Segui a paz com
todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor, atentando,
diligentemente, por que ninguém seja faltoso, separando-se da graça de Deus;
nem haja alguma raiz de amargura que, brotando, vos perturbe, e, por meio dela,
muitos sejam contaminados; nem haja algum impuro ou profano, como foi Esaú, o
qual, por um repasto, vendeu o seu direito de primogenitura. Pois sabeis também
que, posteriormente, querendo herdar a bênção, foi rejeitado, pois não achou
lugar de arrependimento, embora, com lágrimas, o tivesse buscado.
Hb 12.14-17
Quem quer
ver a Deus? Ou, usando o caminho do raciocínio inverso, quem não quer ver a
Deus? Se esta pergunta for dirigida a cristãos, muitos podem até afirmar que
ela é desnecessária. Mas será que a Igreja realmente pensa em “ver a Deus”? E o
que isto significa? Por ver a
Deus refiro-me não a enxerga-lo como vemos coisas, mas no sentido de
experimentá-lo na plenitude do que ele se dá a experimentar.
Esta
ressalva é importante porque não devemos pensar na totalidade de Deus, pois ele
sempre será infinito e o homem sempre será finito, e o sábio teólogo africano,
Agostinho de Hipona, já afirmava que “finitum
nunc capere infinitum”, isto é, o finito não compreenderá o infinito.
Mesmo na glória, o homem sempre será finito, e Deus não abandonará a sua
infinitude. Na glória experimentaremos o que Deus tem preparado para nós, que,
hoje, já é mais do que conseguimos compreender [I
Co 2.].
O sentido
de “ver a Deus” inclui a experiência com Deus que é, também, a certeza da
experiência da glória. E isto só acontecerá se, aqui, agora, houver uma real
progressão numa vida de santidade, isto é, num progressivo abandono daquilo que
o Senhor reprova em sua palavra e, ao mesmo tempo, numa prática progressiva
daquilo que o Senhor ordena e é agradável aos seus olhos [Hb 12.28; Hb
13.21 e I
Jo 3.22].
Precisamos
definir como ponto fundamental que a santificação é condição sine qua non para se
ver a Deus, para se viver na presença de Deus ou, dito de outra maneira, não há
como ser crente sem ser santo [I Pe
1.16]. Não há esperança de glória eterna [Rm 5.2] sem
abandono da busca pela glória deste mundo.
Santidade ou santificação deve ser entendida
como uma luta contra o próprio querer. Buscar a santificação significa começar
uma luta contra um poderoso adversário. Vale lembrar que a bíblia afirma que
temos três inimigos. O primeiro deles é moral, é este século, isto é, este
mundo e as coisas que ele pode oferecer; o segundo inimigo é o deus deste
século, o diabo, um adversário espiritual, poderoso e sagaz. São dois
adversários externos. O terceiro, e, creio, o mais difícil de ser vencido, e
que serve de brecha para a ação dos dois anteriores, é o nosso próprio coração,
que sabemos bem ser terrivelmente enganoso ou corrupto.
Pode parecer contraditório, mas buscar a
santificação é buscar a felicidade abrindo mão da satisfação pessoal, que é o
conceito comum e equivocado do que é felicidade, isto é, normalmente
confunde-se a felicidade com satisfação de prazeres e desejos - o grande
problema é que os prazeres buscados pelos homens carregam em si mesmos os
desequilíbrios morais fruto da transgressão adâmica [I Jo 2.15].
Após o pecado o homem imediatamente passa a
buscar onde não poderia encontrar alguma coisa que lhe satisfizesse seus
desejos e necessidades: faz isso ao dar e a continuar dando ouvidos a satanás,
bem como no mundo e nas coisas que há no mundo, que não anda sob a lei de Deus
mas serve aos caprichos de satanás [I Jo
5.19]. Mesmo coisas boas podem ser usadas
pelo inimigo, deturpadas e tornadas más. Um exemplo é a honra que se deve dar
aos pais, que, acrescida de uma religiosidade, acabou se tornando no culto aos
antepassados, os “ídolos lares”, uma forma de idolatria.
A verdadeira satisfação, ainda que incompleta
aqui, será encontrada na obediência a Deus, e esta é o caminho da santificação.
No segundo caso, na desobediência, na busca pela satisfação nas coisas do mundo
é não apenas enganoso, como também uma ilusão que gera enorme angústia e
frustração porque fadada a não ser satisfeita.
E não pode ser satisfeita porque a satisfação
só poderá ser encontrada em andar com Deus.
A BUSCA DA SATISFAÇÃO PESSOAL
FAZ A IGREJA ESQUECER-SE DA SANTIFICAÇÃO
Desde a primeira moda [roupas feitas de
folhas de figueira, no Éden - Gn
3.7] é possível perceber o desejo
constante de estar bem - e as folhas de figueira não são capazes de fazer isso,
em atitudes que demonstram a inconstância do coração do homem. O homem ainda
quer obter satisfação sem santificação, isto é, metaforicamente, escondendo-se
de Deus e de si mesmo [Gn 3.10: Ele respondeu: Ouvi a tua voz no jardim, e,
porque estava nu, tive medo, e me escondi].
Dito de outra maneira, é possível que grande
número de membros de Igrejas estão nelas buscando satisfação de alguma
necessidade, especialmente moral e existencial, mas indispostos para com a
santificação, porque santificação implica em renúncia das suas aspirações e
anseios em favor da vontade de Deus.
O cristianismo atual evidencia uma tentativa
desesperada de evitar todo e qualquer tipo de sofrimento e dar algum sentido,
alguma satisfação e significado a uma vida que já parte de premissas
equivocadas a respeito do que é felicidade e de quem Deus é. Pedir a Deus que
dê a Igreja felicidade pode significar exatamente o oposto do que se pede. A
busca de prazer, felicidade e satisfação pessoal afasta o crente do caminho da
santificação, por conseguinte, afasta o homem de Deus.
O caminho da santificação é descrito por
Jesus no sermão da montanha, nas bem aventuranças, onde ele descreve conceitos
e princípios do reino de Deus, que não é deste mundo [Jo 18.36:
Respondeu Jesus: O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste
mundo, os meus ministros se empenhariam por mim, para que não fosse eu entregue
aos judeus; mas agora o meu reino não é daqui] nem é aquilo que os homens
buscam, ouro e prata, comida e bebida [Rm
14.17], e este reino, por ser superior,
deve ser priorizado.
A Igreja deve escolher entre o caminho da
satisfação de anseios meramente terrenos ou uma vida de obediência a Deus e
seus ditamos exarados em sua palavra. Quanto mais prazer a Igreja buscar, mais
distante ela estará de Deus, e, consequentemente, de uma vida santa e da
verdadeira realização do propósito de Deus, com a Igreja numa alegria
verdadeira e felicidade plena, que só se obtém num relacionamento de grande
intimidade com Deus [Sl 25.14].
A BUSCA DO SUCESSO FAZ A
IGREJA ESQUECER-SE DA SANTIFICAÇÃO
Ninguém almeja ser fracassado. Ninguém
trabalha para fracassar. Ninguém treina para perder. Todos os homens tem no
coração o desejo de ser bem sucedido, e a Igreja tem incentivado a busca de
realizações terrenas, isto é, almejar o sucesso e por isso admira ou inveja
pessoas bem sucedidas.
Com a abundância de historias sobre pessoas
bem sucedidas o sucesso pessoal, familiar e profissional, com consequências
financeiras foi se tornando o padrão para se auferir a espiritualidade, tomando
o lugar da obediência a Deus e sua Palavra.
Este é um fenômeno denominado de mensuração
objetiva da fé, isto é, medir a fé tendo como parâmetro não a espiritualidade
santa, mas o sucesso que alguém consegue obter, como se as bênçãos de Deus se
resumissem a fatores humanamente reconhecidos como sucesso nesta vida.
Mas qual é o padrão? Dinheiro acumulado? Casa
grande? Carro novo? Promoção educacional ou profissional? Onde fica o reino de
Deus que deveria ser buscado como prioridade [Mt
6.33].
Tribulação é antítese de sucesso. Cristo
prometeu não o sucesso, mas as tribulações [Jo
16.33]. Ele as experimentou, era homem de
dores [Is 53.3].
A Igreja, porém, tem rejeitado a promessa de
Cristo, e, embora a maioria não ouse dizer isso, considera-o um fracassado,
como os judeus o fizeram [Mt 27.40]. Consideram homens como Tiago [At 12.2] ou
Paulo como fracassados [II Co
11.23-27]. É preciso dizer que é justamente
destes homens que o mundo não é digno [Hb
11.37-38].
Por contraditório que possa parecer, muitos
cristãos modernos idolatram àqueles cristãos antigos mas rejeitam o modelo,
isto é, não querem passar pelas experiências que eles passaram para serem mais
que vencedores.
A questão é que, para ser mais que vencedor [Rm 8.37], tem
que enfrentar mais que as lutas comuns, e o nome disto é tribulação por causa da
obediência a Jesus Cristo [Mt 5.11].
Desejar sucesso neste mundo como prioridade é
amar o mundo [I Jo 2.15] e sua concupiscência, que resulta em
profunda doença espiritual, com reflexos no padrão pouco espiritual e
profundamente materialista. A Igreja que adota este padrão mundano tomou a
forma do mundo, sofre sua influência e vive com suas obsessões: sucesso,
consumismo, riqueza, fama, reconhecimento, conforto, vida fácil, opulência, mas
nenhum valor ou progresso genuinamente espiritual.
Esta Igreja é fruto de uma pregação
superficial, motivacional, que apresenta Cristo e o cristianismo como um mero
antídoto para o fracasso material, moral e emocional, um simples caminho para o
sucesso e a prosperidade. Isto não é cristianismo bíblico, é mera religiosidade
horizontal com o uso desobediente e descompromissado da palavra revelada por
Deus.
A BUSCA POR EVENTOS
SUPERNATURAIS FAZ A IGREJA TIRAR OS OLHOS DA SANTIFICAÇÃO
Outra tendência da Igreja dos últimos anos é
a de tentar medir a espiritualidade sem levar em conta a santidade, por aquilo
que chamo de supernaturalismo. Não chamo de sobrenatural porque ele independe
do natural, logo, o homem não tem nenhuma influência própria, ainda que eu
admita influência derivada e concessiva, naquilo que foge à sua esfera normal
de atuação, o mundo natural.
O supernaturalismo tem substituído o andar
com Deus, e há uma tal “ostentação
espiritual” que pode ser
verificada numa disputa para ver quem e onde tem maior capacidade de realização
de sinais extraordinários, usando tal parâmetro para salientar os pretensos
avanços espirituais da comunidade.
Para criar, manter e/ou aumentar tal
disposição promove-se encontros, seminários, cultos específicos e treinamentos
para a manifestação destes sinais e prodígios, grandemente valorizados, mas sem
levar em consideração de uma conduta pautada pela palavra, conforme requerida
por Deus para todo aquele que professa a fé cristã.
Não tenho visto nenhuma promoção de eventos
para a promoção do fruto do Espírito na vida cristã prática.
Por mais sensacional e poderoso que seja um
homem produzir feitos espirituais e sobrenaturais isto não tem apelo na Igreja
atual altamente contaminada pelo hedonismo, pela busca do prazer e do sucesso,
pelo supernaturalismo hedonista.
Esta expectativa era muito comum entre os
pagãos, como Naamã [II Rs 5.11] e foi o único método para provar que o Deus
de Israel era maior do que Baal diante de paganizados hebreus [I Rs 18.24].
Foi assim com Moisés para com os hebreus [Ex 3.13],
Isaías para o rei [Is 7.14], Jesus entre os religiosos [Mt 12.38-39] e o rei Herodes [Lc 23.8].
Lembre que Jesus diz claramente que a busca
por sinais e maravilhas é uma característica de uma geração má e adúltera, não
dos crentes. Mas o parlatório atual diz que quanto mais crente, maiores serão
os sinais, o que é uma deturpação da Palavra de Deus.
Onde houver eventos não explicáveis sempre
haverá um grande número de curiosos. Talvez isto produza adesões à igreja, mas
não produz vida santa, e é curioso que algumas das mais marcantes
transformações de vida produzidas em encontros com Jesus não tenha havido nada
de espetacular: a mulher samaritana, o publicano Zaqueu e a mulher surpreendida
em adultério.
Jesus evidencia a real transformação ocorrida
nestas vidas e a orientação para que vivam santamente [Jo 8.11], ao
qual a Palavra se refere mais de uma vez [Lv
20.7] e Paulo faz eco com muita clareza [At 26.20]
porque foi para isso que o povo de Deus foi criado [Ef 2.10].
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O poder ou a realização de atos extraordinários,
verdadeiros, não implica necessariamente na aprovação de Deus para a vida e os
valores do coração de seus idealizadores [Mt
7.22-23]. Aliás, as palavras mais duras
proferidas por Jesus foram direcionadas para aqueles que aparentavam
espiritualidade, com ou sem realizações extraordinárias. A busca do conforto,
poder e sucesso certamente não tem a motivação para que os tais que os buscam
não possam ser chamados de “homens segundo o coração de Deus”.
Mais que qualquer realização espetacular por
diversas vezes o Senhor demonstra querer ver em nós vidas santas, com renúncia
ao mundanismo hedonista. Minha percepção, tanto ao olhar para a bíblia
[sacerdotes egípcios - II Tm 3.8 - ou Simão, o mago - At 8.11]
quanto para a história antiga e atual é que acontecimentos supernaturais podem
ser feitos mentirosamente e até diabolicamente, e mesmo a ação de Deus pode ser
deturpada e mal interpretada num determinado contexto religioso.
Mas tem algo que Deus aprova porque é fruto
da atuação do seu Espírito: a santificação, a produção abundante do fruto deste
mesmo Espírito.
Sem saudosismo devemos nos perguntar: porque
a Igreja do passado parecia mais santa? Em primeiro lugar, porque ela era
efetivamente mais santa, menos mundana. E ela era menos mundana porque ela
possuía padrões morais mais elevados porque falava-se mais sobre santidade,
ensinava-se mais e, principalmente, vivia-se mais o evangelho verdadeiro, sem
modismo, sem hedonismo e sem espetacularismo artificial.
Este
estilo de vida centralizado na busca de prazeres, de realização pessoal, de
sucesso, de conforto e tudo o que tem marcado a vida desta neo igreja deve ser
abandonado pela verdadeira Igreja de Cristo, num desejo para viver santamente,
numa experiência viva com o Senhor [Hb
12:14: Segui
a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor], este sim o padrão adequado de aferição de
espiritualidade da Igreja de Cristo.
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