...quando uma maquiagem não é suficiente.
A parábola do filho pródigo é muito usada para falar do
filho que partiu, poucas vezes do ponto de vista do pai e raras vezes analisada
do ponto de vista do filho que ficou. As poucas vezes que a atitude do filho
que ficou foi colocada em evidência foi para mostrar que ele agiu sem amor, com
egoísmo e não se alegrou com a volta do irmão que havia abandonado a casa,
destratado seu pai e dilapidado parte da herança a que teria direito caso seu
pai estivesse morto.
Quero abordar neste breve comentário a parábola com um olhar
sobre o caminho de volta, emocional, espiritual e físico percorrido por aquele
filho insensato.
Certamente muito já se falou sobre a humilhação social que
aquele jovem sofreu. Judeu cuidando de porcos? Jesus usou a figura mais forte,
mais chocante aos ouvidos dos judeus. Os porcos eram considerados animais
malditos A ponto de muitos judeus "piedosos" se recusarem a
nominá-los, preferindo chamá-los de abominação. Quando Antioco Epifânio
destruiu o templo fez questão de sacrificar um porco no altar, como símbolo
máximo de profanação.
Desprezado entre os gentios, já sem direitos entre os seus
familiares, aquele jovem percebe que ser servo
na casa do pai é melhor do que a falsa liberdade que tinha no mundo que havia
escolhido. Sim, falsa liberdade, porque, embora pudesse ir para onde quisesse,
era considerado inferior aos porcos, sendo impedido de comer da ração que era
dada aos animais. É uma tolice achar que é livre no mundo escravizado ao
maligno.
Caindo em si, isto é, percebendo o tamanho da burrice que
havia cometido, entendendo que usara de uma falsa liberdade para dar vazão às
inclinações pecaminosas do seu coração corrupto e enganoso, aquele jovem decide
voltar. Ele tinha duas opções, duas maneiras de agir neste retorno.
A primeira delas era achar que estava fazendo um favor ao
pai e à sua família. Chegar de maneira festiva, batendo na porta e dando um
grito: "Cheguei, alguém prepare meu quarto porque estou de volta. Quero
meu canto, quero tudo o que era meu". No caminho ele poderia ter tomado um
banho, quem sabe até dado um jeitinho de arrumar roupas apresentáveis, fazer a
barba, cortar e pentear o cabelo. Chegar, como se diz no nordeste, por cima da
carne seca. Ele poderia ir, de caminho, pensando que tudo seria como antes, que
sua experiência fora de casa poderia até ajudar, porque, afinal, ele sabia como
viviam e pensavam os mundanos, quem sabe ajudar em eventuais negociações com
eles. É, crente, esta era uma atitude possível, mas não foi a descrita pelo
Senhor Jesus.
Ele diz que aquele jovem, caindo
em si, isto é, percebendo que fizera uma grande burrada, uma grande besteira,
que havia, com sua tolice, dilapidado o patrimônio da família, ferido o coração
de pessoas que ficaram para cuidar da casa, aumentado o trabalho dos que
abandonara, resolve voltar humildemente. Ele sabia que a casa ainda estava lá.
Sabia que os hábitos da casa não haviam mudado, que ali ainda havia alimento
abundante e verdadeiro (e que o alimento que havia buscado era apenas uma
miragem), havia companheirismo (quando ímpios se reúnem o resultado não é
amizade, mas conluio de malfeitores e escarnecedores) e amor familiar (o amor
das muitas mulheres que havia comprado só permaneceu enquanto havia interesses
em jogo – elas queriam dinheiro).
Ele decide voltar, sem maquiagem,
sem colocar uma roupagem que disfarçasse o que ele realmente era: um pródigo,
mas um pródigo arrependido. Havia desprezado o pai, desprezado a vida com a sua
família – num momento de tolice achou que a alegria da companhia de ímpios
revoltados contra Deus era melhor que o serviço tranquilo na casa do pai. Mas
ele caiu em si. Resolveu voltar. Sem maquiagem, sem roupas festivas, sem alarde
– reconheceu que merecia a disciplina, reconheceu que precisava se humilhar,
primeiro diante de Deus, contra quem é todo pecado, e, depois, diante do pai,
porque havia quebrado o mandamento de honrar seu pai. O nome do que fizera era
pecado, e, como tal, Jesus apresenta algumas atitudes que deve haver no coração
de quem pretende voltar para a casa do pai:
i.
Ele tinha
consciência de que havia pecado. Voltar para a casa do pai sem a
consciência de haver pecado é continuar desprezando tanto ao pai quanto ao
irmão que lá ficou. É julgar-se no direito de errar e os demais na obrigações
de aceitarem e, mais sério que isso, se resignarem diante do mal feito;
ii.
Ele tinha
consciência de que seu pecado fora contra Deus. É evidente que a ofensa
fora contra a família, mas, antes de mais nada, o desamor para com o pai, para
com o próximo evidencia desobediência para com a Palavra de Deus;
iii.
Ele tinha
consciência de que seu pecado fora contra seu pai. Talvez para os jovens
modernos a ofensa ao pai pareça de pouca importância, mas, na cultura da época,
era um dos piores pecados, e Jesus condena os fariseus justamente por dizerem
amar a Deus mas não amarem ao seus pais como deveriam, preferindo as suas tolas
vontades, suas estúpidas tradições;
iv.
Ele tinha
consciência de que precisava confessar seu pecado. Só confessando que havia
pecado ele se sentiria realmente bem diante de seu pai e diante de Deus. A
confissão e o abandono do pecado eram condições expostas por Jesus para que os
"afastados" realmente fossem aceitos de novo na comunhão familiar;
v.
Ele
conhecia o caráter de seu pai, e por isso vai buscar seu perdão. A
confissão de um arrependido é condição fundamental para a obtenção do perdão.
Aquele que confessa seu pecado e o deixa alcança misericórdia – e este é o
caráter do pai.
Por fim, não cabe ao pródigo
preocupar-se com a maneira como será recebido de volta à comunhão. Se houver arrependimento
caberá ao pai lavá-lo, vesti-lo e preparar a festa. O pai já tem tudo pronto, inclusive
o bezerro cevado. Pouco importa o que os demais pensarão. Mas só haverá festa
se houver arrependimento, conversão, atitudes que, de maneira prática, demonstrem
esta mudança interior, que mostrem que o coração corrupto está sendo
transformado pelo Espírito do Senhor. Se não for assim, o pródigo seria apenas
mais um perdido na casa do pai, um rebelde contribuindo para a desarmonia
familiar.
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