Paulo apresenta o modo bíblico de ver a Igreja do Senhor. A palavra Igreja é usada com o significado de “aqueles que foram chamados para fora [do mundo de pecado]”. É a Igreja do Senhor, que ouviu o chamado do Senhor. É a comunidade dos salvos, dos chamados, dos santos, daqueles que experimentaram o amor de Deus e já não amam mais as coisas do mundo [I Jo 2.15: Não ameis o mundo nem as coisas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele].
Se o velho fermento, metáfora para o pecado que contamina e conduz à morte deve ser lançado fora, ele é uma lembrança de que na saída do Egito significava deixar para trás o modo de pensar que haviam aprendido desde que desceram para lá com José, lançar fora o fermento significava que teriam que começar novamente, aprender novas leis, novos costumes.
Quem está acostumado a comprar fermento no supermercado precisa saber como era o fermento antigo. Uma pessoa, ao fazer um pão, guardava sempre um pouco da massa, já fermentada, e esta massa serviria para fermentar o próximo pão, e assim sucessivamente. Lançar fora o fermento significava não mais comer do pão egípcio, significava romper vínculos. De uma maneira mais direta: abandonar o passado, começar de novo.
Ainda apontado para a páscoa, Paulo faz uma comparação ainda mais forte: Cristo morreu para que os cristãos pudessem celebrar a nova páscoa, não mais com um cordeiro e pães comuns, mas com o verdadeiro cordeiro e com o vigor da sinceridade e da verdade. Pode-se oferecer um cordeiro em sacrifício com uma disposição ímpia no coração [Mt 15.8: Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim], com maldade e malícia.
Era e é possível ser membro de uma comunidade cristã com maldade e malícia no coração. Desde Judas, Ananias, Safira e Simão, Figelo, Hermógenes, Demas e muitos outros é dito que no meio da Igreja há alguns que não pertencem a ela, com sinceridade e verdade [I Jo 2.19: Eles saíram de nosso meio; entretanto, não eram dos nossos; porque, se tivessem sido dos nossos, teriam permanecido conosco; todavia, eles se foram para que ficasse manifesto que nenhum deles é dos nossos]. Mas a exortação de Paulo é para os crentes, para os chamados à santidade, chamados para uma nova vida, que morreram em Cristo [I Pe 2.24: carregando ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados, para que nós, mortos para os pecados, vivamos para a justiça; por suas chagas, fostes sarados] e que estão prontos a andar na contramão do mundo, se preciso for, mas sempre dirigidos por seu Senhor.
Paulo convoca os crentes a viverem a vida cristã como uma festa contínua - enquanto o passado deveria ser definitivamente abandonado, a nova vida é como uma festa, com alegria e santidade, sinceridade e verdade, contínuas. Não apenas demonstrações esporádicas que um insincero é capaz de fazer.
Esta nova vida traz novas atitudes. Mudanças no falar, no pensar, no agir. E a primeira mudança é nas associações. Paulo sabia da impossibilidade de os cristãos viverem dissociados dos incrédulos. Não era isso o que ele queria nem o que Jesus queria [Jo 17.15: Não peço que os tires do mundo, e sim que os guardes do mal]. Nas suas relações normais a Igreja sempre vai se envolver com pessoas que sejam “impuros do mundo”. É grande a lista de pecados e não é necessário discorrer sobre elas neste momento.
Paulo se referia a outro tipo de associações [mistura de si mesmo] com os impuros: aqueles que, dizendo-se irmão, age como os ímpios agem. É interessante que, entre os impuros do mundo, Paulo menciona apenas quatro categorias de pecados [impuros - refere-se a pecados sexuais, os fornicadores; avarentos (dominados pelo desejo de possuir coisas e controlar pessoas), roubadores (que se apropriam do alheio) e idólatras - que tem uma relação errônea com Deus].
Mas, ao tratar dos cristãos, ele acrescenta mais duas [beberrões e maldizentes - loidorej, que lançam injúria contra outros - Mt 5.22: Eu, porém, vos digo que todo aquele que sem motivo se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento; e quem proferir um insulto a seu irmão estará sujeito a julgamento do tribunal; e quem lhe chamar: Tolo, estará sujeito ao inferno de fogo]. Paulo orienta a Igreja a evitá-los de maneira completa, determinando que com tais “nem ainda comais”, não mantenhais comunhão.
Isto se reflete primordialmente no culto, na santa ceia, mas, também, se aplica ao máximo de ocasiões que for possível evitar. Este tipo de pessoa era muito comum em Corinto. Não era difícil encontrar um fornicário numa cidade com milhares de prostitutos e prostitutas cultuais, ou roubador no meio de milhares de aventureiros de diversos países, ou idólatra numa cidade greco-romana, ou ainda avarentos no meio de comerciantes rapaces. Beberrões e maldizentes também não deveriam ser raros num ambiente como aquele.
Com uma matriz como esta, era de se esperar que velhos hábitos lutassem contra a influência santificadora do Espírito - o que era intolerável era que os velhos hábitos se sobrepusessem ao Espírito. A igreja é a comunidade dos que foram chamados “para serem” tornados santos, e não um grupo que foi chamado por capacidades extraordinárias das quais Deus tinha algum tipo de necessidade [I Co 1.26-29: Irmãos, reparai, pois, na vossa vocação; visto que não foram chamados muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos de nobre nascimento; pelo contrário, Deus escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar os sábios e escolheu as coisas fracas do mundo para envergonhar as fortes; e Deus escolheu as coisas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são; a fim de que ninguém se vanglorie na presença de Deus].
A Igreja em Corinto relutou em colocar em prática as orientações paulinas por causa de interesses pessoais, laços familiares, amizades ou até mesmo temor de enfrentar o pecado e o risco que isto poderia desencadear [At 19.15-16: Mas o espírito maligno lhes respondeu: Conheço a Jesus e sei quem é Paulo; mas vós, quem sois? E o possesso do espírito maligno saltou sobre eles, subjugando a todos, e, de tal modo prevaleceu contra eles, que, desnudos e feridos, fugiram daquela casa], mas mesmo neste caso o nome do Senhor foi glorificado, como já mencionamos anteriormente [At 19.17-18: Chegou este fato ao conhecimento de todos, assim judeus como gregos habitantes de Éfeso; veio temor sobre todos eles, e o nome do Senhor Jesus era engrandecido. Muitos dos que creram vieram confessando e denunciando publicamente as suas próprias obras] e chegamos a conclusão que não basta usar o nome de Jesus, é preciso ser, de fato, seu servo para receber o poder do Espírito Santo.
Depois de aprendermos que a Igreja deve ser intolerante com o pecado e sua influência septicêmica, e ver que é seu dever estabelecer um pacto comunitário para lançar fora o que contamina todo o corpo, o que vai resultar numa vida de renovação constante diante de Deus e testemunho eficaz diante dos homens, resta-nos ver quais os resultados que a Igreja pode esperar quando decide firmemente enfrentar e extirpar o pecado, seja qual for o custo.
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