A revelação da justiça de Deus, a nova vida dos crentes, o
dom do Espírito, a Igreja como o novo povo de Deus e corpo de Cristo devem ser
entendidos à luz do tema central do cumprimento das profecias a respeito do
redentor.
Do judaísmo para o cristianismo há uma mudança intrínseca –
para o judaísmo o ponto central do tempo, a plenitude dos tempos está situada
num futuro glorioso, em que um novo mundo seria inaugurado com a vinda do Messias. O cristianismo não perde de vista o mundo novo e restaurado, mas
coloca um fato já ocorrido como pontual e fundamental – o momento decisivo da
manifestação de Cristo sobre a terra, sua morte e ressurreição que dão origem
ao tempo favorável do Senhor.
Todavia esta redenção cumprida em Cristo e o grande dia da
salvação inaugurado com sua morte e exaltação ainda possui um caráter apenas
inicial e provisório. Não significam o fim da expectativa redentiva nem torna a
esperança cristã supérflua porque tanto os cristãos aguardam a glória que há de
ser revelada como a criação aguarda ser redimida com esta revelação.
O “já” e o “ainda não” são colocados em conjunto pois a revelação
da justiça de Deus garante a esperança da gloria de Deus mas não significa que
ela já tenha sido obtida no tempo presente, como atesta o fato de que a
indicação redentora de haver morrido e ressuscitado com Cristo ainda exige a
necessidade de lutar contra o pecado.
Mesmo a presença do Espírito Santo, evidência da libertação
em Cristo da escravidão da lei e do pecado ainda é apenas o penhor e as
primícias (símbolo da própria redenção) da redenção perfeita. Em Cristo o dia
da salvação surgiu mas isto não significa o fim da expectativa redentora,
embora a torne mais intensa e indubitável. Esta expectativa escatológica é um
tema central e poderoso da pregação paulina sobre aguardar dos céus a Jesus que
livra da ira vindoura e a manifestação da gloria do grande Deus e salvador
Jesus Cristo.
Paulo chama a Igreja à santidade e irrepreensibilidade
porque esta Igreja espera encontrar-se sem macula na presença do Senhor em sua
vinda – é por causa deste dia que os crentes devem lançar fora todas as obras
das trevas e revestir-se das armas da luz porque a salvação está mais próxima
do que se acreditava no principio.
Esta expectativa, além de motivo de santificação, é também
fonte e base de consolo na presente aflição, termo que define a última fase do
mundo presente antes da vinda de Cristo, de modo que a revelação do Senhor
Jesus nos céus também significa descanso para aqueles que agora vivem em tribulação – e por causa desta esperança a Igreja
pode gloriar-se nessa tribulação até que Cristo se manifeste em gloria – e esta
é a gloria da própria Igreja.
Estudiosos levantam a questão sobre a temporalidade da
expectativa de Paulo, se ele acreditava que a volta do Senhor se daria ainda em
seus dias, transparecendo a ideia de que ele não esperava que a volta de Cristo
se desse num futuro distante, por isso a Igreja não deve apegar-se à vida
presente e ser santa tendo em vista a proximidade do dia do Senhor. A brevidade
do tempo e a proximidade da salvação é uma questão de grande relevância.
Alguns supõem que Paulo imaginava que ele próprio ainda
estaria vivo para ver a volta de Cristo despertando esta expectativa na Igreja,
mas isso não se sustenta pelo fato de que a possibilidade de morte e até esta
expectativa é apresentada de maneira explícita. Todavia, deve-se entender que é
possível que Paulo considerasse a possibilidade de ver a volta de Cristo, mas
esta não era um sustentáculo de sua fé – ele sabia que Cristo se manifestaria
gloriosamente, e que deveria viver aguardando esta manifestação, mas não
deveria considerar que isso deveria inevitavelmente acontecer.
Paulo usa o tempo verbal perfeito e o futuro na escatologia,
o que demonstra que ele não deriva a proximidade da vinda de Cristo de qualquer
conhecimento especial ou percepção sobre o tempo dentro do qual esta vinda deve
ser esperada mas do significado do tempo escatológico da redenção no qual já se
entrou com o primeiro advento de Cristo, e Paulo relaciona estes dois eventos
de maneira imediata pois para ele o dia já surgiu, mas isto em nada desvaloriza
a vida presente, pelo contrário, tendo em vista que os dias são maus a Igreja
deve aproveitar ao máximo as oportunidades que lhe são dadas.
A consciência de que a vinda do Senhor está próxima não tem
um significado negativo, mas positivo para a vida no tempo presente, não torna
a responsabilidade para essa vida relativa, mas sim a eleva. O “perto está” não
envolve uma questão de importância da duração do período intermediário, mas o
caráter inseparável do tempo futuro e do tempo perfeito.
O que acontece com os cristãos que morreram antes da volta
de Cristo, isto é, qual o estado dos cristãos neste lapso de tempo entre a sua
morte e o advento do redentor? Certamente o termo ‘dormir’ não se refere a uma
espécie de sono no qual cessa toda a atividade e consciência, retomados na
ressurreição. Não é possível encontrar em Paulo nada que autorize a falar de um
estado intermediário, pois “estar com Cristo” denotaria um estado imediatamente
após a morte, glorificado e coparticipante da gloria de Cristo após ser “ser
despido” deste corpo de humilhação para receber nova morada, um corpo
glorificado que compartilha da gloria de Deus.
Assim, não há dúvida que, para Paulo, após a morte os
crentes estarão imediatamente com o Senhor, a questão que permanece é qual o
significado desta realidade e qual o lugar que ocupa na salvação como um todo
proclamada por Paulo?
Esta realidade não recebe explicação detalhada por parte de
Paulo, nem essa expectativa tem uma existência independente mas é absorvida
pela esperança da ressurreição e sem ela não existiria – para Paulo, sem a
ressurreição não há qualquer esperança para os crentes que falecerem, com a
ressalva de que os crentes que morreram em Cristo podem contar com a
continuidade do compromisso com Cristo por terem sido incluídos nele e serem
coparticipantes dele.
Este compromisso não deixa de existir após a morte. O que
pode ser dito é que estar em Cristo depois da morte trata-se de uma existência
oculta em Cristo no céu, que um dia será revelada com ele – não estará no corpo
terrestre e, portanto, livre de toda imperfeição, pecado e aflição. A morte é,
então, lucro mas ainda não é estar no corpo glorificado.
Não se deve imaginar o ‘estar em Cristo’ definido por Paulo
como uma mera compensação ou cancelamento das fraquezas, ignorâncias e misérias
da terra ou alguma espécie Deus e solução às injustiças do mundo atual – ainda
que estas coisas, de fato, não estejam presentes. Elas são suportadas aqui, com
a certeza decorrente da fé que serão superadas na manifestação gloriosa do
redentor – esta é a causa da esperança dos crentes e do incentivo para que
vivam piedosamente porque mesmo seu sofrimento é motivo de gloria, sofrer por
Cristo é uma dádiva do próprio Cristo, viver nele e com ele é a recompensa dos
fiéis.
Nas cartas aos tessalonicenses Paulo fala da volta do Senhor
como algo repentino, todavia, precedido de alguns sinais, o que demonstra que a
volta do Senhor tem um tempo determinado com respeito ao fim dos tempos. Assim
como houve a plenitude dos tempos para a manifestação do Messias, assim também
a volta do Senhor tem um tempo especifico, determinado, marcado por uma
sequencia de acontecimentos que se cumprirão, todavia, tais informações foram
dadas não para que a Igreja faça cálculos que tem se mostrado equivocados, mas
para que viva no presente século vigilante e sobriamente.
Paulo menciona três sinais que aconteceriam ‘primeiro’, isto
é, que convém que aconteçam, por vontade de Deus, antes que o Senhor volte. O
primeiro dado apresentado é a figura do iníquo, que se manifestará em ocasião
própria mas que, segundo Paulo, ainda permanecia oculto. Este homem da
iniquidade concentraria em sua figura o poder inimigo de Deus, não sendo
simplesmente e preeminentemente um indivíduo ímpio, mas que nele a humanidade
hostil a Deus é revelada de modo definitivo e escatológico.
Assim como Paulo faz o contraste entre Adão e Cristo como o
primeiro e segundo homem, como representante de duas ordens diferentes de
homens, também na figura do homem de iniquidade (claramente identificado como
uma pessoa, apesar de menções a pseudoprofetas, pseudocristos, muitos
anticristos) encontra-se claramente o correspondente escatológico final do
homem Jesus Cristo.
O anticristo existe por que Cristo existe – ele existe para
lutar contra Cristo e contra tudo o que Cristo significa no mundo. A apostasia
decorrente é encontrada sempre em relação direta com a fé em Cristo. A operação
do erro é uma oposição deliberada contra a verdade, que é Cristo.
Mas Paulo faz a ressalva que o homem da iniquidade ainda
não havia aparecido, e nem mesmo é possível declarar se sua explanação se
referia apenas ao último ou ao verdadeiro anticristo, mas, ao mesmo tempo, Paulo
não foge à questão de que ele está ligado a todo o poder e disposição hostis a Cristo
na história, pois o mistério da iniquidade já está operando em ligação direta
com a revelação do homem de iniquidade.
É certo também que o anticristo sofre um processo de detenção,
de refreamento. Quem o que o detém? As sugestões levantadas de que fosse uma
forma de governo não se mostraram sustentáveis, bem como a de que fosse o
evangelho ou o próprio Paulo com seu ministério missionário, todavia pode-se
afirmar que o que refreia o anticristo é simplesmente o plano de Deus que a ele
se aplica, que o impede de irromper com sua iniquidade satânica antes do tempo
que o próprio Deus determinou.
Paulo não faz alusão a fenômenos, pessoas ou acontecimentos históricos
específicos, mas a fatores sobrenaturais que determinam o refreamento das
últimas coisas. No tempo do iníquo (seu aparecimento será favorecido pelo
ambiente apóstata e sua presença fermentará a apostasia) também se revelará
grande apostasia, pois muitos se deixarão enganar e seduzir por ele. Esta apostasia
é algo ainda não manifesto nos dias de Paulo, que apropriadamente pode ser
chamada de mistério.
As cartas de Paulo geralmente não são exposições sistemáticas
sobre algum tema, mas um esclarecimento quanto ao grande acontecimento do fim
a partir de um ponto de vista específico com referências ao que foi dito em
outras epístolas ou ao que a Igreja já sabe ou deveria saber. Paulo fala da
vinda do Senhor como a manifestação esperada de Cristo, como a revelação definitiva
e final de sua gloria, manifestando-se solene e gloriosamente, após um período anterior
de caráter oculto quando, finalmente, chegou o dia do Senhor, tomando vingança contra
os que não conhecem a Deus nem obedeceram ao evangelho do Senhor, sendo, pois separados
dos crentes e banidos da face do Senhor e da glória do seu poder.
Quanto aos crentes, todos eles estarão presentes neste
momento glorioso, no instante da manifestação de Cristo pela qual esperaram tão
intensamente. Tanto vivos e mortos experimentarão este momento de glória – com a
ressurreição dos que estiverem mortos e o encontro dos vivos com o Senhor nos céus.
O significado redentor da vinda de Cristo para a Igreja encontra-se
no fato de que, imediatamente com a manifestação de Cristo os crentes que
adormeceram irão ressuscitar de imediato aqueles que estiverem vivos serão transformados.
A ressurreição é colocada em vários contextos mas sempre mencionada como um ponto
central da fé cristã, explicada pela realidade da ressurreição de Cristo que é o
centro da proclamação paulina.
Na medida em que os crentes se veem como coparticipantes da ressurreição
de Cristo, já operante neles, com mais fervor desejarão ver sua plena concretização
na ressurreição dos mortos. Neste sentido Cristo é considerado as primícias dos
que dormem, não no simples sentido de quem vem em primeiro lugar, mas no de
representar o todo da colheita que ainda é esperada, e, ao mesmo tempo, aprova
de que a colheita é chegada, isto é, é afirmado que o principio que Cristo criou
é perfeitamente decisivo e ele abriu o caminho para os que vem após ele, isto é,
nele.
Sua ressurreição e a de seu povo formam uma unidade indissolúvel.
Os mortos em Cristo ressuscitarão e em Cristo, e é em virtude de sua unidade
corporativa com Cristo que aqueles que morrem com ele serão ressuscitados por
ele. Neste pertencer a Cristo (que não sofre solução de continuidade com a
morte) encontra-se a identidade e a continuidade que não é (nem temporariamente)
suspensa pela morte.
Os que morreram em Cristo serão ressuscitados incorruptíveis
(isto é, num novo corpo) e os que não morrerem serão transformados (receberão uma
nova natureza), revestindo-se de incorruptibilidade e o mortal será revestido
de imortalidade. Paulo refere-se à vida futura como ser levantado, como a glorificação
do corpo – neste caso, ele não está se referindo à carne (de natureza temporal)
ou carnal (de natureza pecaminosa). Corpo tipifica o homem como ele foi criado
por Deus, para a glória de Deus e para seu serviço – como é ressurreto dentre
os mortos e salvo por Deus, porque o corpo presente (carne e sangue) não pode
herdar o reino de Deus. No entanto, o que é ressurreto e transformado ainda é chamado
de corpo.
O termo corpo não deve ser visto apenas como a ‘parte’ material
do homem, em contraste com a ‘alma’ ou ‘espírito’ como na visão dicotômica grega.
Deve ser visto, sim, como o modo de existência humana como um t odo, tanto
antes quanto depois da ressurreição. O termo alma apenas qualifica o homem em
sua existência temporal e perecível (ser alma vivente). O objeto da ressurreição
é o próprio homem na totalidade de suas funções.
A vinda de Cristo, acompanhada da ressurreição dos mortos e separação
de justos de injustos, isto é, a execução do julgamento ao mesmo tempo, forma a
transição para a consumação de todas as coisas e para o estado eterno. Se para
os crentes a volta do Senhor é motivo de alegria e glória, os descrentes enfrentarão
um julgamento, seu destino já está definido desde que ele não creu em Cristo.
O julgamento não pode ser atribuído a consequências naturais
do pecado neste mundo porque ocorre na volta de Cristo, que castigará aos incrédulos
e desobedientes. Assim estará, finalmente, completa a obra de Cristo e, por intermédio
dele, todas as coisas retornam para Deus, passando a ser o que sempre esteve em
seu propósito eterno.
Não é encontrada nas palavras de Paulo referências
a um reino intermediário – após a vinda de Cristo, ressurreição dos mortos e transformação
dos vivos, diz Paulo, virá o fim, sem menção a nenhum lapso temporal. Não se
pode chamar de exegese inserir uma interpretação equivocada de Ap 20 em I Co 15
para defender a ideia de um tempo intermediário e, a conclusão lógica de que a volta
de Cristo seria incompleta, e somente depois ele viria definitivamente. O crente
pode confiar plenamente no futuro porque o Senhor Jesus Cristo vira novamente,
vindicará os seus e levantará dos mortos aqueles que esperaram confiantemente
em sua volta.
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