quarta-feira, 29 de junho de 2011

ALGUÉM ROUBOU O CRISTIANISMO

A cada nova onda, cada novo momento de observação sobre o que tem acontecido no que se chama, atualmente, de cristianismo, faço-me uma pergunta: onde está mesmo "o" cristianismo? As pessoas parecem muito satisfeitas com um cristianismo cheio de opções que lhes tem sido oferecidos. Há o cristianismo asceta, o medieval, o moderninho, o espetacular, o frio, o morno, o quente, o escandaloso, o marketeiro, o político…

Quando conheci a igreja evangélica não gostei do que vi. Não havia nada que me atraísse lá. Com colegas costumava zombar daqueles que tentavam nos ensinar que estávamos perdidos [logo nós, tão jovens e tão cheios de certezas], que não tínhamos futuro [acreditávamos ter a vida inteira pela frente] e que não sabíamos o que era alegria [tantas festas para ir…]. A verdade é que o cristianismo evangélico não era nada atraente. O romano também não, com um formalismo vazio e despido de significados. E o que nos sobrava? A vida… para ser curtida. O lema de um pequeno grupo era: "É melhor o arrependimento de ter feito do que o arrependimento de ter tido a oportunidade e deixado de fazer". E vivíamos a vida numa tolice desvairada, acreditando que tínhamos que comer e beber, pois a única certeza que poderíamos ter era a da morte [Is 22.13].

Mas porque o cristianismo que eu conheci naquela época não tinha atrativos para nós? A primeira e mais importante resposta é que o carnal não pode perceber nem desejar as coisas espirituais. Era o tempo de astros como Michael Jackson, Bon Jovi, REM, e vários outros. Gostávamos de shows – e a igreja não oferecia isso. O púlpito, caso raras exceções, não era transformado em palanque – e nunca em palco para apresentações apoteóticas de pastores, cantores ou missionários. A congregação não era transformada em plateia para cantores ou bandas – ninguém falava em show [mostra] e sim em cultos. Os crentes convidavam os descrentes para aceitarem Jesus, e não para ver o mais novo astro gospel. Os cantores viajavam de ônibus de linha, viviam de seus trabalhos e mantinham as viagens para cantar com ofertas voluntárias e não com cachês. Terminavam o culto e iam tomar chá ou cafezinho com o restante da igreja, não exigiam hotéis para si e para o staff, ficando na casa dos irmãos [nessa época casa de pastor era grande por necessidade, não por exibicionismo].

O cristianismo que eu conheci os cristãos pensavam em levar um pecador a conhecer a Cristo. Conquistar o mundo sonho… mas para colocá-lo aos pés de Cristo. Diferente de hoje, em que conquistar o mundo significa ser poderoso neste mundo, ter influência, seguidores e construir impérios financeiros. Aliás, lutava-se para alugar meia hora numa emissora de rádio qualquer para poder anunciar que Jesus salva. Hoje os impérios de comunicação pertencentes a igrejas são usados para lavar dinheiro e ter influência política. Milhões são gastos para promover projetos pessoais enquanto missionários são esquecidos… lembrados apenas aqueles que dão ibope e cobram cachês cada vez mais exorbitantes. Igrejas deram lugar a templos, catedrais suntuosas numa tentativa moderna de equiparar-se com as catedrais medievais. Crentes e adoradores vão dando lugar a consumidores gospel.

O cristianismo que eu não queria tinha gente que se doava para louvar a Deus. Hoje é um verdadeiro mercado gospel, cheio de estrelismos e maníacos por grandeza. Pastores e missionários rodavam este país anunciando a salvação em Jesus Cristo. Hoje neoapóstolos, neopatriarcas, profetas de si mesmo e até mesmo neosalvadores pregam um estranho evangelho. Os cristãos abominavam as práticas do mundo – hoje correm para patrocinar o mundanismo desta indústria de uma estranha religião, que a cada dia cria um novo produto para atender a demanda cada vez mais crescente de novidades, pois têm coceira nos ouvidos [II Tm 4.3]. Se o cristianismo que eu não queria pregava a transformação de pecadores em santos, ele foi roubado, e em seu lugar está sendo colocado uma transformação da igreja não mais em agência missionária, mas em templos de consumo.

No cristianismo que eu não queria os cristãos dizimavam por dois motivos principais: demonstrar sua gratidão a Deus que tudo lhes dava e, ao mesmo tempo, dizer a todos que acreditava na suficiência de Deus para suprir todas as suas necessidades. Este novo cristianismo pretende que o dízimo seja um meio de obrigar Deus a devolver dez vezes mais. Torna-se um meio de barganha e instrumento de cobrança contra o Todo poderoso, convertido num faz tudo de luxo… Naquele cristianismo as ofertas espelhavam o interesse que os crentes tinham no crescimento do evangelho e não eram, nem de longa sonhava-se com isso, em ser um cartão de crédito capaz de salvar até mesmo almas do inferno, numa espécie de indulgência neopentecostal anunciada por alguns malas..

Este cristianismo que eu não conhecia certa vez me pediu para fazer cartazes para serem usados na evangelização. Eram simples e falavam de um Deus de amor que transforma vidas. Não se pensava em estratégias mirabolantes para se atingir milhões de reais antes de atingir uma alma sequer. Pensava-se em chegar aos pecadores, com pés formosos, anunciando, ensinando, evangelizando, discipulando e não aos paraísos do mundo em jatinhos. Pensava-se muito mais em obedecer a Deus do que atingir números e resultados estrondosos. As igrejas alegravam-se quando um pecador se arrependiam – hoje a alegria está em atingir metas financeiras. Obreiros buscavam contabilizar conversões – hoje precisam de cifras para não cederem o posto a outros nas franquias eclesiásticas.

Neste cristianismo que eu não queria o maior milagre era a conversão de um pecador, pois alguém passava da morte para a vida. Isso era a maior demonstração esperada do poder de Deus. No atual cristianismo até hímen é recomposto miraculosamente, cachorro sumido reaparece, gasolina é multiplicada e muitas outras aberrações. Hoje se fabricam tantos milagres que eles já parecem ser corriqueiros, com dia e hora para acontecerem. Acontecem, mas são como "cabeça de bacalhau": deve ter, mas alguém viu? Uma única conversão impactava uma cidade… hoje 5 milagres por dia [1500 por ano, por baixo] e não conseguimos ver nem os curados nem sua influência.

No cristianismo que eu rejeitava ofensas eram feitas por causa de sua santidade, que confundia e denunciava a maldade reinante, a hipocrisia de uma sociedade que se dizia religiosa mas nada conhecia de andar com Deus. Raros são os que são perseguidos por serem cristãos: os escândalos dos que se dizem cristãos se avolumam dia a dia. Lamentavelmente pastores vendem suas igrejas a preço não de banana, porque não são simplórios, mas amealham fortunas a cada pleito político… Hoje milhões vão às ruas em marchas e cruzadas, e o resultado é apenas bagunça, balbúrdia e exposição midiática de aproveitadores e mercadejadores da fé. Estes eventos não espalham o evangelho. Não pisam nos mesmos passos daquele que não gritava nas praças. Não adianta declarar que uma cidade é de Jesus se nem mesmo seus próprios corações o são. Este neovangelho que aí está e outra coisa e nada sabe de Cristo. O reino que está crescendo não é o de Deus. Este reino é usurpador, usa seu santo nome, e será julgado por isso.

Eu não queria o antigo evangelho. Não quero o novo. Então, porque sou o que sou? Porque o homem natural não poderia, jamais, receber o antigo. Precisou ser restaurado pela graça de Deus em Cristo Jesus. Precisou nascer de novo. O ateu à toa foi recriado. O perseguidor intelectual teve sua mente transformada segundo a mente de Cristo. Talvez o antigo aceitasse este novo cristianismo amoral e muitas vezes imoral… Mas isto não é mais possível. O antigo morreu. Tudo se fez novo – e percebeu que o antigo é que traz alegria e paz com Deus. Este novo, quando muito, traz satisfação temporária faz de seus seguidores os mais infelizes de todos os homens porque sua esperança se limita apenas a este mundo.

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