sexta-feira, 18 de setembro de 2015

AS ESTRUTURAS FUNDAMENTAIS DA TEOLOGIA PAULINA

Ficou evidente que certas facetas da proclamação da salvação por parte de Paulo foram centralizadas e absolutizadas à custa de outras. A investigação mais recente, também imperfeita, busca o tema básico não num determinado aspecto soteriológico mas no ponto de partida escatológico ou histórico redentor da proclamação de Paulo: a explicação do tempo escatológico da salvação iniciada com o advento, morte e ressurreição de Cristo. Paulo traça um contraste entre as coisas velhas (o passado que se torna obsoleto) e as coisas novas. Mistério, diferente do conceito grego e gnóstico, na verdade deve ser entendido como as coisas relacionadas ao plano oculto de Deus quanto a sua obra redentora na história – aquilo que ainda não apareceu ou não tinha aparecido, por isso Cristo é o mistério revelado.
A revelação deste mistério é o verdadeiro conteúdo do evangelho de Paulo: a manifestação do salvador Cristo Jesus que é a prova do grande momento decisivo da transformação dos tempos, da sua plenitude. A cristologia de Paulo refere-se aos fatos redentores. O fundamento de sua pregação é a realidade histórica desse acontecimento. Mesmo os eventos futuros não podem ser desligados do cumprimento das promessas de Deus que, em Cristo, cumpriu e ainda ira cumprir de maneira conclusiva sua obra redentora global que inclui o homem e o mundo. Esse caráter abrangente da escatologia e da cristologia forma a grande pressuposição de toda a pregação de Paulo.
O mistério revelado com o advento de Cristo deve ser conhecido e compreendido por meio Deus as Escrituras proféticas, pois o evangelho pregado por Paulo está de acordo com as Escrituras: esse cumprimento foi predito pelos profetas e significa a execução do plano divino da salvação que ele tomou sobre si. É este o caráter histórico-redentor fundamental e abrangente da pregação de Paulo que se vale de termos e idéias tradicionais mas apresenta uma escatologia distinta das expectativas judaicas, sendo determinado pelo conhecimento do verdadeiro agir de Deus em Cristo. Paulo não faz menção de apresentar à Igreja um cronograma escatológico nem explica a tensão entre o “mesmo agora” e o “já agora” por não ser um teólogo que pensava em termos de eras, mas um pregador de Jesus Cristo que já veio e ainda está por vir.
Este “novo” surge na plenitude do tempo, com o envio do filho de Deus – e a tradição apostólica aponta para a morte, o sepultamento e a ressurreição de Jesus sempre de acordo com as Escrituras. A morte de Cristo é, para Paulo, determinada por suas ligação com o poder e a culpa do pecado, ele sempre relaciona a morte de Cristo a cruz e por isso chama seu evangelho de ‘palavra da cruz’ – o significado da morte de Cristo não é nunca desligado deste evangelho da ressurreição fruto da revelação divina.
O enviado é o primogênito, o que tem lugar e dignidade especiais mas o que vai adiante, abrindo caminho, unindo o futuro dele com os que estão nele. Cristo é o primogênito da mesma maneira que é o novo ou o último Adão, o inaugurador da nova humanidade, em cuja ressurreição esta nova vida de recriação já veio à luz e tornou-se realidade nessa dispensação, de modo que aquilo que ocorreu em Cristo e foi realizado por ele também se aplica àqueles a quem ele beneficia pois a obra de Cristo foi realizada por aqueles que estão nele num sentido exato e real Deus e união com a divindade (sem o sentido de influências, absorção ou unificação) em uma realidade permanente que determina a vida cristã como um todo, da qual pode-se lançar mão em qualquer circunstância.
Paulo dá pouca explicação sobre o significado da vida de Cristo na terra antes de sua morte e ressurreição, repetindo apenas elementos de uma tradição que a Igreja já conhecia. Suas cartas não são rememorações dos feitos e ditos de Jesus, embora haja muitas alusões a palavras dele. Sua abordagem é voltada para o significado redentor do evento histórico: morte e ressurreição de Jesus, aquele que foi revelado na carne (indicando o ser humano em sua fraqueza e transitoriedade) e na carne experimentou a morte e em sua carne aboliu a inimizade contra Deus, reconciliado a Igreja com o Senhor e condenando o pecado. Carne (e espírito) representa um modo de existência. Cristo concede à Igreja a natureza espiritual e por isto ela não está mais na carne, sujeita ao regime da carne mas no espírito e na liberdade do Espírito em Cristo.
Este mesmo Cristo vindo em carne é, também, Cristo o Senhor, o filho de Deus. Sua preexistência é declarada enfaticamente e serve de base para a sua cristologia tornando impossível conceber que os atributos divinos e poder que ele possui sejam consequência apenas de sua exaltação. A filiação eterna de Cristo é considerada como tendo sua posição na revelação da história redentora – Cristo, cuja gloria é vista no evangelho, é a imagem de Deus, a luz de Deus, preexistente em sua gloria divina. Paulo faz questão de designar a glória divina tanto em sua preexistência quanto em sua exaltação. Cristo é, desde a fundação do mundo e por toda a eternidade, Deus por nós – ele é Deus e o Filho de Deus por nós, o conteúdo e a fundação de toda cristologia paulina.
A exaltação de Cristo no céu e a comunhão mantida de lá entre o kurioj exaltado e sua Igreja por intermédio do Espírito Santo ocupa um lugar muito importante na pregação de Paulo – é o Espírito Santo que vem para o primeiro plano e por meio dele a Igreja recebe parte da gloria de seu Senhor exaltado porque ele representa a presença de Cristo na Igreja sem abrir mão, entretanto, de que Cristo é o kurioj presente no culto, pois o Espírito representa uma espécie de dispensação provisória, como penhor de algo que pertence e deverá ser resgatado. O Espírito pode ser identificado com Cristo, pois é no advento e na obra de Cristo que a obra do Espírito se manifesta como aquele que realiza e impulsiona rumo à consumação e, por isso, podemos chamar o Senhor de Espírito. Mas é preciso lembrar que toda a proclamação de Paulo sobre Cristo não será completada antes que Cristo seja manifesto em glória com todos os seus, o último mistério seja finalmente revelado e a criação seja redimida do cativeiro da corrupção par a gloria dos filhos de Deus.

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