Em todas os lugares sempre houve o fenômeno dos mercadejadores da fé [II Pe 2.3: ...também, movidos por avareza, farão comércio de vós, com palavras fictícias; para eles o juízo lavrado há longo tempo não tarda, e a sua destruição não dorme], sempre houve falsos pastores [Ez 34.2: Filho do homem, profetiza contra os pastores de Israel; profetiza e dize-lhes: Assim diz o SENHOR Deus: Ai dos pastores de Israel que se apascentam a si mesmos! Não apascentarão os pastores as ovelhas?].
Qual é a característica dos “falsos pastores”, dos mercadejadores? É que são tão preocupados consigo mesmos que vendem o conteúdo da sua mensagem, negociam o seu chamado [se é que o tem - Jr 14:14: Disse-me o SENHOR: Os profetas profetizam mentiras em meu nome, nunca os enviei, nem lhes dei ordem, nem lhes falei; visão falsa, adivinhação, vaidade e o engano do seu íntimo são o que eles vos profetizam] com os “donos das Igrejas” para manterem o púlpito, e quanto maior a Igreja, maior a pressão neste sentido.
A Igreja do Senhor precisa despertar para orar pelo ministério dos seus pastores, para que eles sejam fiéis ao Senhor e ajam como Micaías [I Rs 22:14: Respondeu Micaías: Tão certo como vive o SENHOR, o que o SENHOR me disser, isso falarei] bem como ser bastante cuidadosa na hora de analisar os candidatos que surgem ao ministério.
Precisamos entender que comercializar a fé é uma prática herdada do paganismo e que desonra ao nome do nosso Senhor. Não é sem razão que Pedro condena Simão por tentar introduzir esta prática maldita, já comum no judaísmo [o sumo sacerdote era nomeado com a aprovação dos governantes romanos, e isto costumava custar muito dinheiro] no nascente cristianismo [At 8:20: Pedro, porém, lhe respondeu: O teu dinheiro seja contigo para perdição, pois julgaste adquirir, por meio dele, o dom de Deus].
DESCRÉDITO RELIGIOSO
Os mercadejadores da fé, por mais que alcancem grandes fortunas e construam impérios religiosos e econômicos, são responsáveis pelo descrédito que a Igreja de Cristo tem sofrido atualmente. Paradoxalmente, quando o cristianismo era menos monetário e mais contracultura, os cristãos eram mais discriminados socialmente, mas ao mesmo tempo, mais respeitados por que mesmo seus adversários reconheciam a seriedade da sua fé. Tornar-se cristão [crente] significava a quebra de laços familiares, a mudança nas estruturas da família.
O pior é que muitas vezes as Igrejas que não entraram oficialmente nesta degradação tem se calado sob a desculpa de não julgar para não ser julgado [Mt 7:1: Não julgueis, para que não sejais julgados] esquecendo que é dever do cristão julgar pela reta justiça [Jo 7:24: Não julgueis segundo a aparência, e sim pela reta justiça], reconhecendo que é falso porque este pode ser conhecido pelos seus frutos danosos [Mt 7:16: Pelos seus frutos os conhecereis. Colhem-se, porventura, uvas dos espinheiros ou figos dos abrolhos?].
Mas, por outro lado, num contexto menos contaminado, só existem mercadejadores porque existem compradores - tais donos de Igrejas que se cercam de falsos mestres [ainda que com grande conhecimento] de acordo com suas próprias ideias, aceitando serem pastoreados somente se for nos caminhos que previamente escolheram.
Como combater este mal? Só há um jeito: a exposição correta, clara e corajosa das Escrituras, com sabedoria e ousadia no Senhor [II Tm 1:7: Porque Deus não nos tem dado espírito de covardia, mas de poder, de amor e de moderação]. Devemos nos lembrar, entretanto, que nossa luta não é contra a carne ou contra o sangue, mas contra forças espirituais [Ef 6:12: ...porque a nossa luta não é contra o sangue e a carne, e sim contra os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes]. João Calvino demonstrou de forma prática esta verdade quando, anos depois de ter sido expulso de Genebra, retornou para a cidade e continuou a pregar no mesmo livro e texto subsequente ao que havia parado - seus sermões foram anotados por seus discípulos e se tornaram em rico tesouro de conhecimento para a Igreja de todas as épocas.
O escritor R.C. Sproul afirma que os mercadejadores da fé encontram facilmente uma mentalidade consumista, a que chama de síndrome da porta de saloon - fazem de tudo para manter consumidores, que escolhem Igrejas e nelas permanecem somente enquanto são atendidos. Satisfeitos ou contrariados, vão em busca de novas experiências. As pessoas buscam igrejas onde se sintam confortáveis, e se esquecem de que precisam na verdade de uma igreja que as faça crescer em Cristo e no amor para com os outros, por isso precisamos nos preparar para combater os erros, não as pessoas.
Os erros podem e devem ser extirpados, destruídos - mas não é necessário ofender e ferir pessoas. Lamentavelmente está certo quem disse que ser enganado é mais fácil do que aceitar o aviso de que se está sendo enganado.
O livro dos juízes mostra mais um momento trágico de um povo que se esquecia do Senhor, e cada um fazia o que lhe parecia correto, sem consultar a Palavra de Deus. O episódio envolvendo um levita mostra o nível de degradação moral e paganismo que tomaram conta de Israel: afastamento de Deus, adoração de ídolos e mistura da religião com interesses econômicos. É provável que ainda houvesse gente que permanecesse adorando ao Deus de Israel, assim como hoje ainda há verdadeiros adoradores e gente como Mica e o levita [Jz 17.1 a 20.48]. Infelizmente o que mais aparece são os escândalos, não os exemplos de fé verdadeira. Não é nada difícil lembrar escândalos recentes envolvendo Igrejas verdadeiras ou seitas.
A COMERCIALIZAÇÃO DA FÉ
Muitas denominações aderiram ao desejo de prosperidade, passando ao mundo uma visão de que o evangelho [e o mundo está certo em não reconhece-lo como o evangelho de Jesus Cristo] é a imagem deturpada e corrompida que apresentam. Quais são as características desta comercialização da fé?
I. A fundação de uma nova religião por interesses pessoais [Jz 17.10: Então, lhe disse Mica: Fica comigo e sê-me por pai e sacerdote; e cada ano te darei dez siclos de prata, o vestuário e o sustento. O levita entrou];
II. A cooptação de liderança por meio de ofertas financeiras [Jz 17.11: e consentiu em ficar com aquele homem; e o moço lhe foi como um de seus filhos];
III. A busca por sucesso e crescimento profissional [Jz 18.19-20: Eles lhe disseram: Cala-te, e põe a mão na boca, e vem conosco, e sê-nos por pai e sacerdote. Ser-te-á melhor seres sacerdote da casa de um só homem do que seres sacerdote de uma tribo e de uma família em Israel? Então, se alegrou o coração do sacerdote, tomou a estola sacerdotal, os ídolos do lar e a imagem de escultura e entrou no meio do povo] medido monetariamente ou por manutenção de um certo status.
No episódio da purificação do templo encontramos a ira de Jesus contra este tipo de religião deturpada. Os judeus haviam transformado a casa do Senhor em covil de ladrões e salteadores [Lucas 19:46: dizendo-lhes: Está escrito: A minha casa será casa de oração. Mas vós a transformastes em covil de salteadores], agindo da seguinte maneira:
I. Estabeleceram a venda de animais “certificados” pelos sacerdotes, rejeitando os que os peregrinos traziam de casa;
II. Trocavam as moedas estrangeiras pela “moeda do templo”, cobrando taxas de cambio e logo recebiam as mesmas moedas das mãos dos sacerdotes;
III. Autorizavam os ofertantes a receberem uma carne das mãos do sacerdote que não fosse dos animais que escolheram - muitos dos quais retornavam para serem vendidos novamente.
Hoje não é diferente. Orações, bênçãos, sal ungido, água miraculosa, azeite, pedra, areia, martelinho, lenço, etc... Tudo é vendido como se fosse a verdadeira religião. Muitos, que querem ser enganados, estão sendo por estes espertalhões.
Antes de acusarmos quem inventa estas abominações é bom lembrar que há muitos mais compradores que vendedores, gente que acha que pode ganhar o favor de Deus “fazendo coisas”, campanhas, comprando objetos ungidos e poderosos [como se retornando ao período medieval e suas relíquias]. É muita gente convencida de um caminho religioso fácil e sem arrependimento e conversão. Nenhum destes religiosos passaria no teste como o do eunuco etíope batizado por Filipe: “É lícito [que sejas batizado] se [você] crê”.
Uns e outros, vendedores e compradores, estão errados. Tão errados quanto o idólatra que segue o ídolo mudo e seu fabricante [Sl 115:8: Tornem-se semelhantes a eles os que os fazem e quantos neles confiam]. Tão cegos quanto seus guias cegos [Mt 23:24: Guias cegos, que coais o mosquito e engolis o camelo].
MERCENARISMO MINISTERIAL
A historia deste levita sem nome [embora o personagem principal do livro, o tempo inteiro, seja o povo de Israel, aqui representado por Mica] mostra uma tragédia que ainda hoje pode ser observada na vida religiosa.
O levita tinha [e anuncia descaradamente isso] uma predisposição para aceitar alguma oferta por seus serviços [Jz 17.9: Perguntou-lhe Mica: Donde vens? Ele lhe respondeu: Sou levita de Belém de Judá e vou ficar onde melhor me parecer]. Ele aceitou abandonar a sua religião, a verdadeira religião, em troca de favores financeiros [Jz 17.10-11: Então, lhe disse Mica: Fica comigo e sê-me por pai e sacerdote; e cada ano te darei dez siclos de prata, o vestuário e o sustento. O levita entrou e consentiu em ficar com aquele homem; e o moço lhe foi como um de seus filhos]. Isto se chama mercenarismo, materialismo, e acomete tanto a liderança quanto os liderados.
Às vezes a moeda que se recebe por ceder ao mercenarismo não é palpável, não é dinheiro, mas pode ser a aprovação de um grupo da Igreja, de uma família poderosa. Também é uma forma de vender-se - e às vezes este apoio pode valer até mais do que dinheiro. Ser cordato e viver em paz com todos deve ser uma meta dos ministros, mas nunca ao preço da verdade [Rm 12:18: ...se possível, quanto depender de vós, tende paz com todos os homens].
Não há dinheiro que possa pagar o preço da restauração de uma consciência uma vez vendida.
Acontece dentro de qualquer denominação religiosa, quando uma Igreja busca um pastor com o perfil de “dançar conforme a música”, isto é, fazer o que o pagador manda. E se ele não dançar conforme a música? Bom, se não dançar ele dança, dança de qualquer jeito. É como aceitar uma ordenação impura e apócrifa [Jz 17.12: Consagrou Mica ao moço levita, que lhe passou a ser sacerdote; e ficou em casa de Mica].
O levita aceitou o suborno oferecido por Mica e passou a ser sua propriedade e foi “promovido” a sacerdote [Jz 17.13: Então, disse Mica: Sei, agora, que o SENHOR me fará bem, porquanto tenho um levita por sacerdote]. Na verdade, sua promoção envolve um rebaixamento moral, pois aceita ser sacerdote de um homem, servir as leis de um homem e não ao Senhor Deus, sendo, portanto, um sacerdócio ilegítimo.
Isto ainda acontece atualmente. Ainda há donos de Igrejas, seja pelo perfil financeiro, familiar ou histórico, eu só aceitam pastores de papel semelhante ao deste levita, e que de alguma maneira não aceitam o surgimento de novas lideranças na Igreja para diminuir seu poder. Geralmente são Igrejas que permanecem de tamanho estagnado ao longo dos anos, com pequenos períodos de avivamento seguidos de convulsões, ou, então, negociam sua liturgia e teologia para se tornarem outras coisas, e assim atraírem mais pessoas, tornando-as escravas de seu erro e hipocrisia [Mt 23.15: Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque rodeais o mar e a terra para fazer um prosélito; e, uma vez feito, o tornais filho do inferno duas vezes mais do que vós!].
Ao lado disso há o problema vocacional - só há “donos de Igrejas” e de ministros porque há ministros sem integridade, sem verdadeira convicção de seu chamado e sem direção do Espírito para o seu ministério.
A Igreja precisa, urgentemente, abrir uma dupla frente de luta para se livrar destes males.
Ela precisa lutar em favor de ministros que exercem seu ministério com integridade, orando e valorizando tais ministros, honrando-os como aquilo que são, ministros do Senhor.
Ela precisa, também, identificar e rejeitar manipuladores, donos da Igreja, e, também, cerrar fileiras e fechar seus púlpitos a mercadejadores de si mesmos e da fé como aquele levita. É melhor não ter um ministro oficiando do que ter um falso ministro ocupando o púlpito e induzindo o povo ao erro.
Sua Igreja, sua denominação não está inteiramente livre deste perigo. Os mercadejadores são afáveis, agradam ou tentam agradar a todo mundo - mas são como doce para diabéticos: pode até ser agradável, mas é mortal. A maneira mais fácil de acabar com este mal é não deixar a sua fé se transformar em mero consumismo religioso. Enquanto a Igreja lhes disser não, uma vez, e 7000 joelhos não se dobrarem, é possível vencer.
Aula na II Igreja Presbiteriana em Gurupi [adaptado]
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