sexta-feira, 11 de abril de 2014

A IGREJA E A PREGAÇÃO DA PALAVRA ATRAVÉS DA HISTÓRIA

A IGREJA E A PREGAÇÃO DA PALAVRA ATRAVÉS DA HISTÓRIA

Há quem afirme que a razão da existência da Igreja é anunciar o evangelho, mas prefiro afirmar que ela existe para adorar a Deus, e, ao fazer isso, cumpre sua principal atribuição, ela certamente ensinará o verdadeiro evangelho. Assim, podemos afirmar que a fidelidade na pregação da Palavra está inserida na adoração a Deus.
Porque, então, muitas congregações que querem ser reconhecidas como 'igrejas' não se preocupam em expor fielmente a Palavra de Deus? Inúmeras mensagens, ditas espirituais, partem de pressupostos pessoais (e muitas vezes absurdos) e não de um estudo cuidadoso e sistemático da Palavra de Deus. De quem seria este problema: da congregação ou dos pregadores? Creio que de ambos, sendo que mais severamente cobrados serão os que se arvoram em mestres da comunidade (Tg 3.1).
A Confissão de Fé de Westminster (cap. XXV, III) afirma apropriadamente que o ministério foi dado à Igreja como um todo, com o auxílio indispensável do Espírito Santo:
"A Igreja católica visível (Deus) deu o ministério (...) para congregamento e aperfeiçoamento dos santos (...) e pela sua própria presença e pelo seu Espírito os torna eficientes para esse fim, segundo a sua promessa".
Também a constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil, falando dos fins da Igreja, como um todo, acertadamente afirma que "A Igreja tem por fim adorar a Deus conforme as Escrituras Sagradas do Velho e Novo Testamentos, propagar o evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo, promover educação cristã... (cap. I, art. 1º, parágrafo 2º, 1998, p. 132) "
Se o objetivo da Igreja é conduzir pecadores a Cristo, então ela deve se preocupar seriamente com a fidelidade na pregação da Palavra. Calvino alerta que
"Deus nos inspira a fé servindo-se do evangelho... o poder de salvar reside somente em Deus, mas se manifesta unicamente, como afirma o apóstolo Paulo, na pregação do evangelho" (CALVINO, vol. II, 1999, p. 807).
E esta pregação é tarefa da Igreja, que é o instrumento nas mãos de Deus para tal fim, como também salienta o Rev. Carlos del Pino, quando diz que
"...as pessoas precisam urgentemente da salvação que Jesus concretizou, por isso a Igreja é a enviada de Jesus e do Pai, é o instrumento divino para que a salvação chegue às pessoas, causando um profundo impacto e levando a salvação ao mundo" (PINO, Janeiro-Julho de 2000).
Ao longo da história, a Igreja cumpriu (ou não) a sua obrigação de anunciar o evangelho? Ela foi fiel, ou não? Pretendo destacar alguns pontos que considero necessários.

A PREGAÇÃO NO PERÍODO VETEROTESTAMENTÁRIO

No limiar do período profético, Moisés esclarece ao povo quais as características de um "ministro da Palavra": ele deve conduzir o povo a Deus (Dt 13.1-3) e anunciar tudo o que o Senhor lhe ordenar (Dt 18.18-22), ideal que é expresso de maneira exemplar pelo profeta Micaías (I Rs 22.14). Apesar de muitos falsos profetas se levantarem, a diferença entre eles sempre era medida pelo fato de falarem a verdade e conduzirem o povo a Deus.

A IGREJA PRIMITIVA

Ao falar da Igreja primitiva refiro-me aos primeiros cristãos e suas atividades nos primeiros anos após a ascensão de Cristo, conforme relatado no livro de Atos dos Apóstolos, livro que, conforme Carson, tinha como propósito – secundário, ao menos – anunciar a Palavra de Deus (CARSON & DOUGLAS, & MORRIS, p. 222).
A promessa do Espírito Santo para os crentes trazia em si o poder (e a obrigação) do anúncio do evangelho (ALLEN, 1970, p. 203) para toda a Igreja, não importando qual o preço a ser pago no cumprimento de tal tarefa. Estevão foi martirizado. Tiago, Pedro e Paulo foram mortos, João foi preso – a Igreja foi perseguida. Não devemos nos esquecer que foi para que eles se empenhassem no ensino da Palavra que foi instituído o ministério diaconal na Igreja. Em todos os sermões dos servos de Deus desse tempo a Palavra era absolutamente prioritária.

A IGREJA DA IDADE MÉDIA

Foi nesse período que começaram a surgir alguns tipos de interpretação que se afastavam bastante do ensino original de Cristo, como, por exemplo, o docetismo, o marcionismo, o gnosticismo, o arianismo, a alegorização e outros. Em pelo menos alguns pode-se dizer que havia uma boa intenção, mas uma certa preocupação limitada com a qualidade das conversões – não se queria conversões nominais, mas quando o líder de um grupo decidia seguir a Cristo, quase sempre todo o povo era batizado juntamente, gerando um problema: como transformar cristãos nominais em verdadeiros cristãos.
Também houve numerosas conversões forçadas, como no tempo de Carlos Magno, período em que a pregação era considerada secundária e numerosos bispos sequer sabiam ler. Até mesmo o grande cisma de 1054 não teve como motivação uma questão escriturística, mas foi, principalmente, uma disputa por poder (com diversos nuances) entre bispos rivais.

A IGREJA DA IDADE MODERNA – A REFORMA PROTESTANTE

Tanto a Igreja romana quanto os protestantes reivindicaram ser a verdadeira Igreja, cada uma denunciando a outra como uma Igreja falsa. Complicando ainda mais o já difícil quadro religioso deste período havia os anabatistas e outras seitas que condenavam a ambas. Os reformadores não foram insensíveis a este dilema, e as confissões de fé elaboradas neste período trataram o assunto de forma pastoral e chegaram à seguinte conclusão, com algumas variações: a Escritura fornece três marcas básicas para se identificar a verdadeira Igreja: A pregação da Palavra; a administração adequada dos sacramentos e o exercício da disciplina eclesiástica. Onde o cristão encontrasse estas marcas poderia descansar seguro de ter encontrado a verdadeira Igreja de nosso Senhor Jesus Cristo.
É preciso lembrar dos pré-reformadores e dos reformadores como elemento restaurador da ênfase na pregação (fiel) da Palavra – embora possamos afirmar que, mesmo em pequena escala, o desejo de restabelecer a exposição fiel das Escrituras ainda existia (COSTA, anotações de aula da disciplina de Teologia Contemporânea, 2000, p. 4). É motivada por este desejo que a Reforma é levada adiante, sendo considerada como "uma proclamação positiva do evangelho" (LEITH, 1997, p. 36). A Reforma Protestante não tinha a preocupação em inovar, mas em retornar ao estilo de vida e de pregação da igreja primitiva, com uma preocupação clara em retornar aos parâmetros cristãos primitivos.

A IGREJA MODERNA

Três grandes questões surgiram à partir da Reforma Protestante, segundo Urbano Zilles (ZILLES, 1993, p. 13): A ortodoxia morna dos sécs. XVII e XVIII preocupada com o conteúdo, com pouca ou nenhuma ênfase na vida cristã; O liberalismo do séc. XIX sem preocupação com a fidelidade ao texto a respeito do qual, afirmava-se, não era possível ter qualquer certeza e o pentecostalismo do séc. XX enfatizando que "a letra", deve ser reinterpretada pelo Espírito que fala individualmente (um ressurgir dos movimentos anabatistas do séc. XVI). O resultado foi o abandono de qualquer padrão de interpretação que passa a ser absolutamente subjetiva, antropocêntrica.
A estas acrescento o mais recente modismo, que tem sido denominado de igrejas emergentes e sua pretensa pregação pós-moderna, que nada mais é do que abandonar a fé que uma vez por todas foi entregue à Igreja e abraçar a cultura – mutável e enganosa, e que, em muitos aspectos, jaz no maligno, príncipe deste mundo.

CONCLUSÃO

Este problema é ainda maior atualmente, uma vez que há uma miríade de assembleias religiosas – todas reivindicando igualmente o título de verdadeira Igreja, condenando as outras como apóstatas e heréticas. Como poderiam os 'leigos' peneirar estas reivindicações mutuamente excludentes. Como saber qual a Igreja verdadeira, para que a ela se juntasse?
Outra das grandes dificuldades que temos hoje é o surgimento de inúmeras doutrinas centralizadas no homem. Com isso, a Palavra de Deus vai dando lugar às experiências e tradições. Em outras palavras, podemos dizer que novamente o conteúdo da pregação está recebendo menor importância. E de quem é a responsabilidade?
Poderíamos afirmar que é de toda a Igreja. De pregadores que tem por objetivo agradar aos ouvintes – e não seguem o exemplo de Micaías (I Rs 22.14); de ouvintes que desejam ser agradados, emocionados, raramente edificados e nunca confrontados. O que vemos é um desinteresse quase total na verdade evangélica. Como resultado deste descaso é possível observar em muitos casos um "inchaço", um aumento no número de frequentadores, mas pouquíssimos comprometidos com a verdade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

PINO, Carlos Del, O Apostolado de Cristo e a Missão da Igreja, in Fides Reformata, vol. V, n. 1, p. 63. Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, São Paulo, Janeiro-Julho de 2000.
Confissão de Fé de Westminster. Editora Cultura Cristã, 3ª Ed, São Paulo, 1997.
CARSON, D.A. & MOO, J. Douglas, & MORRIS, Leon, Introdução ao Novo Testamento, Vida Nova, São Paulo, 1997.
COSTA, Hermisten Maia Pereira da, A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – anotações de aula, Seminário Teológico Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição. 1999.
____________, Hermisten Maia Pereira da, A Reforma Protestante, anotações de aula da disciplina de Teologia Contemporânea, p. 4, Seminário Teológico Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição, São Paulo, 2000.
CALVINO, João, As Institutas. Campinas, SP, Luz Para o Caminho, 1989.
LEITH, John H. A Tradição Reformada, p. 36, Pendão Real, São Paulo, 1997.
Manual Presbiteriano, Estatutos da Igreja Presbiteriana do Brasil. Cultura Cristã, São Paulo, 1998.
ALLEN, Roland, La Expansión Espontánea de la Iglesia, La Aurora, Buenos Aires, 1970.

ZILLES, Urbano, Modernidade e a Igreja, EDIPUCRS, Porto Alegre, 1993.

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