A IGREJA E A PREGAÇÃO DA PALAVRA
ATRAVÉS DA HISTÓRIA
Há quem afirme que a razão da existência da Igreja é
anunciar o evangelho, mas prefiro afirmar que ela existe para adorar a Deus, e,
ao fazer isso, cumpre sua principal atribuição, ela certamente ensinará o
verdadeiro evangelho. Assim, podemos afirmar que a fidelidade na pregação da
Palavra está inserida na adoração a Deus.
Porque, então, muitas congregações que querem ser
reconhecidas como 'igrejas' não se preocupam em expor fielmente a Palavra de
Deus? Inúmeras mensagens, ditas espirituais, partem de pressupostos pessoais (e
muitas vezes absurdos) e não de um estudo cuidadoso e sistemático da Palavra de
Deus. De quem seria este problema: da congregação ou dos pregadores? Creio que
de ambos, sendo que mais severamente cobrados serão os que se arvoram em
mestres da comunidade (Tg 3.1).
A Confissão de Fé de Westminster (cap. XXV, III) afirma
apropriadamente que o ministério foi dado à Igreja como um todo, com o auxílio
indispensável do Espírito Santo:
"A Igreja católica visível
(Deus) deu o ministério (...) para congregamento e aperfeiçoamento dos santos
(...) e pela sua própria presença e pelo seu Espírito os torna eficientes para
esse fim, segundo a sua promessa".
Também a constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil,
falando dos fins da Igreja, como um todo, acertadamente afirma que "A
Igreja tem por fim adorar a Deus conforme as Escrituras Sagradas do Velho e
Novo Testamentos, propagar o evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo, promover
educação cristã... (cap. I, art. 1º, parágrafo 2º, 1998, p. 132) "
Se o objetivo da Igreja é conduzir pecadores a Cristo, então
ela deve se preocupar seriamente com a fidelidade na pregação da Palavra.
Calvino alerta que
"Deus nos inspira a fé
servindo-se do evangelho... o poder de salvar reside somente em Deus, mas se
manifesta unicamente, como afirma o apóstolo Paulo, na pregação do
evangelho" (CALVINO, vol. II, 1999, p. 807).
E esta pregação é tarefa da Igreja, que é o instrumento nas
mãos de Deus para tal fim, como também salienta o Rev. Carlos del Pino, quando
diz que
"...as pessoas precisam
urgentemente da salvação que Jesus concretizou, por isso a Igreja é a enviada
de Jesus e do Pai, é o instrumento divino para que a salvação chegue às
pessoas, causando um profundo impacto e levando a salvação ao mundo"
(PINO, Janeiro-Julho de 2000).
Ao longo da história, a Igreja cumpriu (ou não) a sua
obrigação de anunciar o evangelho? Ela foi fiel, ou não? Pretendo destacar
alguns pontos que considero necessários.
A PREGAÇÃO NO PERÍODO VETEROTESTAMENTÁRIO
No limiar do período profético, Moisés esclarece ao povo
quais as características de um "ministro da Palavra": ele deve
conduzir o povo a Deus (Dt 13.1-3) e anunciar tudo o que o Senhor lhe ordenar (Dt
18.18-22), ideal que é expresso de maneira exemplar pelo profeta Micaías (I Rs
22.14). Apesar de muitos falsos profetas se levantarem, a diferença entre eles
sempre era medida pelo fato de falarem a verdade e conduzirem o povo a Deus.
A IGREJA PRIMITIVA
Ao falar da Igreja primitiva refiro-me aos primeiros
cristãos e suas atividades nos primeiros anos após a ascensão de Cristo,
conforme relatado no livro de Atos dos Apóstolos, livro que, conforme Carson,
tinha como propósito – secundário, ao menos – anunciar a Palavra de Deus (CARSON
& DOUGLAS, & MORRIS, p. 222).
A promessa do Espírito Santo para os crentes trazia em si o
poder (e a obrigação) do anúncio do evangelho (ALLEN, 1970, p. 203) para toda a
Igreja, não importando qual o preço a ser pago no cumprimento de tal tarefa.
Estevão foi martirizado. Tiago, Pedro e Paulo foram mortos, João foi preso – a
Igreja foi perseguida. Não devemos nos esquecer que foi para que eles se
empenhassem no ensino da Palavra que foi instituído o ministério diaconal na
Igreja. Em todos os sermões dos servos de Deus desse tempo a Palavra era
absolutamente prioritária.
A IGREJA DA IDADE MÉDIA
Foi nesse período que começaram a surgir alguns tipos de
interpretação que se afastavam bastante do ensino original de Cristo, como, por
exemplo, o docetismo, o marcionismo, o gnosticismo, o arianismo, a alegorização
e outros. Em pelo menos alguns pode-se dizer que havia uma boa intenção, mas uma
certa preocupação limitada com a qualidade das conversões – não se queria
conversões nominais, mas quando o líder de um grupo decidia seguir a Cristo,
quase sempre todo o povo era batizado juntamente, gerando um problema: como
transformar cristãos nominais em verdadeiros cristãos.
Também houve numerosas conversões forçadas, como no tempo de
Carlos Magno, período em que a pregação era considerada secundária e numerosos
bispos sequer sabiam ler. Até mesmo o grande cisma de 1054 não teve como
motivação uma questão escriturística, mas foi, principalmente, uma disputa por
poder (com diversos nuances) entre bispos rivais.
A IGREJA DA IDADE MODERNA – A REFORMA
PROTESTANTE
Tanto a Igreja romana quanto os protestantes reivindicaram
ser a verdadeira Igreja, cada uma denunciando a outra como uma Igreja falsa.
Complicando ainda mais o já difícil quadro religioso deste período havia os
anabatistas e outras seitas que condenavam a ambas. Os reformadores não foram
insensíveis a este dilema, e as confissões de fé elaboradas neste período
trataram o assunto de forma pastoral e chegaram à seguinte conclusão, com
algumas variações: a Escritura fornece três marcas básicas para se identificar
a verdadeira Igreja: A pregação da Palavra; a administração adequada dos
sacramentos e o exercício da disciplina eclesiástica. Onde o cristão
encontrasse estas marcas poderia descansar seguro de ter encontrado a
verdadeira Igreja de nosso Senhor Jesus Cristo.
É preciso lembrar dos pré-reformadores e dos reformadores
como elemento restaurador da ênfase na pregação (fiel) da Palavra – embora
possamos afirmar que, mesmo em pequena escala, o desejo de restabelecer a
exposição fiel das Escrituras ainda existia (COSTA, anotações de aula da
disciplina de Teologia Contemporânea, 2000, p. 4). É motivada por este desejo
que a Reforma é levada adiante, sendo considerada como "uma proclamação
positiva do evangelho" (LEITH, 1997, p. 36). A Reforma Protestante não
tinha a preocupação em inovar, mas em retornar ao estilo de vida e de pregação
da igreja primitiva, com uma preocupação clara em retornar aos parâmetros
cristãos primitivos.
A IGREJA MODERNA
Três grandes questões surgiram à partir da Reforma
Protestante, segundo Urbano Zilles (ZILLES, 1993, p. 13): A ortodoxia morna dos
sécs. XVII e XVIII preocupada com o conteúdo, com pouca ou nenhuma ênfase na
vida cristã; O liberalismo do séc. XIX sem preocupação com a fidelidade ao
texto a respeito do qual, afirmava-se, não era possível ter qualquer certeza e
o pentecostalismo do séc. XX enfatizando que "a letra", deve ser
reinterpretada pelo Espírito que fala individualmente (um ressurgir dos
movimentos anabatistas do séc. XVI). O resultado foi o abandono de qualquer
padrão de interpretação que passa a ser absolutamente subjetiva,
antropocêntrica.
A estas acrescento o mais
recente modismo, que tem sido denominado de igrejas emergentes e sua pretensa
pregação pós-moderna, que nada mais é do que abandonar a fé que uma vez por
todas foi entregue à Igreja e abraçar a cultura – mutável e enganosa, e que, em
muitos aspectos, jaz no maligno, príncipe deste mundo.
CONCLUSÃO
Este problema é ainda maior atualmente, uma vez que há uma
miríade de assembleias religiosas – todas reivindicando igualmente o título de
verdadeira Igreja, condenando as outras como apóstatas e heréticas. Como
poderiam os 'leigos' peneirar estas reivindicações mutuamente excludentes. Como
saber qual a Igreja verdadeira, para que a ela se juntasse?
Outra das grandes dificuldades que temos hoje é o surgimento
de inúmeras doutrinas centralizadas no homem. Com isso, a Palavra de Deus vai
dando lugar às experiências e tradições. Em outras palavras, podemos dizer que
novamente o conteúdo da pregação está recebendo menor importância. E de quem é
a responsabilidade?
Poderíamos afirmar que é de toda a Igreja. De pregadores que
tem por objetivo agradar aos ouvintes – e não seguem o exemplo de Micaías (I Rs
22.14); de ouvintes que desejam ser agradados, emocionados, raramente
edificados e nunca confrontados. O que vemos é um desinteresse quase total na
verdade evangélica. Como resultado deste descaso é possível observar em muitos
casos um "inchaço", um aumento no número de frequentadores, mas
pouquíssimos comprometidos com a verdade.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
PINO, Carlos
Del, O Apostolado de Cristo e a Missão da
Igreja, in Fides Reformata, vol. V, n. 1, p. 63. Centro Presbiteriano de
Pós-Graduação Andrew Jumper, São Paulo, Janeiro-Julho de 2000.
Confissão de Fé de Westminster. Editora Cultura Cristã, 3ª Ed, São
Paulo, 1997.
CARSON, D.A.
& MOO, J. Douglas, & MORRIS, Leon,
Introdução ao Novo Testamento, Vida Nova, São Paulo, 1997.
COSTA, Hermisten
Maia Pereira da, A Igreja de Deus:
Origem, Característica e Missão – anotações de aula, Seminário Teológico
Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição. 1999.
____________, Hermisten
Maia Pereira da, A Reforma Protestante,
anotações de aula da disciplina de Teologia Contemporânea, p. 4, Seminário
Teológico Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição, São Paulo, 2000.
CALVINO, João, As Institutas. Campinas, SP, Luz Para o
Caminho, 1989.
LEITH, John H. A Tradição Reformada, p. 36, Pendão
Real, São Paulo, 1997.
Manual Presbiteriano, Estatutos da Igreja
Presbiteriana do Brasil.
Cultura Cristã, São Paulo, 1998.
ALLEN, Roland, La Expansión Espontánea de la Iglesia,
La Aurora, Buenos Aires, 1970.
ZILLES, Urbano, Modernidade e a Igreja, EDIPUCRS, Porto
Alegre, 1993.
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