; têm olhos e não vêem; 17 têm ouvidos e não ouvem; pois não há
alento de vida em sua boca). Para que serve uma religião com
deuses de pedra, madeira ou metal ou que não seja nada além de pensamentos e
filosofias? Quem serve tais deuses e segue tais formas de religião estão
trabalhando inutilmente (Sl 135:18 Como eles (os
deuses que descritos nos versos 16-17) se tornam os que os fazem, e todos
os que neles confiam). O que os que ensinam tais coisas? A bíblia
diz simplesmente para não darmos ouvidos (Jr 23:16
Assim diz o SENHOR dos Exércitos: Não deis ouvidos às palavras dos profetas que
entre vós profetizam e vos enchem de vãs esperanças; falam as visões do seu
coração, não o que vem da boca do SENHOR).
Toda esta aparência serve somente para satisfazer a
necessidade de culto que o homem tem em seu coração. Mas, como ele é um
rebelde, como ele não quer dar a Deus a glória que é devida ao Senhor ele cria
seus próprios deuses, sua própria religião. O reconhecimento de Deus como
Senhor implicaria em obediência incondicional, em entrega de seus caminhos (Jo 22:5 Tende cuidado, porém, de guardar com
diligência o mandamento e a lei que Moisés, servo do SENHOR, vos ordenou: que
ameis o SENHOR, vosso Deus, andeis em todos os seus caminhos, guardeis os seus
mandamentos, e vos achegueis a ele, e o sirvais de todo o vosso coração e de
toda a vossa alma).
Tiago ensina que uma religião que esteja baseada apenas em
aparência que pode ser prontamente esquecida (epelaqeto), pode
ser desprezada pela mente, pode ser facilmente substituída por outra fantasia.
Com certeza isto explica a proliferação de pessoas que se
declaram a si mesmas de ‘cristãos ecléticos’, que passaram por diversas formas
de religião, diversas denominações e nunca chegaram a um compromisso com Deus
simplesmente porque ainda não o encontraram para que, então, entregassem a vida
confiantemente às suas mãos (Hb 13:6 Assim, afirmemos
confiantemente: O Senhor é o meu auxílio, não temerei; que me poderá fazer o
homem?).
Sem o Deus verdadeiro você não tem para quem entregar a sua vida – só lhe resta um pensamento, uma lembrança, uma miragem.
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Mas aquele que considera, atentamente, na lei perfeita, lei da liberdade, e
nela persevera, não sendo ouvinte negligente, mas operoso praticante, esse será
bem-aventurado no que realizar.
Jesus disse a seus discípulos que, se eles quisessem que as
pessoas acreditassem que eles eram seus discípulos eles deveriam ter duas
características: a primeira, obviamente, é fé (Jo 8:31
Disse, pois, Jesus aos judeus que haviam crido nele: Se vós permanecerdes na
minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos) e segunda é
a obediência aos mandamentos do Senhor (Jo 14:15
Se me amais, guardareis os meus mandamentos).
Tiago diz que o crente, ao invés de criar sua própria religião,
ao invés de criar uma religião ineficaz, se inclina para ver atentamente (parakuyaj),
para prestar atenção na lei que recebeu e que sabe que é perfeita e
libertadora.
Perfeição e liberdade são duas características da verdadeira
fé. Qualquer coisa que o homem crie tem, por sua própria natureza, a marca da
imperfeição. Criaturas imperfeitas não são capazes de criar nada perfeito – mas
a lei de Deus é perfeita, restauradora e instrutiva para a alma (Sl 19:7 A lei do SENHOR é perfeita e restaura a
alma; o testemunho do SENHOR é fiel e dá sabedoria aos símplices).
Desde o Éden satanás (e boa parte da humanidade a seu
serviço) tenta desacreditar a Palavra de Deus e não consegue. Gente de fora,
inimigos da fé, e gente de dentro da igreja, teólogos, filósofos, cientistas e
todo tipo de gente tem tentado mostrar alguma imperfeição na Lei do Senhor só
para falharem miseravelmente.
A segunda característica que Tiago apresenta é que a
verdadeira fé é libertadora. Jesus disse que a verdade é libertadora, sua palavra
é libertadora (Jo 8:32 e conhecereis a verdade, e a
verdade vos libertará). Religião torna seus adeptos escravos de
mandamentos de homens que são maquinalmente aprendidos e mecanicamente
repetidos.
Mas a promessa é para quem leva a sério a fé, para quem não
é um ouvinte que não tem interesse em praticar, mas para quem, literalmente,
faz a obra (poihthj ergou) que lhe foi
designada fazer (Ef 2:10 Pois somos
feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão
preparou para que andássemos nelas). A Palavra de Deus assegura
verdadeira liberdade para aquele que crê e é perseverante. Não é para teimosos,
não é para insistentes, mas para quem crê na Palavra e é perseverante em sua
fé, seja qual for a circunstância, por mais opressiva ou tentadora que seja.
A fé obediente é perseverante (parameinaj). E isto traz resultados (1Co 16:13 Sede vigilantes, permanecei firmes na fé, portai-vos varonilmente, fortalecei-vos).
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Mas aquele que considera, atentamente, na lei perfeita, lei da liberdade, e
nela persevera, não sendo ouvinte negligente, mas operoso praticante, esse será
bem-aventurado no que realizar.
Você conhece alguém que tenha decidido ‘não ser
bem-sucedido’? Talvez conheça alguém que não tenha pensado no assunto, que não
tenha tentado, mas alguém que tenha simplesmente decidido ser um fracasso? Acho
bem difícil encontrar alguém assim.
O que mais se vê são promessas de sucesso fácil, gente
ensinando ‘como ganhar seu primeiro milhão’ (vi um motorista de aplicativo, ao
telefone, combinando dar um curso sobre como ganhar um milhão) e outras muito
semelhantes. O alvo é um só: sucesso. Sucesso econômico, sucesso profissional,
sucesso relacional, sucesso! Sucesso!!!
Você sabe que a bíblia também fala sobre isso, a bíblia
também fala sobre sucesso. Tiago não é coach, mas diz sobre como ser
bem-sucedido. Ele fala de conhecer e praticar as normas da lei de Deus, e não
as leis de comportamento ou de mercado.
Ele fala de perseverança na obediência a lei de Deus,
ouvindo com atenção e disposição para pôr em prática. E ser bem-sucedido diante
de Deus será consequência de um estilo de vida piedoso.
Sejam quais forem os padrões de sucesso adotados pelo mundo
aquele que persevera no conhecimento e na obediência à lei de Deus será
bem-sucedido aos olhos de quem realmente importa. Anos antes de Tiago escrever
esta carta houve um homem que se julgava bem-sucedido em sua sociedade, afinal,
ele era um rei. Seus súditos o aclamavam e o divinizavam – mas Deus o considerou
digno de um fim terrível, motivo pelo qual Herodes morreu corroído internamente
por vermes (At 12:23 No mesmo instante, um anjo do
Senhor o feriu, por ele não haver dado glória a Deus; e, comido de vermes,
expirou).
Algum tempo antes Jesus também falou sobre um homem que se
considerava bem-sucedido financeira e talvez socialmente – ajuntou mantimentos,
disse para si mesmo que não precisava mais de ninguém, nem mesmo da bondosa
provisão de Deus – e na mesma noite sua vida foi requerida, e seus bens
repartidos, e nenhum dos herdeiros tinha o suficiente para desprezar Deus (Lc 12:20 Mas Deus lhe disse: Louco, esta noite te
pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será?).
Outro exemplo de sucesso no mundo e fracasso diante de Deus é o do homem rico,
bem-sucedido financeira, social e religiosamente – mas um fracasso espiritual (Mc 10:22 Ele, porém, contrariado com esta palavra, retirou-se
triste, porque era dono de muitas propriedades).
Quero que você saiba que você pode ser bem-sucedido.
Inclusive diante dos homens, como aconteceu com José, com Daniel e outros
servos de Deus. Você pode ser bem-sucedido diante de Deus, vivendo pela fé, e
seu sucesso será medido pela sua obediência ao Senhor, à sua Palavra. Jesus
mede o seu próprio sucesso ao dizer, em oração, que fez o que o pai queria,
glorificando-o (Jo 17:4 Eu te glorifiquei na terra,
consumando a obra que me confiaste para fazer; 5 e, agora,
glorifica-me, ó Pai, contigo mesmo, com a glória que eu tive junto de ti, antes
que houvesse mundo).
O sucesso do crente está em cumprir a vontade de seu mestre
(Mt 5:16 Assim brilhe também a vossa luz diante dos
homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está
nos céus). Proceder assim não só envergonha quem faz diferente,
como faz com que eles tenham que reconhecer a sabedoria e o poder transformador
e sustentador de Deus em sua vida (1Pe 2:12
...mantendo exemplar o vosso procedimento no meio dos gentios, para que,
naquilo que falam contra vós outros como de malfeitores, observando-vos em
vossas boas obras, glorifiquem a Deus no dia da visitação).
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