sexta-feira, 18 de setembro de 2015

A ESCATOLOGIA PAULINA - Ridderbos e Schreiner

A revelação da justiça de Deus, a nova vida dos crentes, o dom do Espírito, a Igreja como o novo povo de Deus e corpo de Cristo devem ser entendidos à luz do tema central do cumprimento das profecias a respeito do redentor.
Do judaísmo para o cristianismo há uma mudança intrínseca – para o judaísmo o ponto central do tempo, a plenitude dos tempos está situada num futuro glorioso, em que um novo mundo seria inaugurado com a vinda do Messias. O cristianismo não perde de vista o mundo novo e restaurado, mas coloca um fato já ocorrido como pontual e fundamental – o momento decisivo da manifestação de Cristo sobre a terra, sua morte e ressurreição que dão origem ao tempo favorável do Senhor.
Todavia esta redenção cumprida em Cristo e o grande dia da salvação inaugurado com sua morte e exaltação ainda possui um caráter apenas inicial e provisório. Não significam o fim da expectativa redentiva nem torna a esperança cristã supérflua porque tanto os cristãos aguardam a glória que há de ser revelada como a criação aguarda ser redimida com esta revelação.
O “já” e o “ainda não” são colocados em conjunto pois a revelação da justiça de Deus garante a esperança da gloria de Deus mas não significa que ela já tenha sido obtida no tempo presente, como atesta o fato de que a indicação redentora de haver morrido e ressuscitado com Cristo ainda exige a necessidade de lutar contra o pecado.
Mesmo a presença do Espírito Santo, evidência da libertação em Cristo da escravidão da lei e do pecado ainda é apenas o penhor e as primícias (símbolo da própria redenção) da redenção perfeita. Em Cristo o dia da salvação surgiu mas isto não significa o fim da expectativa redentora, embora a torne mais intensa e indubitável. Esta expectativa escatológica é um tema central e poderoso da pregação paulina sobre aguardar dos céus a Jesus que livra da ira vindoura e a manifestação da gloria do grande Deus e salvador Jesus Cristo.
Paulo chama a Igreja à santidade e irrepreensibilidade porque esta Igreja espera encontrar-se sem macula na presença do Senhor em sua vinda – é por causa deste dia que os crentes devem lançar fora todas as obras das trevas e revestir-se das armas da luz porque a salvação está mais próxima do que se acreditava no principio.
Esta expectativa, além de motivo de santificação, é também fonte e base de consolo na presente aflição, termo que define a última fase do mundo presente antes da vinda de Cristo, de modo que a revelação do Senhor Jesus nos céus também significa descanso para aqueles que agora vivem em tribulação – e por causa desta esperança a Igreja pode gloriar-se nessa tribulação até que Cristo se manifeste em gloria – e esta é a gloria da própria Igreja.
Estudiosos levantam a questão sobre a temporalidade da expectativa de Paulo, se ele acreditava que a volta do Senhor se daria ainda em seus dias, transparecendo a ideia de que ele não esperava que a volta de Cristo se desse num futuro distante, por isso a Igreja não deve apegar-se à vida presente e ser santa tendo em vista a proximidade do dia do Senhor. A brevidade do tempo e a proximidade da salvação é uma questão de grande relevância.
Alguns supõem que Paulo imaginava que ele próprio ainda estaria vivo para ver a volta de Cristo despertando esta expectativa na Igreja, mas isso não se sustenta pelo fato de que a possibilidade de morte e até esta expectativa é apresentada de maneira explícita. Todavia, deve-se entender que é possível que Paulo considerasse a possibilidade de ver a volta de Cristo, mas esta não era um sustentáculo de sua fé – ele sabia que Cristo se manifestaria gloriosamente, e que deveria viver aguardando esta manifestação, mas não deveria considerar que isso deveria inevitavelmente acontecer.
Paulo usa o tempo verbal perfeito e o futuro na escatologia, o que demonstra que ele não deriva a proximidade da vinda de Cristo de qualquer conhecimento especial ou percepção sobre o tempo dentro do qual esta vinda deve ser esperada mas do significado do tempo escatológico da redenção no qual já se entrou com o primeiro advento de Cristo, e Paulo relaciona estes dois eventos de maneira imediata pois para ele o dia já surgiu, mas isto em nada desvaloriza a vida presente, pelo contrário, tendo em vista que os dias são maus a Igreja deve aproveitar ao máximo as oportunidades que lhe são dadas.
A consciência de que a vinda do Senhor está próxima não tem um significado negativo, mas positivo para a vida no tempo presente, não torna a responsabilidade para essa vida relativa, mas sim a eleva. O “perto está” não envolve uma questão de importância da duração do período intermediário, mas o caráter inseparável do tempo futuro e do tempo perfeito.
O que acontece com os cristãos que morreram antes da volta de Cristo, isto é, qual o estado dos cristãos neste lapso de tempo entre a sua morte e o advento do redentor? Certamente o termo ‘dormir’ não se refere a uma espécie de sono no qual cessa toda a atividade e consciência, retomados na ressurreição. Não é possível encontrar em Paulo nada que autorize a falar de um estado intermediário, pois “estar com Cristo” denotaria um estado imediatamente após a morte, glorificado e coparticipante da gloria de Cristo após ser “ser despido” deste corpo de humilhação para receber nova morada, um corpo glorificado que compartilha da gloria de Deus.
Assim, não há dúvida que, para Paulo, após a morte os crentes estarão imediatamente com o Senhor, a questão que permanece é qual o significado desta realidade e qual o lugar que ocupa na salvação como um todo proclamada por Paulo?
Esta realidade não recebe explicação detalhada por parte de Paulo, nem essa expectativa tem uma existência independente mas é absorvida pela esperança da ressurreição e sem ela não existiria – para Paulo, sem a ressurreição não há qualquer esperança para os crentes que falecerem, com a ressalva de que os crentes que morreram em Cristo podem contar com a continuidade do compromisso com Cristo por terem sido incluídos nele e serem coparticipantes dele.
Este compromisso não deixa de existir após a morte. O que pode ser dito é que estar em Cristo depois da morte trata-se de uma existência oculta em Cristo no céu, que um dia será revelada com ele – não estará no corpo terrestre e, portanto, livre de toda imperfeição, pecado e aflição. A morte é, então, lucro mas ainda não é estar no corpo glorificado.
Não se deve imaginar o ‘estar em Cristo’ definido por Paulo como uma mera compensação ou cancelamento das fraquezas, ignorâncias e misérias da terra ou alguma espécie Deus e solução às injustiças do mundo atual – ainda que estas coisas, de fato, não estejam presentes. Elas são suportadas aqui, com a certeza decorrente da fé que serão superadas na manifestação gloriosa do redentor – esta é a causa da esperança dos crentes e do incentivo para que vivam piedosamente porque mesmo seu sofrimento é motivo de gloria, sofrer por Cristo é uma dádiva do próprio Cristo, viver nele e com ele é a recompensa dos fiéis.
Nas cartas aos tessalonicenses Paulo fala da volta do Senhor como algo repentino, todavia, precedido de alguns sinais, o que demonstra que a volta do Senhor tem um tempo determinado com respeito ao fim dos tempos. Assim como houve a plenitude dos tempos para a manifestação do Messias, assim também a volta do Senhor tem um tempo especifico, determinado, marcado por uma sequencia de acontecimentos que se cumprirão, todavia, tais informações foram dadas não para que a Igreja faça cálculos que tem se mostrado equivocados, mas para que viva no presente século vigilante e sobriamente.
Paulo menciona três sinais que aconteceriam ‘primeiro’, isto é, que convém que aconteçam, por vontade de Deus, antes que o Senhor volte. O primeiro dado apresentado é a figura do iníquo, que se manifestará em ocasião própria mas que, segundo Paulo, ainda permanecia oculto. Este homem da iniquidade concentraria em sua figura o poder inimigo de Deus, não sendo simplesmente e preeminentemente um indivíduo ímpio, mas que nele a humanidade hostil a Deus é revelada de modo definitivo e escatológico.
Assim como Paulo faz o contraste entre Adão e Cristo como o primeiro e segundo homem, como representante de duas ordens diferentes de homens, também na figura do homem de iniquidade (claramente identificado como uma pessoa, apesar de menções a pseudoprofetas, pseudocristos, muitos anticristos) encontra-se claramente o correspondente escatológico final do homem Jesus Cristo.
O anticristo existe por que Cristo existe – ele existe para lutar contra Cristo e contra tudo o que Cristo significa no mundo. A apostasia decorrente é encontrada sempre em relação direta com a fé em Cristo. A operação do erro é uma oposição deliberada contra a verdade, que é Cristo.
Mas Paulo faz a ressalva que o homem da iniquidade ainda não havia aparecido, e nem mesmo é possível declarar se sua explanação se referia apenas ao último ou ao verdadeiro anticristo, mas, ao mesmo tempo, Paulo não foge à questão de que ele está ligado a todo o poder e disposição hostis a Cristo na história, pois o mistério da iniquidade já está operando em ligação direta com a revelação do homem de iniquidade.
É certo também que o anticristo sofre um processo de detenção, de refreamento. Quem o que o detém? As sugestões levantadas de que fosse uma forma de governo não se mostraram sustentáveis, bem como a de que fosse o evangelho ou o próprio Paulo com seu ministério missionário, todavia pode-se afirmar que o que refreia o anticristo é simplesmente o plano de Deus que a ele se aplica, que o impede de irromper com sua iniquidade satânica antes do tempo que o próprio Deus determinou.
Paulo não faz alusão a fenômenos, pessoas ou acontecimentos históricos específicos, mas a fatores sobrenaturais que determinam o refreamento das últimas coisas. No tempo do iníquo (seu aparecimento será favorecido pelo ambiente apóstata e sua presença fermentará a apostasia) também se revelará grande apostasia, pois muitos se deixarão enganar e seduzir por ele. Esta apostasia é algo ainda não manifesto nos dias de Paulo, que apropriadamente pode ser chamada de mistério.
As cartas de Paulo geralmente não são exposições sistemáticas sobre algum tema, mas um esclarecimento quanto ao grande acontecimento do fim a partir de um ponto de vista específico com referências ao que foi dito em outras epístolas ou ao que a Igreja já sabe ou deveria saber. Paulo fala da vinda do Senhor como a manifestação esperada de Cristo, como a revelação definitiva e final de sua gloria, manifestando-se solene e gloriosamente, após um período anterior de caráter oculto quando, finalmente, chegou o dia do Senhor, tomando vingança contra os que não conhecem a Deus nem obedeceram ao evangelho do Senhor, sendo, pois separados dos crentes e banidos da face do Senhor e da glória do seu poder.
Quanto aos crentes, todos eles estarão presentes neste momento glorioso, no instante da manifestação de Cristo pela qual esperaram tão intensamente. Tanto vivos e mortos experimentarão este momento de glória – com a ressurreição dos que estiverem mortos e o encontro dos vivos com o Senhor nos céus.
O significado redentor da vinda de Cristo para a Igreja encontra-se no fato de que, imediatamente com a manifestação de Cristo os crentes que adormeceram irão ressuscitar de imediato aqueles que estiverem vivos serão transformados. A ressurreição é colocada em vários contextos mas sempre mencionada como um ponto central da fé cristã, explicada pela realidade da ressurreição de Cristo que é o centro da proclamação paulina.
Na medida em que os crentes se veem como coparticipantes da ressurreição de Cristo, já operante neles, com mais fervor desejarão ver sua plena concretização na ressurreição dos mortos. Neste sentido Cristo é considerado as primícias dos que dormem, não no simples sentido de quem vem em primeiro lugar, mas no de representar o todo da colheita que ainda é esperada, e, ao mesmo tempo, aprova de que a colheita é chegada, isto é, é afirmado que o principio que Cristo criou é perfeitamente decisivo e ele abriu o caminho para os que vem após ele, isto é, nele.
Sua ressurreição e a de seu povo formam uma unidade indissolúvel. Os mortos em Cristo ressuscitarão e em Cristo, e é em virtude de sua unidade corporativa com Cristo que aqueles que morrem com ele serão ressuscitados por ele. Neste pertencer a Cristo (que não sofre solução de continuidade com a morte) encontra-se a identidade e a continuidade que não é (nem temporariamente) suspensa pela morte.
Os que morreram em Cristo serão ressuscitados incorruptíveis (isto é, num novo corpo) e os que não morrerem serão transformados (receberão uma nova natureza), revestindo-se de incorruptibilidade e o mortal será revestido de imortalidade. Paulo refere-se à vida futura como ser levantado, como a glorificação do corpo – neste caso, ele não está se referindo à carne (de natureza temporal) ou carnal (de natureza pecaminosa). Corpo tipifica o homem como ele foi criado por Deus, para a glória de Deus e para seu serviço – como é ressurreto dentre os mortos e salvo por Deus, porque o corpo presente (carne e sangue) não pode herdar o reino de Deus. No entanto, o que é ressurreto e transformado ainda é chamado de corpo.
O termo corpo não deve ser visto apenas como a ‘parte’ material do homem, em contraste com a ‘alma’ ou ‘espírito’ como na visão dicotômica grega. Deve ser visto, sim, como o modo de existência humana como um t odo, tanto antes quanto depois da ressurreição. O termo alma apenas qualifica o homem em sua existência temporal e perecível (ser alma vivente). O objeto da ressurreição é o próprio homem na totalidade de suas funções.
A vinda de Cristo, acompanhada da ressurreição dos mortos e separação de justos de injustos, isto é, a execução do julgamento ao mesmo tempo, forma a transição para a consumação de todas as coisas e para o estado eterno. Se para os crentes a volta do Senhor é motivo de alegria e glória, os descrentes enfrentarão um julgamento, seu destino já está definido desde que ele não creu em Cristo.
O julgamento não pode ser atribuído a consequências naturais do pecado neste mundo porque ocorre na volta de Cristo, que castigará aos incrédulos e desobedientes. Assim estará, finalmente, completa a obra de Cristo e, por intermédio dele, todas as coisas retornam para Deus, passando a ser o que sempre esteve em seu propósito eterno.
Não é encontrada nas palavras de Paulo referências a um reino intermediário – após a vinda de Cristo, ressurreição dos mortos e transformação dos vivos, diz Paulo, virá o fim, sem menção a nenhum lapso temporal. Não se pode chamar de exegese inserir uma interpretação equivocada de Ap 20 em I Co 15 para defender a ideia de um tempo intermediário e, a conclusão lógica de que a volta de Cristo seria incompleta, e somente depois ele viria definitivamente. O crente pode confiar plenamente no futuro porque o Senhor Jesus Cristo vira novamente, vindicará os seus e levantará dos mortos aqueles que esperaram confiantemente em sua volta.

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