Resolveu Daniel, firmemente, não contaminar-se com as finas iguarias do rei, nem com o vinho que ele bebia; então, pediu ao chefe dos eunucos que lhe permitisse não contaminar-se.
Dn 1.8
A história de Daniel e seus amigos Hanani [Sadraque], Misael [Mesaque] e Azariah [Abede-Nego] é bem conhecida, mas não nos custa lembrar o que ocorreu. Os quatro hebreus eram membros da aristocracia em seu país, mas viram-no ser invadido por volta do ano 600 ac. por Nabucodonosor e foram capturados para servirem no palácio do rei. Nabucodonosor dava preferência aos nobres por saber que possuíam maior instrução, geralmente eram letrados e bem educados. Dava menos trabalho treinar um nobre para servir do que pegar um agricultor e ensinar-lhe a viver na coorte. Ao que sabemos Daniel teve vida longa, pois acompanhou o reinado de três reis [Nabucodonossor, Dario e Ciro]. O livro fala muito pouco da vida de Daniel e seus amigos na coorte hebreia, como se a lembrar-nos que ser crente no meio do povo de Deus não é tão difícil. Já sobre a vida de Daniel no palácio babilônico é narrada com vividos detalhes, e, em meio a muitas dificuldades, aprendemos que a vida do crente num ambiente hostil pode ser vitoriosa.
Quero ressaltar que a vida destes servos de Deus foi num ambiente francamente hostil, mas que, curiosamente, não queria ser hostil. Não havia interesse em Nabucodonossor de tornar difícil a vida de seus servos no palácio. Mas, mesmo com estas facilidades, não significaria, necessariamente, aceitação. As armadilhas seriam ainda mais perigosas. Creio que as batalhas que o crente tem que enfrentar estão ficando cada vez mais difíceis e menos dissimuladas. Os desafios estão se tornando cada vez maiores, e o mundo tem oferecido aos crentes atrativos cada vez mais fortes. O cerco está se fechando. Os nossos interesses, a inclinação da nossa carne [Rm 7.18 - Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum, pois o querer o bem está em mim; não, porém, o efetuá-lo], as armadilhas do diabo e o sistema de valores e interesses que nos cerca tentam arrastar o crente para uma atitude cada vez mais acomodada e fria em relação a Deus. A este inimigo a bíblia chama de mundo, afirmando que ele jaz no maligno [I Jo 5.19 - Sabemos que somos de Deus e que o mundo inteiro jaz no Maligno] e não deve ser amado [I Jo 2.15 - Não ameis o mundo nem as coisas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele]. As coisas que há neste mundo [que não se refere à criação, mas ao sistema que a domina e explora] não procedem de Deus [I Jo 2.16 – ...porque tudo que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não procede do Pai, mas procede do mundo] e estão em oposição a Deus [Tg 4.4 – Infiéis, não compreendeis que a amizade do mundo é inimiga de Deus? Aquele, pois, que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus].
Por mundo devemos entender a cosmovisão, a filosofia imperante em nosso tempo, que é de inspiração satânica. Amar o mundo significa não amar a Cristo que rejeitou o oferecimento que satanás lhe fez de dar-lhe a gloria dos reinos do mundo [Mt 4.8-9 –Levou-o ainda o diabo a um monte muito alto, mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a glória deles e lhe disse: Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares]. Os amigos de Jesus seguem-no, tem-no como modelo e obedecem-no em tudo. Se Jesus não aceitou a glória do mundo, o crente também não deve deseja-la. Se Cristo foi perseguido pelo mundo, seus discípulos também o serão [Jo 17.14-16 - Eu lhes tenho dado a tua palavra, e o mundo os odiou, porque eles não são do mundo, como também eu não sou. Não peço que os tires do mundo e sim que os guardes do mal. Eles não são do mundo como também eu não sou]. Olhando para a vida de Daniel e de seus amigos, percebemos que eles também estavam no mundo e foram tentados pelo mundo, mas conseguiram passar por ele sem se tornarem seus amigos.
A Daniel e seus amigos não foi oferecida a glória do mundo, mas algo mais imediato e sutil: os prazeres do mundo, o direito de tomar parte nos banquetes reais. Não se tratava apenas da comida, mas das festas – regadas a muita bebida, imoralidade, sensualidade, cultos idólatras e blasfêmias. Tudo isto estava embutido no oferecimento de participação nas finas iguarias do rei. E a isto Daniel e amigos dizem não, mesmo correndo o risco [que efetivamente se concretizou] de serem vistos como diferentes, de não pertencerem ao grupo, observados pelos companheiros de infortúnio como esquisitos e se tornarem, mais tarde, alvos de perseguição.
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