26 Irmãos, reparai, pois, na vossa vocação; visto que não foram chamados muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos de nobre nascimento; 27 pelo contrário, Deus escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar os sábios e escolheu as coisas fracas do mundo para envergonhar as fortes; 28 e Deus escolheu as coisas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são; 29 a fim de que ninguém se vanglorie na presença de Deus.
I Co 1.26-29
Após lembrar quem os coríntios não eram, isto é, nem sábios, nem poderosos nem nobres, e, mais especificamente, a quem Deus tinha preferido preterir, Paulo passa a mostrar-lhes quem eles realmente são. E o quadro não é nada animador se olharmos das perspectivas do mundo circundante porque o apóstolo lhes diz que, eles, os chamados, são loucos, fracos e insignificantes.
OS CRISTÃOS SÃO “AS COISAS LOUCAS DO MUNDO”
Os cristãos são colocados como uma coisa, um objeto de escárnio. Ninguém valoriza, ninguém dá atenção a um louco a menos que isto lhe seja uma ameaça. Mas, mais que isto, ninguém segue a quem considera não possuir nenhum tipo de saber. E é este tipo de loucura que o apostolo Paulo atribui aos cristãos. A expressão paulina refere-se à qualidade da loucura atribuída a eles, na aos próprios cristaos como pessoas. Eles não eram insensatos ou malucos. É o mesmo Paulo que afirmou expor sabedoria entre os experimentados [I Co 2.6: Entretanto, expomos sabedoria entre os experimentados; não, porém, a sabedoria deste século, nem a dos poderosos desta época, que se reduzem a nada] que envergonha os sábios da época. Os sábios consideravam loucura a mensagem do evangelho, mas a verdade que lhes envergonhava é que eles não tinham nada melhor a oferecer. Suas diferentes teorias eram apenas teorias, especulações vazias que não satisfaziam nem mesmo aos seus autores. Enquanto se digladiavam tentando oferecer ensinamentos vazios a preço de ouro, o cristianismo oferecia mensagem de salvação a preço de sangue - mas de graça aos que a recebessem. Isso lhes parecia loucura. Seu nada era caro, o tudo de Deus aos homens era sem custo algum para quem não merecia. Como aceitar? Como aceitar que escravos fossem maiores que seus senhores? Como aceitar que pecadores precederiam religiosos dedicados no reino porvir [Mt 21.31: Qual dos dois fez a vontade do pai? Disseram: O segundo. Declarou-lhes Jesus: Em verdade vos digo que publicanos e meretrizes vos precedem no reino de Deus]? Para um escravo ser tratado como “coisa” não havia novidade, mas para os arrogantes coríntios era extremamente humilhante, e é justamente neste momento que Paulo mostra a imensidão da graça de Deus. Nenhum de nós escolheria alguém igual a si mesmo para salvar - mas Deus o fez. A maravilha está justamente em Deus dizer que nada somos - e nos escolher para si.
OS CRISTÃOS SÃO “OS FRACOS DO MUNDO”
Parece um paradoxo pensar que os cristãos, filhos do rei, herdeiros de todas as coisas, não possuíam poder algum. Não tinham direitos legais nas cidades, eram constantemente perseguidos e não tinham defensores. Seus bens eram espoliados - seus filhos escravizados, eles próprios lançados às masmorras e anfiteatros para jogos cruéis e servirem de pasto a leões e outros animais ferozes. Um cristão genuíno não tinha direito legal para buscar reparação nos tribunais, e, tampouco, deveriam fazê-lo porque, espiritualmente, isto significa prestar oferendas aos deuses greco-romanos. Os heróis gregos, como Hércules, Perseu, Teseu, Ulisses e outros eram idolatrados. Notemos que os cristãos eram realmente fracos no sentido. E foram escolhidos assim para serem transformados em vencedores, em heróis como mostrado na galeria da fé. Mas nenhum deles enfrentava dezenas de leões sem armas, e, ainda, cantando louvores. Nenhuma das mulheres dos poderosos podiam suportar sentar-se em uma chapa de ferro em brasa e ainda continuar anunciando Cristo como Senhor. Nenhum de seus senadores era capaz de caminhar para o cadafalso e, tendo a oportunidade de escapar, preferir a morte como uma maneira de anunciar a vitória sobre esta mesma morte. Um simples cristão era capaz de demonstrar maior força e coragem que todo senado romano. Deus os escolheu - eles tinham certeza da vitória, a morte não era temida porque já fora vencida, seu aguilhão não representava mais motivo algum de receio ou temor. Os fortes, tão admirados pelos coríntios, admiravam os mais fracos entre os cristãos porque, estes, na sua fraqueza, demonstravam força inigualável [II Co 12.10: Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque, quando sou fraco, então, é que sou forte].
OS CRISTÃOS ERAM AS “COISAS” HUMILDES E DESPREZADAS, SEM VALOR
Homens sem sabedoria filosófica, sem poder político-econômico, e, agora, sem nobreza de nascimento. Eram, aos olhos dos romanos, piores que os libertos ou os livres que enchiam suas cidades. Eram piores que os imigrantes porque estes aceitavam de bom grado os costumes de sua época. Eram piores que os escravos, pois afirmavam terem apenas Cristo como seu Senhor. Para tornar as cosias ainda mais claras aos olhos dos pretensiosos e jactanciosos coríntios, Paulo lhes lembra que eles, em sua maioria, eram imigrantes - tidos como cidadãos de segunda categoria aos olhos dos dominadores romanos. Podiam trabalhar, ajuntar dinheiro e comprar propriedades. Com muito custo podiam comprar a cidadania romana [At 22.8-29: Respondeu-lhe o comandante: A mim me custou grande soma de dinheiro este título de cidadão. Disse Paulo: Pois eu o tenho por direito de nascimento. Imediatamente, se afastaram os que estavam para o inquirir com açoites. O próprio comandante sentiu-se receoso quando soube que Paulo era romano, porque o mandara amarrar]. A ideia de não serem de nobre nascimento estava associada a uma certa indignidade moral, uma inferioridade que não poderia ser retirada de maneira alguma. Sua cidadania seria sempre comprada, nunca natural. E eles eram, efetivamente, tratados como coisa sem valor. Um liberto que morre logo tem seu lugar tomado por outro. Um escravo já significava prejuízo. Por isso Paulo os adverte que eram tidos por desprezíveis, e, ainda, um termo ainda mais forte, sem valor algum. A jactância coríntia era reduzida a nada. E é justamente este o poder da mensagem da cruz: o que era nada, sem valor algum, desprezada e inútil, que é usado por Deus em uma atividade recriadora. Deus não precisava, necessariamente, usar nada do material existente nos chamados. Ele pôde recriá-los. E é com estas “coisas”, essas não pessoas, que nada eram que Deus torna sem valor algum, inútil e envergonhado, aquilo que tanto era valorizado pelos homens - e podemos afirmar que isto não mudou absolutamente nada. Era assim nos tempos de Paulo, continua assim nos nossos tempos. Os homens ainda correm atrás dos “sábios”, dos poderosos, das nobres castas de seu tempo. E para que? Para nada. Como sempre foi.
DEUS GLORIFICA O SEU NOME EM NÓS
Diferente do que se via entre os coríntios, e, que, certamente, não é nada diferente do que vemos ao nosso redor, não eram homens que deveriam ser glorificados. A existência da Igreja em Corinto, embora fruto do trabalho de Paulo como cooperador com o Senhor, devia-se exclusivamente à graça de Deus em Cristo Jesus [I Co 9.23: Tudo faço por causa do evangelho, com o fim de me tornar cooperador com ele]. Paulo é enfático ao escrever aos efésios [Ef 2.8: Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus]. Não havia muita diferença na mentalidade reinante em Éfeso da que reinava em Corinto. Paulo conclui seu raciocínio nesta seção afirmando enfaticamente que, pelo fato de Deus ter, por sua livre vontade, escolhido os fracos, os humildes, os sem nobreza de nascimento, os desprezados e, virtualmente, os que nada eram, eles não teriam qualquer direito a vangloriar-se, pelo contrário, deveriam andar humildemente diante do Senhor seu Deus [Mq 6.8: Ele te declarou, ó homem, o que é bom e que é o que o SENHOR pede de ti: que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus] e considerando o seu próximo como digno de igual ou maior honra. Ninguém pode jactar-se, nem diante dos irmãos [lembremos que a primeira palavra desta seção é, justamente, irmãos, quando Paulo os chama ao mesmo patamar de si mesmo e os convida a olharem quem são e como e porque foram chamados] e, principalmente, na presença de Deus, diante de quem a glória dos homens nada é.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Se atentarmos para o que somos, se olharmos ao nosso redor certamente vamos encontrar alguém que seja, em alguma coisa, mais habilitado, mais capacitado, mais dotado do que nós. Qualquer grandeza que tenhamos está alicerçada sobre algo e alguém que veio antes de nós. Qualquer riqueza amealhada está alicerçada sobre os ombros, mãos e suor de outros tantos. Mas, acima de tudo, a grandeza e honra entre os homens é insignificante diante de Deus [Sl 2.1: Por que se enfurecem os gentios e os povos imaginam coisas vãs?] e mesmo as mais poderosas nações [Is 40.17: Todas as nações são perante ele como coisa que não é nada; ele as considera menos do que nada, como um vácuo] e aos que não são diz afirma enfaticamente: sois menos do que nada [Is 41.24: Eis que sois menos do que nada, e menos do que nada é o que fazeis; abominação é quem vos escolhe]. Assim, aos olhos do Senhor era abominação escolher o nome de Paulo, de Pedro, de Apolo ou mesmo usar o nome de Cristo como pretexto para sua vangloria. É abominação aos olhos do Senhor achar que, porque conquistou algo, pode jactar-se de alguma coisa. Tolice é acreditar em frases estupidas e sem sentido como as que dizem que “Deus precisa de você”. Isto é bobagem. Nem mesmo a Igreja precisa de você. É você quem precisa de Cristo. É você quem precisa de Deus. É você quem precisa da Igreja como comunidade de fé, onde você possa crescer espiritualmente e exercitar seus talentos e dons. Irmãos, observai a vossa vocação. Lembrem-se do que eram quando foram chamados. Não retornem à jactância mundana, arrogante, pretensiosa e inútil. Humilhai-vos perante a poderosa mão de Deus e ele, em tempo oportuno, vos exaltará [I Pe 5.6: Humilhai-vos, portanto, sob a poderosa mão de Deus, para que ele, em tempo oportuno, vos exalte].
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