Mensagem dominical na Igreja Presbiteriana de Xinguara
27 de março de 2016
Nosso tema, ao abordar o livro de Neemias, é: quais os
princípios que devem nortear nossa atuação no reino de Deus?
Para responder esta pergunta, precisamos, antes de mais nada,
definir o que são princípios. Princípios são as inclinações fundamentais que
norteiam o comportamento de uma pessoa, que influenciam seu modo interpretar o
mundo e reagir às suas influências, de modo que pessoas de princípios
diferentes agem de maneira diferente em situações diferentes.
Sabemos que não existem pessoas sem princípios – embora haja
pessoas sem princípios cristãos (mesmo denominando-se cristãos), ou sem
princípios éticos considerados adequados em determinado grupo social e acabam
sendo chamados de “sem princípios” – mas elas não são, de fato, sem princípios.
Possuem princípios ofensivos ao contexto em que estão inseridos, mas os possuem.
Um homem bomba, um radical islâmico como os que realizaram atentados nos
Estados Unidos ou Paris, por exemplo, possui princípios férreos, tão
profundamente arraigados a ponto de tirar a sua própria vida (e a de muitos que
nenhum mal lhe fizeram) motivado por eles.
Uma mulher que assassina o próprio filho em seu ventre também
tem seus princípios que a levou a tomar tal decisão. Não os justificamos, são
princípios errados, mas eles existem. Um invasor de terras, um ladrão, que se
apropria do alheio também tem seus princípios governantes internos – tortos,
mas tem. Quando os judeus começaram a planejar a morte de Jesus, a mesma coisa
acontecia. Eles tinham princípios – e desejavam praticá-los: seu princípio era
fazer a vontade de seu pai, satanás, homicida desde o princípio.
A bíblia trata disto, embora sem usar esta palavra, quando
diz que, assim como um homem imagina em sua alma, assim ele é (Pv 23:7). Nós
estamos falando de valores – valores que influenciam decisões e ações. Agora
vamos conhecer um pouco dos valores desse homem de Deus chamado Neemias e como
isto influenciou suas ações.
Há alguns anos escrevi um artigo intitulado “férias de Deus”,
lembrando o perigo que muitos cristãos correm ao estarem longe de Deus quando
estão longe da sua cidade ou até mesmo quando estão fora do alcance dos olhos e
ouvidos dos demais membros da Igreja. Não precisamos ir muito longe, basta
imaginarmos as conversas nos corredores da escola ou em outros lugares onde,
muitas vezes, o assunto “espiritualidade” é um verdadeiro tabu.
Neemias fez parte de uma rara estirpe de homens (e mulheres)
de Deus: aqueles que serviram ao Senhor mesmo em terras estranhas e em
contextos amplamente desfavoráveis. Entre estes podemos citar José (Gn 39:9). Antes de Neemias também é
necessário destacar uma menina levada cativa por Naamã, de nome desconhecido e
fidelidade invejável (II Rs 5.2-3).
Como esquecer o profeta Micaías, único a ter coragem de
anunciar o desígnio de Deus a reis poderosos como Acabe e Josafá (I Rs 22:14) quando quatro centenas de outros (I Rs 22:6) disseram apenas o que os reis queriam ouvir (I Rs 22:13). Não
podemos nos esquecer de Daniel e seus três amigos, Hananias, Misael e Azarias,
conhecidos na corte babilônica como Sadraque, Mesaque e Abede-Nego (Dn 1:7) mas
mais conhecidos ainda por terem decidido não se contaminar com as finas
iguarias do rei.
Décadas depois destes crentes piedosos a fé ainda encontra
espaço no coração de alguns homens – dentre eles, Neemias (Sl 137:1). Em Susã, na fortaleza de verão
do império babilônico, servindo ao rei persa Artaxerxes, Neemias não abandonava
sua fé nem seu amor pela terra que fora dada por Deus a seus pais sob juramento
(Dt 34:4). Neemias
também não abandona sua confiança no Deus que, tendo prometido, não deixa de
cumprir as suas promessas. Quero destacar três características deste piedoso
servo de Deus que deveriam servir de princípios norteadores para todos os
cristãos – em qualquer lugar e época, em circunstâncias favoráveis ou adversas:
Neemias se encontrava em uma posição invejável na corte do
rei Artaxerxes: ele era o copeiro do rei. Era um dos poucos homens que tinham
acesso ao rei durante todo o dia. Não lhe faltava alimento, nem teto, nem
segurança. Com certeza tinha uma série de confortos que muitos não possuíam.
Mas, mesmo em Susã, mesmo no palácio de verão do rei, Neemias
ainda demonstra um profundo interesse pela terra de seus pais, e pelo estado de
seus irmãos. Quando encontra alguns judeus que não foram tomados durante o
exilio e que, portanto, podiam viajar entre a Babilônia e Jerusalém, procura
saber qual o estado da “província”, na verdade, de parte da província
Transeufratiana, como a região era conhecida.
E o quadro era desolador – parecia que o exílio tinha apenas
começado: grande miséria, isto é, não havia recursos financeiros, não havia
produção de riqueza. Havia também grande desprezo – os demais povos que foram
colocados no entorno de Jerusalém os desprezavam e maltratavam. A cidade
praticamente não existia, não passava de um monte de escombros, sem muros, sem
portas.
Não havia nenhuma das instituições que caracterizavam um
estado – não havia trono, não havia templo, não havia território. Só restava
uma coisa: o povo. Miserável e desprezado, ainda era o povo de Deus. Mas não
pensemos que eles estavam naquele estado por causa da maldade dos babilônicos –
o que lhes sobreveio foi por causa de sua própria maldade (Is 1.19-20).
Mas é este mesmo povo, oprimido e desprezado, que é amado por
Deus. Certamente Neemias se lembrou da oração de Salomão ao inaugurar o templo
(I Rs 8.46-50) e foi fazer a única coisa que lhe competia fazer:
chorou e lamentou o estado de Israel, chorou e lamentou o estado em que Israel
havia se colocado, chorou e lamentou a incapacidade de Israel de sair de seu
estado de miséria – mas não deixou de orar e jejuar, pedindo a compaixão de
Deus por seu povo, porque certamente Deus amava mais Israel do que o próprio
Neemias.
Se humilhar, orar, jejuar, confessar os pecados e, então,
suplicar o favor do altíssimo. É esta a sequência de ações de Neemias, sequência
prevista pelo Senhor (II Cr 7:14). Não havia outra coisa a fazer. Neemias tinha plena
consciência de que o exilio fora ação de Deus para disciplinar Israel e só Deus
podia acabar com ele (Is 45:7).
Neemias servia a Deus. Neemias conhecia o Deus a quem servia.
Neemias tinha intimidade com Deus e conhecia a sua aliança, inclusive as
condições de bênção e maldição, bem como as cláusulas de restauração (Sl 25:14). Nessa mesma babilônia outros
servos do Senhor disseram confiar em Deus em quaisquer circunstancias, tanto
para viver quanto para morrer (Dn 3.17-18).
O que Neemias poderia fazer em favor de seu povo? Nada. Nem
mesmo ir a Jerusalém ele podia. Não podia reconstruir o templo. Não podia
reconstituir o trono. Não podia restaurar os muros nem a soberania de Israel. Era
só o copeiro do rei, um dos mais importantes escravos do rei, mas nada além de
um escravo. Mas ele sabia que servia um rei maior do que Artaxerxes, como
Daniel servia a um rei maior do que Nabucodonosor (Dn 6:26). Ele servia ao Deus dos céus – e é ao Deus dos céus que ele
vai suplicar o favor.
Mas há uma coisa impressionante na oração de Neemias – ele
demonstra depender de Deus e confiar na ação de Deus segundo o verdadeiro
conhecimento de Deus. Ele não demonstra querer que as coisas sejam feitas do
seu jeito e no seu tempo. Ele quer o favor do Rei dos céus que poderia,
facilmente, inclinar o coração do rei da Babilônia (Pv 21:1) – e é
este o seu pedido: que Deus lhe conceda mercê perante Artaxerxes.
Uma terceira característica importante em Neemias que
precisamos observar é que ele não se limitava a compadecer-se do povo que
sofria em Israel. Sim, ele se identificava com aquele povo, era o seu povo, era
o povo do seu Deus, era a herança do Senhor que estava humilhada e em opróbrio.
Ele também era um homem que tinha profunda convicção de que seu Deus é o Senhor
do céu e da terra, e, por isso, se entregava a ele em completa dependência.
Mas, se pararmos aqui, se alguém parar aqui será simplesmente ineficiente. A
Palavra de Deus nos diz para entregarmos o nosso caminho ao Senhor – e não para
nos entregarmos e pararmos no caminho.
Neemias também estava disposto a entrar em ação. Seu
contemporâneo, Esdras, também tinha esta mesma disposição para com Deus e sua
vontade (Ed 7:10). Eram homens diferentes. Um era administrador e o outro era
um sacerdote – mas ambos tinham disposição para o serviço do Senhor.
Após orar ao Senhor insistentemente por aproximadamente
quatro meses – quisleu corresponde, mais ou menos, aos nossos meses de novembro/dezembro e nisã corresponde a março/abril, ele finalmente faz seu
pedido ao rei a partir da inclinação
do coração do próprio rei. Não foi Neemias quem tomou a iniciativa, mas
Artaxerxes, dando a oportunidade para expor seu pedido: ir a Jerusalém para
reedificar a cidade.
Observe um detalhe que passa quase despercebido: o rei lhe
pergunta quanto tempo demoraria e ele já tinha uma resposta (Ne 2.6), o que implica em que, nestes quase quatro meses de
oração ele planejava a obra que executaria… já trabalhava antes mesmo da
resposta do rei. Andava por fé (II Co 5:7).
Não era uma tarefa simples. Havia uma enormidade de coisas a
considerar para fazer a obra do Senhor. Havia perigos nas estradas. Havia
perigo na província. Havia inimigos de Israel por todos os lados (Ne 2:19). Havia o próprio desânimo
dos demais judeus que haviam ficado – todas as famílias nobres haviam sido
levadas para o exílio. Havia uma tarefa enorme para fazer – reconstruir uma
cidade da qual só restavam escombros… reconstruir uma economia totalmente
arrasada. Reconstruir a identidade nacional arrasada e misturada em casamentos
com gentios. Era preciso muita disposição – e isto, meus amados, Neemias tinha
de sobra porque ele queria fazer a obra do Senhor.
Não há Igreja que não tenha dificuldade com “mão de obra”.
Quase sempre são poucos servindo a muitos. Isto não é novidade alguma e
aparentemente não deixará de ser uma constante. Existem princípios para se
fazer a obra do Senhor, e nós vamos vê-los no livro de Neemias – mas não há
como ser feita a obra do Senhor sem os trabalhadores da obra do Senhor (Êx 8:8).
Encontramos ainda hoje pessoas como Neemias, como Pedro e os
demais apóstolos, servos de Deus prontos a devotarem-se ao Senhor e à sua obra
(Mt 19:27) chegando ao ponto de abrir mão de
suas aspirações mais profundas e conquistas mais relevantes (Fp 3:8) em nome
do reino de Deus (Lc 12:31) porque
sabem que o Senhor recompensa os seus (Mc 10:29).
Reflitamos um pouco: escravo, eunuco, morando a centenas de
quilômetros de Jerusalém, cidade que sequer conhecia pois foram seus avós quem
foram exilados ainda jovens. Por outro lado, funcionário do rei, tão apreciado
que era a única pessoa em quem o rei confiava para não ser envenenado, só comia
o que recebia de suas mãos, vivendo de palácio em palácio… na boa… você
deixaria esta vida cômoda para enfrentar deserto, salteadores, inimigos,
entulho e todo tipo de adversidade? Se você for alguém como Neemias, alguém que
tem como principio cumprir a vontade de Deus, fazer a obra de Deus, com certeza
deixaria. Não quero apresentar Neemias como um super-herói, um super-homem,
porque ele não é. Ele é só não é preguiçoso, não é relaxado (Jr 48:10). Ele
simplesmente sabe o que tem que fazer – e faz (Tg 4:17).
Pense mais um pouco. Você, morando perto da casa do Senhor,
vivendo numa sociedade que tolera e considera até certo ponto desejável que
você expresse a sua fé, com irmãos e amigos ao seu lado, com sua família a lhe
apoiar – mesmo quando parte dela é incrédula… quanto você tem se envolvido com
a obra do Senhor? Você tem os mesmos princípios de Neemias? Que palavras lhe
diria o Senhor ao observar o seu grau de envolvimento com sua obra? Integral?
Parcial? Esporádico? Nenhum?
Qual seria o julgamento de Deus em relação a isso? Te
consideraria servo bom e fiel, como Neemias? Ou servo mau e negligente, como
Demas? Que tipo de servo você é? E você, que está conhecendo a Igreja agora,
que tipo de servo você deseja ser? Neemias não voltou sozinho - e a obra do
Senhor foi feita, Jerusalém foi reedificada, o templo foi reconstruído e a
nação estava pronta para… continuar a sua história como povo, com seus erros e
acertos, mas acima de tudo com a esperança de que Deus cumprisse através deles
a promessa messiânica, de que um dia, através deles, daria Jesus ao mundo (Jo 4:22).