A
história do apóstolo Paulo é recheada de lacunas, pois pouco sabemos sobre sua
infância e juventude até o seu repentino aparecimento em Jerusalém como um
importante adversário da nascente fé cristã. Depois disso, mesmo com várias
pequenas passagens autobiográficas em seus escritos e a descrição lucana, ainda
resta muito de desconhecido em sua vida, que muitos tem tentado preencher com
conjecturas. Neste trabalho mencionaremos, obviamente, as hipóteses
conjecturais levantadas para suprirem estas lacunas, mas evidentemente
informaremos a diferença entre o que é provado e o que é, simplesmente, uma
possibilidade.
SUA ORIGEM
Paulo
era judeu, descendente da tribo de Benjamin (um dos dois filhos de Jacó com
Raquel, a esposa a quem amara e por quem trabalhara 07 anos esperando tê-la
como esposa e mais 07 após recebê-la junto com sua irmã, Lia) que, ao lado de
José, desfrutava de especial predileção de seu pai, embora em menor grau. Desta
maneira, Paulo fala de si mesmo, em duas ocasiões, como hebreu dentre os
hebreus (Fp 3.5 e Rm 11.1). Seu nome era, provavelmente,
uma lembrança do nome do primeiro rei de Israel, Saul, que pertencia à mesma
tribo.
Nascido
em ano ignorado na cidade de Tarsis cidade autônoma do império romano com
grande influência dos filósofos estóicos, Paulo era um judeu da dispersão, o
que certamente contribuiu para o seu conhecimento sobre a filosofia
greco-romana. Paulo afirma ser cidadão romano por direito de nascimento (At 22.28), o que lhe conferia alguns
direitos especiais, como o de não ser acoitado, crucificado e, ainda, poder
apelar para César quando sentisse que estivesse sendo objeto de julgamento
injusto em uma província.
É
bastante provável que ao completar 13 anos, idade da maioridade religiosa,
tenha sido enviado a Jerusalém para estudar com o maior mestre religioso de seu
tempo, Gamaliel (At 22.13), sendo
instruído segundo os costumes dos fariseus – por algum motivo chegou a
sobressair-se sobre os demais em sua religiosidade. Também existe a
possibilidade de que Paulo e sua família tenham se mudado para Jerusalém ainda
durante a sua infância. Qualquer afirmação sobre isso é inconclusiva – o que é
certo é que ele foi aluno de Gamaliel em Jerusalém.
É
discutível se Paulo houvesse conhecido pessoalmente a Jesus. O ponto
fundamental é que Paulo nada fala sobre um conhecimento prévio de Jesus até o
encontro com o Senhor no caminho de damasco. Embora John Stott defenda esta
possibilidade ao tratar da fala do Senhor a Paulo, de que o mesmo estaria
recalcitrando contra os aguilhões (At
26.14) isto nada indica a este respeito. Como explicar, então, que Paulo
não conhecesse Jesus sendo ele um zeloso guardador da lei e provavelmente
estivesse em Jerusalém ao menos durante as festas judaicas? Teria ele voltado
para Tarsis após concluir seus estudos com Gamaliel? Teria o jovem fariseu
apenas ouvido falar de Jesus, sem, entretanto, conhecê-lo pessoalmente? São
perguntas que as Escrituras não fornecem respostas, e cabe-nos silenciar a este
respeito para não incorrermos em ímpia curiosidade. Qualquer conclusão a este
respeito seria altamente especulativo além da certeza de que ele certamente já
conhecesse algo sobre Jesus e seus ensinos.
PAULO, O PERSEGUIDOR DA IGREJA
Em
momento algum Paulo aparece nos movimentos do sinédrio naquela páscoa que
culminou com a morte do cordeiro de Deus para tirar os pecados do mundo. Sua
primeira aparição nas Escrituras é ainda usando o seu nome hebraico, Saulo no
momento do apedrejamento de Estevão (At
7.58) como o receptor das vestes do apedrejado. Provavelmente estivesse
presente quando ele fez o seu discurso (At
8.1).
A
partir da crucificação de Estevão, sem demonstrar qualquer sentimento que
aparentasse arrependimento, pelo
contrário, tomado por uma ira demasiada (At 26.11) à qual ele próprio, se tivesse que qualifica-la, chamaria
de zelo sem entendimento (Rm At 10.2), desconsiderando,
inclusive, orientação do seu antigo mentor, Gamaliel (At 5.38). Paulo é descrito por Lucas como “respirando ainda ameaças
de morte” (At 9.1), isto é, tendo
como razão principal de sua existência perseguir, encarcerar e destruir os
cristãos (At 8.3). Era o início da
primeira perseguição sistemática contra o cristianismo, embora fosse uma
perseguição localizada. Com a perseguição muitos foram dispersos, e vários
cristãos procuraram abrigo em Damasco, uma cidade comercial chave, achava-se a
240 km ao norte de Jerusalém na província romana de Síria. Várias rotas
comerciais uniam Damasco com outras cidades através do mundo romano. Paulo logo
se programou para ir para lá com autorização para agir em nome do sinédrio,
continuando a prender cristãos, sem considerações quanto a sexo ou o que fosse
(At 9.1-2).
Como
de damasco partiam rotas para vários lugares do mundo (pelo deserto rumo à
Assíria e Babilônia; pelo sul à Arábia, e pelo norte a Alepo), Paulo pode ter
percebido que o cristianismo deveria ser detido ali antes que se espalhasse –
aliás, esta seria parte da sua estratégia como missionário, atingir os centros
regionais de onde a mensagem atingiria os demais cantos do mundo.
Evidente
que os planos de Paulo eram chegar a Damasco com sua escolta, conseguir
rapidamente o apoio dos judeus mais influentes, identificar, prender e arrastar
os cristãos de volta para Jerusalém e ali julgá-los nos mesmos moldes com que
Estevão fora julgado, o que implicaria em condenação à morte por apedrejamento.
Seus escritos a respeito mostra que ele considerou este período como algo de
que deveria se envergonhar profundamente (I
Co 15.9; Fp 3.6), todavia, sem
carregar a culpa por saber que o fizera na ignorância e fora perdoado pelo
Senhor (I Tm 1.13).
DE PERSEGUIDOR A PROCLAMADOR
Os
planos de Deus para Paulo eram diferentes dos planos de Paulo para a Igreja de
Deus. E é assim que, ainda antes de cumprir os 240km que separavam Jerusalém de
Damasco Paulo, que ia à procura da Igreja, é encontrado pelo Senhor da Igreja.
No meio desta viagem Saulo experimentará o começo de uma nova vida, não de
maneira abrupta, mas certamente completa (I
Co 9:1; I Co 15:8; Gl 1:15-16). No centro desta experiência maravilhosa
estava Jesus, Paulo não teve uma visão extática, mas viu o brilho da presença
do Cristo ressuscitado (Gl 9:17) e
não lhe restaria alterativa senão reconhecer a Jesus como Senhor e
obedecer-lhe. Ante o brilho de tal luz sobrenatural só lhe restava cair por
terra, prostrar-se ante aquele que o chamava pelo próprio nome e o inquiria de
uma ação vil: porque o perseguia? O dono da luz se identifica com Estevão (a
quem Paulo vira o rosto resplandecente – At
7.56). Diante de Paulo estava, vivo, aquele a quem Estevão havia dito estar
vivo e Paulo consentiu na sua morte, acusando-o de blasfêmia. Agora Paulo
via-se como um perseguidor assassino, por matar alguém que havia anunciado a
verdade. Pelo desejo de obedecer a lei à maneira dos homens tornara-se um
transgressor, exatamente como todos os demais homens e isto mais tarde
impactaria poderosamente a sua teologia (Rm
8.3) pois aprendera que, intentando fazer o bem, acabara fazendo o mal.
De
perseguidor, munido de poderes e altamente voluntarioso, Paulo torna-se um
inválido, cego, guiado por outrem para um lugar onde não desejava ir,
hospedando-se na casa de Judas, ficando três dias sem enxergar e sem comer,
provavelmente praticando uma das principais “obras” dos fariseus, o jejum (os
fariseus jactavam-se de jejuarem duas vezes por semana). Sua conversão, porém,
não está completa. A ele é mostrado que receberia a visita de Ananias, cristão
judeu mas que não residia em Jerusalém, como mostra a sua afirmação de que
tinha ouvido de muitos (provavelmente dos muitos dispersos) sobre a atuação
persecutória de Paulo (At 9.12-13).
Aqui conhecemos o propósito de Deus em relação a Paulo – ele era o instrumento
que Deus usaria para divulgação do evangelho além das fronteiras do judaísmo (At 9.14).
Ao
receber a visita (e oração) de Ananias, Paulo torna a ver, é chamado de “irmão”
por aqueles a quem perseguira e recebe o Espírito Santo, logo sendo apresentado
à comunidade cristã que o recebe não sem a merecida desconfiança (At 9.20-21) com a qual teria que lidar
não apenas pelo fato de ter sido um perseguidor da Igreja como, também, pelo fato
de não ter sido um dos discípulos originais do Senhor (I Co 9.11). Aqui há um lapso de tempo no relato lucano que é
explicado pelo próprio Paulo ao escrever aos gálatas (Gl 1.17-18), indicando que foi para a região da Arábia onde
permaneceu por um período aproximado de três anos, retornando, então, para
Damasco e depois dirigiu-se a Jerusalém (onde também foi recebido com a devida
desconfiança – At 9.26), de onde foi
enviado para Cesaréia onde pregava e logo despertou a oposição dos judeus (At 9.29), tendo, então, que ir para sua
cidade natal, Tarso (At 9.30).
Aquele de quem partia ameaças de morte começou a ter sobre si uma constante em
todo o restante de sua vida – ameaças de morte, a ponto de mais de quarenta
judeus chegarem a conspirar entre si de não comerem enquanto não o matassem (At 23.12).
UM TRANSFORMAÇÃO NOTÁVEL
Logo
Paulo passa a ser considerado um traidor do judaísmo, como os mesmos cristãos a
quem perseguira (At 9.22-24) a ponto
de alguns guardarem as portas da cidade para impedirem-no de sair e assim
tirarem-lhe a vida. Outros chegaram a fazer votos de não comer nem beber
enquanto não o matassem. Paulo fora apresentado aos cristãos damascenos por
Ananias, e também aos cristãos de Jerusalém por Barnabé. Depois de Paulo ter
ido para Tarso, este vai procura-lo e dirigem-se a Antioquia onde ficam por um
ano pregando o evangelho com notáveis resultados. Após um período de fome na
Judéia e Paulo e Barnabé são encarregados de levar os donativos, voltando de lá
com a companhia de João Marcos que também os acompanharia na primeira viagem
missionaria que teve como base Antioquia da Síria – mas é em outra Antioquia,
na Psídia, que Paulo toma a decisão de romper definitivamente com as peias do
judaísmo, tornando-se, assim, o apóstolo aos gentios (At 13.46) – mas Paulo nunca se livraria dos que, embora
considerando-se crentes em Jesus Cristo, mantinham-se ligados à tradição, aos
costumes e rituais judaicos e lhe causariam sérios problemas, como vemos em
suas cartas aos Colossenses e Gálatas.
Como
parte do resultado desta viagem o cristianismo teve que se deparar com um
problema – ele seria um ramo do judaísmo, exigindo que os cristãos fossem
circuncidados e guardassem a lei, ou a doutrina da salvação pela graça em
Cristo Jesus tornaria obsoletos tais rituais – opinião que acabou prevalecendo
com a vigorosa participação de Barnabé e do próprio Paulo. De posse da decisão
tomada em Jerusalém Paulo retorna a Antioquia e continua seu trabalho entre os
gentios, informando-os da resolução do que ficou conhecido como o Concílio de
Jerusalém.
Logo
Paulo embarca em sua segunda viagem missionária, sem a companhia de Barnabé
(por causa de um desentendimento a respeito de João Marcos, que os havia abandonado
na primeira viagem). Paulo escolhe a Silas (Silvano) como companheiro de viagem
e logo a seguir tomam Timóteo como companheiro, a quem chamaria de verdadeiro
filho (I Tm 1.12). É provavelmente
durante esta viagem, na região da Galácia Paulo encontra a Lucas, que passa a
acompanha-lo em parte do seu ministério. Igrejas importantes são fundadas nesta
região, como a ade Filipos, Tessalônica, Corinto, Éfeso e, após passar por
várias cidades, chega a Cesaréia e, finalmente, dirige-se a Jerusalém onde acaba
sendo preso, enviado para Cesaréia e, finalmente, apela para César, ficando
cerca de dois anos em prisão domiciliar em Roma, onde podia pregar com
desenvoltura (At 28.30-31). À partir
daqui há muitas indagações sobre as quais temos o silêncio das Escrituras.
Depois disso Paulo teria sido solto? Teria sido preso um segunda vez? Quando?
Escritos datados do segundo século (I Epístola de Clemente v. 5-7, o Canon
Muratoriano e o apócrifo Atos de Pedro) atestam que Paulo teria sido liberto
por César e, mais tarde, sob o reinado de Nero, novamente preso e executado por
decapitação.
Com
o evangelho atingindo o coração do império, temos um silêncio de Lucas sobre a
vida de Paulo, mas não podemos parar por aqui sem observar a importância de
seus escritos para o desenvolvimento da fé cristã. Embora encarcerado mais de
uma vez a palavra não podia ser encarcerada e Paulo continuava o seu trabalho
até desaparecer entrando para a galeria dos heróis da fé, mesmo considerando-se
o principal dos pecadores (I Tm 1.15)
e o menor dos apóstolos (I Co 15.9)
sabendo, entretanto, que trabalhou mais que todos eles pela graça que lhe foi
concedida (I Co 15.10).
OS ESCRITOS PAULINOS
Suas
cartas mostram uma preocupação constante com a edificação da Igreja, e
demonstra consciência de duas coisas: a primeira é que o Senhor lhe havia
revelado o que ele chama de “seu evangelho” (Rm 2.16) que não foi recebido das
mãos de homens mas por revelação direta do Senhor Jesus Cristo (Gl 1.12) e a
segunda é que, em algumas situações, por não ter revelação direta do Senhor,
dava sua opinião pessoal que, cremos, era inspirada pelo Espírito Santo para
edificação da Igreja (I Co 7.12). Os escritos de Paulo ocupam lugar de
proeminência no Novo Testamento, sendo o autor do maior número de livros abordando
de maneira impressionantemente diversificada aquilo que pode ser a resposta
para a clássica pergunta: que fazer para herdar a vida eterna, oferecendo como
resposta básica: creia em Cristo, seja salvo pela graça de Deus em Cristo, não
tente salvar-se tendo como base a lei ou obras de mérito pessoal uma vez que o
justo vive pela fé que vem por meio de Cristo.
Paulo
usa um recurso corrente no seu tempo, as epístolas, para manter a disciplina,
incentivar os crentes diante de situações adversas e, por fim, afastar da
Igreja o risco de apostasia. Paulo tinha em mente que gentios e judeus leriam
suas cartas, mas escreve para os crentes, para os santificados e chamados para
serem santos, sem distinção se seriam judeus, gregos ou gentios. Todos,
indistintamente, estavam encerrados numa única categoria de homens, o que é
muito caro ao apóstolo: todos eram, igualmente, pecadores e destituídos da
gloria de Deus. Todos eram igualmente incapazes de alcançarem a salvação por
esforços e méritos, devendo, pois, receber a Cristo como Senhor e salvador para
tal fim.
Suas
epistolas, correspondências pessoais e com o fim de serem conhecidas da Igreja
– ou das Igrejas se pensarmos em comunidades em locais diferentes, apresenta
características próprias. Romanos tem poucos elementos pessoais, embora eles
estejam presentes; Gálatas, Efésios, Filipenses e Tessalonicenses possuem uma
quantidade maior de tais características. As cartas pessoais apresentam estes
elementos em grande numero, embora haja grande preocupação eclesiológica, e Filemom
é a mais pessoal de todas as cartas paulinas. Houve pouca discussão quanto à
autenticidade e canonicidade da maioria dos escritos paulinos, e mesmo o herege
Marcion aceitou a maioria dos seus escritos.
As
principais doutrinas que emergem com clareza e força de seu ensino são a
redenção mediante a justificação, isto é, o ato jurídico de declarar um pecador
sem débito e a regeneração, o ser feito uma nova criatura, colocado em uma nova
relação com Deus que envolve dependência e gratidão, liberdade para servir a
Deus sem o peso da lei e, ao mesmo tempo, liberdade da escravidão a satanás e
as vontades da carne. A base para tudo isto, no pensamento de Paulo, é a cruz.
É pelo fato de Cristo ter sido posto nela que o crente encontra a redenção, e,
embora pareça loucura, é a mensagem de Cristo, crucificado, que deve ser
pregada porque é por esta mensagem que o pecador pode ser salvo. Por ser
tornado nova criatura o redimido está livre das antigas prisões da carne (II Co 5.16-17) e, embora ainda não em
plenitude, já está experimentando o reino escatológico de Cristo porque o ser
cristão é, acima de tudo, estar em Cristo e ser encontrado em Cristo (Rm 8.1-2) expressão que Paulo usa 87
vezes das 90 ocorrências no Novo Testamento.
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