terça-feira, 3 de maio de 2011

A PSICOLOGIA DO CHAMADO PARA O REINO DE DEUS

2011bMateus 20.1-8

Após o encontro com o jovem rico, o Senhor Jesus conta uma parábola para mostrar aos seus ouvintes quais deveriam ser os sentimentos presentes no coração daqueles que tem oportunidade de ouvir o chamado do Senhor. É evidente que o primeiro sentimento é o de rejeição, ilustrado pelo jovem que tinha posses. Mas há mais a aprender na parábola dos trabalhadores da vinha. Ao comparar o reino dos céus a uma vinha que precisava de trabalhadores temos um sentimento de urgência. No reino tudo está pronto. Falta apenas aqueles que serão chamados para colherem os frutos. E quem são eles?

Minha primeira constatação é que estamos falando de trabalhadores, de pessoas desempregadas, não de vagabundos. São pessoas necessitadas, que nada podem fazer para mudar sua situação, e que estão desocupados por uma circunstância, mas querem e precisam trabalhar. Prova disso é que saem de casa ainda de madrugada, e dirigem-se a um local onde os empregadores sabem encontrar pessoas para prestarem serviços. Em cidades do interior é comum encontrar nas praças ou à margem das rodovias lugares onde os desempregados ficam à espera de algum serviço pontual. Não é diferente em Jacundá. Quem conhece a cidade sabe onde encontrar os trabalhadores, e sabe diferenciá-los dos vagabundos que por ali perambulam. Mas nosso propósito é analisar o sentimento destes homens. Não é difícil imaginar estes homens, desempregados, pais de família, saindo de casa sem uma ocupação certa, dirigindo-se, ainda de madrugada, para um local qualquer na esperança de conseguirem um trabalho, um bico, algum meio de levar para casa o alimento para sua esposa e filhos. Imaginemo-los saindo, olhando para as crianças que ainda dormem, o olhar entre angustiado e esperançoso da esposa a desejar-lhe boa sorte em mais esta tentativa. Caminham, ainda no escuro, cabisbaixos, e à medida que se aproximam do lugar habitual encontram outros na mesma situação. Cumprimentos monossilábicos, vendo no outro um companheiro de infortúnio e ao mesmo tempo um concorrente. Conseguirão emprego? Qual dos dois conseguirá uma ocupação? O que ele sabe fazer? Qual a especialidade do outro? Não consigo outra palavra para descrever o que se passa em seus corações que não seja angústia. Angústia causada pela necessidade, pela incapacidade de resolver seu problema, pela lembrança dos queridos que ficaram em casa aguardando o resultado de sua jornada.

Estes homens serão divididos em quatro grupos, cada um com sua experiência pessoal. Imaginemos a alegria de alguns destes ao chegarem ao ponto e, logo na primeira hora, serem contratados para um dia de serviço. Isto significava um denário [aproximadamente R$ 25,00], suficiente para garantir a alimentação de uma família média da época – não haveria muitos luxos, a comida seria simples, mas todos se alimentariam adequadamente. Daria pro leite, pro trigo, quem sabe um queijo e um pouco de carne – em resumo, garantia-se o arroz com feijão diário. Para os trabalhadores significava o fim da angústia, a certeza de que no dia seguinte os filhos e a esposa teriam alimento, e, para eles, também a garantia de que eles teriam alimento durante aquele dia [I Co 9.9-10]. Ninguém poderia impedi-los de comer dos frutos enquanto trabalham [II Tm 2.6]. Diz-nos o texto que o dono da casa saiu de madrugada para assalariar trabalhadores. Encontrou trabalhadores que estavam dispostos a trabalhar logo muito cedo, contratou-os pelo salário usual, mostrou-lhes qual o trabalho que deles esperava e foi cuidar dos seus próprios afazeres.

Não posso deixar de chamar a atenção para o cuidado do Senhor com a sua vinha. Embora tenha colocado trabalhadores, logo depois retorna para ver se o trabalho está sendo feito a contento, e, em sua sabedoria, percebe que os trabalhadores são poucos [Lc 10.2], e, novamente, sai em busca de novos trabalhadores. E aqui nós encontraremos o segundo grupo de trabalhadores. Não é necessário repetir que ele passou pelas mesmas angústias e sentimentos que os primeiros, todavia, estes sentimentos foram agravados pelo fato de terem chegado ao posto de recrutamento e não aparecer ninguém para assalariá-lo. Deu a hora habitual de recrutamento e ele continuava sem emprego, sem perspectiva de qualquer ganho. Apesar disso quero destacar que aqueles homens não se deixaram dominar pelo desanimo, nem abandonaram o posto. Foram perseverantes, continuaram aguardando. Sua família dependia deles. Contra todas as expectativas eles continuavam aguardando. Uma mente angustiada não deixa de pensar em todo tipo de coisas, inclusive, fazer contas. Calcular quanto tempo ainda vai durar o alimento deixado na dispensa. Calcular quanto já não vai ganhar a cada hora que passa, ao mesmo tempo em que calcula a cada vez mais escassa chance de conseguir uma ocupação naquele dia. Mas continuam esperando. Continuam aguardando e sua esperança não é frustrada. Às 9.00h o senhor da vinha chega a um novo ponto de arregimentação de trabalhadores. E contrata-os pelo que é justo [não há menção do valor, mas agora gira em torno de R$ 18.00]. Não é a diária integral, mas certamente garante a alimentação de uma casa, por mais um dia. É mais uma vitória na luta diária, mais um dia sem que ninguém passe fome em casa – nem ele na rua. O senso comum nos conduz a pensar que, talvez, a alegria destes seja menor que a dos primeiros – mas creio justamente no contrário. Sua angústia foi mais duradoura e seu alívio, certamente, foi maior.

Jesus propositalmente agrupa duas chamadas em um só relato, referindo-se aos que foram chamados por volta da hora sexta e da nona. Estes duas chamadas se dão após o horário do almoço. O que se espera é que alguém que não tenha conseguido uma ocupação nestas condições volte pra casa. Mas, voltar para que? Para dividir a pouca comida que deixou com os filhos e a esposa? É comum que os pais deixem de comer para que seus filhos tenham um pouco mais [sei que há pais que agem diferente, mas estou falando de situações normais, de pessoas normais]. Talvez por isso estes homens tenham permanecido à procura de emprego, vendo, a cada dia, sua expectativa de conseguir recursos diminuírem. Sua calculadora mental funcionando, celeremente, a cada hora que passa. Imaginemos que, ao sair de casa, ele tenha feito uma lista do que precisa comprar para manter a família. Na terceira hora começa a eliminar elementos daquela lista. Na sexta hora a lista fica ainda menor. Na nona hora resta pouca coisa que é possível comprar se conseguir colocação. Como levar comida para casa com R$ 6,00? Um pouco de trigo, azeite e leite. É o que lhe sobra na lista, mas ainda é melhor que nada. E é por isto que continuam aguardando. A sabedoria popular diz que pouco é melhor que nada. A cada minuto que passa cresce a angústia de saber que tem crianças, tem família aguardando sua chegada com boas novas. E assim podemos imaginar o alívio quando, mesmo à hora nona, a uma hora impensável, conseguem algo para fazer. Quase que dá pra chamar o senhor da vinha de "salvador", tamanho é a alegria que sentem. Sua família não mais passará fome.

Mas o dono da vinha sabe que o trabalho é urgente, tem que ser feito rapidamente – o mais rapidamente possível. E continua à procura de trabalhadores. É emblemática a pergunta que ele faz quando, à hora undécima, isto é, uma hora antes do encerramento do expediente, à hora mais improvável de encontrar alguém disposto a trabalhar e, também, improbabilíssima de encontrar alguém ainda esperando alguma coisa, ele encontra mais alguns desempregados. Depois de um dia inteiro de expectativa, quando muitos já estavam se preparando para deixar seus postos, eles ainda aguardavam alguma coisa. Se conseguissem, ganhariam cerca de R$ 2,00. Pouco? Sim, mas suficiente para o trigo – do qual a esposa faria bolos para, pelo menos, os filhos comerem, sobrevivendo mais um dia – e no dia seguinte a angústia se renovaria, a busca por emprego seria retomada. O dono da vinha encontra-os e pergunta: "Porque estivestes aqui desocupados o dia todo?" Não há repreensão ou julgamento. Não há condenação. É uma constatação, uma pergunta e, ao mesmo tempo, o início de um diálogo inteligente. A resposta é pungente, dolorida, sofrida. Mas não há lamento. É apenas a verdade: "Porque ninguém nos contratou". Simples como responder porque as coisas caem – porque há uma lei chamada gravidade. É como se eles dissessem: estamos aqui porque não podemos fazer nada para resolver nossa situação. Tudo o que temos é nossa força de trabalho, mas ninguém nos chama. Estás homens já podiam ter desistido, já podiam ter ido para casa, mas continuavam ali. E certamente o dono da vinha levou isto em conta e diz-lhes, sem tratar de salários, como fez com todos os outros [exceto os primeiros]: ide para a vinha. Era pouco o que receberiam, mas garantia o alimento dos filhos e eles próprios poderiam deliciar-se enquanto estavam na colheita das uvas – matariam a fome depois de um dia de expectativa frustrada e fome.

Quero concluir com a seguinte indagação: qual destes homens estará mais feliz ao fim do dia de serviço? Se fosse você? Estaria mais feliz por ter conseguido trabalho na primeira hora, ou por ter conseguido o alimento para seus filhos na última hora? O Senhor Jesus contou esta parábola com o objetivo de ensinar aos judeus que eles eram privilegiados por terem sido chamados pelo Senhor na primeira hora, eram, na linguagem de Paulo, o povo da aliança, aqueles a quem Deus deu os patriarcas, a lei, os profetas [Rm 9.4-5] e o próprio Cristo, a quem, como o homem de posses que o havia procurado pouco antes, estavam rejeitando [Mc 10.22 cp. Jo 1.12]. Trata-se, ainda, de uma advertência amorosa aos judeus para que os mesmo evitassem de cometer o erro de menosprezar o seu chamado. Mas o Senhor também lembra que outros foram chamados em horas diferentes, como Rute, Raabe, Naamã, a viúva de Sarepta e tantos outros não judeus aos quais Deus fez filhos de Abraão, isto é, filhos da fé [Gl 3.7]. Os que foram chamados primeiro tiveram o privilégio de gozar das bênçãos do reino todo o tempo. Quanto mais tarde o chamado, mais a angústia de viver sem Deus no mundo [Ef 2.12], maiores as preocupações cotidianas sem a certeza do cuidado de Deus [Mt 6.32]. Mas, conforme veremos brevemente em novo artigo, tanto os chamados na primeira quanto os chamados na última hora gozarão do mesmo dom inefável de Deus: entrar no seu reino e usufruir da misericórdia e bondade do Senhor da seara, a quem toda a honra, louvor e glória.

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