Jeremias 32.16-25
Recessão. Crise. Desemprego. Desespero. Estas e outras palavras têm ocupado o noticiário e o vocabulário de todos, desde pessoas de posses como de pessoas as mais simples. Ligamos a TV, ouvimos rádio, lemos jornais e revistas e só ouvimos falar de crise, queda das bolsas, retração do comércio e da produção, etc.
Já houve até quem tenha atentado contra a própria vida em virtude dos imensos prejuízos financeiros sofridos. Mas a nossa história nos ensina que as crises vêm e vão, com maior ou menor intensidade. Só nos últimos 15 anos o Brasil enfrentou três sérias crises econômicas: Rússia, Japão e Argentina. Na definição do presidente da república, são com as marolas na água – sempre haverá outra, embora ele não tenha percebido que a marola, desta vez, quase chega a ser um tsunami de efeitos duradouros.
No passado outras crises também aconteceram, e o profeta Jeremias retrata uma das crises mais sérias – e de efeitos mais duradouros – na história de Israel. Para aqueles que a vivenciaram foi uma experiência dramática e sofrida, e, creio, nenhum deles passou por ela com prazer. Imagino que todos eles trocariam a crise que experimentaram por aquilo que hoje estamos chamando de "crise". E imagino que nenhum de nós trocaria a nossa crise pela que eles enfrentaram. Um detalhe nos mostra o tamanho da crise por eles vivenciada: Jeremias chega a dizer que os hebreus comeriam as carnes de seus próprios filhos e filhas por causa do cerco que sofreriam até serem vencidos e levados para a Babilônia (Jr 19.9).
O capítulo 32 do livro do profeta Jeremias nos lembra, dentre outras coisas, a angústia vivida pelo povo; a presunção dos fracos governantes hebreus de resistirem [sem a ajuda de Deus] às forças babilônicas muito superiores e os motivos do seu sofrimento.
Por diversas vezes Deus advertira do sofrimento que os hebreus teriam em caso de desobediência. Até mesmo o templo era usado como instrumento de idolatria – e a idolatria sempre é um instrumento usado para esconder uma religiosidade vazia, porque precisa de amparos, de muletas, de ajudas visuais para substituir o que é espiritual, imaterial e invisível. A idolatria substitui ineficientemente a fé. Os líderes hebreus (sacerdotes, príncipes) diziam para o povo: temos o templo do Senhor! – clamavam. – Ninguém virá até aqui [Jr 7.4]. O que era para ser apenas local de adoração virou objeto de idolatria.
Durante todo o tempo do cerco os príncipes tentaram solucionar o problema com alianças (tentaram com o Egito, tentaram comprar os governantes caldeus), enquanto, durante todo o tempo, o profeta dizia que a melhor coisa a fazerem era não resistirem, pois os caldeus eram tão somente o "chicote" de Deus para castigá-los por causa das suas muitas iniquidades.
Ao invés de ouvirem a palavra do profeta, preferiram persegui-lo, prendê-lo e maltratá-lo. Ninguém queria ouvir o Senhor – queriam continuar com a sua vidinha, cheia de injustiças, opressão, derramamento de sangue e idolatria. O povo de então [à semelhança de hoje] prefere confiar em palavras falsas e promessas vazias, furtando, matando, adulterando, jurando falsamente e adorando a falsos deuses fabricados por suas próprias cobiças. E ainda cometem o pior dos pecados, achar que Deus não vê ou não sabe do que estão fazendo, adorando falsos deuses e dizendo-se adoradores de Deus, achando que uma simples atitude religiosa lhes dará a salvação. E Deus mesmo afirma ver tudo isto (Jr 7.11).
Apesar de ser um momento de extrema angústia para o povo, Jeremias demonstra confiar ainda em Deus, pois, obedecendo ao mandato do Senhor, aceita comprar uma terra [sitiada, invadida e que ficaria na posse dos invasores por muitos anos], investindo dinheiro que seria absolutamente necessário para a aquisição de comida durante a crise. Jeremias fez questão de realizar esta compra segundo todos os trâmites legais, fazendo duas escrituras e guardando-o nos "cofres" da época, potes de barro que eram enterrados nos campos para fugirem à destruição dos invasores.
É neste contexto que, ao comprar o campo e entregar a escritura ao escriba Baruque, o profeta faz uma impressionante oração de entrega e confiança no cap. 32, versos 16-25.
A oração feita pelo profeta nos mostra que devemos confiar completamente no Deus que detém, em suas mãos, todo o poder. E é nesta confiança que aprendemos que:
O crente não pode ser um alienado no mundo: O apóstolo Paulo afirma que os cristãos são "conhecedores do tempo" (Rm 13.11), isto é, conseguem perceber o ambiente em que vivem, interpretando os fatos à luz da palavra de Deus, tomando atitudes coerentes e consistentes com o ensino das escrituras. Um cristão alienado é uma presa fácil para aproveitadores da boa fé alheia. Os versos 23 a 25 mostram que o profeta tinha plena consciência do que acontecia em derredor, e ainda assim tinha a firme convicção de que era melhor ouvir o que Deus tinha a dizer. Ele conhecia claramente a situação em que Jerusalém se encontrava: sitiada, com trincheiras de todos os lados, um exército poderoso e determinado, e, acima de tudo, o pior inimigo de Jerusalém era o próprio Deus.
Jerusalém fora dada por Deus aos hebreus durante o reinado de Davi. A terra em que habitavam era uma dádiva divina, pois dela tomaram posse sendo pouco mais que uma multidão de retirantes, quase sem armas, sem condições de manterem uma campanha de conquista em Canaã, mas Deus ia adiante deles, abrindo águas, derrubando muralhas, protegendo seu povo e, com braço estendido, dando-lhes vitórias estrondosas sobre os inimigos, que se atemorizaram diante deles.
O problema é que, ao entrarem na posse da terra, vendo-a próspera, creditaram esta prosperidade às divindades cultuadas pelos povos ali residentes – e se afastaram de Deus, preferiram adorar os baalins cananeus. A tudo o que Deus dizia, eles rejeitavam mesmo com o envio de fome, peste, assolação ainda preferiam andar longe de Deus. Mesmo com demonstrações de amor e misericórdia, enviando profetas, reis piedosos, juízes e sacerdotes tementes a Deus, preferiram andar longe de Deus, numa sucessão de abismos morais e espirituais.
Jeremias olha para tudo isto, e ao mesmo tempo olha para a cidade e vê-la condenada. Os muros quase em ruínas, portas queimadas, falta de alimento e de armas para continuarem a resistência. Debandada de muitos durante a noite, numa tentativa de salvar a sua vida buscando proteção no Egito, que Deus chama de uma cana quebrada, na qual, quando buscassem apoio, lhes perfuraria as mãos.
Não podemos ser alienados, fechando os olhos para a realidade ao nosso redor. Podridão, corrupção, bandidagem, prostituição, destruição paulatina dos valores familiares e morais, zombaria ao verdadeiro cristianismo, colocando em seu lugar uma farsa pseudo-evangélica. E muitas vezes aceitamos isto porque travestidos de uma bonita roupagem.
Um exemplo grotesco é a pantomima chamada carnagospel com a justificativa de ser uma forma de evangelização atrás do trio elétrico. Aliás, até a música profana traz uma verdade que os carnagospelescos deveriam lembrar: "Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu", como diziam Armandinho, Dodô e Osmar, antigos carnavalescos baianos. Atrás do trio só não vai quem já morreu para o mundo e suas concupiscências. Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu com Cristo, e com ele ressuscitou. Atrás da bandalheira que nos cerca só não vai quem tem um compromisso com Jesus e com sua obra.
Infelizmente parece que as luzes do mundo estão atraindo cada vez mais as "mariposas evangélicas", permitindo-se fazer aliança ao mesmo tempo com quem adora a Deus e ao diabo. O namoro com a serpente é evidente quando se abre as portas da casa de Deus para o endeusamento de homens, especialmente quando estes não tem nenhum compromisso com o Deus da palavra nem com a palavra de Deus. Qual a vantagem que há para o cristão fechar os seus olhos e beijar a serpente? Nenhuma.
Mas, além de ser perspicaz quanto ao ambiente que o cerca, o crente também tem uma clara percepção de quem é o seu Deus, isto é, o crente não pode ser um alienado de Deus, a quem deve amar com todas as suas forças. O Deus de Jeremias não é em nada semelhante aos canaanitas: não é de material que os homens podem manipular. Nem de ouro, nem de prata, ou de madeira ou pedras. Pelo contrário, o Deus temido por Jeremias é o criador de todas as coisas [até mesmo daquelas usadas pelos cananeus – e pelos hebreus por imitação – para fazerem seus falsos deuses].
O que os hebreus em sua tolice não percebiam é que os deuses dos canaanitas não os ajudaram contra o povo de Deus – e nem ajudariam este mesmo povo contra os caldeus. Com mãos, pés, olhos, bocas e ouvidos nada podiam fazer, pois não viam nem ouviam, por isso não podiam atender as súplicas vãs de um povo tolo. O Deus de Jeremias é espiritual, deve ser percebido e adorado espiritualmente, e sua bênção não pode nem ser medida nem comprada por nada material, por mais valioso que possa parecer aos homens.
O Deus de Jeremias pode fazer tudo o que desejar – mesmo que Jeremias e todos os demais tivessem desejos diferentes. Mas Jeremias não se esquece de que este mesmo Deus, todo poderoso, também é o Deus de misericórdia e justiça. É o Deus que ama, que abençoa, que protege e cuida dos seus – mesmo que contra eles se levantem nações as mais poderosas da terra. Todavia, este mesmo Deus é um Deus de justiça e que não tolera a iniqüidade – nem mesmo quando esta se associa ao ajuntamento solene, em culto falso e hipócrita.
Para Jeremias Deus é o Deus que vê. É o Deus presente – mesmo nas crises. Mesmo na mais profunda crise Deus continua presente. Sua grandeza é incomparável. Tudo o que se pode pensar ou criar não é nem a mais ínfima parte do que Deus é. Ele mesmo questiona qualquer tipo de comparação quando pergunta: a quem me comparareis? Ele afirma ser maior que o ouro e a prata, maior em conhecimento do que toda a ciência humana. É maior do que todo o poderio transformador do homem – porque criador só há um, Deus. Mesmo as mais poderosas nações são colocadas como ridiculamente insignificantes diante de Deus: são como um vácuo – mesmo com toda a arrogância e prepotência que caracterizam as chamadas superpotências econômico-militares, que se esquecem que Deus é simplesmente o Senhor dos Exércitos.
Em tempos de tolices como os Big Brothers o único que vê todas as é o Senhor – e não por mera curiosidade mórbida, doentia, mas porque nenhum ato do homem deixará de ter a sua digna recompensa. E ninguém mais se lembra disso... Uma reflexão criteriosa certamente levaria o homem a dizer: não quero a retribuição justa minhas obras.
Lembremos que Deus é sempre fiel, verdadeiro, e cumpre as suas promessas. A prova mais cabal do cumprimento destas promessas era o fato de um povo peregrino ter sido liberto do poder do Egito e dominar toda a região de Canaã, habitada à época por povos nômades e guerreiros, alguns deles especialmente colocados ali como guardadores das fronteiras egípcias.
Mas nenhum deles poderia ser mais poderoso do que o todo poderoso. Nenhum poderia resistir à mão poderosa e ao braço estendido do Senhor, criador dos céus e da terra, capaz de executar sinais e maravilhas a seu tempo e modo.
Conhecendo os tempos e o seu Deus, o cristão sabe que só lhe resta a melhor [e uma única] opção: a obediência. O cristão não pode ser um rebelde. Vejamos mais uma vez a descrição que Deus faz através de Jeremias do reino de Judá por volta do V séc. a.C.: idólatras, assassinos, ladrões, perjuros, hipócritas, opressores e injustos. Um contemporâneo de Jeremias, Oséias, faz uma descrição ainda mais dramática no capítulo 4: em Judá prevalecia o perjúrio, a mentira, o assassinato, o furto, o adultério, arrombamentos e homicídios, e ainda menciona a liderança político-religiosa (as duas estavam nas mãos do mesmo grupo) composta por sacerdotes e profetas compromissados com seu tempo, não com a vontade de Deus. Oséias chega a dizer que o principal alimento do povo era o pecado e o maior desejo era a maldade, e ainda menciona uma verdadeira catástrofe ecológica na região (Os 4.2-8).
Parece que todo o povo se inclinava para o mal, exceto os crentes verdadeiros, como Oséias, Jeremias, Baruque, o escrivão, e certamente havia alguns outros que não são mencionados. Estes homens seriam tidos como radicais, retrógrados ou coisas semelhantes. Em nossos dias talvez até fossem acusados de serem "crentes demais". Obedeceram a Deus em ordens absurdas: Oséias toma uma mulher de prostituição como esposa – e continua com ela como esposa, mesmo quando ela permanece na promiscuidade.
Jeremias anuncia que Jerusalém será tomada, o reino de Judá será castigado, os caldeus tomarão a terra e levarão o povo para o exílio e ainda assim se dispõe a comprar uma propriedade. A quem lhes perguntasse porque faziam aquilo, a resposta era simples: porque Deus mandou. Simples, mas incompreensível para a maioria das pessoas, incrédulas e distantes de Deus. Pessoas que são denunciadas por só colocarem em prática alguns dos mandamentos e costumes exigidos por Deus por causa de seus interesses.
Um exemplo é o simples ato de congregar. Isaias denuncia o ajuntamento solene, e Jeremias diz que os judeus achavam que simplesmente freqüentando o templo tinham licença para, durante o resto do tempo, praticarem toda sorte de iniquidades, sem limite de idade: jovens e velhos. Também não havia limite de classe: reis, príncipes, juízes, sacerdotes, profetas e todo o povo. Não havia limite para a maldade: profanaram a casa de Deus com seus ídolos, edificaram altares a Baal, queimaram seus filhos como oferta a Moloque – enfim, encheram Judá e Jerusalém de abominações, provocando o Senhor à ira.
Mas ainda havia um resto de povo. Ainda havia em Judá homens tementes a Deus – homens que obedeceriam, mesmo que isto atraísse a atenção e a ira dos ímpios. Os crentes de Deus não se acomodam ao mundo, não tomam para si os valores vigentes na sua sociedade [Rm 12.2], mesmo que isto implique em perseguição [Mt 5.11] e até mesmo ódio [Jo 15.18; I Jo 13.13] como a própria história de Jeremias [Jr 20.2] ou de Paulo [At 16.24] mostram claramente.
Mas existem muitos que argumentam: os tempos são outros. É verdade, mas Deus é o mesmo. Deus ainda detém em suas mãos todo o poder e, mesmo em tempos tão cruéis e de costumes tão devassos, ele ainda permanece no controle. Jeremias e Oséias sabiam disso e tomaram a única atitude realmente sábia: obedeceram. Jonas, outro contemporâneo, preferiu o caminho da fuga – e precisou ser disciplinado. A maioria dos judeus preferiu o caminho da desobediência – foram escravizados pelos caldeus.
Como crentes [creio que ainda existem alguns, embora não acredite nos 40 milhões das estatísticas do IBGE] precisamos:
i. Sermos conscientes a respeito do mundo que nos cerca, um mundo cujos prazeres e apetites estão influenciados por um pensamento anti-cristão, maligno como afirma a bíblia sagrada [I Jo 5.19]. Não podemos ser alienados, nem podemos cruzar os braços e, principalmente, fechar os nossos lábios. Nosso compromisso com Cristo e com a igreja de Cristo implica em sermos suas testemunhas [Is 44.8], anunciando sua vontade mesmo onde não nos querem ouvir. Nosso compromisso implica em rejeitar as práticas mundanas satanizadas, mesmo que todos tenham aderido a elas – e mesmo que isto implique em rejeição a nós mesmos [Hb 10.33], tomando a cruz e seguindo o crucificado [Mt 10.33]. Nosso compromisso com Cristo nos obriga a buscarmos ser sal e luz. Não podemos nem temos o direito de deixar de cumprir nossas obrigações [Mt 5.13] ou nos escondermos [Mt 5.14];
ii. Sermos conscientes de que servimos a um Deus todo poderoso, aquele que fez os céus e a terra e, ainda que um exército se levante contra nós, derrubando milhares à nossa direita ou esquerda, o Senhor nos fará permanecer de pé [Sl 91.7] até o momento que julgar oportuno e com o resultado que ele julgar adequado [Dn 3.17-18]. O que não podemos fazer é deixar de servi-lo. Nosso Deus é maior do que tudo – do que o ouro e a prata que a tantos escravizam, maior do que a ciência e a filosofia, que a tantos cega e seduz.
iii. Sermos conscientes de nossos deveres como servos consagrados e obedientes confiantes no seu amor e na sua graça, sabendo que seus planos para nós são sempre melhores do que os nossos [Rm 8.28]. Enquanto nossa visão é terrena, a de Deus é celeste. Enquanto nossos projetos são passageiros, o plano de Deus para nós é eterno. Como servos, lembremos que fomos comprados, e nosso único interesse deve ser fazer a vontade daquele que nos livrou do império das trevas e nos transportou para o reino do filho do seu amor [Cl 1.13], por isso nossa dedicação deve ser total e incondicional.
O capítulo 32 termina com uma promessa de Deus. A assolação que era vista pelos hebreus seria substituída pela prosperidade. O medo e o desamparo dariam lugar à segurança e à justiça. No tempo do Senhor – e no meio de um povo temente ao Senhor. Naquela terra, como hoje, havia duas possibilidades para o povo. Hoje há duas possibilidades para você. E vou resumi-las: com o Senhor (como Jeremias) ou contra o Senhor (como Pasur e muitos outros em Judá). Você pode andar sem Deus, e, na prática, contra Deus, rejeitando sua vontade, fazendo todas as coisas segundo o teu querer, seguindo as inclinações da carne, atendendo às concupiscências dos olhos, andando segundo o curso deste mundo tenebroso que jaz no maligno, e cuja recompensa, ainda que lhe pareça andar em caminhos direitos, é a morte [Pv 1.25]. Ou podes tomar outra direção, outro caminho: um caminho de verdade, de vida, que conduz ao Pai celeste e abençoador [Jo 14.6]. Não há nenhum ser humano que não tenha que se posicionar quanto a este assunto: e não andar com Jesus já significa rejeitá-lo.
Já houve até quem tenha atentado contra a própria vida em virtude dos imensos prejuízos financeiros sofridos. Mas a nossa história nos ensina que as crises vêm e vão, com maior ou menor intensidade. Só nos últimos 15 anos o Brasil enfrentou três sérias crises econômicas: Rússia, Japão e Argentina. Na definição do presidente da república, são com as marolas na água – sempre haverá outra, embora ele não tenha percebido que a marola, desta vez, quase chega a ser um tsunami de efeitos duradouros.
No passado outras crises também aconteceram, e o profeta Jeremias retrata uma das crises mais sérias – e de efeitos mais duradouros – na história de Israel. Para aqueles que a vivenciaram foi uma experiência dramática e sofrida, e, creio, nenhum deles passou por ela com prazer. Imagino que todos eles trocariam a crise que experimentaram por aquilo que hoje estamos chamando de "crise". E imagino que nenhum de nós trocaria a nossa crise pela que eles enfrentaram. Um detalhe nos mostra o tamanho da crise por eles vivenciada: Jeremias chega a dizer que os hebreus comeriam as carnes de seus próprios filhos e filhas por causa do cerco que sofreriam até serem vencidos e levados para a Babilônia (Jr 19.9).
O capítulo 32 do livro do profeta Jeremias nos lembra, dentre outras coisas, a angústia vivida pelo povo; a presunção dos fracos governantes hebreus de resistirem [sem a ajuda de Deus] às forças babilônicas muito superiores e os motivos do seu sofrimento.
Por diversas vezes Deus advertira do sofrimento que os hebreus teriam em caso de desobediência. Até mesmo o templo era usado como instrumento de idolatria – e a idolatria sempre é um instrumento usado para esconder uma religiosidade vazia, porque precisa de amparos, de muletas, de ajudas visuais para substituir o que é espiritual, imaterial e invisível. A idolatria substitui ineficientemente a fé. Os líderes hebreus (sacerdotes, príncipes) diziam para o povo: temos o templo do Senhor! – clamavam. – Ninguém virá até aqui [Jr 7.4]. O que era para ser apenas local de adoração virou objeto de idolatria.
Durante todo o tempo do cerco os príncipes tentaram solucionar o problema com alianças (tentaram com o Egito, tentaram comprar os governantes caldeus), enquanto, durante todo o tempo, o profeta dizia que a melhor coisa a fazerem era não resistirem, pois os caldeus eram tão somente o "chicote" de Deus para castigá-los por causa das suas muitas iniquidades.
Ao invés de ouvirem a palavra do profeta, preferiram persegui-lo, prendê-lo e maltratá-lo. Ninguém queria ouvir o Senhor – queriam continuar com a sua vidinha, cheia de injustiças, opressão, derramamento de sangue e idolatria. O povo de então [à semelhança de hoje] prefere confiar em palavras falsas e promessas vazias, furtando, matando, adulterando, jurando falsamente e adorando a falsos deuses fabricados por suas próprias cobiças. E ainda cometem o pior dos pecados, achar que Deus não vê ou não sabe do que estão fazendo, adorando falsos deuses e dizendo-se adoradores de Deus, achando que uma simples atitude religiosa lhes dará a salvação. E Deus mesmo afirma ver tudo isto (Jr 7.11).
Apesar de ser um momento de extrema angústia para o povo, Jeremias demonstra confiar ainda em Deus, pois, obedecendo ao mandato do Senhor, aceita comprar uma terra [sitiada, invadida e que ficaria na posse dos invasores por muitos anos], investindo dinheiro que seria absolutamente necessário para a aquisição de comida durante a crise. Jeremias fez questão de realizar esta compra segundo todos os trâmites legais, fazendo duas escrituras e guardando-o nos "cofres" da época, potes de barro que eram enterrados nos campos para fugirem à destruição dos invasores.
É neste contexto que, ao comprar o campo e entregar a escritura ao escriba Baruque, o profeta faz uma impressionante oração de entrega e confiança no cap. 32, versos 16-25.
A oração feita pelo profeta nos mostra que devemos confiar completamente no Deus que detém, em suas mãos, todo o poder. E é nesta confiança que aprendemos que:
O crente não pode ser um alienado no mundo: O apóstolo Paulo afirma que os cristãos são "conhecedores do tempo" (Rm 13.11), isto é, conseguem perceber o ambiente em que vivem, interpretando os fatos à luz da palavra de Deus, tomando atitudes coerentes e consistentes com o ensino das escrituras. Um cristão alienado é uma presa fácil para aproveitadores da boa fé alheia. Os versos 23 a 25 mostram que o profeta tinha plena consciência do que acontecia em derredor, e ainda assim tinha a firme convicção de que era melhor ouvir o que Deus tinha a dizer. Ele conhecia claramente a situação em que Jerusalém se encontrava: sitiada, com trincheiras de todos os lados, um exército poderoso e determinado, e, acima de tudo, o pior inimigo de Jerusalém era o próprio Deus.
Jerusalém fora dada por Deus aos hebreus durante o reinado de Davi. A terra em que habitavam era uma dádiva divina, pois dela tomaram posse sendo pouco mais que uma multidão de retirantes, quase sem armas, sem condições de manterem uma campanha de conquista em Canaã, mas Deus ia adiante deles, abrindo águas, derrubando muralhas, protegendo seu povo e, com braço estendido, dando-lhes vitórias estrondosas sobre os inimigos, que se atemorizaram diante deles.
O problema é que, ao entrarem na posse da terra, vendo-a próspera, creditaram esta prosperidade às divindades cultuadas pelos povos ali residentes – e se afastaram de Deus, preferiram adorar os baalins cananeus. A tudo o que Deus dizia, eles rejeitavam mesmo com o envio de fome, peste, assolação ainda preferiam andar longe de Deus. Mesmo com demonstrações de amor e misericórdia, enviando profetas, reis piedosos, juízes e sacerdotes tementes a Deus, preferiram andar longe de Deus, numa sucessão de abismos morais e espirituais.
Jeremias olha para tudo isto, e ao mesmo tempo olha para a cidade e vê-la condenada. Os muros quase em ruínas, portas queimadas, falta de alimento e de armas para continuarem a resistência. Debandada de muitos durante a noite, numa tentativa de salvar a sua vida buscando proteção no Egito, que Deus chama de uma cana quebrada, na qual, quando buscassem apoio, lhes perfuraria as mãos.
Não podemos ser alienados, fechando os olhos para a realidade ao nosso redor. Podridão, corrupção, bandidagem, prostituição, destruição paulatina dos valores familiares e morais, zombaria ao verdadeiro cristianismo, colocando em seu lugar uma farsa pseudo-evangélica. E muitas vezes aceitamos isto porque travestidos de uma bonita roupagem.
Um exemplo grotesco é a pantomima chamada carnagospel com a justificativa de ser uma forma de evangelização atrás do trio elétrico. Aliás, até a música profana traz uma verdade que os carnagospelescos deveriam lembrar: "Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu", como diziam Armandinho, Dodô e Osmar, antigos carnavalescos baianos. Atrás do trio só não vai quem já morreu para o mundo e suas concupiscências. Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu com Cristo, e com ele ressuscitou. Atrás da bandalheira que nos cerca só não vai quem tem um compromisso com Jesus e com sua obra.
Infelizmente parece que as luzes do mundo estão atraindo cada vez mais as "mariposas evangélicas", permitindo-se fazer aliança ao mesmo tempo com quem adora a Deus e ao diabo. O namoro com a serpente é evidente quando se abre as portas da casa de Deus para o endeusamento de homens, especialmente quando estes não tem nenhum compromisso com o Deus da palavra nem com a palavra de Deus. Qual a vantagem que há para o cristão fechar os seus olhos e beijar a serpente? Nenhuma.
Mas, além de ser perspicaz quanto ao ambiente que o cerca, o crente também tem uma clara percepção de quem é o seu Deus, isto é, o crente não pode ser um alienado de Deus, a quem deve amar com todas as suas forças. O Deus de Jeremias não é em nada semelhante aos canaanitas: não é de material que os homens podem manipular. Nem de ouro, nem de prata, ou de madeira ou pedras. Pelo contrário, o Deus temido por Jeremias é o criador de todas as coisas [até mesmo daquelas usadas pelos cananeus – e pelos hebreus por imitação – para fazerem seus falsos deuses].
O que os hebreus em sua tolice não percebiam é que os deuses dos canaanitas não os ajudaram contra o povo de Deus – e nem ajudariam este mesmo povo contra os caldeus. Com mãos, pés, olhos, bocas e ouvidos nada podiam fazer, pois não viam nem ouviam, por isso não podiam atender as súplicas vãs de um povo tolo. O Deus de Jeremias é espiritual, deve ser percebido e adorado espiritualmente, e sua bênção não pode nem ser medida nem comprada por nada material, por mais valioso que possa parecer aos homens.
O Deus de Jeremias pode fazer tudo o que desejar – mesmo que Jeremias e todos os demais tivessem desejos diferentes. Mas Jeremias não se esquece de que este mesmo Deus, todo poderoso, também é o Deus de misericórdia e justiça. É o Deus que ama, que abençoa, que protege e cuida dos seus – mesmo que contra eles se levantem nações as mais poderosas da terra. Todavia, este mesmo Deus é um Deus de justiça e que não tolera a iniqüidade – nem mesmo quando esta se associa ao ajuntamento solene, em culto falso e hipócrita.
Para Jeremias Deus é o Deus que vê. É o Deus presente – mesmo nas crises. Mesmo na mais profunda crise Deus continua presente. Sua grandeza é incomparável. Tudo o que se pode pensar ou criar não é nem a mais ínfima parte do que Deus é. Ele mesmo questiona qualquer tipo de comparação quando pergunta: a quem me comparareis? Ele afirma ser maior que o ouro e a prata, maior em conhecimento do que toda a ciência humana. É maior do que todo o poderio transformador do homem – porque criador só há um, Deus. Mesmo as mais poderosas nações são colocadas como ridiculamente insignificantes diante de Deus: são como um vácuo – mesmo com toda a arrogância e prepotência que caracterizam as chamadas superpotências econômico-militares, que se esquecem que Deus é simplesmente o Senhor dos Exércitos.
Em tempos de tolices como os Big Brothers o único que vê todas as é o Senhor – e não por mera curiosidade mórbida, doentia, mas porque nenhum ato do homem deixará de ter a sua digna recompensa. E ninguém mais se lembra disso... Uma reflexão criteriosa certamente levaria o homem a dizer: não quero a retribuição justa minhas obras.
Lembremos que Deus é sempre fiel, verdadeiro, e cumpre as suas promessas. A prova mais cabal do cumprimento destas promessas era o fato de um povo peregrino ter sido liberto do poder do Egito e dominar toda a região de Canaã, habitada à época por povos nômades e guerreiros, alguns deles especialmente colocados ali como guardadores das fronteiras egípcias.
Mas nenhum deles poderia ser mais poderoso do que o todo poderoso. Nenhum poderia resistir à mão poderosa e ao braço estendido do Senhor, criador dos céus e da terra, capaz de executar sinais e maravilhas a seu tempo e modo.
Conhecendo os tempos e o seu Deus, o cristão sabe que só lhe resta a melhor [e uma única] opção: a obediência. O cristão não pode ser um rebelde. Vejamos mais uma vez a descrição que Deus faz através de Jeremias do reino de Judá por volta do V séc. a.C.: idólatras, assassinos, ladrões, perjuros, hipócritas, opressores e injustos. Um contemporâneo de Jeremias, Oséias, faz uma descrição ainda mais dramática no capítulo 4: em Judá prevalecia o perjúrio, a mentira, o assassinato, o furto, o adultério, arrombamentos e homicídios, e ainda menciona a liderança político-religiosa (as duas estavam nas mãos do mesmo grupo) composta por sacerdotes e profetas compromissados com seu tempo, não com a vontade de Deus. Oséias chega a dizer que o principal alimento do povo era o pecado e o maior desejo era a maldade, e ainda menciona uma verdadeira catástrofe ecológica na região (Os 4.2-8).
Parece que todo o povo se inclinava para o mal, exceto os crentes verdadeiros, como Oséias, Jeremias, Baruque, o escrivão, e certamente havia alguns outros que não são mencionados. Estes homens seriam tidos como radicais, retrógrados ou coisas semelhantes. Em nossos dias talvez até fossem acusados de serem "crentes demais". Obedeceram a Deus em ordens absurdas: Oséias toma uma mulher de prostituição como esposa – e continua com ela como esposa, mesmo quando ela permanece na promiscuidade.
Jeremias anuncia que Jerusalém será tomada, o reino de Judá será castigado, os caldeus tomarão a terra e levarão o povo para o exílio e ainda assim se dispõe a comprar uma propriedade. A quem lhes perguntasse porque faziam aquilo, a resposta era simples: porque Deus mandou. Simples, mas incompreensível para a maioria das pessoas, incrédulas e distantes de Deus. Pessoas que são denunciadas por só colocarem em prática alguns dos mandamentos e costumes exigidos por Deus por causa de seus interesses.
Um exemplo é o simples ato de congregar. Isaias denuncia o ajuntamento solene, e Jeremias diz que os judeus achavam que simplesmente freqüentando o templo tinham licença para, durante o resto do tempo, praticarem toda sorte de iniquidades, sem limite de idade: jovens e velhos. Também não havia limite de classe: reis, príncipes, juízes, sacerdotes, profetas e todo o povo. Não havia limite para a maldade: profanaram a casa de Deus com seus ídolos, edificaram altares a Baal, queimaram seus filhos como oferta a Moloque – enfim, encheram Judá e Jerusalém de abominações, provocando o Senhor à ira.
Mas ainda havia um resto de povo. Ainda havia em Judá homens tementes a Deus – homens que obedeceriam, mesmo que isto atraísse a atenção e a ira dos ímpios. Os crentes de Deus não se acomodam ao mundo, não tomam para si os valores vigentes na sua sociedade [Rm 12.2], mesmo que isto implique em perseguição [Mt 5.11] e até mesmo ódio [Jo 15.18; I Jo 13.13] como a própria história de Jeremias [Jr 20.2] ou de Paulo [At 16.24] mostram claramente.
Mas existem muitos que argumentam: os tempos são outros. É verdade, mas Deus é o mesmo. Deus ainda detém em suas mãos todo o poder e, mesmo em tempos tão cruéis e de costumes tão devassos, ele ainda permanece no controle. Jeremias e Oséias sabiam disso e tomaram a única atitude realmente sábia: obedeceram. Jonas, outro contemporâneo, preferiu o caminho da fuga – e precisou ser disciplinado. A maioria dos judeus preferiu o caminho da desobediência – foram escravizados pelos caldeus.
Como crentes [creio que ainda existem alguns, embora não acredite nos 40 milhões das estatísticas do IBGE] precisamos:
i. Sermos conscientes a respeito do mundo que nos cerca, um mundo cujos prazeres e apetites estão influenciados por um pensamento anti-cristão, maligno como afirma a bíblia sagrada [I Jo 5.19]. Não podemos ser alienados, nem podemos cruzar os braços e, principalmente, fechar os nossos lábios. Nosso compromisso com Cristo e com a igreja de Cristo implica em sermos suas testemunhas [Is 44.8], anunciando sua vontade mesmo onde não nos querem ouvir. Nosso compromisso implica em rejeitar as práticas mundanas satanizadas, mesmo que todos tenham aderido a elas – e mesmo que isto implique em rejeição a nós mesmos [Hb 10.33], tomando a cruz e seguindo o crucificado [Mt 10.33]. Nosso compromisso com Cristo nos obriga a buscarmos ser sal e luz. Não podemos nem temos o direito de deixar de cumprir nossas obrigações [Mt 5.13] ou nos escondermos [Mt 5.14];
ii. Sermos conscientes de que servimos a um Deus todo poderoso, aquele que fez os céus e a terra e, ainda que um exército se levante contra nós, derrubando milhares à nossa direita ou esquerda, o Senhor nos fará permanecer de pé [Sl 91.7] até o momento que julgar oportuno e com o resultado que ele julgar adequado [Dn 3.17-18]. O que não podemos fazer é deixar de servi-lo. Nosso Deus é maior do que tudo – do que o ouro e a prata que a tantos escravizam, maior do que a ciência e a filosofia, que a tantos cega e seduz.
iii. Sermos conscientes de nossos deveres como servos consagrados e obedientes confiantes no seu amor e na sua graça, sabendo que seus planos para nós são sempre melhores do que os nossos [Rm 8.28]. Enquanto nossa visão é terrena, a de Deus é celeste. Enquanto nossos projetos são passageiros, o plano de Deus para nós é eterno. Como servos, lembremos que fomos comprados, e nosso único interesse deve ser fazer a vontade daquele que nos livrou do império das trevas e nos transportou para o reino do filho do seu amor [Cl 1.13], por isso nossa dedicação deve ser total e incondicional.
O capítulo 32 termina com uma promessa de Deus. A assolação que era vista pelos hebreus seria substituída pela prosperidade. O medo e o desamparo dariam lugar à segurança e à justiça. No tempo do Senhor – e no meio de um povo temente ao Senhor. Naquela terra, como hoje, havia duas possibilidades para o povo. Hoje há duas possibilidades para você. E vou resumi-las: com o Senhor (como Jeremias) ou contra o Senhor (como Pasur e muitos outros em Judá). Você pode andar sem Deus, e, na prática, contra Deus, rejeitando sua vontade, fazendo todas as coisas segundo o teu querer, seguindo as inclinações da carne, atendendo às concupiscências dos olhos, andando segundo o curso deste mundo tenebroso que jaz no maligno, e cuja recompensa, ainda que lhe pareça andar em caminhos direitos, é a morte [Pv 1.25]. Ou podes tomar outra direção, outro caminho: um caminho de verdade, de vida, que conduz ao Pai celeste e abençoador [Jo 14.6]. Não há nenhum ser humano que não tenha que se posicionar quanto a este assunto: e não andar com Jesus já significa rejeitá-lo.
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