Ficou evidente que certas facetas da proclamação da salvação
por parte de Paulo foram centralizadas e absolutizadas à custa de outras. A
investigação mais recente, também imperfeita, busca o tema básico não num
determinado aspecto soteriológico mas no ponto de partida escatológico ou
histórico redentor da proclamação de Paulo: a explicação do tempo escatológico
da salvação iniciada com o advento, morte e ressurreição de Cristo. Paulo traça
um contraste entre as coisas velhas (o passado que se torna obsoleto) e as
coisas novas. Mistério, diferente do conceito grego e gnóstico, na verdade deve
ser entendido como as coisas relacionadas ao plano oculto de Deus quanto a sua
obra redentora na história – aquilo que ainda não apareceu ou não tinha
aparecido, por isso Cristo é o mistério revelado.
A revelação deste mistério é o verdadeiro conteúdo do
evangelho de Paulo: a manifestação do salvador Cristo Jesus que é a prova do
grande momento decisivo da transformação dos tempos, da sua plenitude. A
cristologia de Paulo refere-se aos fatos redentores. O fundamento de sua
pregação é a realidade histórica desse acontecimento. Mesmo os eventos futuros
não podem ser desligados do cumprimento das promessas de Deus que, em Cristo,
cumpriu e ainda ira cumprir de maneira conclusiva sua obra redentora global que
inclui o homem e o mundo. Esse caráter abrangente da escatologia e da
cristologia forma a grande pressuposição de toda a pregação de Paulo.
O mistério revelado com o advento de Cristo deve ser
conhecido e compreendido por meio Deus as Escrituras proféticas, pois o
evangelho pregado por Paulo está de acordo com as Escrituras: esse cumprimento
foi predito pelos profetas e significa a execução do plano divino da salvação
que ele tomou sobre si. É este o caráter histórico-redentor fundamental e
abrangente da pregação de Paulo que se vale de termos e idéias tradicionais mas
apresenta uma escatologia distinta das expectativas judaicas, sendo determinado
pelo conhecimento do verdadeiro agir de Deus em Cristo. Paulo não faz menção de
apresentar à Igreja um cronograma escatológico nem explica a tensão entre o
“mesmo agora” e o “já agora” por não ser um teólogo que pensava em termos de
eras, mas um pregador de Jesus Cristo que já veio e ainda está por vir.
Este “novo” surge na plenitude do tempo, com o envio do
filho de Deus – e a tradição apostólica aponta para a morte, o sepultamento e a
ressurreição de Jesus sempre de acordo com as Escrituras. A morte de Cristo é,
para Paulo, determinada por suas ligação com o poder e a culpa do pecado, ele
sempre relaciona a morte de Cristo a cruz e por isso chama seu evangelho de
‘palavra da cruz’ – o significado da morte de Cristo não é nunca desligado
deste evangelho da ressurreição fruto da revelação divina.
O enviado é o primogênito, o que tem lugar e dignidade
especiais mas o que vai adiante, abrindo caminho, unindo o futuro dele com os
que estão nele. Cristo é o primogênito da mesma maneira que é o novo ou o último
Adão, o inaugurador da nova humanidade, em cuja ressurreição esta nova vida de
recriação já veio à luz e tornou-se realidade nessa dispensação, de modo que
aquilo que ocorreu em Cristo e foi realizado por ele também se aplica àqueles a
quem ele beneficia pois a obra de Cristo foi realizada por aqueles que estão
nele num sentido exato e real Deus e união com a divindade (sem o sentido de
influências, absorção ou unificação) em uma realidade permanente que determina
a vida cristã como um todo, da qual pode-se lançar mão em qualquer
circunstância.
Paulo dá pouca explicação sobre o significado da vida de
Cristo na terra antes de sua morte e ressurreição, repetindo apenas elementos
de uma tradição que a Igreja já conhecia. Suas cartas não são rememorações dos
feitos e ditos de Jesus, embora haja muitas alusões a palavras dele. Sua
abordagem é voltada para o significado redentor do evento histórico: morte e
ressurreição de Jesus, aquele que foi revelado na carne (indicando o ser humano
em sua fraqueza e transitoriedade) e na carne experimentou a morte e em sua
carne aboliu a inimizade contra Deus, reconciliado a Igreja com o Senhor e
condenando o pecado. Carne (e espírito) representa um modo de existência.
Cristo concede à Igreja a natureza espiritual e por isto ela não está mais na
carne, sujeita ao regime da carne mas no espírito e na liberdade do Espírito em
Cristo.
Este mesmo Cristo vindo em carne é, também, Cristo o Senhor,
o filho de Deus. Sua preexistência é declarada enfaticamente e serve de base
para a sua cristologia tornando impossível conceber que os atributos divinos e
poder que ele possui sejam consequência apenas de sua exaltação. A filiação
eterna de Cristo é considerada como tendo sua posição na revelação da história
redentora – Cristo, cuja gloria é vista no evangelho, é a imagem de Deus, a luz
de Deus, preexistente em sua gloria divina. Paulo faz questão de designar a
glória divina tanto em sua preexistência quanto em sua exaltação. Cristo é,
desde a fundação do mundo e por toda a eternidade, Deus por nós – ele é Deus e
o Filho de Deus por nós, o conteúdo e a fundação de toda cristologia paulina.
A exaltação de Cristo no céu e a comunhão mantida de lá
entre o kurioj exaltado
e sua Igreja por intermédio do Espírito Santo ocupa um lugar muito importante
na pregação de Paulo – é o Espírito Santo que vem para o primeiro plano e por
meio dele a Igreja recebe parte da gloria de seu Senhor exaltado porque ele
representa a presença de Cristo na Igreja sem abrir mão, entretanto, de que
Cristo é o kurioj presente
no culto, pois o Espírito representa uma espécie de dispensação provisória,
como penhor de algo que pertence e deverá ser resgatado. O Espírito pode ser
identificado com Cristo, pois é no advento e na obra de Cristo que a obra do
Espírito se manifesta como aquele que realiza e impulsiona rumo à consumação e,
por isso, podemos chamar o Senhor de Espírito. Mas é preciso lembrar que toda a
proclamação de Paulo sobre Cristo não será completada antes que Cristo seja
manifesto em glória com todos os seus, o último mistério seja finalmente
revelado e a criação seja redimida do cativeiro da corrupção par a gloria dos
filhos de Deus.
Nenhum comentário:
Postar um comentário