AS 95 TESES DE FREI MARTINHO LUTERO cotra o comércio das indulgências em 31 de Outubro de 1517.
Movido pelo amor e pelo empenho em prol do esclarecimento da verdade discutir-se-á em Wittemberg, sob a presidência do Rev. padre Martinho Lutero, o que segue. Aqueles que não puderem estar presentes para tratarem o assunto verbalmente conosco, o poderão fazer por escrito.
01 - Dizendo nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo: arrependei-vos, etc..., certamente quer que toda a vida dos seus crentes na terra seja contínuo arrependimento.
02 - E esta expressão não pode e não deve ser interpretada como referindo-se ao sacramento da penitência, isto é, à confissão e satisfação, a cargo do ofício dos sacerdotes.
03 - Todavia não quer que apenas se entenda o arrependimento interno; o arrependimento interno nem mesmo é arrependimento quando não produz toda sorte de mortificações da carne.
04 - Assim sendo, o arrependimento e o pesar, isto é, a verdadeira penitência, perdura enquanto o homem se desagradar de si mesmo, a saber, até a entrada desta para a vida eterna.
05 - O papa não quer e não pode dispensar outras penas, alem das que impôs ao seu alvitre ou em acordo com os cânones, que são estatutos papais.
06 - O papa não pode perdoar dívida senão declarar e confirmar aquilo que já foi perdoado por Deus; ou então faz nos casos que lhe foram reservados. Nestes casos, se desprezados, a dívida deixaria de ser em absoluto anulada ou perdoada.
07 - Deus a ninguém perdoa a dívida sem que ao mesmo tempo o subordine, em sincera humildade, ao sacerdote, seu vigário.
08 - Cânones poenitendiales, que são ordenanças de prescrição da maneira em que se deve confessar e expiar, apenas são impostas aos vivos, e, de acordo com as mesmas ordenanças, não dizem respeito aos moribundos.
09 - Eis porque o Espírito Santo nos faz bem mediante o papa, excluído este de todos os seus decretos ou direitos o artigo de morte e da necessidade suprema.
10 - Procedem desajuizadamente e mal os sacerdotes que reservam e impõem aos moribundos poenitentias canônicas ou penitências para o purgatório a fim de ali serem cumpridas.
11 - Este joio, que é o de transformar a penitência e satisfação, previstas pelos cânones ou estatutos, em penitencia ou penas do purgatório, foi semeado quando os bispos se achavam dormindo.
12 - Outrora canonicae poenae, ou sejam, penitência e satisfação por pecados cometidos eram impostos, não depois, mas antes da absolvição, com a finalidade de provar a sinceridade do arrependimento e do pesar.
13 - Os moribundos tudo satisfazem com a sua morte e estão mortos para o direito canônico, sendo, portanto, dispensados, com justiça, de sua imposição.
14 - Piedade ou amor imperfeitos da parte daquele que se acha às portas da morte necessariamente resultam em grande temor; logo, quanto menor o amor, tanto maior o temor.
15 - Este temor e espanto em si tão só, sem falar de outras coisas, bastam para causar o tormento e o horror do purgatório, pois que se avizinham da angústia do desespero.
16 - Inferno, purgatório e céu parecem ser tão diferentes quanto o são um do outro o desespero completo, incompleto ou quase desespero e certeza.
17 - Parece que assim como no purgatório diminuem a angústia e o espanto das algemas, nelas também deve crescer e aumentar o amor.
18 - Bem assim parece não ter sido provado, nem por boas razoes e nem pela Escritura, que as almas no purgatório se encontram fora da possibilidade do mérito ou do crescimento no amor.
19 - Ainda parece não ter sido provado que todas as almas do purgatório tenham certeza de sua salvação e não receiem por ela, não obstante nós termos absoluta certeza disto.
20 - Por isso o papa não quer dizer e nem compreende com as palavras <> que todo o homem é perdoado, mas apenas as penas por ele impostas.
21 - Eis por que erram os apregoadores de indulgencias ao afirmarem ser o homem perdoado de todas as penas e salvo mediante a indulgência do papa.
22 - Com efeito, o papa nenhuma pena dispensa às almas do purgatório das que segundo os cânones da Igreja deviam ter expiado e pago na presente vida.
23 - Verdade é que se houver qualquer perdão plenário das penas, este apenas será dado aos mais perfeitos, que são muito poucos.
24 - Assim sendo, a maioria do povo é ludibriada com as pomposas promessas de indistinto perdão, impressionando-se o homem singelo com as penas pagas.
25 - Exatamente o mesmo poder geral, que o papa tem sobre o purgatório, qualquer bispo e cura d’almas o tem no seu bispado e na sua paróquia, quer de modo especial e quer para com os seus em particular.
26 - O papa faz muito bem em não conceder às almas o perdão em virtude do poder das chaves (ao qual não possui), mas pela ajuda ou em, forma de intercessão.
27 - Pregam futilidades humanas quantos alegam que no momento em que a moeda soa ao cair no caixa a alma se vai do purgatório.
28 - Certo é que no momento em que a moeda soa na caixa vem o lucro e o amor ao dinheiro, cresce e aumenta; a ajuda porém, ou a intercessão da Igreja tão só correspondem à vontade e ao agrado de Deus.
29 - E, quem sabe se todas as almas do purgatório querem ser libertadas, quando há quem diga o que sucedeu com santo Severino e Pascoal.
30 - Ninguém tem certeza da suficiência do seu arrependimento e pesar verdadeiros; muito menos certeza pode ter de haver alcançado pleno perdão dos seus pecados.
31 - Tão raro como existe alguém que possui arrependimento e pesar verdadeiros, tão raro também é aquele que verdadeiramente alcança indulgência, sendo bem poucos os que se encontram.
32 - Irão para o diabo juntamente com os seus mestres aqueles que julgam obter certeza de sua salvação mediante breves de indulgência.
33 - Há que acautelar-se muito e ter cuidado daqueles que dizem: a indulgência do papa é a mais sublime e mais preciosa graça ou dádiva de Deus, pela qual o homem é reconciliado com Deus.
34 - Tanto assim que a graça da indulgência apenas se refere à pena satisfatória estipulada por homens.
35 - Ensinam de maneira ímpia quantos alegam que aqueles que querem livrar almas do purgatório ou adquirir breves de confissão não necessitam de arrependimento e pesar.
36 - Todo e qualquer cristão que se arrepende verdadeiramente dos seus pecados, sente pesar por ter pecado, tem pleno perdão da pena e da dívida, perdão esse que lhe pertence mesmo sem breve de indulgência.
37 - Todo e qualquer cristão verdadeiro, vivo ou morto, é participante de todos os bens de Cristo e da Igreja, dádiva de Deus, mesmo sem breve de indulgência.
38 - Entretanto se não deve desprezar o perdão e a distribuição por parte do papa. Pois, conforme declarei, o seu perdão constitui uma declaração do perdão divino.
39 - É extremamente difícil, mesmo para os mais doutos teólogos, exaltar diante do povo ao mesmo tempo a grande riqueza da indulgência e ao contrário o verdadeiro arrependimento e pesar.
40 - O verdadeiro arrependimento e pesar buscam e amam o castigo; mas a profusão da indulgência livra das penas e faz com que se as aborreça, pelo menos quando há oportunidade para isso.
41 - É necessário pregar cautelosamente sobre a indulgência papal para que o homem singelo não julgue erroneamente ser a indulgência preferível às demais obras de caridade ou melhor do que elas.
42 - Deve-se ensinar aos cristãos, não ser pensamento e opinião do papa que a aquisição de indulgência de alguma maneira possa ser comparada com qualquer obra de caridade.
43 - Deve-se ensinar aos cristãos proceder melhor quem dá aos pobres ou empresta aos necessitados do que os que compram indulgências.
44 - É que pela obra de caridade cresce o amor ao próximo e o homem torna-se mais piedoso; pelas indulgências, porém, não se torna melhor senão mais seguro e livre da pena.
45 - Deve-se ensinar aos cristãos que aquele que vê seu próximo padecer necessidade e a despeito disto gasta dinheiro com indulgências, não adquire indulgências do papa, mas provoca a ira de Deus.
46 - Deve-se ensinar aos cristãos que, se não tiverem fartura, fiquem com o necessário para a casa e de maneira nenhuma o esbanjem com indulgências.
47 - Deve-se ensinar aos cristãos que, se compra de indulgências livre e não ordenada.
48 - Deve-se ensinar aos cristãos que, se o papa precisa conceder mais indulgências, mais necessita de uma oração fervorosa do que de dinheiro.
49 - Deve-se ensinar aos cristãos, serem muito boas as indulgências do papa enquanto o homem não se confiar nelas; mas muito prejudiciais quando, em conseqüência delas, se perde o temor de Deus.
50 - Deve-se ensinar aos cristãos que, se o papa tivesse conhecimento da traficância dos apregoadores de indulgências, preferiria ver a catedral de São Pedro ser reduzida a cinzas a ser edificada com a pele, a carne e os ossos de suas ovelhas.
51 - Deve-se ensinar aos cristãos que o papa, por dever seu, preferiria distribuir o seu dinheiro aos que em geral são despojados de dinheiro pelos apregoadores de indulgência, vendendo, se necessário fosse, a própria catedral de São Pedro.
52 - Comete-se injustiça contra a Palavra de Deus quando, no mesmo sermão, se consagra tanto ou mais à indulgência do que à pregação da Palavra do Senhor.
53 - São inimigos de Cristo e do papa quantos por causa da prédica de indulgências proíbem a Palavra de Deus nas demais Igrejas.
54 - Esperar ser salvo mediante breves de indulgência é vaidade e mentira, mesmo se o comissário de indulgências, mesmo se o próprio papa oferecesse sua alma como garantia.
55 - A intenção do papa não pode ser outra do que celebrar a indulgência, que é a causa menor, com um sino, uma pompa e uma cerimônia, enquanto o evangelho, que é o essencial, importa ser anunciado mediante cem sinos, centenas de pompas e solenidades.
56 - Os tesouros da Igreja, dos quais o papa tira e distribui as indulgências, não são bastante mencionados e nem suficientemente conhecidos na Igreja de Cristo.
57 - Que não são bens temporais, é evidente, porquanto muitos pregadores a estes não distribuem com facilidade, antes os ajuntam.
58 - Tão pouco são os merecimentos de Cristo e dos santos, porquanto estes sempre são eficientes e, independentemente do papa, operam salvação do homem interior e a cruz, a morte e o inferno para o homem exterior.
59 - São Lourenço aos pobres chamava tesouros da Igreja, mas no sentido em que a palavra era usada na sua época.
60 - Afirmamos com boa razão, sem temeridade ou leviandade, que estes tesouros são as chaves da Igreja, a ela dado pelo merecimento de Cristo.
61 - Evidente é que para o perdão de penas e para a absolvição em determinados casos o poder do papa em si só não basta.
62 - O verdadeiro tesouro da Igreja é o santíssimo evangelho da glória e da graça de Deus.
63 - Este tesouro, porém, é muito desprezado e odiado, porquanto faz com que os primeiros sejam os últimos.
64 - Enquanto isso o tesouro das indulgências é sabidamente o mais apreciado, porquanto faz com que os últimos sejam os primeiros.
65 - Por essa razão os tesouros evangélicos outrora foram as redes com que se apanhavam os ricos e abastados.
66 - Os tesouros das indulgências, porém, são as redes com que hoje se apanham as riquezas dos homens.
67 - As indulgências apregoadas pelos seus vendedores como a mais sublime graça decerto assim são consideradas porque lhes trazem grandes proventos.
68 - Nem por isso semelhante indulgência não deixa de ser a mais íntima graça comparada com a graça de Deus e a piedade da cruz.
69 - Os bispos e os sacerdotes são obrigados a receber os comissários das indulgências apostólicas com toda a reverência.
70 - Entretanto tem muito maior dever de conservar abertos olhos e ouvidos, para que estes comissários, em vez de cumprirem as ordens recebidas do papa, não preguem os seus próprios sonhos.
71 - Aquele, porém, que se insurgir contra as palavras insolentes e arrogantes dos apregoadores de indulgência, seja abençoado.
72 - Quem levanta a sua voz contra a verdade das indulgências papais é excomungado e maldito.
73 - Da mesma maneira em que o papa usa de justiça ao fulminar com a excomunhão aos que em prejuízo do comércio de indulgências procedem astuciosamente.
74 - Muito mais deseja atingir com o desfavor e a excomunhão àqueles que, sob o pretexto de indulgência, prejudiquem a santa caridade e a verdade pela sua maneira de agir.
75 - Considerar as indulgências do papa tão poderosas, a ponto de poderem absolver alguém dos pecados, mesmo que (cousa impossível) tivesse desonrado a ‘mãe de Deus’, significa ser demente.
76 - Bem ao contrário, afirmamos que a indulgência do papa nem mesmo o menor pecado venial pode anular no que diz respeito à culpa que constitui.
77 - Dizer que mesmo S. Pedro, se agora fosse papa, não poderia dispensar maior indulgência, significa blasfemar S. Pedro e o papa.
78 - Em contrário, dizemos que o atual papa, e todos os que o sucederem, é detentor de muito maior indulgência, isto é, o Evangelho, as virtudes, o dom de curar, etc. de acordo com o que diz I Coríntios 12.
79 - Afirmar ter a cruz de indulgências adornada com as armas do papa e colocada na Igreja tanto valor como a própria cruz de Cristo, é blasfêmia.
80 - Os bispos, padres e teólogos que consentem em semelhante linguagem diante do povo, terão de prestar contas deste procedimento.
81 - Semelhante pregação, a enaltecer atrevida e insolentemente a indulgência, faz com que mesmo a homens doutos é difícil proteger a devida reverência ao papa contra a maledicência e as fortes objeções dos leigos.
82 - Eis um exemplo: por que o papa não tira duma vez todas as almas do purgatório, movido por santíssima caridade e em face da mais premente necessidade das almas, que seria justíssimo motivo para tanto, quando em troca de vil dinheiro para a construção da catedral de S. Pedro, livra um sem número de almas, logo por motivo bastante insignificante?
83 - Outrossim: porque continuam as exéquias e missas de ano em sufrágio das almas dos defuntos e não se devolve o dinheiro recebido para o mesmo fim ou não se permite aos doadores busquem de novo os benefícios ou prebendas oferecidos em favor dos mortos, visto ser injusto continuar a rezar pelos já resgatados?
84 - Ainda: que nova piedade de Deus e do papa é esta, que permite a um ímpio e inimigo resgatar uma alma piedosa e agradável a Deus por amor ao dinheiro e não resgatar esta mesma alma piedosa e querida de sua grande necessidade por livre amor e sem paga?
85 - Ainda: porque os cânones de penitencia, que, de fato, faz muito caducaram e morreram pelo desuso, tornam a ser resgatados mediante dinheiro em forma de indulgência como se continuassem bem vivos e em vigor?
86 - Ainda: porque o papa, cuja fortuna hoje é mais principesca do que a de qualquer Credo, não prefere edificar a catedral de S. Pedro de seu próprio bolso em vez de o fazer com o dinheiro de fiéis pobres?
87 - Ainda: Quê ou que parte concede o papa do dinheiro proveniente de indulgências aos que pela penitência completa assiste o direito à indulgência plenária?
88 - Afinal: que maior bem poderia receber a Igreja, se o papa, como já o faz, cem vezes ao dia, concedesse a cada fiel semelhante dispensa e participação da indulgência gratuita.
89 - Visto o papa visar mais a salvação das almas do que o dinheiro, por que revoga os breves de indulgência outrora por ele concedidos, aos quais atribuía as mesmas virtudes?
90 - Refutar estes argumentos sagazes dos leigos pelo uso da força e não mediante argumentos da lógica, significa entregar a Igreja e o papa à zombaria dos inimigos e desgraçar os cristãos.
91 - Se a indulgência fosse apregoada segundo o espírito e sentido do papa, aqueles receios seriam facilmente desfeitos, nem mesmo teriam surgido.
92 - Fora, pois, com todos estes profetas que dizem ao povo de Cristo: Paz! Paz! E não há paz.
93 - Abençoados sejam, porém, todos os profetas que dizem à grei de Cristo: Cruz! Cruz! E não há cruz.
94 - Admoestem-se os cristãos a que se empenhem em seguir sua Cabeça, Cristo, através do padecimento, morte e inferno;
Movido pelo amor e pelo empenho em prol do esclarecimento da verdade discutir-se-á em Wittemberg, sob a presidência do Rev. padre Martinho Lutero, o que segue. Aqueles que não puderem estar presentes para tratarem o assunto verbalmente conosco, o poderão fazer por escrito.
01 - Dizendo nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo: arrependei-vos, etc..., certamente quer que toda a vida dos seus crentes na terra seja contínuo arrependimento.
02 - E esta expressão não pode e não deve ser interpretada como referindo-se ao sacramento da penitência, isto é, à confissão e satisfação, a cargo do ofício dos sacerdotes.
03 - Todavia não quer que apenas se entenda o arrependimento interno; o arrependimento interno nem mesmo é arrependimento quando não produz toda sorte de mortificações da carne.
04 - Assim sendo, o arrependimento e o pesar, isto é, a verdadeira penitência, perdura enquanto o homem se desagradar de si mesmo, a saber, até a entrada desta para a vida eterna.
05 - O papa não quer e não pode dispensar outras penas, alem das que impôs ao seu alvitre ou em acordo com os cânones, que são estatutos papais.
06 - O papa não pode perdoar dívida senão declarar e confirmar aquilo que já foi perdoado por Deus; ou então faz nos casos que lhe foram reservados. Nestes casos, se desprezados, a dívida deixaria de ser em absoluto anulada ou perdoada.
07 - Deus a ninguém perdoa a dívida sem que ao mesmo tempo o subordine, em sincera humildade, ao sacerdote, seu vigário.
08 - Cânones poenitendiales, que são ordenanças de prescrição da maneira em que se deve confessar e expiar, apenas são impostas aos vivos, e, de acordo com as mesmas ordenanças, não dizem respeito aos moribundos.
09 - Eis porque o Espírito Santo nos faz bem mediante o papa, excluído este de todos os seus decretos ou direitos o artigo de morte e da necessidade suprema.
10 - Procedem desajuizadamente e mal os sacerdotes que reservam e impõem aos moribundos poenitentias canônicas ou penitências para o purgatório a fim de ali serem cumpridas.
11 - Este joio, que é o de transformar a penitência e satisfação, previstas pelos cânones ou estatutos, em penitencia ou penas do purgatório, foi semeado quando os bispos se achavam dormindo.
12 - Outrora canonicae poenae, ou sejam, penitência e satisfação por pecados cometidos eram impostos, não depois, mas antes da absolvição, com a finalidade de provar a sinceridade do arrependimento e do pesar.
13 - Os moribundos tudo satisfazem com a sua morte e estão mortos para o direito canônico, sendo, portanto, dispensados, com justiça, de sua imposição.
14 - Piedade ou amor imperfeitos da parte daquele que se acha às portas da morte necessariamente resultam em grande temor; logo, quanto menor o amor, tanto maior o temor.
15 - Este temor e espanto em si tão só, sem falar de outras coisas, bastam para causar o tormento e o horror do purgatório, pois que se avizinham da angústia do desespero.
16 - Inferno, purgatório e céu parecem ser tão diferentes quanto o são um do outro o desespero completo, incompleto ou quase desespero e certeza.
17 - Parece que assim como no purgatório diminuem a angústia e o espanto das algemas, nelas também deve crescer e aumentar o amor.
18 - Bem assim parece não ter sido provado, nem por boas razoes e nem pela Escritura, que as almas no purgatório se encontram fora da possibilidade do mérito ou do crescimento no amor.
19 - Ainda parece não ter sido provado que todas as almas do purgatório tenham certeza de sua salvação e não receiem por ela, não obstante nós termos absoluta certeza disto.
20 - Por isso o papa não quer dizer e nem compreende com as palavras <
21 - Eis por que erram os apregoadores de indulgencias ao afirmarem ser o homem perdoado de todas as penas e salvo mediante a indulgência do papa.
22 - Com efeito, o papa nenhuma pena dispensa às almas do purgatório das que segundo os cânones da Igreja deviam ter expiado e pago na presente vida.
23 - Verdade é que se houver qualquer perdão plenário das penas, este apenas será dado aos mais perfeitos, que são muito poucos.
24 - Assim sendo, a maioria do povo é ludibriada com as pomposas promessas de indistinto perdão, impressionando-se o homem singelo com as penas pagas.
25 - Exatamente o mesmo poder geral, que o papa tem sobre o purgatório, qualquer bispo e cura d’almas o tem no seu bispado e na sua paróquia, quer de modo especial e quer para com os seus em particular.
26 - O papa faz muito bem em não conceder às almas o perdão em virtude do poder das chaves (ao qual não possui), mas pela ajuda ou em, forma de intercessão.
27 - Pregam futilidades humanas quantos alegam que no momento em que a moeda soa ao cair no caixa a alma se vai do purgatório.
28 - Certo é que no momento em que a moeda soa na caixa vem o lucro e o amor ao dinheiro, cresce e aumenta; a ajuda porém, ou a intercessão da Igreja tão só correspondem à vontade e ao agrado de Deus.
29 - E, quem sabe se todas as almas do purgatório querem ser libertadas, quando há quem diga o que sucedeu com santo Severino e Pascoal.
30 - Ninguém tem certeza da suficiência do seu arrependimento e pesar verdadeiros; muito menos certeza pode ter de haver alcançado pleno perdão dos seus pecados.
31 - Tão raro como existe alguém que possui arrependimento e pesar verdadeiros, tão raro também é aquele que verdadeiramente alcança indulgência, sendo bem poucos os que se encontram.
32 - Irão para o diabo juntamente com os seus mestres aqueles que julgam obter certeza de sua salvação mediante breves de indulgência.
33 - Há que acautelar-se muito e ter cuidado daqueles que dizem: a indulgência do papa é a mais sublime e mais preciosa graça ou dádiva de Deus, pela qual o homem é reconciliado com Deus.
34 - Tanto assim que a graça da indulgência apenas se refere à pena satisfatória estipulada por homens.
35 - Ensinam de maneira ímpia quantos alegam que aqueles que querem livrar almas do purgatório ou adquirir breves de confissão não necessitam de arrependimento e pesar.
36 - Todo e qualquer cristão que se arrepende verdadeiramente dos seus pecados, sente pesar por ter pecado, tem pleno perdão da pena e da dívida, perdão esse que lhe pertence mesmo sem breve de indulgência.
37 - Todo e qualquer cristão verdadeiro, vivo ou morto, é participante de todos os bens de Cristo e da Igreja, dádiva de Deus, mesmo sem breve de indulgência.
38 - Entretanto se não deve desprezar o perdão e a distribuição por parte do papa. Pois, conforme declarei, o seu perdão constitui uma declaração do perdão divino.
39 - É extremamente difícil, mesmo para os mais doutos teólogos, exaltar diante do povo ao mesmo tempo a grande riqueza da indulgência e ao contrário o verdadeiro arrependimento e pesar.
40 - O verdadeiro arrependimento e pesar buscam e amam o castigo; mas a profusão da indulgência livra das penas e faz com que se as aborreça, pelo menos quando há oportunidade para isso.
41 - É necessário pregar cautelosamente sobre a indulgência papal para que o homem singelo não julgue erroneamente ser a indulgência preferível às demais obras de caridade ou melhor do que elas.
42 - Deve-se ensinar aos cristãos, não ser pensamento e opinião do papa que a aquisição de indulgência de alguma maneira possa ser comparada com qualquer obra de caridade.
43 - Deve-se ensinar aos cristãos proceder melhor quem dá aos pobres ou empresta aos necessitados do que os que compram indulgências.
44 - É que pela obra de caridade cresce o amor ao próximo e o homem torna-se mais piedoso; pelas indulgências, porém, não se torna melhor senão mais seguro e livre da pena.
45 - Deve-se ensinar aos cristãos que aquele que vê seu próximo padecer necessidade e a despeito disto gasta dinheiro com indulgências, não adquire indulgências do papa, mas provoca a ira de Deus.
46 - Deve-se ensinar aos cristãos que, se não tiverem fartura, fiquem com o necessário para a casa e de maneira nenhuma o esbanjem com indulgências.
47 - Deve-se ensinar aos cristãos que, se compra de indulgências livre e não ordenada.
48 - Deve-se ensinar aos cristãos que, se o papa precisa conceder mais indulgências, mais necessita de uma oração fervorosa do que de dinheiro.
49 - Deve-se ensinar aos cristãos, serem muito boas as indulgências do papa enquanto o homem não se confiar nelas; mas muito prejudiciais quando, em conseqüência delas, se perde o temor de Deus.
50 - Deve-se ensinar aos cristãos que, se o papa tivesse conhecimento da traficância dos apregoadores de indulgências, preferiria ver a catedral de São Pedro ser reduzida a cinzas a ser edificada com a pele, a carne e os ossos de suas ovelhas.
51 - Deve-se ensinar aos cristãos que o papa, por dever seu, preferiria distribuir o seu dinheiro aos que em geral são despojados de dinheiro pelos apregoadores de indulgência, vendendo, se necessário fosse, a própria catedral de São Pedro.
52 - Comete-se injustiça contra a Palavra de Deus quando, no mesmo sermão, se consagra tanto ou mais à indulgência do que à pregação da Palavra do Senhor.
53 - São inimigos de Cristo e do papa quantos por causa da prédica de indulgências proíbem a Palavra de Deus nas demais Igrejas.
54 - Esperar ser salvo mediante breves de indulgência é vaidade e mentira, mesmo se o comissário de indulgências, mesmo se o próprio papa oferecesse sua alma como garantia.
55 - A intenção do papa não pode ser outra do que celebrar a indulgência, que é a causa menor, com um sino, uma pompa e uma cerimônia, enquanto o evangelho, que é o essencial, importa ser anunciado mediante cem sinos, centenas de pompas e solenidades.
56 - Os tesouros da Igreja, dos quais o papa tira e distribui as indulgências, não são bastante mencionados e nem suficientemente conhecidos na Igreja de Cristo.
57 - Que não são bens temporais, é evidente, porquanto muitos pregadores a estes não distribuem com facilidade, antes os ajuntam.
58 - Tão pouco são os merecimentos de Cristo e dos santos, porquanto estes sempre são eficientes e, independentemente do papa, operam salvação do homem interior e a cruz, a morte e o inferno para o homem exterior.
59 - São Lourenço aos pobres chamava tesouros da Igreja, mas no sentido em que a palavra era usada na sua época.
60 - Afirmamos com boa razão, sem temeridade ou leviandade, que estes tesouros são as chaves da Igreja, a ela dado pelo merecimento de Cristo.
61 - Evidente é que para o perdão de penas e para a absolvição em determinados casos o poder do papa em si só não basta.
62 - O verdadeiro tesouro da Igreja é o santíssimo evangelho da glória e da graça de Deus.
63 - Este tesouro, porém, é muito desprezado e odiado, porquanto faz com que os primeiros sejam os últimos.
64 - Enquanto isso o tesouro das indulgências é sabidamente o mais apreciado, porquanto faz com que os últimos sejam os primeiros.
65 - Por essa razão os tesouros evangélicos outrora foram as redes com que se apanhavam os ricos e abastados.
66 - Os tesouros das indulgências, porém, são as redes com que hoje se apanham as riquezas dos homens.
67 - As indulgências apregoadas pelos seus vendedores como a mais sublime graça decerto assim são consideradas porque lhes trazem grandes proventos.
68 - Nem por isso semelhante indulgência não deixa de ser a mais íntima graça comparada com a graça de Deus e a piedade da cruz.
69 - Os bispos e os sacerdotes são obrigados a receber os comissários das indulgências apostólicas com toda a reverência.
70 - Entretanto tem muito maior dever de conservar abertos olhos e ouvidos, para que estes comissários, em vez de cumprirem as ordens recebidas do papa, não preguem os seus próprios sonhos.
71 - Aquele, porém, que se insurgir contra as palavras insolentes e arrogantes dos apregoadores de indulgência, seja abençoado.
72 - Quem levanta a sua voz contra a verdade das indulgências papais é excomungado e maldito.
73 - Da mesma maneira em que o papa usa de justiça ao fulminar com a excomunhão aos que em prejuízo do comércio de indulgências procedem astuciosamente.
74 - Muito mais deseja atingir com o desfavor e a excomunhão àqueles que, sob o pretexto de indulgência, prejudiquem a santa caridade e a verdade pela sua maneira de agir.
75 - Considerar as indulgências do papa tão poderosas, a ponto de poderem absolver alguém dos pecados, mesmo que (cousa impossível) tivesse desonrado a ‘mãe de Deus’, significa ser demente.
76 - Bem ao contrário, afirmamos que a indulgência do papa nem mesmo o menor pecado venial pode anular no que diz respeito à culpa que constitui.
77 - Dizer que mesmo S. Pedro, se agora fosse papa, não poderia dispensar maior indulgência, significa blasfemar S. Pedro e o papa.
78 - Em contrário, dizemos que o atual papa, e todos os que o sucederem, é detentor de muito maior indulgência, isto é, o Evangelho, as virtudes, o dom de curar, etc. de acordo com o que diz I Coríntios 12.
79 - Afirmar ter a cruz de indulgências adornada com as armas do papa e colocada na Igreja tanto valor como a própria cruz de Cristo, é blasfêmia.
80 - Os bispos, padres e teólogos que consentem em semelhante linguagem diante do povo, terão de prestar contas deste procedimento.
81 - Semelhante pregação, a enaltecer atrevida e insolentemente a indulgência, faz com que mesmo a homens doutos é difícil proteger a devida reverência ao papa contra a maledicência e as fortes objeções dos leigos.
82 - Eis um exemplo: por que o papa não tira duma vez todas as almas do purgatório, movido por santíssima caridade e em face da mais premente necessidade das almas, que seria justíssimo motivo para tanto, quando em troca de vil dinheiro para a construção da catedral de S. Pedro, livra um sem número de almas, logo por motivo bastante insignificante?
83 - Outrossim: porque continuam as exéquias e missas de ano em sufrágio das almas dos defuntos e não se devolve o dinheiro recebido para o mesmo fim ou não se permite aos doadores busquem de novo os benefícios ou prebendas oferecidos em favor dos mortos, visto ser injusto continuar a rezar pelos já resgatados?
84 - Ainda: que nova piedade de Deus e do papa é esta, que permite a um ímpio e inimigo resgatar uma alma piedosa e agradável a Deus por amor ao dinheiro e não resgatar esta mesma alma piedosa e querida de sua grande necessidade por livre amor e sem paga?
85 - Ainda: porque os cânones de penitencia, que, de fato, faz muito caducaram e morreram pelo desuso, tornam a ser resgatados mediante dinheiro em forma de indulgência como se continuassem bem vivos e em vigor?
86 - Ainda: porque o papa, cuja fortuna hoje é mais principesca do que a de qualquer Credo, não prefere edificar a catedral de S. Pedro de seu próprio bolso em vez de o fazer com o dinheiro de fiéis pobres?
87 - Ainda: Quê ou que parte concede o papa do dinheiro proveniente de indulgências aos que pela penitência completa assiste o direito à indulgência plenária?
88 - Afinal: que maior bem poderia receber a Igreja, se o papa, como já o faz, cem vezes ao dia, concedesse a cada fiel semelhante dispensa e participação da indulgência gratuita.
89 - Visto o papa visar mais a salvação das almas do que o dinheiro, por que revoga os breves de indulgência outrora por ele concedidos, aos quais atribuía as mesmas virtudes?
90 - Refutar estes argumentos sagazes dos leigos pelo uso da força e não mediante argumentos da lógica, significa entregar a Igreja e o papa à zombaria dos inimigos e desgraçar os cristãos.
91 - Se a indulgência fosse apregoada segundo o espírito e sentido do papa, aqueles receios seriam facilmente desfeitos, nem mesmo teriam surgido.
92 - Fora, pois, com todos estes profetas que dizem ao povo de Cristo: Paz! Paz! E não há paz.
93 - Abençoados sejam, porém, todos os profetas que dizem à grei de Cristo: Cruz! Cruz! E não há cruz.
94 - Admoestem-se os cristãos a que se empenhem em seguir sua Cabeça, Cristo, através do padecimento, morte e inferno;
95 - E assim esperem mais entrar no Reino dos céus através de muitas tribulações do que facilitados diante de consolações infundadas.
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