É muito comum encontrar cristãos chorosos, frustrados. Conversando com
as pessoas nos últimos 06, 07 anos, vim a descobrir que há uma enorme gama de
pessoas que convivem com frustrações as mais diversas. Frustrações no trabalho
– mesmo que sejam bons trabalhos. Frustrações familiares, mesmo que tenham
famílias estruturadas e felizes. Frustrações no casamento, mesmo que tenham
cônjuges abençoados e abençoadores. Frustrações com a solidão – porque ou não
encontraram ou desprezaram a pessoa certa para dividirem as suas vidas.
Por outro lado, convivemos com o chamado ufanismo teológico. O que é
isso? Cristãos – alguns sinceros – vivem como se a fé cristã os isentasse de
problemas – e, na verdade, milhares são os que têm sido ensinados desta
maneira. Passam a acreditar que, pelo fato de crerem em o nome de Jesus (e
certamente isto é algo de importância incalculável) estarão livres de quaisquer
dissabores. Esquecem-se das palavras do mestre e Senhor, Jesus Cristo, que
disse que, no mundo, teríamos dissabores (Jo 16.33) e seríamos odiados (I Jo
3.1) como ele mesmo o foi (Jo 1.10).
Os cristãos têm, ao longo da história, colocado sua esperança em um
fato escatológico, futuro, e de fortes conotações redentoras. Foi assim durante
os primeiros anos. Foi assim, também durante os dois séculos seguintes. Tal
redenção foi vista na pessoa de Constantino, quando este tornou o cristianismo
uma religião permitida – e mais tarde ela acabaria se tornando a religião
oficial do império romano – e do mundo mediterrâneo.
Mas esta esperança messiânica nunca foi exclusiva dos cristãos. Era
uma realidade na vida dos judeus, que, de diversos modos, esperavam a vinda do
messias, e a forma como esta esperança se dava influenciaria grandemente a
forma de encararem a vida. À partir do instante em que Judá perdeu seus “reis
ungidos”, o termo Messias passou a ser empregado para representar o agente de Deus
que interviria na história humana, restaurando a ordem divina e trazendo o fim
dos tempos, trazendo felicidade para o “povo de Deus”. Esta esperança dava-se
de 04 formas diferentes:
1. Um grupo o via como um ser humano de ascendência especial, que
seria chamado por Deus para desempenhar uma missão – a redenção do povo eleito;
2. Os essênios, grupo semelhante aos monges medievais, esperavam dois
messias: um descendente de Aarão (restauraria a ordem sacerdotal) e outro de
Davi (restauraria o trono – mas seria submisso ao primeiro).
3. O filho de Davi, venerado pelos judeus (II Sm 7.16) que restauraria
a monarquia. Esta concepção prevalecia no tempo de Jesus – e foi causa de
muitas revoltas.
4. A ressurreição de Moisés (Dt 18.15) ou Elias (Ml 5.23-24), concepção
popular entre grupos apocalípticos (Mt 17.3).
5. O filho do homem, expressão usada por Daniel para identificar o
agente supra-humano da salvação do reino de Judá (Dn 7.13). É a expressão
favorita de Jesus.
Entretanto, todos estes conceitos estão ligados à formação de um reino
terreno (Jo 6.15).
Entre os gentios, embora não houvesse uma expectativa desta espécie,
tinham também suas esperanças. Os judeus esperavam a realização de sinais
miraculosos por parte de Deus e de seu enviado. Já os gentios esperavam a
revelação de uma espécie de sabedoria divina, que explicasse todos os fenômenos
físicos e metafísicos. Muitos ensinadores, cheios de sofismas, surgiram neste
período: havia os estóicos – moralmente impecáveis, abriam mão de quaisquer
regalias (conta-se a história de um filósofo que morava em uma barrica, tinha
apenas uma caneca para beber água e, depois de ajudar um cidadão ilustre, este
lhe pergunta o que poderia fazer para recompensá-lo. Ao que ele responde: deixe
chegar a mim a luz do sol, pois não deves me tirar o que não podes dar-me).
Este despojamento das coisas materiais também os levava a não se importarem com
as pessoas. Como resposta aos estóicos surgiram os epicuristas, que afirmavam
exatamente o contrário: o importante da vida era curti-la – em tudo o que
houvesse de bom. Comamos, e bebamos, pois certamente morreremos era o seu mote
(I Co 15.32). É claro que também não se importavam com pessoas, ou com
moralidade – queriam divertir-se, ainda que às custas das pessoas, da
moralidade e da sociedade. Em meio à frustração geral, todos esperavam uma
“filosofia” superior, e exigiam dos cristãos que lhes apresentassem tal
filosofia, se quisessem ser ouvidos.
Neste contexto Paulo, filósofo, capaz de citar vários escritores
gentios com desenvoltura, sem consultar quaisquer livros, se propõe a, entre os
gentios, anunciar a cruz (I Co 2.2) – loucura, segundo a concepção gentílica.
Como é que um enviado de Deus poderia morrer? Entre os judeus, a mesma coisa:
onde estariam os sinais (Mt 16.4) que prenunciariam a vinda de YHVY?
Jesus frustra tais esperanças – simplesmente porque elas não condizem
com a promessa de Deus. Não foi assim que Deus havia planejado, e, portanto,
ele não mudaria seus planos apenas porque os homens esperavam de outra forma.
Deus não muda (Ml 3.6).
É neste contexto que Paulo diz que os judeus pedem sinais (I Co
1.22-24). Que sinais? Talvez fogo e saraiva (Sl 148.8); jovens e velhos tendo
visões, sonhos e profetizando (Jl 2.28), enfim, seria uma vinda cataclísmica –
mas Jesus veio manso, suave. Não um general, não um conquistador, mas um
professor, um cordeiro que se deixa conduzir ao matadouro. Isto era inaceitável
para os judeus. Um messias que morre? Um messias crucificado – pregado no
madeiro, lugar de maldição (Dt 21.23). Não, não servia – como não tem servido
ao longo destes 2000 anos, enquanto um grupo ainda aguarda o messias, a maioria
já abandonou a fé – e judaísmo hoje é apenas nacionalismo.
Mas Jesus veio. O messias já chegou. Leia o capítulo 21 do evangelho
de Mateus, versos 1 a 17 antes de continuar (se você não ler, provavelmente não
entenderá a conclusão deste post),
Era o domingo que ficou famoso como o "Domingo de Ramos" –
dia da entrada triunfal de Jesus em Jerusalém – as multidões o aguardavam,
saudando-o como um rei. Milhares de pessoas estavam em Jerusalém nesta época,
vindas de todos os cantos do mundo: por isso perguntavam: quem é este?
Os sacerdotes tinham medo de Jesus. Os religiosos também. Os gentios,
idem. Cada um por seu motivo particular. Os sacerdotes não queriam perder o
monopólio do templo. Os religiosos a permissão para sustentarem sua fé. Os
gentios, medo de mais uma das constantes revoltas que ocorriam na palestina, e,
nesta época, seria ainda mais perigosa devido ao grande número de estrangeiros
que havia na cidade. E as multidões – estas só queriam uma coisa: que Jesus os
libertasse dos romanos – que se fizesse general e rei. Que instaurasse o reino
– neste mundo.
Mas não era essa a sua missão. Não foi para isso que ele veio. Sua
missão era outra. Era, segundo ele próprio, dar a sua vida para resgatar seu
povo (Mt 20.28).
Talvez seja por isso que muitos cristãos hoje estejam frustrados –
esperam de Deus algo que Deus nunca prometeu. Deus nunca prometeu carro,
faculdade, casa – pelo contrário, ele fala de autonegação. De abrir mão do que
somos para sermos o que ele quer que sejamos. Entregar o caminho ao Senhor é
isso: permitir que ele seja o guia, o condutor – e aceitar esta condução de bom
grado, mesmo que tenha que atravessar o vale da sombra da morte, pois tal
travessia se dará sob a firme convicção de que Jesus sabe por onde está nos
conduzindo.